Daniel Piza

Terrível a notícia da morte de Daniel Piza. Um cara legal, sereno, boa praça, excelente leitor, com sólida formação intelectual, um ótimo papo. Tive a oportunidade de ser o debatedor convidado (por ele) para o lançamento do seu último livro, na Fnac da Avenida Paulista. Foi uma conversa excelente que só acabou porque a livraria estava fechando. Péssimo término de 2011.

Viver de Província

Este artigo foi publicado originalmente na "Folha de S. Paulo" em 7 de janeiro de 2009. Uso uma expressão do escritor Júlio Ribeiro, brilhante polemista, republicano radical e abolicionista. Ribeiro morreu em 1890, já desiludido com os rumos da república, proclamada menos de um ano antes. Passou a maior parte da vida em São Paulo, especialmente no interior.
Tive a oportunidade de coordenar a Coleção Paulista que republicou dois importantes textos políticos de Ribeiro, "Cartas sertanejas" e "Procelárias". Os volumes foram apresentados (muito bem apresentados, diga-se) pelo professor José Leonardo do Nascimento.
Republico este texto por solicitação de uma leitora deste blog:

TENDÊNCIAS/DEBATES

"Viver de província"
MARCO ANTONIO VILLA


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Apesar do grande progresso econômico e de concentrar parte expressiva do PIB, o interior continua marcado pelo provincianismo
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NO FINAL do Império, em meio às turbulências políticas, Júlio Ribeiro -escritor, gramático e polemista republicano- cunhou a expressão "viver de província", nas suas "Cartas Sertanejas". Era uma definição sarcástica do pobre cotidiano político-cultural do interior de São Paulo. Depois de 120 anos, pouco mudou:
apesar do grande progresso econômico e de concentrar parte expressiva do PIB brasileiro, o interior continua marcado pelo provincianismo.
A inexpressividade política do interior é suprapartidária. Vez ou outra algum grupo tenta ter espaço regional, mas acaba fracassando. O último foi a conhecida "República de Ribeirão Preto", expressão cunhada para designar os aliados do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, em Brasília.
Porém, a denúncia de uso pouco ortodoxo de uma mansão, na capital federal, levou ao naufrágio do grupo, mesmo com a eleição de Palocci para deputado federal. E o interior, para o bem ou para o mal, continuou sem liderança expressiva.
A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) poderia ser um palco para o aparecimento de lideranças interioranas. Contudo, das suas atividades pouco ou nada se sabe. Muitos nem sequer imaginam onde, na capital paulista, se localiza o prédio de um dos Poderes do Estado.
Dos seus 94 deputados, mesmo os que acompanham a política regional sabem, se tanto, o nome de meia dúzia. O noticiário político prioriza o Congresso Nacional. A Alesp é solenemente ignorada: só é notícia quando ocorre denúncia de um suposto escândalo administrativo.
Outra possibilidade seria a ação de alguma administração municipal que se notabilizasse pela inovação. Mas, dos mais de 600 municípios interioranos, quais poderiam ser destacados pela originalidade administrativa?
A política estadual concentra-se na capital e, no máximo, na Grande São Paulo. Os líderes partidários que têm presença nacional também atuam nessa região. O interior é marcado pelo situacionismo, pela política do "sim, senhor". Os prefeitos mudam de partido acompanhando a base política do governador. Não têm opinião formada. E os deputados são cobrados pelos seus eleitores para trazer recursos para suas bases, e o preço é sempre apoiar o governo.
No campo cultural, apesar do grande número de faculdades e universidades instaladas no interior, não houve mudança. O conservadorismo local venceu a potencialidade transformadora da universidade.
Eventualmente professores universitários passaram a participar da política local, mas sempre buscando alguma forma de composição política com os poderosos locais. E, quando necessário, os conservadores utilizaram-se da violência para expulsar os professores indesejáveis, como em São José do Rio Preto, logo após o golpe de 1964, na faculdade local e que hoje é parte da Unesp.
Há uma valorização absoluta do dinheiro e um desprezo pela cultura.
Em muitas cidades há mais joalherias que livrarias. As políticas culturais são fadadas ao fracasso. O poder público -tal qual a maioria dos eleitores- não tem interesse nas atividades culturais: elas não dão voto e, por vezes, dão problemas.
Em Araraquara, depois do espetáculo "Mistérios Gozosos", de Oswald de Andrade, José Celso Martinez Corrêa e grupo foram processados, acusados de "vilipendiar atos e objetos de culto religiosos". O processo foi movido por araraquarenses incomodados "moralmente" com o trabalho de Zé Celso.
Uma "atividade cultural" muito conhecido no interior, espécie de marca regional, é o massacre anual de animais conhecido como Festa do Peão Boiadeiro, em Barretos. Como tudo que é ruim, prolifera rapidamente: os rodeios espalharam-se pelo Estado.
No Vale do Paraíba, criaram até um rodeio para Cristo, que, certamente, deixaria o Nazareno horrorizado.
A maioria dos jornais é subsidiada pelo poder público ou por algum potentado local. O nível das publicações é rasteiro. O espaço da coluna social é várias vezes superior ao destinado a temas políticos.
Quando surge uma imprensa independente, os jornalistas passam imediatamente a ser perseguidos e ameaçados. Basta recordar, entre tantos outros exemplos, dos tristes episódios de Marília, que envolveram um conhecido político local e o ataque criminoso às instalações do "Diário".
Júlio Ribeiro morreu em 1890, aos 45 anos. Viu muito pouco do Brasil com que sonhou: sem escravos e republicano. Mas o interior não mudou: tal qual no final do século 19, continua impressionando pelo dinamismo econômico e pelo provincianismo.

O PT e uma outra história

Este artigo já foi republicado no blog. Mas vale a pena recolocá-lo no alto da página. Pretendo em um trabalho mais extenso desenvolver algumas ideias que estão no artigo. Foi publicado originalmente na "Folha de S. Paulo", em 22 de março de 2005, portanto, durante a primeira presidência Lula.

TENDÊNCIAS/DEBATES

O PT e uma outra história
MARCO VILLA

O Partido dos Trabalhadores está completando 25 anos. É um fato digno de registro, se compararmos com outros partidos políticos brasileiros. Afinal, só há pouco mais de meio século podemos falar em partidos nacionais -excetuando os casos do Partido Comunista Brasileiro e da Ação Integralista Brasileira.

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A classe operária não foi para o paraíso, mas os líderes petistas foram. Agora transitam entre a plutocracia tupiniquim
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Para se afirmar como alternativa histórica da classe trabalhadora, o PT foi construindo uma leitura muito particular da história do Brasil e das lutas operárias. Fez o que outros já tinham feito: reinventou o passado, para que a fundação do partido fosse considerada o marco zero da luta de classes no Brasil. Apagaram da história, sem dó, sete décadas de lutas políticas e econômicas. Os intelectuais petistas foram os principais responsáveis por colocar de ponta-cabeça a história do Brasil. E com a concordância entusiástica da liderança sindical do partido, satisfeita por ser alçada pelos intelectuais como precursora de algo que nunca tinha ocorrido no país: a construção de um partido operário e de um sindicalismo combativo.
Mas haja borracha para apagar tantas lutas. Como exemplo serve a própria história do ABC, berço do partido. Em 1945, o candidato comunista à Presidência da República, Iedo Fiuza, teve 10% dos votos nacionais, porém em Santo André obteve quase o triplo dessa proporção, 28%, deixando em terceiro lugar o candidato da UDN, o brigadeiro Eduardo Gomes. Nas eleições municipais de novembro de 1947, na mesma cidade, os comunistas -já na ilegalidade- elegeram um antigo militante do PCB prefeito. Mas não só: os vereadores comunistas eram maioria nas Câmaras de Santo André, Santos, Sorocaba e São Paulo. Em 1950, apesar do boicote comunista, Getúlio Vargas, candidato à Presidência, teve 84% dos votos em Santo André, quando a média nacional foi de 48,5%.
A tarefa de refazer a história atingiu também o passado das lutas sindicais. O mito fundador alcançou a Consolidação das Leis Trabalhistas. Se é inegável que a CLT foi um instrumento para atrelar os trabalhadores ao Estado, também serviu (e serve) como instrumento de luta dos operários na Justiça do Trabalho. Em vez de contextualizar historicamente a CLT dentro da luta de classes, Luiz Inácio Lula da Silva, em um dos seus arroubos tão costumeiros, preferiu chamá-la de "AI-5 da classe trabalhadora".
A independência e a combatividade da classe operária teriam começado em 1978, no ABC, sob a liderança de Lula. Todo o resto era fruto de sindicalistas pelegos, de oportunistas e populistas. Porém, mais uma vez, esqueceram-se da história. O ABC registrou sua primeira greve em 1906, em Santo André, 72 anos antes da greve dos metalúrgicos de São Bernardo. A região acompanhou e participou pari passu da luta dos trabalhadores de São Paulo nos anos 1910-1930, especialmente o glorioso 1917. Em 1934, os marceneiros de São Bernardo ficaram parados um mês. Dezenas de sindicalistas do ABC foram presos e torturados durante o Estado Novo -e, apesar da redemocratização, não receberam indenização do governo.
Aproveitando o ambiente democrático dos anos 1946/47, greves ocorreram no ABC e, mesmo com a onda repressiva durante o governo Dutra, os sindicatos continuaram lutando. Não devem ser esquecidas as grandes greves da década seguinte -1953 e 1956- e as mobilizações no início dos anos 1960.
Mas a história tem as suas ironias. O PT desprezou a herança revolucionária construída ao longo de sete décadas -era o meio de se afirmar como algo novo, absolutamente original. Hoje, tem dificuldade para justificar aos seus militantes as ações do governo Lula. Ao que parece, encontrou uma saída: desqualificar a sua própria história -assim como tinha feito em relação aos anarquistas, trabalhistas e comunistas. Seus líderes observam com um sorriso de escárnio as fotografias das assembléias que formaram o partido, desprezam seus documentos internos, suas deliberações históricas e ironizam até o vestuário dos participantes dos antigos encontros: hoje o uniforme petista são os ternos, preferencialmente de grife.
Vinte e cinco anos depois, o PT transformou-se em um partido da ordem, controlado com mãos de ferro pelos senhores de meia-idade que estão a caminho de formar uma gerontocracia. Nada mais triste do que a fotografia publicada por esta Folha, em fevereiro, de meia dúzia de petistas -todos na faixa dos 50 a 55 anos- em torno de um bolo de aniversário, numa pequena sala fechada. Conservadores, não seduzem mais os jovens; isolados, não conseguem mais mobilizar a massa petista; aburguesados, não precisam mais da participação popular.
A classe operária não foi para o paraíso, mas os líderes petistas foram. E como. Agora transitam com intimidade entre a plutocracia tupiniquim.
A história do PT incomoda o PT. Enquanto os velhos militantes abandonam o partido, os oportunistas preenchem com avidez as fichas de filiação. Não precisam mais da história ou de qualquer justificativa ideológica. A adesão é pragmática: querem cargos, poder e, se possível, alguma sinecura.

