Saudades do barão

Publiquei este artigo na "Folha de S. Paulo" em 4 de outubro de 2009:


AS TRAPALHADAS na condução da crise de Honduras sintetizam de forma cristalina a ação do Itamaraty nos últimos sete anos. É um misto de voluntarismo com irresponsabilidade. Algumas vezes, Celso Amorim mais parece um líder estudantil do que ministro das Relações Exteriores.

O Brasil não tem nenhuma vinculação histórica com a América Central.

Contudo, o governo brasileiro insistiu em ter participação direta na crise hondurenha. Queria demonstrar liderança regional numa área historicamente de influência norte-americana.

Como uma espécie de recado do "cara" para Barack Obama, comunicando que o Brasil era a nova potência da região. Potência sem "marines", mas com muita retórica e bazófia.

Claro que tinha tudo para dar errado, como se, em um filme de faroeste, John Wayne fosse substituído por Oscarito.
A aventura alcançou o ápice quando Zelaya chegou à embaixada brasileira. Minutos depois, recebeu a adesão de centenas de seguidores. Logo o local virou um acampamento. A tradição latino-americana se impôs. Muitos discursos, acusações, traições e atos de valentia sem nenhuma consequência prática. E tudo isso na embaixada brasileira, território nacional.

Quando o governo hondurenho cercou o prédio, o ato foi considerado autoritário. Imagine o que faria Fidel Castro se um líder anticastrista entrasse na embaixada brasileira em Havana e de lá insuflasse a população cubana à rebelião...

Celso Amorim declarou diversas vezes que lá em Honduras estava sendo jogada a sorte da democracia na América. Não era possível transigir com princípios democráticos e legais.

Era necessário não retroceder.

Estranhamente, essa determinação não é aplicada na América do Sul.

Mais ainda quando nossos vizinhos agem deliberadamente contra os interesses brasileiros, violando tratados, leis e contratos.

Tivemos o caso das refinarias da Petrobras na Bolívia, que foram tomadas abusivamente pelo governo local. Tivemos a insistência paraguaia impondo a revisão do tratado de Itaipu 15 anos antes do seu término. Tivemos as sucessivas violações do tratado do Mercosul realizadas pela Argentina e as abusivas medidas adotadas pelo governo equatoriano contra empresa brasileira.

A tudo isso o governo Lula assistiu passivamente. Não moveu um dedo.

Pelo contrário, concordou com as arbitrariedades, desmoralizou as gestões anteriores do Itamaraty e, assim, abriu caminho para que amanhã um governo resolva, de moto próprio, descumprir um tratado ou acordo.

A simpatia política com os governos chamados bolivarianos e subserviência a eles chegou ao ponto da absoluta irresponsabilidade.

A Colômbia, que tem tentado estabelecer uma política de cooperação com o governo Lula para melhorar a fiscalização da fronteira, é sistematicamente tratada com hostilidade, inclusive nos fóruns regionais.

Já a Venezuela, que disputa claramente espaço político com o Brasil e que não perde uma oportunidade para debilitar os interesses brasileiros na região (como durante a encampação das refinarias da Petrobras na Bolívia), é tratada como aliada, mesmo tendo uma política externa agressiva, sustentada por fabulosas compras de modernos armamentos. E, como o que está ruim pode piorar, a Venezuela vai entrar no Mercosul.

A diplomacia brasileira tentou por todos os meios ter presença diretiva em vários organismos internacionais e no Conselho de Segurança da ONU.

Como necessitava de votos, considerou natural ignorar graves violações dos direitos humanos em vários países (como o genocídio de Darfur), apoiou ditadores (como Muammar Gaddafi) e até fez campanha para um aspirante a diretor-geral da Unesco notabilizado por declarações de cunho antissemita. Mesmo assim, os candidatos brasileiros foram derrotados, e a estratégia fracassou.

O presidente Lula transformou o Itamaraty em uma espécie de Íbis, clube de futebol pernambucano celebrizado pelo número de derrotas.

O Brasil precisa ter papel relevante nos organismos e nas negociações internacionais. Disso ninguém discorda. Mas a maturidade econômica do país não condiz com uma política externa inconsequente. Não é com base em aventureirismo que o país vai ser respeitado. E muito menos servindo de cavalo de troia de bufões latino-americanos.

Um dos grandes desafios para o século 21 brasileiro é a construção de uma política externa global, que enfrente os desafios da nova ordem internacional. Um bom caminho para dar início a essa discussão é aproveitar a próxima eleição e, pela primeira vez, transformar a política externa em tema eleitoral.

"Viver de província"

Publiquei este artigo na "Folha de S. Paulo" em 7 de janeiro de 2009:


NO FINAL do Império, em meio às turbulências políticas, Júlio Ribeiro -escritor, gramático e polemista republicano- cunhou a expressão "viver de província", nas suas "Cartas Sertanejas". Era uma definição sarcástica do pobre cotidiano político-cultural do interior de São Paulo. Depois de 120 anos, pouco mudou:
apesar do grande progresso econômico e de concentrar parte expressiva do PIB brasileiro, o interior continua marcado pelo provincianismo.

A inexpressividade política do interior é suprapartidária. Vez ou outra algum grupo tenta ter espaço regional, mas acaba fracassando. O último foi a conhecida "República de Ribeirão Preto", expressão cunhada para designar os aliados do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, em Brasília.

Porém, a denúncia de uso pouco ortodoxo de uma mansão, na capital federal, levou ao naufrágio do grupo, mesmo com a eleição de Palocci para deputado federal. E o interior, para o bem ou para o mal, continuou sem liderança expressiva.

A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) poderia ser um palco para o aparecimento de lideranças interioranas. Contudo, das suas atividades pouco ou nada se sabe. Muitos nem sequer imaginam onde, na capital paulista, se localiza o prédio de um dos Poderes do Estado.

Dos seus 94 deputados, mesmo os que acompanham a política regional sabem, se tanto, o nome de meia dúzia. O noticiário político prioriza o Congresso Nacional. A Alesp é solenemente ignorada: só é notícia quando ocorre denúncia de um suposto escândalo administrativo.

Outra possibilidade seria a ação de alguma administração municipal que se notabilizasse pela inovação. Mas, dos mais de 600 municípios interioranos, quais poderiam ser destacados pela originalidade administrativa?

