A década perdida.
A década perdida
MARCO ANTONIO VILLA É HISTORIADOR E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFCAR)
A história das constituições brasileiras: o livro e uma entrevista.
Segue link da entrevista concedida à Univesp TV para o jornalista Ederson Granetto tratando do meu livro "A história das constituições brasileiras. 200 anos de luta contra o arbítrio" (editora LeYa):
http://www.youtube.com/watch?v=k325AS9PEno
Mensalão, o livro e mais uma resenha
Segue resenha publicada no jornal Opção:
Mensalão
Como Roberto Jefferson tinha sido um dos principais líderes da “tropa de choque” do então presidente Fernando Collor de Mello, o novo caso de corrupção denunciado por “Veja” tendia a ser encarado com naturalidade e esquecido, com o passar das semanas. Tratava-se, aparentemente, de uma corrupção na periferia do poder, perpetrada por um aliado fisiológico do governo Lula, que o presidente e o PT, a contragosto, tiveram de engolir em nome da governabilidade. Quem poderia imaginar que o Partido dos Trabalhadores, a vestal da redemocratização do país, pudesse estar envolvido no maior escândalo documentado de corrupção de toda a história do Brasil, que acabaria rendendo no Supremo um processo de cerca de 5 mil páginas, 235 volumes, 600 testemunhas e cinco anos de investigações, apenas no âmbito da Justiça?
Afinal, exatos 13 anos antes da denúncia de propina nos Correios, que acabaria envolvendo o PT e o governo Lula, foi deflagrado o Movimento pela Ética na Política, mobilizando segmentos influentes da sociedade, como a OAB e a CNBB, e tendo entre seus principais arautos o Partido dos Trabalhadores, que não se conformava com a derrota de Lula em 1989 e tentava, de todas as formas, desestabilizar o governo Collor. Até então o PT era visto pela sociedade como um partido ético e idealista, cujas concessões para chegar ao poder eram apenas uma estratégia ditada pelas circunstâncias, sem abalar o compromisso do partido com a moralidade da vida pública. Mas esse encantamento do mundo político, sob a competente prestidigitação do PT, foi quebrado com o escândalo do Mensalão. É o que mostra o historiador Marco Antonio Villa no corajoso livro “Mensalão”, escrito no calor dos acontecimentos, como se dizia nos velhos tempos do jornalismo de papel, e publicado pela Leya, editora que pode se tornar um salutar contraponto mais à “direita” à Companhia das Letras.
O historiador Marco Antonio Villa é uma das raras vozes dissonantes na academia brasileira, ao lado do sociólogo Demétrio Magnoli, doutor em Geografia Humana pela USP, e do filósofo Denis Lerrer Rosenfield, doutor em filosofia em Paris e professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Os três foram excomungados pela esquerda, que os trata como penas de aluguel da “imprensa golpista”. Devido à sua sistemática colaboração com a revista “Veja” desde que teve início o julgamento da Ação Penal 470, relativa ao mensalão, Marco Antonio Villa tem sido um dos mais atacados nos blogs influentes da esquerda, como o do jornalista Luis Nassif, que conta com dezenas de colaboradores. Mestre em Sociologia e doutor em História Social pela USP, Villa é professor associado da Universidade Federal de São Carlos e já publicou vários livros, inclusive sobre líderes revolucionários. O primeiro, de 1984, foi “Pancho Villa: O Herói Desfocado”, publicado pela Editora Brasiliense, a mais popular voz editorial da esquerda na época. Também escreveu sobre Canudos e é autor de “Vida e Morte no Sertão” (Ática, 2000), uma história das secas no Nordeste em que narra a fracassada saga dos camelos importados da África para servir de transporte no sertão.
Como se depreende de seu currículo, nem sempre a ocupação de Marco Antonio Villa como historiador foi a política atual, como pode parecer. Seu penúltimo livro foi “A História das Constituições Brasileiras” (Editora Leya, 2011), em que mostra as vicissitudes do constitucionalismo brasileiro ao longo do Império e da República, precariamente assentado na retórica e no fisiologismo. Já o “Mensalão”, o livro, talvez seja um trabalho mais de jornalista do que de historiador. Villa nem esperou a conclusão definitiva do julgamento da Ação Penal 470 para lançar a obra. Numa provável estratégia de marketing da Leya (carro-chefe de um grande grupo editorial português, que edita José Saramago e Antonio Lobo Antunes em Portugal), o lançamento do livro se deu em meio às últimas sessões da Ação Penal 470, quando o STF já estava discutindo a dosimetria das penas. O livro, impresso em novembro último, cobre o julgamento até o seu final, em outubro, quando se deu a condenação do comando petista do mensalão (José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares), classificada por Villa como “histórica, sem exagero”.