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Mais abusos no Judiciário

Esta notícia (publicada hoje na Folha de S. Paulo) reafirma a necessidade de manter as atribuições do CNJ. No caso do TJ de SP, o Sargnto Garcia ainda não prendeu o Zorro.

Juízes receberam benefício por anos em que eram advogados

Pagamento de licenças-prêmio em tribunal de SP é investigado pelo CNJ

Dois juízes receberam benefício de 450 dias referente ao tempo em que advogaram; eles não se manifestaram

FLÁVIO FERREIRA
DE SÃO PAULO
O Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu a 22 desembargadores licenças-prêmio referentes a períodos em que eles trabalharam como advogados, anteriores ao ingresso no serviço público.

Em dois casos, o benefício referente ao período em que atuaram por conta própria chegou a um ano e três meses -ou 450 dias.

O pagamento das licenças-prêmio está sob investigação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e foi anulado pelo próprio tribunal um dia depois de o conselho iniciar uma devassa na folha de pagamento da corte paulista, no último dia 5.

A atuação do CNJ divide o mundo jurídico desde que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello concedeu liminar impedindo que o conselho abra por iniciativa própria investigação contra juízes (leia entrevistas na pág A8).

A corte possui 353 desembargadores e, segundo a lei, um quinto de seus membros deve ter origem na advocacia ou no Ministério Público.

São os pagamentos feitos a parte dos desembargadores que entraram no tribunal pela cota reservada aos advogados que agora estão sendo analisados pelo CNJ.

A licença-prêmio é um benefício concedido a todos os servidores. A cada cinco anos de trabalho, eles têm direito a três meses de licença.

O tribunal pode converter a licença em pagamento em dinheiro. Cada 30 dias do benefício corresponde a um salário -o dos desembargadores é de R$ 24 mil.

As concessões sob análise começaram a ser pagas em julho de 2010, na gestão do desembargador Antonio Carlos Viana Santos, morto em janeiro, e continuaram sob a administração do atual presidente, José Roberto Bedran.

As maiores licenças-prêmio referentes ao período de exercício da advocacia (450 dias) foram concedidas aos desembargadores José Reynaldo Peixoto de Souza e Hugo Crepaldi Neto.

O cálculo do benefício para Souza teve como marco inicial o ano de 1976, quando atuava como advogado. Ele só ingressou no tribunal 25 anos depois, em 2001.

A licença-prêmio de Crepaldi Neto foi contada de 1983 a 2010, quando ele foi escolhido para compor o tribunal.

Segundo o presidente da Associação Paulista de Magistrados, Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, o pagamento tem como base uma interpretação da Loman (Lei Orgânica da Magistratura).

A lei permite que magistrados contem, para fins de aposentadoria, até 15 anos do tempo em que atuaram como advogados. Porém, a Loman não trata da licença-prêmio.

O TJ-SP deverá julgar o caso após o recesso de janeiro.

A corte também é investigada pelo CNJ por supostos pagamentos de verbas relativas a auxílio moradia de forma privilegiada. O conselho apura ainda possíveis casos de enriquecimento ilícito.


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Colaborou FREDERICO VASCONCELOS, de São Paulo

Debatendo os salários do Judiciário

Só hoje tomei conhecimento da matéria do portal Comunique-se. Trata do debate da última segunda-feira no Jornal da Cultura sobre os salários fabulosos dos desembargadores e ministros das cortes superiores do Judicário. No site da TV Cultura é possível acessar o JC.

Segue a matéria:

“Aqui não é debate eleitoral”, diz apresentadora do ‘Jornal da Cultura’ para acabar com discussão de comentaristas
Anderson Scardoelli

Durante a edição da última segunda-feira, 26, do ‘Jornal da Cultura’, os ânimos dos comentaristas do noticiário se exaltaram em relação ao Judiciário paulista. O historiador Marco Antonio Villa criticou os salários dos magistrados paulistas, enquanto o advogado e ex-deputado federal Airton Soares afirmou que os Poderes precisam ser preservados.

O tema que provocou a discussão entre os comentaristas do noticiário foi o e-mail enviado pelo telespectador Ciro Ribeiro de Sousa à produção do programa. A apresentadora Maria Cristina Poli leu o texto, que criticava as reportagens do noticiário, segundo ele, desfavoráveis ao Judiciário. Responsável por uma pesquisa do setor e veiculada pela emissora, Villa ironizou o material de Ciro.



Airton Soares (esq.) e Marco Antonio Villa discutiram durante o 'Jornal da Cultura.' (Imagem: Reprodução/CMais)O telespectador afirmava que ao contrário do que foi levantado pela Cultura e pelo historiador, os magistrados paulistas não recebiam salários, mas sim subsídio, além de não terem tido aumento e nem direito ao auxílio moradia. “Ele está espinafrando a gente”, adiantou Maria Cristina, antes dos comentários do comentarista do programa, que fez duras críticas aos juízes.

Ao ver que o site do Superior Tribunal de Justiça (STJ) mostra que os membros do órgão recebem a chamada “remuneração paradigma”, Villa ficou indignado. “Gosto da expressão paradigma, que para um simples mortal seria chamado antigamente de salário”, reclamou. “O valor é baixo, R$ 25 mil. Todo aposentado ganha isso no Brasil e a gente sabe”, completou o historiador.

Villa também mostrou que alguns juízes ganharam R$ 400 mil com as “vantagens adicionais”. Com os números, ele afirmou que o Tribunal de Justiça de São Paulo “nunca vai prender o Zorro”. Ao apresentar os dados divulgados pelo STJ, o historiador disse que o Brasil não é um país sério. O comentarista ainda criticou o ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski.

Ex-deputado federal, Soares fez questão de “situar” a crítica de Ciro e defendeu o Poder Judiciário e recriminou a pesquisa do colega de bancada. “Queria só fazer uma observação com relação aos 400 e poucos mil: isso não é o salário do juiz, desembargador ou ministro. É uma somatória dos saldos do auxílio moradia”, contou. “Não podemos confundir os exemplos que se colocam com o Poder Judiciário”, enfatizou.

Soares continuou a falar sobre a situação dos juízes brasileiros e, na tentativa de Villa se pronunciar, afirmou que se um falasse o outro iria rebater a declaração, como nos períodos eleitorais. Com a postura do ex-deputado, a apresentadora do ‘Jornal da Cultura’ pediu para ele concluir o pensamento. “Aqui não é debate eleitoral”, disparou Maria Cristina antes de chamar o intervalo comercial.

Querem impor a mordaça

Saiu hoje n'O Globo:


Querem impor a mordaça
Marco Antonio Villa, O Globo, 27/12/11
Não é novidade a forma de agir dos donos do poder. Nas três últimas eleições presidenciais, o PT e seus comparsas produziram dossiês, violaram sigilos fiscais e bancários, espalharam boatos, caluniaram seus opositores, montaram farsas. Não tiveram receio de transgredir a Constituição e todo aparato legal. Para ganhar, praticaram a estratégia do vale-tudo. Transformaram seus militantes, incrustados na máquina do Estado, em informantes, em difamadores dos cidadãos. A máquina petista virou uma Stasi tropical, tão truculenta como aquela que oprimiu os alemães-orientais durante 40 anos.

A truculência é uma forma fascista de evitar o confronto de ideias. Para os fascistas, o debate é nocivo à sua forma de domínio, de controle absoluto da sociedade, pois pressupõe a existência do opositor. Para o PT, que segue esta linha, a política não é o espaço da cidadania. Na verdade, os petistas odeiam a política. Fizeram nos últimos anos um trabalho de despolitizar os confrontos ideológicos e infantilizaram as divergências (basta recordar a denominação “mãe do PAC”).

A pluralidade ideológica e a alternância do poder foram somente suportadas. Na verdade, os petistas odeiam ter de conviver com a democracia. No passado adjetivavam o regime como “burguês”; hoje, como detém o poder, demonizam todos aqueles que se colocam contra o seu projeto autoritário. Enxergam na Venezuela, no Equador e, mais recentemente, na Argentina exemplos para serem seguidos. Querem, como nestes três países, amordaçar os meios de comunicação e impor a ferro e fogo seu domínio sobre a sociedade.

Mesmo com todo o poder de Estado, nunca conseguiram vencer, no primeiro turno, uma eleição presidencial. Encontraram resistência por parte de milhões de eleitores. Mas não desistiram de seus propósitos. Querem controlar a imprensa de qualquer forma. Para isso contam com o poder financeiro do governo e de seus asseclas. Compram consciências sem nenhum recato. E não faltam vendedores sequiosos para mamar nas tetas do Estado.

O panfleto de Amaury Ribeiro Junior (“A privataria tucana”) é apenas um produto da máquina petista de triturar reputações. Foi produzido nos esgotos do Palácio do Planalto. E foi publicado, neste momento, justamente com a intenção de desviar a atenção nacional dos sucessivos escândalos de corrupção do governo federal. A marca oficialista é tão evidente que, na quarta capa, o editor usa a expressão “malfeito”, popularizada recentemente pela presidente Dilma Rousseff quando defendeu seus ministros corruptos.

Sob o pretexto de criticar as privatizações, focou exclusivamente o seu panfleto em José Serra. O autor chegou a pagar a um despachante para violar os sigilos fiscais de vários cidadãos, tudo isso sob a proteção de uma funcionária (petista, claro) da agência da Receita Federal, em Mauá, região metropolitana de São Paulo. Ribeiro — que está sendo processado — não tem vergonha de confessar o crime. Disse que não sabia como o despachante obtinha as informações sigilosas. Usou 130 páginas para transcrever documentos sem nenhuma relação com o texto, como uma tentativa de apresentar seriedade, pesquisa, na elaboração das calúnias. Na verdade, não tinha como ocupar as páginas do panfleto com outras reportagens requentadas (a maioria publicada na revista “IstoÉ”).

Demonstrando absoluto desconhecimento do processo das privatizações, o autor construiu um texto desconexo. Começa contando que sofreu um atentado quando investigava o tráfico de drogas em uma cidade-satélite do Distrito Federal. Depois apresenta uma enorme barafunda de nomes e informações. Fala até de um diamante cor-de-rosa que teria saído clandestinamente do país. Passa por Fernandinho Beira-Mar, o juiz Nicolau e por Ricardo Teixeira. Chega até a desenvolver uma tese que as lan houses, na periferia, facilitam a ação dos traficantes. Termina o longo arrazoado dizendo que foi obrigado a fugir de Brasília (sem explicar algum motivo razoável).