A política estadual concentra-se na capital e, no máximo, na Grande São Paulo. Os líderes partidários que têm presença nacional também atuam nessa região. O interior é marcado pelo situacionismo, pela política do "sim, senhor". Os prefeitos mudam de partido acompanhando a base política do governador. Não têm opinião formada. E os deputados são cobrados pelos seus eleitores para trazer recursos para suas bases, e o preço é sempre apoiar o governo.

No campo cultural, apesar do grande número de faculdades e universidades instaladas no interior, não houve mudança. O conservadorismo local venceu a potencialidade transformadora da universidade.

Eventualmente professores universitários passaram a participar da política local, mas sempre buscando alguma forma de composição política com os poderosos locais. E, quando necessário, os conservadores utilizaram-se da violência para expulsar os professores indesejáveis, como em São José do Rio Preto, logo após o golpe de 1964, na faculdade local e que hoje é parte da Unesp.

Há uma valorização absoluta do dinheiro e um desprezo pela cultura.

Em muitas cidades há mais joalherias que livrarias. As políticas culturais são fadadas ao fracasso. O poder público -tal qual a maioria dos eleitores- não tem interesse nas atividades culturais: elas não dão voto e, por vezes, dão problemas.

Em Araraquara, depois do espetáculo "Mistérios Gozosos", de Oswald de Andrade, José Celso Martinez Corrêa e grupo foram processados, acusados de "vilipendiar atos e objetos de culto religiosos". O processo foi movido por araraquarenses incomodados "moralmente" com o trabalho de Zé Celso.

Uma "atividade cultural" muito conhecido no interior, espécie de marca regional, é o massacre anual de animais conhecido como Festa do Peão Boiadeiro, em Barretos. Como tudo que é ruim, prolifera rapidamente: os rodeios espalharam-se pelo Estado.

No Vale do Paraíba, criaram até um rodeio para Cristo, que, certamente, deixaria o Nazareno horrorizado.

A maioria dos jornais é subsidiada pelo poder público ou por algum potentado local. O nível das publicações é rasteiro. O espaço da coluna social é várias vezes superior ao destinado a temas políticos.

Quando surge uma imprensa independente, os jornalistas passam imediatamente a ser perseguidos e ameaçados. Basta recordar, entre tantos outros exemplos, dos tristes episódios de Marília, que envolveram um conhecido político local e o ataque criminoso às instalações do "Diário".

Júlio Ribeiro morreu em 1890, aos 45 anos. Viu muito pouco do Brasil com que sonhou: sem escravos e republicano. Mas o interior não mudou: tal qual no final do século 19, continua impressionando pelo dinamismo econômico e pelo provincianismo.

Uma história marcada pela subserviência

Publiquei este artigo no Estadão em 26 de agosto de 2007:


A sessão de quarta-feira do Supremo Tribunal Federal foi estarrecedora. As atenções estavam voltadas para aquela Corte, que apreciava a denúncia por parte do procurador-geral da República dos envolvidos no mensalão. Duas dúzias de advogados, regiamente pagos, estavam defendendo seus clientes.

Porém, da parte dos advogados já estamos acostumados à retórica vazia. A oratória é repetitiva, os gestos sempre iguais, como se todos (ou quase todos) tivessem passado pelo mesmo cursinho de como falar bem. Causa estranheza as homenagens que apresentam nas suas falas ora a um ministro, ora a um comentador da Constituição, ora a outro colega. Manter a atenção não é fácil, mas quem está acostumado com as sessões da TV Câmara e da TV Senado já tem know-how e consegue resistir.

O que logo chamou a atenção foi o desinteresse dos ministros - com algumas honrosas exceções - que, como diria um advogado, compõem aquela egrégia Corte. Tinha notado, em outras sessões, que durante a leitura do voto do relator ou quando um advogado defendia seu cliente, eles, os ministros, conversavam animadamente, levantavam, faziam piadas. Pareciam alunos indisciplinados, daqueles que, quando entram na sala de aula, se esparramam pelas carteiras e ouvem com displicência o professor, com a diferença que lá estavam os ministros da mais alta Corte do Brasil.

Na sessão que apreciou a denúncia do mensalão, dos dez ministros presentes, seis não paravam de acessar o computador. Dois (Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski) trocavam e-mails comentando a sessão, falando de como votar, discutindo quem deve ser o novo ministro daquela Casa, dando apelidos aos colegas (Eros Grau, o ministro, que também é poeta bissexto, é chamado de Cupido, e Ellen Gracie, a presidente, é a Professora). Conversavam com assessores (um deles estava “convencendo” um ministro a mudar seu voto!), liam notícias de jornais. Só não faziam o principal: prestar atenção em seu trabalho, que, naquele momento, era de ouvir os advogados de defesa. A ministra estava tão desatenta que nem percebeu quando foi chamada de Cármen Silva e Maria del Cármen. Outros acessavam o computador, bocejavam, demonstravam enfado, como se tudo aquilo não passasse de um rito desnecessário.

Mas o importante é que as aparências estavam mantidas. Os ministros e advogados vestiam suas togas e usavam a costumeira linguagem protocolar. O ministro Eros Grau chegou até a passar um bilhetinho para um advogado de defesa, tudo bem ao estilo do Brasil atual. A toda hora os garçons serviam os ministros e advogados; foi estabelecido um clima cordial, ameno, no plenário, salão que tem até um crucifixo próximo ao brasão da República, isto quando, desde 1890, a Igreja Católica foi separada do Estado. Ou seja, o plenário da mais alta Corte, que deve velar pela Constituição, descumpre a Carta.

Não parecia que estava sendo julgada a aceitação ou não de uma denúncia gravíssima. Quem assistiu às sessões da CPMI dos Correios sabe do que se está falando. Quem não ficou horrorizado com o depoimento de Duda Mendonça confessando espontaneamente que recebeu o pagamento dos seus préstimos no exterior? Quem não ficou horrorizado com o depoimento da diretora financeira de uma empresa de Marcos Valério relatando como entregava milhares de reais aos mensaleiros? Mas a sessão do STF seguia dando a impressão de estar julgando uma briga de vizinhos por algum motivo fortuito.

Infelizmente, aquela corte não tem bons antecedentes. A história do STF na República foi marcada pela subserviência ao Poder Executivo. Em seu governo, o marechal Floriano Peixoto (1891-1894) chegou a nomear para o Supremo um general e um médico (este, Barata Ribeiro, participou de várias sessões). O mesmo marechal Floriano ameaçou o Supremo quando este ia votar uma solicitação de habeas-corpus dizendo que, se fosse concedido, não saberia quem iria conceder o mesmo benefício aos ministros. Claro que o habeas-corpus foi negado.