“Depois de sete anos de muitas polêmicas, pressões e acusações, havia sido condenada a direção do Partido dos Trabalhadores por corrupção ativa”, escreve Villa, tratando do 34ª sessão de julgamento, realizada em 10 de outubro, quando José Dirceu foi condenado por 8 votos contra 2, José Genoíno por 9 a 1 e Delúbio Soares por unanimidade. Na 39ª sessão, realizada em 22 de outubro, eles seriam condenados por formação de quadrilha, faltando apenas a dosimetria. “O PT que começou com a crise era um; o que terminou era outro”, sentencia Marco Antonio Villa. Mas ressalva: “Isso para efeito público. As práticas reveladas pela ação corajosa da CPI dos Correios não eram novas. Tinham alcançado grandes proporções, pois o partido detinha, desde 2003, o controle da máquina federal. Aquilo que era sabido e praticado pelos altos dirigentes desde priscas eras, era desconhecido por boa parte dos militantes e dos milhões de simpatizantes. Para muitos, que tinham acreditado piamente no discurso de que o PT era ‘contra tudo que estava aí’, como sinônimo de radical oposição ao status quo, o ano de 2005 havia sido terrível, cheio de desilusões. O encanto tinha acabado, como num conto de fadas. Mas com uma diferença: sem um final feliz”.
O “Mensalão” de Marco Antonio Villa foi escrito e editado de forma didática. Intercalando-se entre a narrativa da CPI Mista dos Correios e do processo no STF, há capítulos com páginas negras e fontes brancas, bem destacados, trazendo o dia a dia do Mensalão sintetizado em datas, a descrição jurídica dos crimes que estavam sendo julgados, a relação dos réus, dos crimes e das penas e um quadro com as condenações e absolvições de cada ministro. O contundente Joaquim Barbosa foi responsável por 96 condenações e apenas 16 absolvições, seguindo pelo estranho ministro Luiz Fux, com 93 condenações e 16 absolvições. No extremo oposto, Ricardo Lewandowski aparece com 70 absolvições e 42 condenações, seguido por Dias Tofolli com 61 absolvições e 51 condenações. Já o colegiado do STF (os ministros como um todo) foi responsável por 80 condenações e 32 absolvições. O resultado contrariou as expectativas do início do julgamento, quando “o sentimento de justiça estava no ar, mas também o de impunidade”, uma vez que, no julgamento de Fernando Collor, em dezembro de 1994, dos nove acusados no processo, apenas quatro foram condenados e o decano Celso Mello também votou pela absolvição de Collor por falta de provas.
Essa incerteza quanto ao julgamento decorria da própria peça acusatória, tachada pelos defensores dos réus de inconsistente e criticada, em alguns momentos, até pelo ministro Joaquim Barbosa. “Causou estranheza que muitos dos citados no relatório final da CPMI dos Correios e nas investigações da Polícia Federal acabaram não estando entre os acusados pela Procuradoria-Geral da República. O Banco BMG foi um deles”, lembra Villa. O BMG foi citado diversas vezes tanto na concessão de empréstimos considerados fantasiosos quanto no recebimento de autorização para realizar empréstimo consignado, uma operação milionária autorizada por medida provisória do presidente Lula, que ainda mandou cartas aos aposentados informando sobre o suposto beneficio de se endividar. O BMG vendeu sua carteira de empréstimos para a Caixa Econômica Federal por R$ 1 bilhão e, em agosto de 2012, quatro de seus diretores foram denunciados pela Procuradoria Geral da República em Minas Gerais, numa outra ação, devido a empréstimo para o PT. Também foi retirado da denúncia o nome do filho de Lula (Fábio Luis da Silva, o Lulinha), cuja empresa, a Gamecorp, recebeu R$ 5 milhões da Telemar, hoje Oi.