O panfleto não tem o mínimo sentido. Poderia servir — pela prática petista — como um dossiê, destes que o partido usa habitualmente para coagir e tentar desmoralizar seus adversários nas eleições (vale recordar que Ribeiro trabalhou na campanha presidencial de Dilma). O autor faz afirmações megalomaníacas, sem nenhuma comprovação. A edição foi tão malfeita que não tomaram nem o cuidado de atualizar as reportagens requentadas, como na página 170, quando é dito que “o primo do hoje candidato tucano à Presidência da República…” A eleição foi em 2010 e o livro foi publicado em novembro de 2011 (e, segundo o autor, concluído em junho deste ano).

O panfleto deveria ser ignorado. Porém, o Ministério da Verdade petista, digno de George Orwell, construiu um verdadeiro rolo compressor. Criou a farsa do livro invisível, isto quando recebeu ampla cobertura televisiva da rede onde o jornalista dá expediente. Junto às centenas de vozes de aluguel, Ribeiro quis transformar o texto difamatório em denúncia. Fracassou. O panfleto não para em pé e logo cairá no esquecimento. Mas deixa uma lição: o PT não vai deixar o poder tão facilmente, como alguns ingênuos imaginam. Usará de todos os instrumentos de intimidação contra seus adversários, mesmo aqueles que hoje silenciam, acreditando que estão “pela covardia” protegidos da fúria fascista. O PT não terá dúvida em rasgar a Constituição, se for necessário ao seu plano de perpetuação no poder. O panfleto é somente uma pequena peça da estrutura fascista do petismo.

MARCO ANTONIO VILLA é historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos (SP).

A oposição em 2011

Saiu hoje na Veja on Line:

Pergunta sem resposta: quem falou pela oposição em 2011?

Uma oposição que participou como espectadora das crises provocadas pela sequência de quedas de ministros é o inimigo dos sonhos de qualquer governo

Branca Nunes

Deputados da oposição protestam no plenário da Câmara antes da votação da MP da Copa (José Cruz/ABr)

Para os parlamentares, o problema está na minoria desoladora – acentuada pela criação do PSD, em 27 de setembro

Responda rápido: qual foi o maior destaque da oposição em 2011? Se a pergunta fosse incluída no Enem, pouquíssimos estudantes teriam o que dizer – a menos, claro, que a questão tivesse vazado. Apresentada aos leitores mais atentos, seriam provavelmente mencionados os senadores Álvaro Dias (PSDB-PR), Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), Demóstenes Torres (DEM-GO) e Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE). Nesse caso, a culpa não pode ser debitada na conta da crônica falta de memória nacional. Ao longo do ano, nenhum político oposicionista conseguiu destacar-se pelo ataque a flancos expostos do governo de Dilma Rousseff, que não foram poucos. Um governo obrigado a demitir seis ministros por envolvimento em corrupção é o inimigo dos sonhos de qualquer oposição. Mas uma oposição que participou quase como espectadora das crises provocadas pela sequência de quedas também é o inimigo dos sonhos de qualquer governo.

Em todos esses episódios, aliás, os alvos das denúncias atribuíram as acusações a tramas de oposicionistas que nunca existiram (nem as tramas nem os oposicionistas). Em 2011, a rigor, não houve oposição partidária. Os governadores tucanos comunicaram à nação, em um encontro em Maceió realizado em dezembro de 2010, que brigar com os donos do poder federal não é tarefa para ocupantes de cargos executivos. “Não cabe aos governadores fazer oposição ao governo federal”, concordou o deputado Sérgio Guerra, presidente do PSDB. “Essa é uma tarefa partidária, que está mais afeita à bancada do partido na Câmara e no Senado”.

Na Câmara, o silêncio estrepitoso de Guerra prova que o deputado rejeitou a própria sugestão. No Senado, Aécio Neves (PSDB-MG), que ao assumir promoveu-se a líder da oposição, demorou quatro meses para subir à tribuna com um pronunciamento anunciado com pompa e circunstância. Fez um discurso morno, desceu e desapareceu. Nem as acusações que desabaram sobre Fernando Pimentel fizeram com que o neto de Tancredo Neves recuperasse a voz e dispensasse algumas palavras a respeito do seu aliado nas eleições de 2008.

Minoria desoladora - Para os parlamentares, o problema está na minoria desoladora – acentuada pela criação do PSD, em 27 de setembro. “Vivenciamos uma situação dramática”, reconhece Álvaro Dias. “A oposição nunca foi tão pouco numerosa”. Dias está certo. Em 1970, o Movimento Democrático Nacional (MDB) – partido de oposição ao regime militar – examinou a hipótese da autodissolução por ter conseguido eleger apenas 87 dos 310 deputados (28%). Hoje, o PSDB, o PPS, o DEM e o Psol, juntos, têm 90 dos 513 deputados (17%). No Senado, a realidade é um pouco menos dramática: 17 senadores (20%), mais 10 dissidentes de partidos da base aliada, que eventualmente votam contra o governo. Em 1970, eram 10%.

“Fizemos o máximo que pudemos”, consola-se Dias. “Não temos número suficiente para instalar uma CPI, mas esgotamos todos os instrumentos que estavam ao nosso alcance. Para cada ministro acusado de corrupção, apresentamos três ou quatro representações”.

O cientista político Humberto Dantas soma a essa minoria o perfil dos partidos políticos brasileiros. “São partidos predominantemente governistas, formados por pessoas que querem se manter no poder”, afirma Dantas. “A política no Brasil é personalista. É raro o debate de ideias e de projetos para o país. O que existe é uma busca pessoal para se perpetuar no poder, o que é muito mais fácil quando se tem a máquina pública do lado. O PSD é o exemplo mais claro disso. É o partido mais governista que temos hoje”.

Para o historiador Marco Antonio Villa, não basta definir um discurso e encontrar o tom certo. Antes de tudo, a oposição precisa ter a disposição de ser oposição. “No Brasil, o governo quer cooptar a oposição e a oposição geralmente quer ser governo”, diz. “Mas a discussão e o convívio das diferenças são as essências da democracia”. Villa observa que os parlamentares de oposição, além de não agirem como tal, criticam aqueles que fazem o que espera o eleitorado que os elegeu. “Eles dizem que uma oposição combativa dificultará o acesso a créditos e a empréstimos do governo federal. Em qualquer país do mundo, se um estado ou uma prefeitura dependessem disso para receber recursos, causaria uma comoção popular. É absolutamente ilegal”. Villa sustenta que a oposição deve fazer política “24 horas por dia, sete dias por semana, doze meses por ano”.

Ano medíocre - “Em 2011, a discussão política não existiu”, diz Jarbas Vasconcelos. “Na época da ditadura, mesmo com perseguição, tortura e morte, a minoria fazia o debate de ideias, levantava bandeiras. Hoje, a oposição está desanimada. Encara a atual conjuntura como algo muito difícil de ser vencido e fica paralisada”.

Dissidente do PMDB, Jarbas não se inclui entre os abalados pelo desânimo. Ele considera o fisiologismo a principal característica da atual relação entre o Executivo e o Legislativo. Pela primeira vez, o combativo pernambucano, um dos fundadores do MDB e peemedebista desde o nascimento da legenda, pensa em mudar de partido. “Caso fosse feita uma reforma política de verdade, que acabasse com essa indecência, que impedisse que o eleitor, por votar em João, acabasse elegendo também um José, consideraria seriamente a possibilidade de criar uma nova agremiação política e deixar o PMDB”, afirmou. “Você não imagina o que é ser liderado pelo Renan Calheiros e ter o José Sarney presidindo a Casa”.

Para Jarbas, 2011 foi um ano politicamente medíocre em todos os sentidos. “A oposição precisa de união e de especialistas em seus quadros, pessoas que entendam de Petrobras, políticas sociais, estatais”, diz o senador. “Sem isso, o governo pode continuar falando o que quiser e não conseguiremos rebater. Todo mundo sabe que a Petrobras é um antro de corrupção, mas ninguém pode fazer essa acusação institucionalmente, porque não há provas”.

Governo X oposição - Os parlamentares de oposição consideram o desempenho dos governistas igualmente lastimável. “A chamada base aliada ainda não mostrou para o que serve, a não ser para barrar a convocação de ministros pelo Congresso”, diz o senador Aloysio Nunes Ferreira. “Quando assumiu, Dilma apresentou uma extensa pauta legislativa, mas nada saiu do papel”. Jarbas lembra que a presidente não deu um tratamento uniforme para todos os ministros acusados de corrupção. “Variou de partido para partido”, afirma o parlamentar pernambucano. “Ficou clara a defesa do PT e, mesmo assim, a base aliada continuou submissa”. Para Jarbas, é absurdo Dilma defender Fernando Pimentel das acusações de tráfico de influência com o argumento de que as irregularidades aconteceram antes da chegada do ex-prefeito de Belo Horizonte ao ministério. “O político deve explicações à sociedade tanto da vida pública, quanto da privada”, enfatiza. “Lula e os petistas podem não ter inventado a corrupção, mas, sem dúvida, a exacerbaram".

O ex-deputado federal Fernando Gabeira acredita que o processo de oposição no Brasil foi conduzido pelas denúncias da imprensa. “O grande impulso oposicionista aconteceu na sociedade e sem a mediação dos políticos de oposição”.

Gabeira atribui o fraco desempenho à falta de articulação. “No último trimestre, houve o anúncio da completa estagnação da economia e a oposição foi incapaz de levantar a questão”, diz. “A luta parlamentar não se resume à votação de projetos e convocação de CPIs. O processo é mais amplo e é dentro dessa amplitude que a oposição deveria agir. Não me lembro de nenhum grande encontro nacional, de nenhum seminário organizado com a proposta de discutir o Brasil”.

A oposição talvez seja bem menos frágil do que imaginam os senadores e deputados. Nas últimas eleições, 44 milhões de brasileiros votaram contra o governo. O abismo que separa a indignação da sociedade e a falta de entusiasmo da oposição sugere a falta de representantes para esse eleitorado. Os eleitos esqueceram o que Fernando Henrique Cardoso, num artigo para a revista Interesse Nacional, considerou “óbvio e quase ridículo de escrever”: cabe às oposições se oporem ao governo.

Balanço do Governo Dilma: um ano para ser esquecido

Saiu hoje no Estadão. Aproveito para desejar a todos um Feliz Natal:

Um ano para ser esquecido
25 de dezembro de 2011 | 3h 03



Marco Antônio Villa - O Estado de S.Paulo
O governo Dilma Rousseff é absolutamente previsível. Não passa um mês sem uma crise no ministério. Dilma obteve um triste feito: é a administração que mais colecionou denúncias de corrupção no seu primeiro ano de gestão. Passou semanas e semanas escondendo os "malfeitos" dos seus ministros. Perdeu um tempo precioso tentado a todo custo sustentar no governo os acusados de corrupção. Nunca tomou a iniciativa de apurar um escândalo - e foram tantos. Muito menos de demitir imediatamente um ministro corrupto. Pelo contrário, defendeu o quanto pôde os acusados e só demitiu quando não era mais possível mantê-los nos cargos.