Durante a República Velha (1889-1930), vários governadores foram depostos, as eleições foram maculadas pela fraude, jornais foram censurados e proibidos, opositores foram presos, torturados, mas o Supremo silenciou. Os valores republicanos e a defesa das liberdades foram ignorados. Quando o Centro Monarquista de São Paulo, em 1897, solicitou um habeas-corpus, o STF negou. Ou seja, o direito de reunião e de manifestação foi desconsiderado. O centro não tinha importância política e nem punha em risco as instituições, mas foi proibido de continuar funcionando. Estrangeiros foram expulsos - e o STF silenciou. Opositores foram desterrados para a Amazônia - e o STF também silenciou.

O advogado e brilhante jornalista Paulo Duarte, que durante décadas escreveu no Estado, no terceiro volume das suas memórias (Selva Oscura) relata um caso, que é exemplar, do uso político do STF pelo Executivo. Em 1924, ocorreu a segunda revolução tenentista. Derrotados, alguns se retiraram para o interior, até encontrar-se com os revoltosos que vinham do sul, formando a Coluna Prestes (1924-1927). Outros acabaram presos. Um deles foi o general João Francisco. Este foi detido com seu filho de 17 anos. Duarte requereu habeas-corpus para o menor, pois a prisão era flagrantemente ilegal. Na tensa discussão no plenário do Supremo, o ministro Bento de Faria, recém-nomeado pelo presidente Artur Bernardes, em resposta à afirmação de que aquele fato era contra a lei, disse: “Mas a lei já tem sido desobedecida numerosas vezes aqui, pode ser esquecida mais uma vez.” Desnecessário dizer que o STF negou o pedido.

Quando em 1935, após a rebelião comunista, foram suspensas as garantias constitucionais, o STF secundou as determinações do Executivo. Durante todo o Estado Novo (1937-1945), aquela corte fechou os olhos às violações dos direitos humanos. Nem sequer um ministro fez um protesto, ainda que mínimo. Nada. Os ministros continuaram a rotina administrativa, mantiveram o formalismo e ignoraram o Brasil real.

Nos anos de chumbo, depois do AI-5, o STF foi um fiel seguidor da ditadura, obediente aos ditames dos generais-presidentes. Quando a ditadura aposentou compulsoriamente três ministros (Víctor Nunes Leal - este foi, posteriormente, “homenageado” dando nome à biblioteca do Supremo -, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva), logo em seguida dois presidentes da Casa demitiram-se (Antônio Gonçalves de Oliveira e Antônio Carlos Lafayete de Andrada). Contudo, os outros ministros (naquele momento o Supremo tinha 16 componentes) mantiveram-se calados. Estranhamente, no site do STF, onde o ministro Celso de Mello escreveu Algumas Notas Informativas (e Curiosas) sobre o Supremo Tribunal, este fato histórico é omitido.

A redemocratização não chegou ao Supremo, infelizmente. Tudo continuou como dantes. Quem não se lembra que o STF não questionou os absurdos jurídicos do Plano Collor? Quem não se lembra que o ex-presidente Fernando Collor foi inocentado por “falta de provas”? Quem não se lembra dos escândalos de corrupção dos últimos 20 anos e da ausência de punição por parte do Supremo? Quem não se lembra dos habeas-corpus concedidos aos salteadores dos cofres públicos, que, logo depois, fugiram do País?

A indicação dos ministros tem de passar pela aprovação do Senado. Porém, excetuando alguns nomes que foram rejeitados no governo Floriano Peixoto, todos os outros foram aprovados. As sabatinas obrigatórias tratam de assuntos secundários e o indicado já é considerado aprovado, isto antes mesmo de ser ouvido.

O STF é a síntese da Justiça brasileira: lento, corporativo, classista, formalista e injusto. É fundamental para o futuro da democracia brasileira que o Supremo mude e passe a fazer justiça e não política, no pior sentido dessa palavra. E deixe de ser, como escreveu há tantos anos João Mangabeira, o poder que mais falhou na República.

A crise política e o Judiciário

Publiquei este artigo na "Folha de S. Paulo" de 13 de junho de 2007:


A AÇÃO da Polícia Federal, especialmente a Operação Navalha, tem criado enorme polêmica.

Muitos perguntam a quem interessam essas ações, como se uma polícia de Estado tivesse de servir ao governo em vez de defender o interesse público. A cada operação, é elaborada uma teoria conspiratória e começa a busca dos favorecidos e dos prejudicados.

Os críticos alegam que tudo não passa de mero espetáculo, sem nenhum resultado prático, como se fosse tarefa da PF julgar e condenar os acusados de desvios dos recursos públicos. Ela faz -e bem- a sua parte. O nó górdio da impunidade -e que atinge o coração da democracia- não está no Executivo nem no Legislativo, mas no Poder Judiciário. Os dois primeiros Poderes, apesar dos defeitos que possuem, sofrem vigilância muito mais severa da imprensa, são mais transparentes e democráticos. Do Judiciário, pouco ou nada sabemos.

Vivemos uma grave crise política -que se eterniza. E parte dela se deve à corrupção. E o papel ativo do Judiciário nesse combate é essencial.

A Justiça brasileira é severa com o "andar de baixo", mas leniente com o "andar de cima". Contra os pobres, age rapidamente e pune severamente. Já políticos acusados de corrupção -e considerados por seus pares como corruptos- continuam circulando livremente. Alguns estão no Congresso e são recebidos pelo presidente da República com todas as honras. Um deles, inclusive, pode entrar tranqüilamente no Palácio do Planalto, mas será preso se pisar nos Estados Unidos.

O Judiciário deve agir combatendo os crimes, independentemente da origem social do acusado. Parece óbvio, mas não é o que ocorre no Brasil.

É um Poder que acabou conivente com a desmoralização da própria Justiça. E exemplos não faltam.

Não é mero acaso que nenhum dos políticos importantes acusados de corrupção tenha sido condenado e preso. Eles contratam advogados criminalistas especializados em inocentar corruptos -e que cobram honorários caríssimos. Sabem que recebem dinheiro sujo. Mesmo assim, muitos deles, sem pestanejar, assinam manifesto em defesa da ética na política...