Mesmo assim, Lula ficou muito irritado quando viu que o julgamento do mensalão entrou na pauta do Supremo, com data marcada, e não seria protelado até que todos os crime prescrevessem. Quando do recebimento da denúncia, em 2007, o então presidente Lula disse que “61% do povo deu a resposta na eleição do ano passado”. Marco Antonio Villa comenta: “Fazia referência à eleição presidencial de 2006, como se um fato tivesse relação com outro, ou, ainda pior, como se uma eleição significasse uma espécie de anistia aos crimes cometidos pelo governo e seus asseclas”. Lula reagiu, pressionando ministros do Supremo, inclusive Gilmar Mendes, tentando envolvê-lo nas investigações da CPI do Cachoeira, na esperança de protelar o julgamento até 2013, para não coincidir com as eleições deste ano. O historiador lembra que Lula, fortalecido pela reeleição, “passou todo o segundo mandato dizendo que o mensalão nunca tinha existido, mas o ‘policial da verdade’ fracassou para o bem da democracia brasileira”.
A primeira sessão do Supremo Tribunal Federal para apreciar a denúncia da Procuradoria da República sobre o mensalão foi em 22 de agosto de 2007, totalizando 36 horas de trabalho em cinco dias. O inquérito tinha 11.200 páginas, 41 testemunhas e 40 réus. O então procurador-geral Antonio Fernando de Souza — que o seu colega Manoel Pastana acusa de ter deixado Lula de fora da ação propositalmente — sustentou sua denúncia em 136 páginas, em que aparece sete vezes a palavra “quadrilha” e José Dirceu era apontado como chefe do esquema. O ministro Joaquim Barbosa foi escolhido por sorteio para ser o relator e, segundo Marco Antonio Villa, ele foi o grande vencedor no processo do mensalão, pois, no âmbito interno do STF, ganhou todas as 112 votações, das quais 96 por unanimidade. O que não era nada fácil. Já na fase de recebimento da denúncia, o clima estava tenso em Brasília. Só os advogados diretamente envolvidos com o processo eram 150. “Especulava-se que o conjunto da defesa receberia 60 milhões de reais. Só um dos réus pagaria ao seu defensor 30 milhões de reais”, conta Villa.
“Era voz corrente que a ação penal seria julgada no segundo semestre de 2010. Contudo, estendeu-se até dezembro de 2011, quando a ação foi encaminhada pelo ministro revisor, Ricardo Lewandowski”, afirma Villa, acrescentando que a imprensa criticava a morosidade do processo, com receio de que as penas dos eventuais condenados prescrevessem. Era a aposta de Lula. “Essa estratégia, digna de um Ministério da Verdade orwelliano estava dando certo”, observa o historiador. O PT passou a apostar na lentidão da revisão, já que Lewandowski, ao contrário de Barbosa, encampou quase todas as teses da defesa, desde o recebimento da denúncia, quando chegou a ser flagrado ao telefone dizendo que estava “tinindo nos cascos” para se contrapor a Joaquim Barbosa. “A delonga na revisão foi logo percebida. A pressão dos próprios colegas — e, em especial, do ministro Ayres Brito — emparedou Lewandowski. O relatório da revisão foi entregue no primeiro semestre e o julgamento marcado para agosto, logo depois das férias. Em represália, o ministro não compareceu à reunião que estabeleceu o calendário do julgamento (Dias Toffoli também não — estava numa festa de casamento de um banqueiro em São Paulo)”, conta Villa.
Quando o julgamento da Ação Penal 470 (o Mensalão) teve início em 2 de agosto deste ano, já era previsto o constante embate entre Joaquim Barbosa, o relator, e Ricardo Lewandowski, o revisor. Volta e meia, Barbosa também se desentendia com Marco Aurelio Mello, mas a serenidade do ex-petista Ayres Brito, presidente da Corte, acabava acalmando o conflagrado ambiente. Devido aos seus problemas de saúde, Joaquim Barbosa passava a maior parte das sessões de pé, atrás do plenário, dispunha de uma sala especial, com um fisioterapeuta, que o atendia nos momentos de maior dor. Seu “longo e indignado relatório demonstrou como o aparelho de estado foi tomado por um projeto de poder corrupto e autoritário”, escreve Villa, que também reproduz no livro dois poemas de Ayres Brito, um singelo, quase de autoajuda, falando de céus e colibris, e outro panfletário, praticamente debitando o crime à conta da desigualdade social.