A história - até o momento - não deve reservar à presidente Dilma um bom lugar. É um governo anódino, sem identidade própria, que sempre anuncia que vai, finalmente, iniciar, para logo esquecer a promessa. Não há registro de nenhuma realização administrativa de monta. Desde d. Pedro I, é possível afirmar, sem medo de errar, que formou um dos piores ministérios da história. O leitor teria coragem de discutir algum assunto de energia com o ministro Lobão?

É um governo sem agenda. Administra o varejo. Vê o futuro do Brasil, no máximo, até o mês seguinte. Não consegue planejar nada, mesmo tendo um Ministério do Planejamento e uma Secretaria de Assuntos Estratégicos. Inexiste uma política industrial. Ignora que o agronegócio dá demostrações evidentes de que o modelo montado nos últimos 20 anos precisa ser remodelado. Proclama que a crise internacional não atingirá o Brasil. Em suma: é um governo sem ideias, irresponsável e que não pensa. Ou melhor, tem um só pensamento: manter-se, a qualquer custo, indefinidamente no poder.

Até agora, o crescimento econômico, mesmo com taxas muito inferiores às nossas possibilidades, deu ao governo apoio popular. Contudo, esse ciclo está terminando. Basta ver os péssimos resultados do último trimestre. Na inexistência de um projeto para o País, a solução foi a adoção de medidas pontuais que só devem agravar, no futuro, os problemas econômicos. Em outras palavras: o governo (entenda-se, as presidências Lula-Dilma) não soube aproveitar os ventos favoráveis da economia internacional e realizar as reformas e os investimentos necessários para uma nova etapa de crescimento.

Se a economia não vai bem, a política vai ainda pior. Excetuando o esforço solitário de alguns deputados e senadores - não mais que uma dúzia -, o governo age como se o Congresso fosse uma extensão do Palácio do Planalto. Aprova o que quer. Desde projetos de pouca relevância, até questões importantes, como a Desvinculação de Receitas da União (DRU). A maioria congressual age como no regime militar. A base governamental é uma versão moderna da Arena. Não é acidental que, hoje, a figura mais expressiva é o senador José Sarney, o mesmo que presidiu o partido do regime militar.

Nenhuma discussão relevante prospera no Parlamento. As grandes questões nacionais, a crise econômica internacional, o papel do Brasil no mundo. Nada. Silêncio absoluto no plenário e nas comissões. A desmoralização do Congresso chegou ao ponto de não podermos sequer confiar nas atas das suas reuniões. Daqui a meio século, um historiador, ao consultar a documentação sobre a sessão do último dia 6, lá não encontrará a altercação entre os senadores José Sarney e Demóstenes Torres. Tudo porque Sarney determinou, sem consultar nenhum dos seus pares, que a expressão "torpe" fosse retirada dos anais. Ou seja, alterou a ata como mudou o seu próprio nome, sem nenhum pudor. Desta forma, naquela Casa, até as atas são falsas.

Para demonstrar o alheamento do Congresso dos temas nacionais, basta recordar as recentes reportagens do Estadão sobre a paralisação das obras da transposição das águas do Rio São Francisco. O Nordeste tem 27 senadores e mais de uma centena de deputados federais. Nenhum deles, antes das reportagens, tinha denunciado o abandono e o desperdício de milhões de reais. Inclusive o presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra, que representa o Estado de Pernambuco. Guerra, presumo, deve estar preocupado com questões mais importantes. Quais?

Falando em oposição, vale destacar o PSDB. Governou o Brasil por oito anos vencendo por duas vezes a eleição presidencial no primeiro turno. Nas últimas três eleições chegou ao segundo turno. Hoje governa importantes Estados. Porém, o partido inexiste. Inexiste como partido, no sentido moderno. O PSDB é um agrupamento, quase um ajuntamento. Não se sabe o que pensa sobre absolutamente nada. Um ou outro líder emite uma opinião crítica - mas não é secundado pelos companheiros. Bem, chamar de companheiros é um tremendo exagero. Mas, deixando de lado a pequena política, o que interessa é que o partido passou o ano inteiro sem ter uma oposição firme, clara, propositiva sobre os rumos do Brasil. E não pode ser dito que o governo Dilma tenha obtido tal êxito, que não deixou espaço para a ação oposicionista. Muito pelo contrário. A paralisia do PSDB é de tal ordem que o Conselho Político - que deveria pautar o partido no debate nacional - simplesmente sumiu. Ninguém sabe onde está. Fez uma reunião e ponto final. Morreu. Alguém reclamou? A grande realização da direção nacional foi organizar um seminário sobre economia num hotel cinco estrelas do Rio de Janeiro, algo bem popular, diga-se. E de um dia. Afinal, discutir as alternativas para o nosso país deve ser algo muito cansativo.

Para o Brasil, 2011 é um ano para ser esquecido. Foi marcado pela irrelevância no debate dos grandes temas, pela desmoralização das instituições republicanas e por uma absoluta incapacidade governamental para gerir o presente, pensar e construir o futuro do País.

Historiador, é professor da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar)

A história das constituições brasileiras (X)

Saiu no no Estadão:

‘Na luta contra a cidadania, o Estado ganha de goleada’
Ao relatar as seis constituições do Brasil, historiador vê na justiça o grande desafio nacional
23 de dezembro de 2011 | 23h 00
Notícia


Gabriel Manzano, de O Estado de S.Paulo
O mensalão que se arrasta na Justiça há anos, a Lei da Ficha Limpa que vai sendo adiada, a batalha do Conselho Nacional de Justiça pelo controle de tribunais e juízes. Esse retrato do Brasil não é só uma questão de justiça: é uma longa luta que se trava entre Estado e cidadania. "E nessa luta o Estado arbitrário prevaleceu e a cidadania perdeu de goleada", resume o historiador Marco Antonio Villa. "Como poderia ser diferente", pergunta ele, "se o próprio STF não dá exemplos de atitudes republicanas?"


Paulo Giandalia/AE - 02/06/2011
Marco Antonio Villa apresenta relato sem juridiquês
A cidadania desprotegida, seja em tempos de mensalão ou, bem lá atrás, na escravidão, é o eixo central das 160 páginas de A História das Constituições Brasileiras - 200 Anos de Luta contra o Arbítrio, o livro que Villa acaba de lançar, com seis capítulos - um para cada carta - e um sétimo contendo um detalhado não-elogio ao Supremo, "porque o Judiciário é de lojnge o pior dos três Poderes".

É um relato direto, sem juridiquês e até divertido, tantos os absurdos que Villa garimpou em sua pesquisa. Para citar apenas dois: a primeira carta, de 1824, ignorou por completo a escravidão, com a qual conviveu por sete décadas. E a de 1967, no auge do regime militar, decidiu que "toda pessoa física e jurídica é responsável pela segurança nacional" - um simples truque para prender qualquer cidadão, sob qualquer pretexto, por falta gravíssima.

A goleada a que o autor se refere nasce de uma receita bem brasileira: "Leis voltadas não para o Brasil real, mas para um país imaginário. ou garantias que dependem de regulamentações jamais feitas."

O que há de comum entre as seis constituições que o sr. Estudou?

Em quase todas se percebe uma luta, que vem desde a independência, do cidadão contra o Estado arbitrário. Nessa luta, na maioria das vezes, o Estado ganhou de goleada.

De que forma?

Um truque típico é escrever uma lei no papel e imaginar que o problema está resolvido. Da primeira à última carta, determinou-se a autonomia dos poderes mas quem sempre mandou, como manda hoje, foi o Executivo. Organizavam-se eleições e elas eram fraudadas. Mulheres não votavam, não havia direito de greve. Surgem leis que dependem de regulamentação e esta nunca é feita. A atual, de 1988, um avanço em relação às outras, criou o mandado de injunção. Ele permite ao cidadão ir ao Supremo e exigir o atendimento de um direito se ele não está regulamentado.


Pode dar exemplos práticos?

A primeira constituição, de 1824, feita pelo Parlamento, foi atirada no lixo pelo imperador. No lugar dela D. Pedro I fez outra que vigorou quase sete décadas e ignorou por completo a existência da escravidão. As duas seguintes, a da República em 1891 e a de Getúlio Vargas em 1934,,deveriam depender, para serem aceitas, da confirmação popular, em um plebiscito. Nem para uma nem para outra esse plebiscito jamais se realizou. A de 1937 introduziu uma "ditadura constitucional" que delegava poderes intermináveis ao Executivo. Este tinha todos os direitos e o cidadão todas as obrigações. A de 1946, que redemocratizou o País após a ditadura varguista, recuperou as liberdades mas abriu tantos leques que a certa altura se reduziu a um edital de licitação e incluiu em um artigo a obrigatoriedade de se concluir a rodovia Rio-Bahia em dois anos...

Nessa sequência, como entra a ditadura militar de 1964?

A contribuição do regime militar de 1964 foi um nunca acabar de arbítrios, casuísmos e aberrações. A Constituição de 1967 determina que "toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela segurança nacional, nos limites definidos em lei" - simples truque para acusar qualquer um de crimes gravíssimos. Dois anos depois, aprovou-se um artigo constitucional que obrigava o Estado a pagar as despesas médicas do já afastado presidente Costa e Silva. Esse tipo de cuidado traduzia uma curiosa obsessão dos militares: o empenho deles não era para cumprir a lei, mas por tornar legal tudo o que faziam.

O arbítrio virou um "direito constitucional’ do Estado.

Exato. As ditaduras acabaram constitucionalizando o arbítrio. Isso virou uma cultura típica do País. Um grande exemplo foi a pérola criada pelo jurista Carlos Medeiros da Silva, ao justificar o fim da eleição direta na ditadura de 1964. Ele sustentava que "o traumatismo da campanha pela eleição direta ou degenera o processo eleitoral ou impede o vencedor de governar em clima de paz e segurança". Era o retrato do regime.

NOTA: A Constituição que exigia um plebiscito para entrar em vigência foi a de 1937, (art. 187) tal qual está descrito no livro. A citação da Constituição de 1891 e 1934 foi um equívoco do jornalista, o que é explicável tendo em vista a longa conversa e os detalhes históricos das constituições.