A crise moral atinge até os tribunais superiores. A Operação Hurricane apresentou documentos e gravações envolvendo juízes, advogados e um ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça). A Navalha chegou ao TCU (Tribunal de Contas da União).

Aí temos outro problema: a forma como são sabatinados pelo Senado os candidatos a ministro dos tribunais superiores -como STF (Supremo Tribunal Federal) e STJ- indicados pelo presidente da República.

Diversamente do que ocorre nos Estados Unidos, na terra descoberta por Cabral, tudo não passa de mera formalidade. Na sessão, o futuro ministro é elogiado, louvado como eminente jurista, mesmo que os senadores não tenham lido nada dele. Não se faz nenhuma pergunta sobre tema relevante: evitam constrangimentos a todo custo. O candidato já está aprovado antes da audiência. E se for uma mulher, ah, aí a sessão se transforma: a candidata é elogiada pela beleza, elegância e charme, numa manifestação explícita de machismo.

O problema das nomeações é antigo: Collor retirou do STF Francisco Rezek para designá-lo ministro das Relações Exteriores. Depois o demitiu. Para não deixá-lo na rua, colocou-o de novo no STF. E se fôssemos mais longe, chegaríamos a Floriano Peixoto, que designou um médico e um general para a Suprema Corte. A legislação atual é mais que suficiente para combater a corrupção. Logo, a questão não passa pela inexistência de base jurídica. Falar que falta vontade política ao Judiciário deixaria Montesquieu corado. Também não cabe tomar nenhuma atitude que viole o equilíbrio entre os Poderes.

O caminho deve ser uma cobrança ativa da sociedade, exigindo que o Judiciário finalmente, para usar linguagem futebolística, entre em campo.

Dentro desse quadro, com o Judiciário que temos, é impossível começar uma Operação Mãos Limpas, como na Itália. Diversamente do que escreveu nesta página o juiz Cláudio José Montesso (dia 10/6), apontar os graves problemas do Judiciário não fragiliza sua atuação ou a democracia.

Muito pelo contrário: fortalece a necessidade da mudança desse padrão.

O que o país espera é uma Justiça célere, eficiente e não-classista. Espera que voltemos a ter capacidade de nos horrorizarmos. Espera que o corrupto seja preso, julgado e condenado (devolvendo aos cofres públicos o dinheiro desviado). Espera que a República anunciada em 15 de novembro de 1889 seja finalmente proclamada.

Ataques nunca dantes desfechados

Publiquei este artigo no Estadão em 15 de fevereiro de 2009:



Nunca antes na história deste País um presidente fez ataques tão violentos à imprensa como os realizados nos 74 meses da gestão Luiz Inácio Lula da Silva. Nos pouco mais de seis anos de governo, Lula passou por uma séria crise política em 2005 - quando do mensalão - e por uma campanha eleitoral amena, como a de 2006. Nada, portanto, excetuando alguns meses de 2005, que justificasse uma espécie de cerco da mídia ao governo. Nos 120 anos de república ocorreram diversas crises políticas com repercussão na imprensa. Basta recordar o episódio das cartas falsas, de 1922, quando foi atribuída a Artur Bernardes uma série de cartas críticas ao Exército. O então candidato respondeu através da imprensa e travou-se um acirrado debate político. Mas Bernardes não imputou aos jornais a razão da crise. Evidentemente que havia periódicos abertamente anti-Bernardes, como o Correio da Manhã, porém a disputa ficou no campo político.

Em agosto de 1954, depois do atentado da Rua Tonelero, excetuando o Última Hora, a imprensa fez o maior ataque coletivo a um presidente até hoje conhecido. Mesmo assim, Getúlio Vargas manteve a disputa - que acabou tragicamente - na esfera política, contra seus adversários da UDN. Dez anos depois, a mídia foi parte da efervescente contenda entre os defensores da democracia e aqueles que buscavam encontrar uma saída do impasse político pelo caminho do golpe de Estado.

Durante o regime militar, os presidentes, claro, não foram simpáticos às críticas da imprensa. Especialmente depois do Ato Institucional nº 5 (1968), fizeram de tudo para controlar e impedir a divulgação de notícias que o presidente Lula chama de negativas. Neste caso, há um ponto de convergência entre os presidentes Médici - que melhor representou os anos de chumbo - e Lula: ambos, no exercício da Presidência, manifestaram preferência por uma imprensa do sim, e, se possível, do sim senhor. Médici dizia que ficava muito feliz ao assistir ao Jornal Nacional e ver como o Brasil era uma ilha de tranquilidade em meio a um oceano turbulento marcado por greves, guerras e revoluções, por todo o mundo. Não tinha azia, diversamente de Lula, ao ler os jornais. Havia a censura, jornalistas eram presos e alguns, mortos. Eram os tempos das páginas em branco ou adornadas com receitas de bolo ou trechos de Os Lusíadas. Lula nem deve ter percebido tudo isso, pois, como revelou ao site www.abcdeluta.org.br, naquela época "meu negócio era ler o Diário da Noite porque tinha a coluna que falava de futebol e eu queria ler tudo que falava do Corinthians, era isso. Não tinha cabeça para outra coisa". Nem Fernando Collor, no auge da CPI que levou ao seu impeachment, em 1992, teve coragem de usar as mesmas palavras que Lula utilizou na última semana ((assim como o fez, só para ficarmos neste ano, no Fórum Social Mundial, em janeiro, ou na entrevista a revista piauí).

Para os padrões brasileiros, Lula é um gênio da política. Ataca violentamente e ameaça de forma subliminar a imprensa - e não se ouvem protestos. Diz que o ato de campanha de Dilma com os prefeitos, pago com dinheiro público, não foi uma ação político-partidária. Elogia o regime militar, mas paga a alguns perseguidos políticos da ditadura aposentadorias milionárias. Tem como guru Delfim Netto - célebre por ter manipulado o índice de inflação de 1973, quando era o todo-poderoso ministro da Fazenda - e censura os governos militares pela péssima distribuição de renda. Faz severas críticas ao coronelismo nordestino e incensa José Sarney como exemplo positivo de político.

