A nau dos insensatos
Depois da terrível entrevista do assassino Carlos Eugênio Paz (http://globotv.globo.com/globo-news/globo-news-dossie/v/ex-guerrilheiro-da-luta-armada-confessa-participacao-na-morte-de-um-companheiro/2020170/ ) creio que vale a pena postar novamente o meu artigo "Falácias da luta armada". Triste momento da História do Brasil quando vivemos entre os torturadores (que também são assassinos) e os "guerrilheiros" da luta armada:
![]() São Paulo, segunda-feira, 19 de maio de 2008 |
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| Texto Anterior | Próximo Texto | Índice TENDÊNCIAS/DEBATES Falácias sobre a luta armada na ditaduraMARCO ANTONIO VILLA Militantes de grupos de luta armada criaram um discurso eficaz. Quem questiona "vira" adepto da ditadura. Assim, evitam o debate A LUTA armada, de tempos em tempos, reaparece no noticiário. Nos últimos anos, foi se consolidando uma versão da história de que os guerrilheiros combateram a ditadura em defesa da liberdade. Os militares teriam voltado para os quartéis graças às suas heróicas ações. Em um país sem memória, é muito fácil reescrever a história. É urgente enfrentarmos essa falácia. A luta armada não passou de ações isoladas de assaltos a bancos, seqüestros, ataques a instalações militares e só. Apoio popular? Nenhum. O regime militar acabou por outras razões. Argumentam que não havia outro meio de resistir à ditadura, a não ser pela força. Mais um grave equívoco: muitos dos grupos existiam antes de 1964 e outros foram criados logo depois, quando ainda havia espaço democrático (basta ver a ampla atividade cultural de 1964-1968). Ou seja, a opção pela luta armada, o desprezo pela luta política e pela participação no sistema político e a simpatia pelo foquismo guevarista antecedem o AI-5 (dezembro de 1968), quando, de fato, houve o fechamento do regime. O terrorismo desses pequenos grupos deu munição (sem trocadilho) para o terrorismo de Estado e acabou usado pela extrema-direita como pretexto para justificar o injustificável: a barbárie repressiva. Todos os grupos de luta armada defendiam a ditadura do proletariado. As eventuais menções à democracia estavam ligadas à "fase burguesa da revolução". Uma espécie de caminho penoso, uma concessão momentânea rumo à ditadura de partido único. Conceder-lhes o estatuto histórico de principais responsáveis pela derrocada do regime militar é um absurdo. A luta pela democracia foi travada nos bairros pelos movimentos populares, na defesa da anistia, no movimento estudantil e nos sindicatos. Teve na Igreja Católica um importante aliado, assim como entre os intelectuais, que protestaram contra a censura. E o MDB, nada fez? E seus militantes e parlamentares que foram perseguidos? E os cassados? Quem contribuiu mais para a restauração da democracia: o articulador de um ato terrorista ou o deputado federal emedebista Lisâneas Maciel, defensor dos direitos humanos, que acabou sendo cassado pelo regime militar em 1976? A ação do MDB, especialmente dos parlamentares da "ala autêntica", precisa ser relembrada. Não foi nada fácil ser oposição nas eleições na década de 1970. Os militantes dos grupos de luta armada construíram um discurso eficaz. Quem questiona é tachado de adepto da ditadura. Assim, ficam protegidos de qualquer crítica e evitam o que tanto temem: o debate, a divergência, a pluralidade, enfim, a democracia. Mais: transformam a discussão política em questão pessoal, como se a discordância fosse uma espécie de desconsideração dos sofrimentos da prisão. Não há relação entre uma coisa e outra: criticar a luta armada não legitima o terrorismo de Estado. Precisamos romper o círculo de ferro construído, ainda em 1964, pelos inimigos da democracia, tanto à esquerda como à direita. Não podemos ser reféns, historicamente falando, daqueles que transformaram o adversário, em inimigo; o espaço da política, em espaço de guerra. Um bom caminho para o país seria a abertura dos arquivos do regime militar. Dessa forma, tanto a ação contrária ao regime como a dos "defensores da ordem" poderiam ser estudadas, debatidas e analisadas. Parece, porém, que o governo não quer. Optou por uma espécie de "cala-boca" financeiro. Rentável, é verdade. Injusto, também é verdade. Tanto pelo pagamento de indenizações milionárias a privilegiados como pelo abandono de centenas de perseguidos que até hoje não receberam nenhuma compensação. É fundamental não só rever as indenizações já aprovadas como estabelecer critérios rigorosos para os próximos processos. Enfim, precisamos romper os tabus construídos nas últimas quatro décadas: criticar a luta armada não é apoiar a tortura, assim como atacar a selvagem repressão do regime militar não é defender o terrorismo. O pagamento das indenizações não pode servir como cortina de fumaça para encobrir a história do Brasil. Por que o governo teme a abertura dos arquivos? Abrir os arquivos não significa revanchismo ou coisa que o valha. O desinteresse do governo pelo tema é tão grande que nem sequer sabe onde estão os arquivos das Forças Armadas e dos órgãos civis de repressão. Mantê-los fechados só aumenta os boatos e as versões fantasiosas. MARCO ANTONIO VILLA, 51, é professor de história do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e autor, entre outros livros, de "Jango, um perfil". |


# por Anônimo - 4 de julho de 2012 às 14:53
Perfeito artigo!
Maria
# por Gustavo - 6 de julho de 2012 às 05:50
Prof. Villa, considero este um de seus melhores artigos. Fiz questao de reproduzi-lo em meu blog assim que saiu, e de rebater o artigo de resposta que dois ex-guerrilheiros publicaram na Folha depois. Quanto a confissao do Carlos Eugenio Paz, ele ja a havia feito em um de seus livros de memorias, "Viagem a luta armada", apenas omitindo o nome da vitima. Assim como este, houve varios casos semelhantes de assassinatos cometidos por militantes de esquerda contra seus proprios companheiros, tanto durante quanto antes do regime militar. Veja o texto que escrevi sobre a morte de um membro do PCB relatado pelo ex-dirigente comunista Hercules Correa: http://gustavo-livrexpressao.blogspot.gr/2011/11/alo-senhores-da-comissao-da-verdade.html Sem falar no famoso "caso Garota", que envolveu diretamente o maior icone da esquerda no Brasil: Luiz Carlos Prestes. Pretendo abordar esses e outros casos no livro que estou escrevendo sobre o comunismo no Brasil.
# por Anônimo - 6 de julho de 2012 às 13:53
Ótimo, excelente artigo. Parabéns,Professor.
# por Anônimo - 8 de julho de 2012 às 23:12
Parabéns, professor Villa - não conhecia o artigo. Um dos pontos maiores pra mim, que não escondem os casos específicos, é a tendência de certos setores políticos em fechar o debate. Nesse sentido, acredito que o senhor prestou um grande serviço demonstrando de que forma eles o fazem nesse caso, que é um dos mais delicados. A lógica bipolar com que lidam com as questões mais complicadas é algo inacreditável; ou se está a favor ou se está contra eles. E sabemos o que significa estar contra a esquerda no Brasil.