STJ e os salários milionários de seus ministros

Vale a pena ler esta notícia publicada hoje na Folha (ver abaixo). É bom lembrar que a "lebre" fui eu quem levantou (ver o post "Triste Judiciário", artigo originalmente publicado em "O Globo"):


STJ pagou R$ 2 milhões a nove ministros

Pagamentos referentes a decisão judicial foram feitos em parcela única, ao contrário do que ocorreu em outros tribunais

Benefícios pagos aos ministros do STJ vão de R$ 162 mil a R$ 435 mil; corte não revela os nomes dos beneficiados

DE BRASÍLIA
Nove dos 33 ministros do Superior Tribunal de Justiça receberam de uma vez só neste ano pagamentos de auxílio-moradia atrasados dos anos 90. Os valores, somados, superam R$ 2 milhões.

É o mesmo benefício recebido pelo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Cezar Peluso, e pelo ministro Ricardo Lewandowski.

O direito foi reconhecido em 2000, quando o STF decidiu que todos os magistrados do país deveriam ter ganho aquilo que, durante alguns anos da década de 90, foi pago apenas aos congressistas.

A transferência destes recursos aos magistrados está no centro da polêmica que envolve a corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Não pelo pagamento em si, que é legal, mas pela forma como ele foi feito.

Segundo informações da corregedoria, não há padronização nos pagamentos feitos, e o STF, quando analisou a questão, afirmou que tudo deveria ser feito observando-se a "legalidade e igualdade".

No caso do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), a corregedoria chegou a iniciar uma inspeção para verificar a regularidade destes pagamentos, como a não observação da "igualdade" citada na decisão do STF.

Segundo a Folha apurou, o TJ-SP pagou o benefício em uma única vez a alguns magistrados, e em parcelas para outros. Essa investigação foi interrompida após liminar de Lewandowski, que suspendeu o trabalho do CNJ.

No STJ, os ministros receberam altos valores de uma só vez. A Folha encontrou a transferência de recursos a ministros, presentes na folha do tribunal, que vão de cerca de R$ 162 mil a R$ 435 mil.

A Folha questionou a Secretaria de Comunicação sobre os valores pagos e os integrantes beneficiados. O STJ disse que se trata do auxílio-moradia dos anos 90, mas não divulgou quem recebeu.

Três ministros receberam os valores em março deste ano e seis em setembro. A média é de R$ 234 mil por magistrado, pago de uma vez.

Gabeira comentando a crise do Judiciário.

Deu no blog do Gabeira (hospedado no Estadão.Com):

O que está acontecendo na justiça brasileira? Aparentemente um choque entre o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça.
Véspera de Natal é sempre um período que atenua as repercussões, como mencionei na invasão televisão a cabo do Clarin, na Argentina.
Duas decisões ,entretanto, uma de Marco Aurélio Melo outra de Ricardo Lewandowski seguem o mesmo rumo: reduzir os poderes de investigação do CNJ.

Ricardo Lewandowski, uma decisão delicada.
Marco Aurélio concedeu uma liminar que limita a investigaçao sobre juizes às corregedorias. Isto fará com que muitos casos não cheguem ao CNJ, porque ele não pode investigar por sua própria conta.
Lewandowski suspendeu uma investigação sobre pagamentos a desembargadores em São Paulo, considerados pelo CNJ como ilegais. Lewandowski e Cesar Peluso, que eram desembargadores naquela época, receberam cada um R$700 mil.
Na decisão de Lewandowski houve um claro conflito de interesse, se os dados forem mesmo corretos, se recebeu mesmo o dinheiro.
Sua resposta foi acusar o CNJ de investigar funcionários e juizes de forma ilegal, quebrando seu sigilo bancário. Mas no seu próprio caso, não é evidente que o sigilo tenha sido quebrado. Para saber se recebeu ou não, o método mais fácil não é abrir sua conta, mas consultar a fonte do pagamento que é pública.
Essa história é, na verdade, a continuação de uma resistência do judiciário a qualquer tipo de controle externo.
Um estudo do historiador Marco Antônio Villa mostrou, recentemente, que os salários na justiça estão acima do teto permitido.
Existe uma forte vigilância sobre os politicos, quase nenhuma sobre os magistrados. Os politicos, por causa da própria vulnerabilidade, costumam deixar de lado essas questões que acontecem na justiça.
O governo foi bem no episódio, contestando, através da Advocacia Geral da União(AGU) a liminar de Marco Aurélio.
Daqui a pouco é Natal, os sinos bimbalham e os problemas desaparecem. Mas tendem a reaparecer no ano que vem.
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Deu no IG - STF X Corregedora do CNJ

QUARTA-FEIRA, 21 DE DEZEMBRO DE 2011

Um risco para Eliana Calmon



A ministra Eliana Calmon (Foto: Wilson Pedrosa/AE)

Diante da decisão da liminar do ministro do STF Marco Aurélio Mello de limitar os poderes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o historiador Marco Antônio Villa, que tem acompanhado o trabalho do Judiciário, faz a seguinte observação:

- A decisão é um golpe na ação da Corregedoria do CNJ, especialmente da ministra Eliana Calmon. O plenário do STF só vai julgar a liminar em fevereiro do próximo ano. Até lá, o importante trabalho da ministra vai ficar paralisado. E ninguém garante que a liminar vai ser julgada efetivamente em fevereiro. A liminar representa uma derrota para todos aqueles que almejam um Judiciário transparente e que exerça a sua atribuição: fazer justiça.

Peluso (claro) defendeu Lewandowski

Observação: notem as ameaças de Peluso.

Peluso, que recebeu R$ 700 mil do TJ-SP, defende Lewandowski
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MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Cezar Peluso, fez uma nota para defender a decisão do ministro Ricardo Lewandowski, que suspendeu inspeção feita pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) na folha de pagamento do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Lewandowski recebeu pagamentos sob investigação, feitos a todos os desembargadores da corte por conta de um passivo trabalhista da década de 90.

Leia a íntegra da nota em que Peluso defende decisão de Lewandowski
Ministro do Supremo beneficiou a si próprio ao paralisar inspeção

O próprio ministro Peluso, que, como Lewandowski, foi desembargador do TJ paulista, recebeu recursos desse passivo.

Ele recebeu R$ 700 mil. Peluso considera que, apesar dos recebimentos, nem ele nem Lewandowski estão impedidos de julgar ações sobre o tema porque os ministros do STF não se sujeitam ao CNJ.

Portanto, não seria possível falar que agem em causa própria ou que estão impedidos quando julgam a legalidade de iniciativas daquele órgão, já que não estão submetidos a ele, e sim o contrário, de acordo com a Constituição e com decisão do próprio STF.

A corregedoria do CNJ iniciou em novembro uma inspeção no Tribunal de Justiça de São Paulo para investigar pagamentos que magistrados teriam recebido indevidamente junto com seus salários e examinar a evolução patrimonial de alguns deles, que seria incompatível com sua renda.

Um dos pagamentos que estão sendo examinados é associado à pendência salarial da década de 90, quando o auxílio moradia que era pago apenas a deputados e senadores foi estendido a magistrados de todo o país.

Em São Paulo, 17 desembargadores receberam pagamentos individuais de quase R$ 1 milhão de uma só vez, e na frente de outros juízes que também tinham direito a diferenças salariais.

Tanto Peluso quanto Lewandowski dizem ter recebido menos do que esse valor.

Lewandowski afirmou ontem, por meio de sua assessoria, que se lembra de ter recebido seu dinheiro em parcelas, como todos os outros.

O ministro disse que o próprio STF reconheceu que os desembargadores tinham direito à verba, que é declarada no Imposto de Renda. Ele afirmou que não entende a polêmica pois não há nada de irregular no recebimento.

A corregedoria tem deixado claro desde o início das inspeções que não está investigando ministros do STF, e sim procedimentos dos tribunais no pagamento dos passivos da década de 90. Ou seja, quem está sob investigação são os tribunais, e não os magistrados, que eventualmente se beneficiaram dos pagamentos.

O órgão afirmou ontem ainda, por meio de nota, que não quebrou o sigilo dos juízes e informou que em suas inspeções "deve ter acesso aos dados relativos à declarações de bens e à folha de pagamento, como órgão de controle, assim como tem acesso o próprio tribunal". Disse também que as informações coletadas nunca foram divulgadas.

No caso de São Paulo, a decisão do Supremo de esvaziar os poderes do CNJ suspendeu investigações sobre o patrimônio de cerca de 70 pessoas, incluindo juízes e servidores do Tribunal de Justiça.

Liminar concedida anteontem pelo ministro Marco Aurélio Mello impede que o conselho investigue juízes antes que os tribunais onde eles atuam analisem sua conduta --o que, na prática, suspendeu todas as apurações abertas por iniciativa do CNJ.

No caso de São Paulo, a equipe do conselho havia começado a cruzar dados da folha de pagamento do tribunal com as declarações de renda dos juízes. O trabalho foi paralisado ontem.

Leia a íntegra da nota de Peluso:

"O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, repudia insinuações irresponsáveis de que o ministro Ricardo Lewandowski teria beneficiado a si próprio ao conceder liminar que sustou investigação realizada pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra magistrados de 22 tribunais do país. Em conduta que não surpreende a quem acompanha sua exemplar vida profissional, o ministro Lewandowski agiu no estrito cumprimento de seu dever legal e no exercício de suas competências constitucionais. Inexistia e inexiste, no caso concreto, condição que justifique suspeição ou impedimento da prestação jurisdicional por parte do ministro Lewandowski.

Nos termos expressos da Constituição, a vida funcional do ministro Lewandowski e a dos demais ministros do Supremo Tribunal Federal não podem ser objeto de cogitação, de investigação ou de violação de sigilo fiscal e bancário por parte da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça. Se o foi, como parecem indicar covardes e anônimos "vazamentos" veiculados pela imprensa, a questão pode assumir gravidade ainda maior por constituir flagrante abuso de poder em desrespeito a mandamentos constitucionais, passível de punição na forma da lei a título de crimes."

A decisão (em causa própria) de Lewandowski

Ricardo Lewandowski não poderia ter tomado a decisão de suspender a ação do CNJ no TJ de SP. Isto porque ele próprio recebeu "atrasados" de 700 mil reais, assim como César Peluso. Mesmo assim, deliberou uma medida em causa própria. E a suspeição?
Bem, as causas de impedimento e suspeição estão previstas nos artigos 134 a 138, do Código de Processo Civil (CPC) e dizem respeito à imparcialidade do juiz no exercício de sua função. É dever do juiz declarar-se impedido ou suspeito, podendo alegar motivos de foro íntimo.

O impedimento tem caráter objetivo, enquanto que a suspeição tem relação com o subjetivismo do juiz. A imparcialidade do juiz é um dos pressupostos processuais subjetivos do processo.

No impedimento há presunção absoluta (juris et de jure) de parcialidade do juiz em determinado processo por ele analisado, enquanto na suspeição há apenas presunção relativa (juris tantum).