Lula fala o que quer, disserta até sobre o nada, tudo porque não tem oposição. Os partidos oposicionistas estão sempre evitando o confronto. Consideram o embate político um desserviço ao Brasil (lembra, neste caso, o discurso dos generais presidentes). Para usar uma metáfora ao gosto do presidente, a oposição quer ganhar o jogo sem entrar em campo. No auge do mensalão, achou que já estava ganha a eleição presidencial do ano seguinte. Agora imagina que a crise mundial vá fazer seu papel e derrotar o candidato governamental. Supõe que a popularidade de Lula seja uma espécie de antídoto ao debate, quando justamente ocorre o contrário: o índice é alto porque não há contraponto ao presidente.

Centrar fogo na imprensa é peça de uma estratégia maior. Lula simula uma relação cordial com prefeitos e governadores de oposição que não passa de representação mambembe de política republicana. Sabe que é uma farsa. Mas contém os tímidos, os oposicionistas café-com-leite (como no futebol se faz com as crianças). O Lula real é o que ameaça a imprensa. Faz isso porque sabe que é na mídia que encontra seus reais opositores, não por motivo político, mas simplesmente por questionar o discurso oficial ufanista; discurso que deve deixar invejoso o coronel Octávio Costa, chefe da Assessoria Especial de Relações Públicas, do ditador Médici. O curioso (ou triste) é que a imprensa faz um papel que não é o seu. O faz porque a oposição lembra a célebre Conceição, sucesso musical de Cauby Peixoto, aquela que ninguém sabe, ninguém viu.

Enquanto isso, Brasília, a capital da esperança (?), viveu dias momentosos em fevereiro, uma espécie de prenúncio do carnaval e com foliões animadíssimos. Primeiro, a eleição para as mesas da Câmara e do Senado. Só as fotos de confraternização dos poderosos da hora dão pavor. Quem não ficou receoso ao ver os efusivos cumprimentos de Fernando Collor ao bissenador (Maranhão e Amapá) José Sarney, sob as vistas de Renan Calheiros? Quem não ficou envergonhado ao ver os prefeitos participando da encenação da fotomontagem com Lula e Dilma? E com o presidente dizendo que o batom da ministra candidata é pago pelo contribuinte?

A política brasileira faz com que o cidadão oscile entre o medo e a vergonha. Para o historiador há sempre uma saída: o passado. Mas será que esse refúgio também não é uma farsa? Em algum lugar do passado tivemos um varão de Plutarco? Ou será que sempre estivemos mais para algum personagem suburbano de Nelson Rodrigues, um Palhares qualquer, aquele que beijou a cunhada no pescoço, no corredor apertado?

Blog do Planalto

No último domingo, os 3 maiores jornais do país produziram cadernos especiais. O mais crítico em relação ao governo Lula foi "O Globo". O caderno está disponível em www.oglobo.com.br
O blog do Planalto, blog "oficial" do governo, respondeu ontem (blog.planalto.gov.br).

Quando a administração pública vira espetáculo

Publiquei em O Globo:

Não é tarefa fácil fazer um balanço dos dois mandatos presidenciais de Lula. Como é sabido, ele elegeu a sucessora e sai do governo com alto índice de popularidade.

Remar contra a corrente não é tradição no Brasil. O “adesismo analítico” é uma característica nacional, infelizmente. E mais ainda agora, pela forma como o presidente se portou durante os últimos oito anos. Lula criou um novo estilo de comunicação presidencial. Na nossa história republicana não há paralelo. Substituiu a rotina administrativa com eventuais manifestações públicas, típicas dos presidentes anteriores, por aparições constantes, sempre em clima de comício, buscando incessantemente o contato com os eleitores. Nestes momentos — e foram centenas durante os últimos oito anos — discursava de improviso, tecia considerações sobre os mais variados temas, atacava seus opositores e estabelecia um vínculo direto com o povo.

Não era com o governo, com um programa, um partido. Não. Era com ele. Nestas cerimônias — a maioria delas, mero pretexto para discursar — o transformou no maior propagandista do seu próprio governo. Mas não só: o reforço constante deste tipo de elo — o presidente e os eleitores — despolitizou a política, empobreceu o debate e fortaleceu o personalismo, tão nocivo à democracia, especialmente em um país em que as instituições democráticas e a cultura política são ainda frágeis.

Com raro poder de convencimento e habilidade no trato com os grandes auditórios — herança advinda dos tempos do sindicalismo —, Lula transformou a administração pública em espetáculo. E obteve êxito. Todas as denúncias — e não foram poucas — de corrupção, filhotismo e tráfico de influência caíram no esquecimento ou, no máximo, atingiram alguns dos seus auxiliares.

Ele saiu ileso. A complacência do presidente banalizou a corrupção, desmoralizou as CPIs e legitimou o saque do Estado.

Lula deu nova vida às oligarquias.

Justamente ele que, durante tantos anos, dizia representar o novo. Fez alianças com o que havia de mais atrasado na vida política nacional.

E não só: obrigou o seu partido a estabelecer acordos locais com os velhos oligarcas, alguns deles — caso de Sarney, no Maranhão — adversários viscerais dos petistas.

Desta forma, desarquivou das estantes empoeiradas da História o mandão local, concedeu legitimidade ao seu perverso domínio e desarticulou os movimentos antioligárquicos. Esta é uma das mais pérfidas heranças deixadas por Lula.

Nestes oito anos, o processo de acumulação capitalista foi intensificado.

Seguindo o ritmo histórico brasileiro, o Estado continuou sendo o grande indutor da expansão econômica, assim como foi durante o Estado Novo, o populismo e a ditadura militar. E como o setor privado não consegue acumular e crescer com suas próprias pernas, mais uma vez o Estado esteve presente.

Porém, ocorreram modificações importantes.

O BNDES jogou um papel fundamental, assim como os fundos de pensão das empresas estatais. O governo Lula criou uma burguesia petista. Fabricou milionários instantâneos, forjou gênios empresariais e transformou empreendimentos regionais em empresas mundiais.

Nem durante a ditadura, a grande burguesia teve apoio tão amplo e duradouro do Estado.

Se para o grande capital foram transferidos recursos, quase que a fundo perdido, para a classe média (no sentido mais amplo) foi ampliado o crédito em escala nunca vista, criando, por exemplo, no setor imobiliário uma bolha que pode estourar nos próximos anos, dependendo do que ocorrer na instável economia internacional. O endividamento das famílias aumentou numa escala superior à do crescimento da renda. O consumismo associado a uma taxa de câmbio sobrevalorizada levou amplos setores das classes médias a “lular”. Numa escolha racional tupiniquim, optaram por fechar os olhos frente a crise ética e valorizar os ganhos econômicos, atitude parecida ao momento do milagre brasileiro (1968-1973), durante a ditadura.