José Dirceu, como o réu mais poderoso entre os 40, é impiedosamente criticado por Marco Antonio Villa. O historiador não acredita na história de que Dirceu fez e refez o rosto por meio de cirurgias plásticas em Cuba na época que esteve envolvido na luta armada e, depois, escondido no interior do Paraná. “Se a história de José Dirceu é marcada pela fantasia, sua defesa no processo do mensalão não ficou atrás”, diz Villa, lembrando que o ex-ministro de Lula plantou na imprensa que pretendia fazer sua própria defesa, como Fidel Castro, em 1953, quando foi processado pelo ataque ao Quartel de Moncada. “Depois afirmou que pretendia liderar movimentos sociais para pressionar o STF. Mais uma balela. Sempre contando com generoso espaço na imprensa”, ironiza o historiador. O advogado de Dirceu, José Lins de Oliveira Lima, não ficou atrás nas bravatas: disse “o pedido de condenação de José Dirceu é o mais atrevido e escandaloso ataque à Constituição”.
Essa, aliás, foi a tônica dos réus petistas, que trataram a denúncia contra eles como um atentado à democracia e aos direitos humanos. O advogado de José Genoíno, Luiz Fernando Pacheco, “considerou a denúncia uma extensão do direito penal nazista”. Já o advogado de Delúbio Soares, Arnaldo Malheiros, autor intelectual da tese do caixa dois de campanha, além de falar “tranquilamente da compra do PL por 10 milhões de reais, como se fosse algo absolutamente rotineiro, normal, da política”, também mencionou a crucificação de Cristo e a libertação de Barrabás, dando a entender que seu cliente estava sendo sacrificado. O advogado de Simone Vasconcelos, Leonardo Yarochewsky, encarando o procurador-geral Roberto Gurgel, recitou versos de “Apesar de Você”, de Chico Buarque, “como se ele fosse o representante de um poder discricionário, tal qual o ministro da Justiça de Costa e Silva, Gama e Silva, para quem havia sido dirigida originalmente a música”. Villa ironiza o excesso de citação de Chico Buarque no STF, que poderia levar um estrangeiro a pensar que o compositor é o “Shakespeare brasileiro”.
À defesa dos réus não faltou histrionismo. O defensor da secretária de Paulo Rocha, Luiz Maximiano Mota, olhando para o procurador-geral, disse que não iria citar Chico Buarque (“já deu o que tinha que dar”) e lascou Cazuza: “Procurador, sua piscina está cheia de ratos. As tuas ideias não correspondem aos fatos. O tempo não para”. Já o advogado Paulo Sérgio Abreu, defensor de Geiza dos Santos, referiu-se a ela como funcionária “mequetrefe” de Simone Vasconcelos. E explicou: “Pensei em me referir a ela como funcionária ‘baranga’, mas seria muito deselegante e inapropriado. Estava lá em casa, semana passada, tomando cerveja e o ‘mequetrefe’ apareceu, feito uma luz. Falei: é esse”. Mas para Villa, a pior defesa foi a do famoso Antônio Carlos de Almeida Castro, mais conhecido como Kakay, advogado de Demóstenes Torres e “dono de restaurante em Brasília que exerce ainda a profissão de advogado”. Kakay sugeriu que Gurgel deve a ele o cargo, por pertencer ao grupo de Claudio Fonteles, seu antecessor, indicado por Kakay.
Além do histrionismo, não faltou falsa erudição. O advogado de Ramon Hollerbach, Hermes Guerrero, citou Alexandre Herculano ao cabo de sua sustentação oral: “Debaixo dos pés de cada geração que passa na terra dormem as cinzas de muitas gerações que a precederam”. A frase do romancista e historiador português é antológica, mas nada tinha a ver com a defesa que o advogado fazia de seu cliente. Erro em que também incorreu o advogado Alberto Toron, defensor do deputado petista João Paulo Cunha. Ele citou Oswald de Andrade, justamente num trecho em que o escritor modernista desanca a retórica dos advogados. O que leva Marco Antonio Villa a afirmar que Toron deveria ter citado outro trecho do iconoclasta “Manifesto Antropofágico”: “Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará. Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós”.