O CPC dispõe, por exemplo, que o magistrado está proibido de exercer suas funções em processos de que for parte ou neles tenha atuado como advogado. O juiz será considerado suspeito por sua parcialidade quando for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes, receber presente antes ou depois de iniciado o processo, aconselhar alguma das partes sobre a causa, entre outros.

Confira o texto integral de dispositivos do CPC que dispõem sobre impedimento e suspeição:

Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:
I – de que for parte;
II – em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;
III – que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;
IV – quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;
V – quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;
VI – quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.
Parágrafo único. No caso do no IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.

Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:
I – amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;
II – alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;
III – herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;
IV – receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;
V – interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.
Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.

Art. 136. Quando dois ou mais juízes forem parentes, consangüíneos ou afins, em linha reta e no segundo grau na linha colateral, o primeiro, que conhecer da causa no tribunal, impede que o outro participe do julgamento; caso em que o segundo se escusará, remetendo o processo ao seu substituto legal.

Art. 137. Aplicam-se os motivos de impedimento e suspeição aos juízes de todos os tribunais. O juiz que violar o dever de abstenção, ou não se declarar suspeito, poderá ser recusado por qualquer das partes (art. 304).

Art. 138. Aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição:
I – ao órgão do Ministério Público, quando não for parte, e, sendo parte, nos casos previstos nos ns. I a IV do art. 135;
II – ao serventuário de justiça;
III – ao perito; (Redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.8.1992)
IV – ao intérprete.
§ 1º A parte interessada deverá argüir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que Ihe couber falar nos autos; o juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão da causa, ouvindo o argüido no prazo de 5 (cinco) dias, facultando a prova quando necessária e julgando o pedido.
§ 2º Nos tribunais caberá ao relator processar e julgar o incidente.

Art. 312. A parte oferecerá a exceção de impedimento ou de suspeição, especificando o motivo da recusa (arts. 134 e 135). A petição, dirigida ao juiz da causa, poderá ser instruída com documentos em que o excipiente fundar a alegação e conterá o rol de testemunhas.

Art. 313. Despachando a petição, o juiz, se reconhecer o impedimento ou a suspeição, ordenará a remessa dos autos ao seu substituto legal; em caso contrário, dentro de 10 (dez) dias, dará as suas razões, acompanhadas de documentos e de rol de testemunhas, se houver, ordenando a remessa dos autos ao tribunal.

Art. 314. Verificando que a exceção não tem fundamento legal, o tribunal determinará o seu arquivamento; no caso contrário condenará o juiz nas custas, mandando remeter os autos ao seu substituto legal.

FONTE: STF

A história das constituições brasileiras (IX)

Uma entrevista para a Livraria da Folha que trata do meu último livro. Segue o link:
http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/1022621-stf-e-um-guardiao-fragil-da-constituicao-ouca-historiador.shtml. No link há um ícone que permite acessar o áudio de uma parte da entrevista


STF é um guardião frágil da Constituição'; ouça historiador

FABIO ANDRIGHETTO
da Livraria da Folha

Divulgação

Análises de cada constituição que o país já teve e seu contexto histórico
"A História das Constituições Brasileiras", um exame da maneira nacional de fazer política, dedica um capítulo ao Supremo Tribunal Federal e seu papel na República. Segundo o autor, Marco Antonio Villa, "[STF] é um guardião muito frágil da constituição."

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Em entrevista à Livraria da Folha, Villa contou como se desenvolveu o estudo para a edição e a análise do contexto histórico.

"Esse livro, portanto, surgiu depois de constatar que as constituições brasileiras eram exóticas, para dizer o mínimo, tinham várias passagens bizarras e descolamento entre a Constituição e a realidade política brasileira". Ouça.



Publicado pela editora LeYa, o volume é dividido em sete capítulos que descrevem embates políticos, emendas, revoltas e períodos que o país esteve sob o período da ditadura. Leia um trecho do exemplar.

O historiador Marco Antonio Villa também é autor de "Jango: um Perfil", "1932: Imagens de uma Revolução", "História Geral", "História do Brasil", "A Revolução Mexicana", "Vida e Morte no Sertão", "Canudos, História em Versos" e "Carta do Achamento do Brasil".

*
"A História das Constituições Brasileiras"
Autor: Marco Antonio Villa
Editora: LeYa
Páginas: 160
Quanto: R$ 29,75 (preço promocional*)
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

Golpe contra o CNJ

A decisão do ministro Marco Aurélio (STF) é um golpe na ação da Corregedoria do CNJ, especialmente da ministra Eliana Calmon. O plenário do STF só vai julgar a liminar em fevereiro do próximo ano. Até lá, o importante trabalho da ministra vai ficar paralisado. E ninguém garante que a liminar vai ser julgada efetivamente em fevereiro.

A liminar representa uma derrota para todos aqueles que almejam um Judiciário transparente e que exerça a sua atribuição: fazer justiça.

Em clima de Natal

Esta resenha (faz um tempão) saiu na Folha de S. Paulo. Como neste período os "olhos, boca e barriga" estão a mil, achei de bom tom republicar o comentário:


LIVROS
"História da Alimentação" estuda da pré-história aos hábitos atuais dos norte-americanos
Olhos, boca e barriga
MARCO ANTONIO VILLA
especial para a Folha

A "História da Alimentação", que chega às livrarias nesta semana, está dividida em sete partes, seguindo a divisão tradicional dos manuais de história européia (pré-história, antiguidade etc.), com 47 capítulos desenvolvidos em quase 900 páginas.
Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari, diretores da obra, pretendem apresentar a história da alimentação de maneira temática, com "estudos sobre os aspectos econômico e demográfico (ou seja, sobre o binômio produção-consumo), sobre as diferenças entre a alimentação das cidades e do campo, sobre a arte culinária, a dietética, as refeições e os costumes à mesa, os aspectos simbólicos da alimentação etc".
A primeira parte trata da pré-história e das primeiras civilizações do Oriente Próximo. Sobre a pré-história, Catherine Pérles descreve como, há 500 mil anos, o uso regular do fogo pelos homens acabou modificando a alimentação e os comportamentos sociais. Com as primeiras fogueiras temos indícios do cozimento dos alimentos e o surgimento do hábito de realizar as refeições em comum.
Na Mesopotâmia, os banquetes assumiram um papel religioso, onde os deuses tomavam importantes decisões. Para Francis Joannés, "é o deus mais velho ou mais bem colocado na hierarquia que o organiza e faz os convites. No poema babilônico da Criação ("Enouma Elish"), quando os deuses estão procurando um campeão para combater o Mar (a deusa Tiamat), que quer arrasá-los, é o deus Anshar, o mais eminente deles, que cuida de reuni-los. Esses banquetes são descritos como momentos de festejos".
Na segunda parte, que trata do mundo greco-romano, é analisado como foi construída a consciência de que ser civilizado era produzir o próprio alimento, diversamente dos "bárbaros", que não comiam pão nem bebiam vinho e se alimentavam da carne e bebiam leite.
No mundo greco-romano, os convivas participavam dos banquetes semideitados. Na Grécia, apoiavam-se sobre o cotovelo direito tendo ao lado da cama inclinada uma pequena mesa. Já em Roma, as camas circundavam uma mesa onde estavam os alimentos.
Diversamente dos gregos, os romanos não separavam a bebida do momento da refeição. Os judeus, que comiam sentados, também abandonaram a tradição: é provável que a última refeição de Jesus com os apóstolos tenha acontecido segundo a forma romana. Se os nobres romanos tinham uma alimentação sofisticada, o mesmo não ocorria com os soldados: estes se alimentavam de pão, carne, óleo e vinho. A bebida mais popular entre os militares era a posca - água misturada com vinagre; um soldado romano, segundo a tradição, teria umedecido com ela os lábios de Jesus na cruz.
Na terceira parte, sobre as invasões bárbaras e a alta Idade Média, temos o contato entre o mundo bárbaro e romano.
Apesar de vitoriosos militarmente, os bárbaros, especialmente da elite dirigente, acabaram sucumbindo diante da alimentação ocidental. A vitória do cristianismo, primeiro como religião oficial do Império Romano e depois convertendo os bárbaros, acabou por europeizar o consumo do vinho, do pão e do óleo -sagrados na liturgia cristã-, manteve os hábitos alimentares romanos e os interditos religiosos.
A quarta parte é formada por três capítulos: um para os bizantinos, outro para os árabes e o último para os judeus. Foram os islâmicos que acabaram deixando a maior herança alimentícia para os europeus (e para o mundo). Por meio da Espanha e do sul da Itália -domínios islâmicos durante vários séculos-, acabaram chegando à Europa diversos produtos, receitas e hábitos alimentares. Entre tantos produtos podem ser lembrados os legumes: aspargo, espinafre, acelga, berinjela, cenoura, alcachofra, lentilha, fava, grão-de-bico e ervilha.
Na quinta parte, reservada à baixa Idade Média, temos o surgimento de uma culinária urbana, a valorização do pão branco, das carnes frescas, da carne de carneiro em relação à carne de porco. Apareceram as boas maneiras, a "etiqueta", a faca passou a ser um componente da mesa, assim como o garfo, que acabou se tornando um utensílio doméstico após a peste negra (1347-1349). Nessa época aumentou a distância física entre os comensais devido à generalização do uso de pratos, copos e talheres individuais.
A sexta parte, correspondente à era moderna, é a melhor do livro. Por meio da expansão colonial novos produtos chegaram à Europa: pimentão, peru -chamado de galinha-da-índia-, batata, café, milho, tomate, feijão americano, chá, chocolate, entre outros. Com a Reforma protestante, no século 16, foram abolidos vários interditos da Igreja Católica, o que acabou possibilitando a diversificação das cozinhas nacionais. Mas uma das maiores modificações foi trazida pela abundância no consumo de açúcar a partir do século 17 -devido ao barateamento do produto graças às plantações na América- e as popularizações do chá, café e chocolate.
O cacau, originário da América, chegou à Europa pela Espanha, quando, em 1527, Hernan Cortez enviou algumas amostras a Carlos 5º. No México era tomado pelos astecas na forma líquida após ser fervido com pimentão. Após a conquista, religiosas de um convento em Oaxaca teriam substituído o pimentão pelo açúcar de cana e criado o chocolate.
O café, originário da Etiópia e depois levado para o Iêmen, popularizou-se seguindo os passos do expansionismo islâmico. No Oriente, desde o século 15, havia estabelecimentos servindo café. No século 17, os italianos resolveram eliminar a borra do café turco por meio do lançamento de água fervente sob o café abrigado em um filtro de pano. A partir de então, essa forma de tomar café foi transmitida a toda a Europa. Já o chá ficou restrito à Inglaterra e Rússia. Paradoxalmente, nas regiões de origem, chocolate, chá e café eram tomados sem qualquer adoçante, conservando um gosto amargo.
Dentre os produtos coloniais, a batata acabou tendo um curioso percurso. Originária da América, acabou se transformando no século 17 no alimento básico da Irlanda, Inglaterra e Holanda. Na Alemanha, somente no século 19, após uma grave crise agrícola, foi adotada como alimento humano. Até então era cultivada para consumo dos porcos.
A última parte do livro é dedicada à era contemporânea. A Revolução Industrial acabou alterando profundamente a alimentação: produtos fabricados artesanalmente durante séculos passaram a ser fabricados pelas indústrias (farinha, manteiga, queijo) e outros foram criados (leite condensado e em pó); novos aparelhos são usados no preparo das refeições (fogão a gás, batedeira). Além disso, comer deixou de ser um ato exclusivamente doméstico.
Na segunda metade do século 20 temos o renascimento da dietética, aumenta o consumo de legumes e frutas, diminui o consumo de carne vermelha e do açúcar. A utilização indiscriminada de adubos químicos acabou levando a uma diminuição nos preços das mercadorias, mas também a uma queda da qualidade. A indústria passou a ditar o ritmo da alimentação e até dos regimes.
A marca deste final de milênio é o modo de comer dos americanos. Para eles, as horas destinadas às refeições não existem em si; é possível, ao mesmo tempo, comer e trabalhar. Lembra Claude Fischler que os espiões iraquianos nos Estados Unidos poderiam ter sido mais eficientes caso prestassem atenção aos pedidos que o Pentágono e a Casa Branca fizeram a Domino's Pizza horas antes do bombardeio a Bagdá. A Casa Branca pediu 55 pizzas (em vez da média de 5) e o Pentágono 101 (contra 3 em média).
"História da Alimentação" é um livro agradável, mas há algumas falhas. O leitor notará o excessivo eurocentrismo -que na maior parte da obra se restringe ainda mais, detendo-se exclusivamente na alimentação da França e da Itália-, como se o resto do mundo fosse um mero complemento da Europa, excetuando-se o último capítulo dedicado aos Estados Unidos. Há um certo tom nacionalista em várias passagens do livro. Um exemplo: "Todos nós sabemos que os franceses, depois de terem aprendido com os italianos, têm o gosto mais requintado do mundo". Coincidentemente, os organizadores são um italiano e um francês.
Isso acaba empobrecendo a obra, pois escrever sobre alimentação e ignorar a América Latina, África, Japão, Índia e, principalmente, a China é uma tolice tão grande como um chinês escrever sobre o mesmo tema e omitir a importância da culinária francesa. Não é possível argumentar que faltou espaço, pois o livro tem 900 páginas e há capítulos pouco importantes, como o dedicado à alimentação dos etruscos. Vale lembrar que temos um belíssimo livro sobre o tema, a "História da Alimentação no Brasil", de Luis da Câmara Cascudo.
Como cada capítulo foi escrito por um especialista, é natural que a obra não mantenha a regularidade. Há capítulos brilhantes e outros razoáveis. A tradução, velho problema dos nossos editores, nem sempre é feliz e comete vários equívocos. Como na pág. 609, ao comentar a expansão do café pelo Oeste paulista: "Multiplicaram-se as fazendas nas boas terras violeta de São Paulo". Obviamente, o autor está se referindo à terra roxa.
Estes pequenos problemas não diminuem a importância do livro. Pelo contrário, ao final da leitura nos identificamos com as palavras do sábio Coélet, autor do "Eclesiastes", que no século 3º a.C. escreveu: "Todo trabalho do homem é para a sua boca e, no entanto, seu apetite nunca está satisfeito" ("Eclesiastes", 6, 7).