Para os setores organizados, tanto urbanos como rurais, o governo obteve, através da cooptação das lideranças, a tão almejada “paz social”.

Foram anos de tranquilidade no campo da luta de classes. As centrais sindicais foram domadas sem muito esforço. Bastou repassar milhões de reais — que foram descontados dos salários dos trabalhadores, como contribuição obrigatória — para os seus dirigentes. Aos barões do sindicalismo foram reservados também centenas de nomeações no Ministério do Trabalho, no Sebrae e no Sesi. No campo, o MST recebeu generosas dotações oficiais e até esqueceu que o governo Lula distribuiu menos terras que o “neoliberal” FHC. As mutações ideológicas chegaram até aos partidos que estariam à esquerda do PT, como o PCdoB. O antigo partido do socialismo foi seduzido pelos recursos destinados ao Ministério dos Esportes e acabou se transformando no partido do lazer. Trocou como leitura de cabeceira Karl Marx por Paul Lafargue.

Mas o pulo do gato foi buscar apoio eleitoral nos setores desorganizados, onde o PT era muito frágil, entre os menos escolarizados e com renda inferior a um salário mínimo. Sem vontade própria ou poder de mobilização, os beneficiários do Bolsa Família transformaram- se naquilo que todo governo conservador almeja: são fiéis e obedientes eleitores do oficialismo.

Temeroso ao extremo, Lula fez uma pálida gestão econômica. Sem a mínima ousadia, buscou resultados seguros e imediatos, sem nenhuma visão estratégica. Não foi um estadista. Longe disso. Assemelhou- se a um presidente da República Velha. Priorizou o setor primário da economia e desindustrializou o país. Soldou uma estranha aliança econômica entre o capital financeiro e o setor exportador.

O conservadorismo político-econômico também esteve presente na política externa. As causas democráticas e humanistas foram abandonadas.

O Brasil alinhou-se com ditaduras stalinistas, caudilhos passadistas e teocracias. Nas disputas internacionais, o país perdeu todas.

Por paradoxal que pareça, Lula considerou uma vitória a sucessão de derrotas. No campo social, o avanço foi pequeno.

Na educação, continuamos com milhões de analfabetos adultos e com um ensino fundamental formando alunos que desconhecem a língua portuguesa e as quatro operações matemáticas. Contudo, para agradar a suas bases políticas, criou várias universidades públicas. Os programas de habitação popular nunca atingiram as metas previstas.

O saneamento básico apresenta um quadro dantesco. Os programas de erradicação da pobreza fracassaram.

Mesmo assim, foram nas regiões mais miseráveis que a popularidade de Lula atingiu os índices mais altos. Isto mostra a eficácia, por um lado, do Bolsa Família, e, por outro, da capacidade de comunicação e de construção de um discurso político por parte do presidente. E mais: demonstra a ausência nos últimos oito anos de uma oposição atuante, crítica e propositiva.

É provável que este quadro não se repita no próximo quadriênio presidencial.

Uma política de contemporização das contradições sociais e econômicas não permanece eficaz por longo tempo. Além do que, o gestor presidencial precisa ter legitimidade política, que é produto de uma história pessoal, e uma capacidade de equilibrar e conviver com tensões e pressões cotidianas. Mas não só: o cenário econômico internacional apresenta uma séria possibilidade de crises intermitentes, e, internamente, dado o conservadorismo, temos uma base econômica frágil.

Geddel e o sagrado direito à preguiça

Paul Lafargue, genro de Karl Marx, publicou em 1880 o célebre O Direito à Preguiça. O livro trata da luta dos trabalhadores por oito horas de trabalho, oito horas de descanso e oito horas de lazer, bandeira histórica do movimento operário no século 19. Porém, no governo do presidente Lula, alguns ministros dão a impressão de ter somente lido o título do livro de Lafargue. Um deles é o deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA).


Tomou posse no dia 16 de março de 2007 no Ministério da Integração Nacional, pasta responsável pelo acompanhamento dos graves problemas do semi-árido nordestino que, no momento, tenta viabilizar a discutível transposição de parte das águas do Rio São Francisco. No discurso de posse disse que “a mim jamais faltou coragem e força de trabalho para encontrar soluções (para os problemas) e superá-los”. Enfático, o ministro fez questão de citar Miguel de Cervantes e Raul Seixas, Fernando Pessoa e Gilberto Gil. Estranhas citações.


Mas a vontade de trabalhar acabou só ficando no discurso. Pena. Se a posse foi numa sexta-feira, o primeiro dia de trabalho ocorreu somente na terça-feira. E para não ficar cansado, a agenda ministerial só identifica uma atividade, às 9 horas da manhã. No dia seguinte, certamente mais animado, teve três audiências pela manhã, depois um intervalo de cinco horas e, às 18 horas, outra audiência. Na quinta-feira (dia 22) teve três atividades. Sumiu por uma semana, até o dia 29. Trabalhou uma hora e meia pela manhã, parou três horas para o almoço e reservou uma hora para duas audiências. E foi tudo. Ou seja, em 15 dias do mês de março - do dia 16 ao dia 31 - apareceu quatro vezes no ministério, em um total aproximado de nove horas de trabalho.


O otimismo nacional faz com que todos nós imaginemos que o ministro Geddel estava pouco habituado ao trabalho ministerial e, no mês seguinte, iria finalmente assumir o ministério. Ledo engano. Só apareceu duas vezes no ministério. Duas. No dia 11 despachou das 9 às 12 horas. Almoçou e às 14 horas deu mais uma audiência e depois foi embora. No dia seguinte chegou às 15 horas, deu duas audiências e antes das 18 horas já estava na rua. Portanto, em 30 dias, apareceu somente 2, dos quais trabalhou, no máximo, 7 horas. Em maio, a agenda identifica a primeira atividade no dia 22! Isso mesmo: nas primeiras três semanas o ministro esteve ausente. No dia 22 permaneceu duas horas e meia despachando. Interrompeu o trabalho às 12 horas, voltou as 15h30 e trabalhou mais uma hora e meia. No dia 23 o ritmo foi idêntico. Aí Geddel desapareceu de novo: ressurgiu no ministério uma semana depois, no dia 30 - e só teve um despacho, às 14 horas.