Nem Márcio Thomaz Bastos, apelidado de “God” (Deus) e amigo de Lula, escapou da mediocridade. Conta Villa: “Inseguro, como se ainda estivesse na Câmara Municipal de Cruzeiro, no Vale do Paraíba, onde foi vereador pela Arena — partido da ditadura militar —, Bastos começou dizendo que os ministros não deveriam esperar ‘uma defesa sintética, uma defesa brilhante’. Estranha ponderação”. Villa mostra a fragilidade da argumentação de Thomaz Bastos: “Disse que sua defesa era ‘fastidiosa’ e que ‘para o bem de todos nós’ iria terminar. Não sem antes, claro, fazer uma citação de Rui Barbosa, que, na verdade, é de segunda mão, pois trata-se de uma passagem de Ésquilo: ‘Eu instituo este tribunal venerando, severo, incorruptível, guarda vigilante desta terra através do sono de todos, e anuncio aos cidadãos para que assim seja de hoje pelo futuro adiante’. Convenhamos, a citação era vazia para o processo em tela. Inclusive porque podia dar vezo a várias interpretações, como a passagem ‘eu instituo este tribunal’. Como é sabido, dos atuais onze ministros, Bastos teve participação direta na nomeação de oito deles”.
O historiador conclui sobre a atuação dos advogados: “A corte já estava exausta. Não só ela. Qualquer um que estivesse assistindo àquela sessão não aguentaria mais a linguagem rebuscada e vazia dos advogados, o latinório primário, os gestos aprendidos em algum cursinho, a dicção e seus falsetes de indignação, em suma, todos os recursos usados habitualmente em um tribunal do júri estão sendo repetidos em pleno STF”. O próprio Supremo Tribunal Federal, apesar de ter levado a cabo o julgamento e merecer elogios por isso no livro, também é passível de críticas pontuais do historiador: “Mais uma vez ficou patente que o STF não conseguia agir como um colegiado. Cada ministro era um tribunal. A imprensa era utilizada para um ministro atacar o outro. E durante o julgamento do mensalão isso ocorreu diversas vezes.”
O que não impediu o Supremo de condenar não só os políticos, mas também os empresários envolvidos no esquema. O que, para Villa, é um fato inédito. “A condenação dos diretores do Banco Rural, sem exageros, pode ser considerada histórica”, escreve, lembrando que o banco esteve envolvido em outros escândalos, como o caso PC Farias, que levou à queda de Collor. “Nos últimos quarenta anos, o sistema financeiro brasileiro foi marcado por fraudes monumentais, mas os dirigentes dessas instituições acabaram sempre impunes. (...) A decisão do STF certamente influencia as instâncias inferiores da Justiça ao tratar de crimes financeiros. E, dessa vez, o sinal era claro: não haveria mais contemplação com os poderosos”.
Para Marco Antonio Villa, “a derrota dos advogados mais caros do processo — Márcio Thomaz Bastos e José Carlos Dias, que teriam recebido juntos 28 milhões de reais pela defesa (Bastos com 20 milhões e Dias com 8 milhões) — também representou um alerta de que não bastava contratar um defensor de renome que o réu, independentemente da provas, seria absolvido”. Para o historiador Marco Antonio Villa, a decisão do STF dá um alento de que “é possível imaginar uma República em que os valores predominantes não sejam o da malandragem e da corrupção”, mas “para que isso se materialize de forma permanente é preciso mudar radicalmente a forma de fazer política e de participar dela”. E conclui utopicamente acadêmico: “É preciso refundar a República. Caso contrário, outros Delúbios, Josés, Marcos, Kátias, Valdemares surgirão”.
Mensalão, o livro e uma resenha
Transcrevo a resenha de Hugo Souza publicada no site "Opinião&Notícia":
Livro sobre o mensalão: o ‘encanto petista’ se desfez?
Historiador Marco Antonio Villa lança livro sobre julgamento, documentando o escândalo deste os seus primórdios até a dosimetria
A piada do dia.
Do blog do sentenciado José Dirceu:
O ano da conclusão de uma farsa
Maranhão: a terra do medo.