A OBRA

História da Alimentação - Organização de Jean Louis Flandrin e Massimo Montanari. Tradução de Luciano Vieira Machado e Guilherme Teixeira. Ed. Estação Liberdade (r. Dona Elisa, 116, CEP 01155-030, SP, tel. 011/3824-0020). 920 págs. R$ 65,00.

Marco Antonio Villa é professor de história da Universidade Federal de São Carlos e autor de "O Nascimento da República", entre outros.

Um ano de governo Dilma: um país à deriva

Saiu hoje na Folha de S. Paulo:

MARCO ANTONIO VILLA

É bom o desempenho da presidente Dilma no primeiro ano de seu mandato?

NÃO

Um país à deriva

Na centenária história da República não houve, no primeiro ano, uma administração com tantas acusações de corrupção que levaram a demissões de ministros, como a da presidente Dilma Rousseff.

Excetuando-se o primeiro trimestre, de lá para cá a rotina foi a gerência de crises e mais crises. Nenhuma delas por questão programática ou ideológica. Não. Todas devido às gravíssimas acusações de mau uso dos recursos públicos e de favorecimentos dos parceiros da base governamental.

Neste ano ficou provado, mais uma vez, que o presidencialismo de transação é um fracasso. A partilha irresponsável da máquina pública paralisou o governo.

A incapacidade de gestão -já tão presente no final da Presidência de Lula- se aprofundou. A piora do quadro internacional não trouxe qualquer tipo de preocupação para o conjunto do governo.

Algumas medidas adotadas ficaram restritas ao Ministério da Fazenda. Como se a grave crise internacional fosse simplesmente uma mera turbulência, e não o prenúncio de longo período de estagnação, especialmente da Europa, e com repercussões ainda difíceis de quantificar na economia Ásia-Pacífico.

O governo brasileiro mantém-se como um observador passivo, e demonstrando até certo prazer mórbido com os problemas europeus e com a dificuldade da recuperação dos Estados Unidos. Como se não pudesse ser atingido gravemente pelos efeitos de uma crise no centro do sistema capitalista.

Se é correto afirmar que o mundo está iniciando um processo de inversão das antigas relações econômicas centro-periferia, isso não significa que o Brasil possa suportar um lustro sem que ocorra uma reativação das economias americana e europeia.

A crise de 2008 -e a estagnação de 2009, com crescimento negativo de 0,3%- não foi suficiente para que o governo tomasse um rumo correto. Foi guiado exclusivamente pelo viés eleitoral de curto (2010) e médio prazos (2014). A inexistência de um projeto para o país é cada dia mais evidente. Nem simples promessas eleitorais foram cumpridas.

Nenhuma delas. Serviram utilitariamente para dar algum tipo de verniz programático a uma aliança com objetivos continuístas. Foram selecionadas algumas propostas, mas sem qualquer possibilidade de viabilização. Basta citar, entre tantos exemplos, o programa (fracassado) Minha Casa, Minha Vida.

O país está à deriva. Navega por inércia. A queda da projeção da taxa de crescimento é simplesmente uma mostra da incompetência. Mas o pior está por vir.

Não foi desenvolvido nenhum plano para enfrentar com êxito a nova situação internacional. Tempo não faltou. Assim como sinais preocupantes no conjunto da economia e nas contas públicas.

A bazófia e o discurso vazio não são a melhor forma de enfrentar as dificuldades. É fundamental ter iniciativa, originalidade, propostas exequíveis e quadros técnicos com capacidade administrativa, mas o essencial é mudar a lógica perversa deste arranjo de governo.

Dizendo o óbvio -que na nossa política nem sempre é evidente-, o objetivo do governo não é saciar a base de sustentação política com o saque do erário, como vem ocorrendo até hoje. Deve ter um mínimo de responsabilidade republicana, pensar no país, e não somente no projeto continuísta.

Contudo, tendo como pano de fundo o primeiro ano de governo, a perspectiva é de imobilismo. Algumas mudanças nos ministérios devem ocorrer, pois o desgaste é inevitável. Nada indica, porém, uma alteração de rumo ou uma melhora na qualidade de gestão. A irresponsabilidade vai se manter. E caminhamos para um 2012 cinzento.

MARCO ANTONIO VILLA é historiador e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Silêncio do STJ

O desprezo do STJ para com a opinião pública é tão evidente, que, até hoje, sequer uma simples nota foi divulgada tentando defender o tribunal. Uma explicação é que os dados do artigo "Triste Judiciário" são irrefutáveis, pois tiveram como base as informações disponibilizadas no site do tribunal. Falando em site, vale a pena a consultar ao www.stj.jus.br . Clique em transparência e tenha muita calma pois não é fácil ver o salário final não só dos 33 ministros, como de dezenas de funcionários.

O STJ está preocupado com as sandálias

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Enviado por Renato Pacca -
14.12.2011
|
8h11m

Triste Judiciário e Infelizes Jurisdicionados

O GLOBO publicou ontem um artigo do historiador Marco Antonio Villa, professor da Universaidade Federal de São Carlos (SP), que esquadrinhou algumas contradições do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas também cometeu um excesso.

É um fato que em 2010 um ministro do STJ - Paulo Medina - foi afastado sob graves acusações e aposentado compulsoriamente. Entretanto, o historiador peca ao acusar o STJ de cometer um péssimo exemplo ao aplicar a pena de aposentadoria compulsória, passando o ex-ministro a receber R$ 25mil por mês. Ora, a penalidade aplicada foi aquela constante da lei. Se a lei é leniente, se é injusta, ela deve ser alterada pelo Legislativo. Culpe-se o Judiciário pelo mau exemplo de alguns de seus membros, mas não por aplicar a lei existente!

Por outro lado, tem toda razão o articulista ao mencionar a falta de transparência do tribunal, com recebimentos de mais de R$ 400mil em apenas um mês por ministros não-identificados. Essa falta de transparência não se limita ao STJ e está disseminada em diversos tribunais regionais e estaduais espalhados pelo país. É a famosa "caixa-preta" do Judiciário, termo que irrita os seus membros, mas que permanece no imaginário popular, justamente em função da falta de transparência nos gastos.

Interessante foi perceber a recente pressão do Judiciário para não se submeter ao fundo único de previdência complementar dos servidores, que está sendo articulado pelo governo e cuja aprovação deve ocorrer ainda este ano. Após muito desgaste, o governo aceitou criar três fundos, um para cada poder, sob o argumento da autonomia dos poderes. Entretanto, já se vislumbra que a verdadeira motivação do Judiciário foi a de manter o controle absoluto sobre os salários de seus membros.

Os leitores de O Globo comentando o artigo "Triste Judiciário"o"

O GLOBO | DOS LEITORES (8)

Dos Leitores

Marcos Valério livre

Bela decisão do Superior Tribunal de Justiça de como punir a iminência parda do governo Lula. E tem mais: a sociedade deve ficar atenta, a decisão pelo arquivamento do mensalão é quase certa pela Justiça. Essa procrastinação tem tudo a ver: o próprio ministro relator vive em licença médica. Tudo isso é uma estratégia. No Brasil de hoje, os três poderes estão rezando na mesma cartilha. É uma vergonha o que estamos passando.