Em junho só trabalhou entre os dias 11 a 16, isso mesmo, 6 dias, e o mês tem 30! Fez uma viagem pelo Rio São Francisco, claro que começando em Belo Horizonte e terminando em Salvador, onde mora. Em julho resolveu diminuir a carga de trabalho. Apareceu no ministério três dias (9, 10 e 31) em um total de seis horas. Preocupado, escrevi para o ministério e fui informado que o ministro estava em férias. Não entendi. Ou melhor, entendi. É uma espécie de padrão de governo: o ministro Mangabeira Unger assumiu a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, em junho, e imediatamente tirou duas semanas de férias, fato absolutamente insólito. A SPLP é tão de longo prazo que o site da secretaria até hoje não existe, mas cem cargos de assessores especiais foram criados e imediatamente ocupados.


Sem alongar estes dados, o preocupante é que Ministério da Integração Nacional esteja sem ocupante efetivo. E isso em um momento que a seca se espalha pelo Nordeste. Segundo dados da Secretaria de Defesa Civil, em estado de emergência e de calamidade pública estão 542 municípios. A trágica liderança está com a Paraíba, com 145 municípios, seguida de perto pelo Ceará, com 130, e o Rio Grande do Norte, com 94. A burocracia para que o governo reconheça o estado de emergência é complexa e a vigência é de apenas 90 dias. Muitos prefeitos têm enorme dificuldade para renovar o pedido.


Em vários municípios a agricultura está destruída e a pecuária resiste com dificuldade. Não há efetivamente atividade produtiva em grande parte do semi-árido. A população sobrevive da aposentadoria rural e do Bolsa-Família. Não há sequer água para o consumo doméstico. O governo não se interessou em apoiar o projeto de 1 milhão de cisternas, organizado pelas ONGs que atuam na região. Lula divulgou em 2005, como se fosse uma grande vitória, que o governo tinha feito uma parceria com a Febraban para construir 25 mil cisternas. As cisternas reservam água da chuva para consumo doméstico de uma família. Hoje, a população tem de comprar água - algumas gastam R$ 25 só para ter o mínimo para consumo humano.


Não há nenhuma atuação organizada do governo federal que articule os diversos órgãos públicos que atuam na região. O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) está sem atividade desde o final do século passado (foi criado em 1909). Contudo, pelo edital 16/2007, contratou um motorista, por um ano, para servir o escritório de Brasília por R$ 50 mil. Para que um escritório no Distrito Federal? Já a Sudene, por incrível que pareça, foi recriada pelo presidente Lula, como se ainda vivêssemos em plena década de 50. Continua sem nenhuma função executiva, porém pagando centenas de funcionários (o link tratando da questão não é sequer atualizado desde 2003). O Banco do Nordeste (que foi fundado em 1952) desenvolve diversas atividades que nada têm a ver com os objetivos para o qual foi criado. Hoje patrocina a edição de livros, shows, revistas e prêmios para concursos de jornalistas, como se o sertão vivesse em um mar de rosas. Em 2005, todos se lembram, o banco esteve envolvido no tristemente célebre episódio dos dólares na cueca (que até hoje não foi devidamente esclarecido).


Além dos órgãos citados tem de ser lembrado o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, Embrapa, Chesf, Codevasf, etc. Vê-se que não falta presença do Estado ou recursos. Faltam projetos. Falta vontade de transformar a região, libertando o Nordeste da oligarquia (independente da coloração política) que apresa, que controla em proveito próprio a presença do Estado na região.


Geddel é omisso, ausente e pouco afeito ao trabalho: a agenda do ministro (disponível na internet) é prova irrefutável. Mas, além da agenda, o mais importante é que o governo não tem um projeto para a região. A presença efetiva da União é condição indispensável para a mudança. E, infelizmente, a oposição não fica atrás: não tem a mínima idéia do que fazer. E ao sertanejo só resta pedir socorro. Nem migrar resolve mais sua situação. Os tempos da expansão econômica no sul - ou da Amazônia - são parte da história.


Este artigo foi publicado no jornal "O Estado de S. Paulo" em setembro de 2007, quando Geddel Vieira Lima era ministro da Integração Nacional.

Oligarquia e miséria

Publiquei hoje em "O Globo" este artigo:


Mais uma vez o senador José Sarney mostrou a sua força. Deixou muito para trás vários personagens poderosos da história da República. Francisco Glicério, Pinheiro Machado ou Ulysses Guimarães nem se aproximam do poder demonstrado por Sarney. Se foram melhores republicanos — e isto não se discute —, o oligarca maranhense demonstrou ao longo de meio século conhecer melhor os meandros do poder. Sozinho indicou 2 ministros para a presidente Dilma Rousseff. Não são do partido, de uma região, não. São da sua cota pessoal. O país não ficou horrorizado. Já se acostumou.

O senador nunca teve tanto poder como durante os oito anos da presidência Lula. Algumas fatias do governo foram consideradas suas propriedades. A Eletrobrás e subsidiárias acabaram sendo apresadas. Nada se fez nessas empresas sem a sua concordância. É sabido que José Ribamar Ferreira de Araújo Costa — seu nome de batismo — nada entende de energia. O senador domina esta área pelas razões que todos nos sabemos — e que não são nada republicanas. Mas, no Brasil contemporâneo, isto também não causa estranheza.

Se a presença do maior dos oligarcas na cena nacional é nociva, muito pior é o que ocorre no Maranhão, considerado uma capitania da família Sarney. Lá, eleição é só para cumprir tabela. Eles sempre ganham. E, quando perdem, como em 2006, conseguem anular o pleito com o auxílio do Tribunal Superior Eleitoral, em um verdadeiro golpe de Estado, que o país assistiu passivamente.

A pequena cidade de Presidente Sarney é um bom e triste exemplo do domínio oligárquico. O município foi criado em dezembro de 1994, por lei estadual. Recebeu o nome do ex-presidente, o que é proibido pela Constituição. Mas no Maranhão existem dois tipos de cidadãos: os comuns e aqueles que fazem parte da famiglia Sarney. O gentílico dos nascidos na cidade é sarneyense. O município tem pouco mais de 17 mil habitantes, dos quais 2/3 vivem na área rural. Dos 4.700 domicílios, somente 4 mil estão ocupados, uma tendência nas áreas miseráveis: o trabalhador migra para cidades maiores à procura de emprego e retorna nas eleições e nas festas comunitárias.

Na prática não existe saneamento básico, o recolhimento de lixo é esporádico e o funcionalismo municipal vive com os salários atrasados. Mesmo assim, em 2009, a prefeitura fez um concurso para preencher 395 vagas na administração municipal. A receita da prefeitura é totalmente depende das transferências federal e estadual.

A economia local gira em torno da pequena produção de arroz, milho e feijão e do açaí (este cuja produção anual rende 146 mil reais). Na cidade há 20 automóveis, 2 caminhões e 184 motos, mas não tem nenhum trator. As 42 empresas (para o IBGE um pequeno negócio, por menor que seja, é considerado uma empresa) empregam apenas 471 trabalhadores assalariados. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social, no município 2.853 famílias recebem o Bolsa Família. Como, em média, uma família sertaneja não tem menos que 5 membros (o casal e 3 filhos), é possível estimar que 80% da população recebam o benefício. Segundo a Previdência Social, em 2009 foram concedidos em Presidente Sarney 907 benefícios.

Entre os 20 municípios com os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) no Brasil, a maioria está no Maranhão. O estado disputa este triste troféu com Alagoas e Piauí. Entre os 5.506 municípios listados no IDH, Presidente Sarney é o 5286º. A cidade maranhense melhor classificada é a capital, São Luís, que está em 1112º lugar.

Apesar dos péssimos indicadores sociais, Presidente Sarney é uma cidade lulista. Na eleição de 2006, no segundo turno, Lula obteve 5.985 votos, e Geraldo Alckmin. apenas 302. Deve ter sido uma das melhores votações obtidas no país, 95% dos votos. Em 2010, Dilma Rousseff recebeu 6.315 votos, e José Serra, 677, dando à candidata oficial 90,3% dos votos válidos.

Tudo indica que o poder de Sarney tende a aumentar na presidência Dilma. Fortalecido pelos ministros da sua cota pessoal e com a provável manutenção da presidência do Senado, o velho oligarca vai aproveitar estes próximos quatro anos para consolidar seu poder na máquina federal e deter o controle da representação da União no Maranhão. Afinal, o segredo do poder local é ter expressiva presença no poder central. É ali a fonte originária do seu domínio.

A permanência na cena nacional de figuras como a de José Sarney é absolutamente nociva à democracia brasileira. Romper com o poder oligárquico é um imperativo. Só teremos uma democracia consolidada quando os oligarcas representarem uma página virada na nossa história.

Dilma Pitta?

O ministério divulgado até hoje (sexta) é péssimo. Falam que alguns políticos tem cota. Sarney, só ele, emplacou 2. Temer também tem cota: emplacou Moreira Franco (que Brizola chamava de gato angorá). O nível é baixo. 2011 vai ser um ano economicamente difícil (Paulo Bernardo "descobriu" que errou a receita somente em 12 bilhões). Este ministério não segura uma onda contrária. Teremos emoções. Como sempre, o problema é a oposição. Sem brio, pegada ou idéias. Sem nada. Como já escrevi, a oposição vai esperar iniciar o ano legislativo para começar a articular. Sequer fez um balanço crítico da campanha.

Mais ministério

Ainda sobre o ministério Dilma:
1. Como esperado, Mantega deu um passo para trás;
2. E o 1/3 de mulheres no ministério? Até agora, somente uma. Como são 37 ministros, no mínimo serão nomeadas 12 mulheres;
3. Somente Sarney emplacou 2 ministros;
4. O nível dos indicados é muito ruim;
5. E Dilma continua em silêncio.

Não quer sair

Lula disse que será difícil desencarnar do cargo. Tem toda razão. Hoje bateu de frente com Dilma e Mantega. Disse que não vai ter cortes nos investimentos. Sabe que é mentira, que o orçamento tem receitas infladas e despesas subavaliadas. Parece algo de pouca importância. Não é. Lula quer deixar bem claro que ele será uma espécie de conselheiro maior de Dilma, que nemhuma decisão importante será tomada sem seu conhecimento. Bobagem. Dilma precisa ter vida própria até para poder errar. E abrir caminho para o seu retorno, em 2014. Se ele desde já vai querer marcar homem-a-homem, vai se dar mal. Vamos aguradar a resposta de Mantega (de Dilma não dá para esperar nenhuma declaração, pois está mais reclusa do que as carmelitas).

Oposição

Até agora - e tudo indica que não vai ocorrer - a oposição não fez um balanço da campanha. Não identificou os erros e acertos. Não fez aquilo que se faz em qualquer país democrático após uma eleição. Evita o balanço como receio de reabrir feridas. Acha melhor não tocar nos problemas, como se isso solucionasse as divergências políticas. E traçar uma estratégia para o ano que vem? É exigir muito.

O ministério

É incrível a interferência de Lula na formação do ministério de Dilma. Impôs os ministros da Casa e aqueles titulares dos principais ministérios (Fazenda, Educação, Relações Exteriores). A barganha com os partidos da base continua mas o importante são as determinações de Lula. Ele está se cercando de todas as garantias para evitar que Dilma faça um governo desastroso. Claro que o grande péssimo exemplo é o de Celso Pitta.

A presidenta sumiu. Não dá declarações. Faz mal, muito mal. Poderia de pouco em pouco ir mostrando seu estilo de governar. Uma transmissão abrupta de mando, a 1 de janeiro, vai acentuar ainda mais as diferenças. Dilma está começando mal.

Ministério da Dilma

A presidente do presidente continua nomeando os mesmos. Até agora (com uma exceção) foi simplesmente uma troca de cadeiras, quando muito. Nem na República Velha um presidente se imiscuiu tanto no governo do outro, como Lula no governo da Dilma. Ela, obedientemente, aceitou tudo. Vamos ver até quando isto vai durar. Quando começar o governo e vier a primeira crise.....

Sobre o Rio (3)

1. Logo vão lançar o Beltrame para algum cargo;
2. O incrível é que as "mansões" do tráfico tenham sido construídas e ninguém tenha visto;
3. As possíveis violações dos direitos humanos (de acordo com algumas denúncias) poderiam ser enfrentadas rapidamente caso lá estivessem a OAB, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, a comissão da mesma área do Congresso Nacional e do Legislativo fluminense;
4. E os chefes até agora não foram presos;
5. Vamos ver quanto tempo vai durar a ocupação militar dos morros;
6. E Lula ainda não apareceu no Rio.