ROBERVAL FERNANDES
Niterói, RJ

Triste Judiciário

O artigo “Triste Judiciário” (Marco Antonio Villa, 13/12) é, nada menos, do que um revoltante relato da exploração a que está submetido o povo brasileiro por aqueles que mais teriam a obrigação de ser justos, sobretudo honestos. Criado pela Constituição de 1988, o STJ é nada menos do que a antítese da Justiça que deveria praticar, abrigando legiões de funcionários e seus ministros sustentados por impensáveis salários faraônicos. A Constituição de 1988, que criou esse tribunal, é aquela que foi dita “cidadã”, sob aplausos do Congresso.

RODOLPHO HEGGENDORN DONNER
Rio

A análise de Marco Antonio Villa sobre o STJ demonstra didaticamente que a aposentadoria compulsória dos juízes que são apanhados no pulo é, realmente, uma punição. A partir dela, passam a ter que se contentar com “míseros” R$ 25 mil por mês. Perdem ganhos mensais que por vezes alcançam a casa das centenas de milhares, perdem mordomias e, pior, não mais poderão apreciar causas e precificar sentenças. Ficam à beira da indigência...

CÂNDIDO ESPINHEIRA FILHO
Rio

O STJ, com 33 ministros, teve um orçamento, em 2010, de R$ 940 milhões para custeio de suas despesas. Já a Inglaterra gasta, anualmente, C 49 milhões (aproximadamente R$ 125 milhões) para manter sua — propalada cara — nobreza (com carruagens de ouro e tudo mais). A pergunta que me veio à mente foi: quem realmente são os nobres, os ministros do STJ ou Sua majestade, a Rainha, e sua corte (é só fazer a conta). Imagine se somássemos as despesas de todos os tribunais do país. Cidadãos brasileiros, acordemos.

EDUARDO MOREIRA DA SILVA
Niterói, RJ

Ao ler o artigo “Triste Judiciário”, senti imensa vergonha de mim mesmo por ser tão rigoroso e impaciente com meninos que limpam para-brisas, com meninos-flanelinhas e com meninas que distribuem pequenos panfletos de empréstimos pelas ruas da cidade. Senti-me envergonhado e covarde.

LUIS CARLOS MAGALHÃES RIBEIRO
Rio

Embora enquadrado naquela maioria silenciosa que assiste, atônita e impotente, ao constante desenrolar de escândalos protagonizados por integrantes dos mais elevados níveis dos poderes constituídos, concordo com o articulista Marco Antonio Villa. Esses fatos são de estarrecer, já que praticados sob a cobertura de um aparato legal e ao mando de membros do STJ, o segundo nível mais elevado doJudiciário, a quem cabe a preservação do nexo entre a ética e a legalidade, a última expressão do direito. Sentimo-nos até temerosos de que esses personagens poderosos não possam impedir essas manifestações de descontentamento e revolta expressas sob o manto da liberdade de imprensa.

FRANCISCO XAVIER DO NASCIMENTO JR.
Rio

Alguém precisa ter coragem e propor a revogação de parte do caput do Art. 5 oda Constituição Federal, quando diz que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Quem leu “TristeJudiciário” tem a medida exata de que não existe essa igualdade, e o pior, inexistem órgãos dispostos a combater as aberrações ali descritas, porque seria inocência de minha parte acreditar que o CNJdesconhece subsídios e salários praticados no STJ. Essas remunerações, além de imorais e descoladas da realidade da maioria da população, burlam outro preceito constitucional, o Art. 37 XI, que limita o teto remuneratório dos ocupantes de cargos públicos. O mais triste é saber que o Brasil ainda levará séculos para ser um país justo para todos os cidadãos.

JOSÉ ANTONIO PORTELLA DA SILVA
Rio

Parabenizo a audácia e a coragem do articulista Marco Antonio Villa. Num país onde a presidente chama a roubalheira imunda de malfeito, e salafrários contumazes são por ela elogiados em público, o professor traz um gratificante perfume ético aos cidadãos trabalhadores deste país.

GILSON ESSENFELDER ABRAHÃO
Governador Valadares, MG

O artigo “Triste Judiciário”, do professor Marco Antonio Villa, informa-nos como o nosso Judiciário esbanja dinheiro. Enquanto isso, nós, militares, e outras categorias padecemos com salários miseráveis, com o pouco caso dos governantes. Eles podem fazer greve?

FERNANDO MANUEL DO NASCIMENTO
Rio

Estarrecedor o artigo do historiador Marco Antonio Villa. Ministros do STJ recebendo “salários” de R$ 200 mil, ou mais, e gastos de verbas absurdas com despesas “domésticas”, além de 160 automóveis para 33 ministros. O art. 93, item V da Constituição Federal determina: “Os vencimentos dos magistrados serão fixados com diferença não superior a 10% de uma para outra das categorias, não podendo, a título nenhum, exceder os vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal.” Ainda no seu art. 102: “Compete ao STF a guarda da Constituição, cabendo (item I, alínea “C”) julgar os ministros dos tribunais superiores.” Em face das denúncias, o povo pergunta: o STF vai tomar providências, ou vai prevalecer o corporativismo? E oMinistério Público?

REYNALDO CHRISTIANO DA SILVA
Rio

Triste Judiciário: um breve retrato do STJ

Saiu hoje em "O Globo":


Triste Judiciário

Marco Antonio Villa, O Globo, 13/12/11

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é formado por 33 ministros. Foi criado pela Constituição de 1988. Poucos conhecem ou acompanham sua atuação, pois as atenções nacionais estão concentradas no Supremo Tribunal Federal. No site oficial está escrito que é o tribunal da cidadania. Será?

Um simples passeio pelo site permite obter algumas informações preocupantes.

O tribunal tem 160 veículos, dos quais 112 são automóveis e os restantes 48 são vans, furgões e ônibus. É difícil entender as razões de tantos veículos para um simples tribunal. Mais estranho é o número de funcionários. São 2.741 efetivos.

Muitos, é inegável. Mas o número total é maior ainda. Os terceirizados representam 1.018. Desta forma, um simples tribunal tem 3.759 funcionários, com a média aproximada de mais de uma centena de trabalhadores por ministro!! Mesmo assim, em um só contrato, sem licitação, foram destinados quase R$2 milhões para serviço de secretariado.

Não é por falta de recursos que os processos demoram tantos anos para serem julgados. Dinheiro sobra. Em 2010, a dotação orçamentária foi de R$940 milhões. O dinheiro foi mal gasto. Só para comunicação e divulgação institucional foram reservados R$11 milhões, para assistência médica a dotação foi de R$47 milhões e mais 45 milhões de auxílio-alimentação. Os funcionários devem viver com muita sede, pois foram destinados para compra de água mineral R$170 mil. E para reformar uma cozinha foram gastos R$114 mil. Em um acesso digno de Oswaldo Cruz, o STJ consumiu R$225 mil em vacinas. À conservação dos jardins — que, presumo, devem estar muito bem conservados — o tribunal reservou para um simples sistema de irrigação a módica quantia de R$286 mil.

Se o passeio pelos gastos do tribunal é aterrador, muito pior é o cenário quando analisamos a folha de pagamento. O STJ fala em transparência, porém não discrimina o nome dos ministros e funcionários e seus salários. Só é possível saber que um ministro ou um funcionário (sem o respectivo nome) recebeu em certo mês um determinado salário bruto. E só. Mesmo assim, vale muito a pena pesquisar as folhas de pagamento, mesmo que nem todas, deste ano, estejam disponibilizadas. A média salarial é muito alta. Entre centenas de funcionários efetivos é muito difícil encontrar algum que ganhe menos de 5 mil reais.

Mas o que chama principalmente a atenção, além dos salários, são os ganhos eventuais, denominação que o tribunal dá para o abono, indenização e antecipação das férias, a antecipação e a gratificação natalinas, pagamentos retroativos e serviço extraordinário e substituição. Ganhos rendosos. Em março deste ano um ministro recebeu, neste item, 169 mil reais. Infelizmente há outros dois que receberam quase que o triplo: um, R$404 mil; e outro, R$435 mil. Este último, somando o salário e as vantagens pessoais, auferiu quase meio milhão de reais em apenas um mês! Os outros dois foram “menos aquinhoados”, um ficou com R$197 mil e o segundo, com 432 mil. A situação foi muito mais grave em setembro. Neste mês, seis ministros receberam salários astronômicos: variando de R$190 mil a R$228 mil.

Os funcionários (assim como os ministros) acrescem ao salário (designado, estranhamente, como “remuneração paradigma”) também as “vantagens eventuais”, além das vantagens pessoais e outros auxílios (sem esquecer as diárias). Assim, não é incomum um funcionário receber R$21 mil, como foi o caso do assessor-chefe CJ-3, do ministro 19, os R$25,8 mil do assessor-chefe CJ-3 do ministro 22, ou, ainda, em setembro, o assessor chefe CJ-3 do do desembargador 1 recebeu R$39 mil (seria cômico se não fosse trágico: até parece identificação do seriado “Agente 86”).

Em meio a estes privilégios, o STJ deu outros péssimos exemplos. Em 2010, um ministro, Paulo Medina, foi acusado de vender sentenças judiciais. Foi condenado pelo CNJ. Imaginou-se que seria preso por ter violado a lei sob a proteção do Estado, o que é ignóbil. Não, nada disso. A pena foi a aposentadoria compulsória. Passou a receber R$25 mil. E que pode ser extensiva à viúva como pensão. Em outubro do mesmo ano, o presidente do STJ, Ari Pargendler, foi denunciado pelo estudante Marco Paulo dos Santos. O estudante, estagiário no STJ, estava numa fila de um caixa eletrônico da agência do Banco do Brasil existente naquele tribunal. Na frente dele estava o presidente do STJ. Pargendler, aos gritos, exigiu que o rapaz ficasse distante dele, quando já estava aguardando, como todos os outros clientes, na fila regulamentar. O presidente daquela Corte avançou em direção ao estudante, arrancou o seu crachá e gritou: “Sou presidente do STJ e você está demitido. Isso aqui acabou para você.” E cumpriu a ameaça. O estudante, que dependia do estágio — recebia R$750 —, foi sumariamente demitido.

Certamente o STJ vai argumentar que todos os gastos e privilégios são legais. E devem ser. Mas são imorais, dignos de uma república bufa. Os ministros deveriam ter vergonha de receber 30, 50 ou até 480 mil reais por mês. Na verdade devem achar que é uma intromissão indevida examinar seus gastos. Muitos, inclusive, podem até usar o seu poder legal para coagir os críticos. Triste Judiciário. Depois de tanta luta para o estabelecimento do estado de direito, acabou confundindo independência com a gastança irresponsável de recursos públicos, e autonomia com prepotência. Deixou de lado a razão da sua existência: fazer justiça.

MARCO ANTONIO VILLA é historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos (SP).