Como repercutiu bem o artigo "O Estado do medo", republico uma entrevista que dei à Folha de S. Paulo em junho de 2009. O tema é a relação entre Lula - no exercício da Presidência - e José Ribamar Costa, vulgo José Sarney. Observem que a jornalista fez referência a um outro artigo meu, de outubro de 2005, que também denunciava a famiglia Sarney, especialmente seu chefe, José Ribamar.
Folha de S. Paulo - 28/06/2009
SARNEY NÃO DEVERÁ RENUNCIAR, DIZ HISTORIADOR
Marco Antonio Villa, da UFSCar, avalia que presidente do Senado só deixa o cargo se isso ajudar Roseana
FERNANDO BARROS DE MELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Marco Antonio Villa, professor de história da Universidade Federal de São Carlos, escreveu em outubro de 2005 o artigo "A crise política e o coronelismo", na Folha. O texto gerou polêmica por conta das críticas a José Sarney (um dos filhos do senador enviou carta ao jornal respondendo ao historiador). Quatro anos depois, Villa diz que nada mudou em sua análise. Pelo contrário, a situação piorou: "É a pior crise na história do Senado republicano". Para o professor, a tendência é de que Sarney se mantenha no cargo, pois tem o apoio da maioria dos senadores. Villa diz que o presidente da Casa só deixará a cadeira se calcular que isso beneficiará as pretensões da família no Maranhão.
FOLHA - Em 2005, o sr. escreveu um artigo que gerou polêmica pelas duras criticas a Sarney. Quatro anos depois, o que mudou na sua análise?
MARCO ANTONIO VILLA - Infelizmente nada. José Sarney mantém hoje relações até mais extensas com o governo federal. O poder local, provincial, que ele tem, deve-se às relações estreitas com o governo federal. Só é um cacique tão poderoso porque controla as nomeações federais para o Maranhão, os recursos orçamentários. É um intermediário -na minha opinião perverso- entre o governo federal e o Maranhão. Sarney é o maior, o mais antigo dos oligarcas e o de maior êxito.
FOLHA - O que essa atual crise do Senado tem de peculiar?
VILLA - É a maior crise do Senado republicano. O início de tudo foi a eleição da Mesa Diretora, mas ninguém imaginava que iria alcançar tamanhas proporções. Pela primeira vez ficou claro que o Senado era dirigido por funcionários que transformaram crimes em algo cotidiano, como se fossem atos normais. É algo muito grave.
FOLHA - Que consequências práticas a atual crise pode trazer?
VILLA - O Ministério Público terá que atuar, porque foram cometidos crimes gravíssimos. Esse é um dos pontos centrais da grave crise ética que vivemos. Não é possível ter mais de 600 atos sigilosos e a Justiça não fazer nada. Os escândalos envolvendo Renan Calheiros em 2007 são coisas de criança se comparados aos deste ano.
FOLHA - Renan renunciou à presidência. Sarney pode renunciar?
VILLA - A maioria do Senado não é contrária ao Sarney e tudo indica que não deva mudar de opinião porque tem práticas pouco republicanas e não acredita que a ação do Sarney seja algo negativo para a Casa. Ao contrário, acha isso natural. Os senadores (inclusive aqueles que se destacam pelo discurso da ética) foram coniventes com esses atos secretos. A grande maioria foi beneficiada. Isso explica a dificuldade do próprio Senado ter condição de se reformar. Agora, se as revelações continuarem, pode ser que o caminho seja a renúncia.
FOLHA - Por quê?
VILLA - Sarney raciocina pensando nos interesses da sua família. Creio que o grande temor de renunciar à presidência do Senado é o de perder influência no governo federal e isso prejudicar os interesses da família. É esse raciocínio que ele vai utilizar para decidir se renuncia ou não. A saída só ocorrerá se ele perceber que a avalanche de denúncias chegou a tal ponto que coloca em risco o domínio da família no Maranhão e a eleição de Roseana ao governo estadual em 2010. Ele é um bom chefe de família, basta ver o número de familiares que empregou no Senado. Muitos senadores jogam com o esquecimento. Sarney bem que poderá dizer ao Renan: "Eu sou você amanhã". Renan usou a estratégia de se retirar dos holofotes e se deu bem. Antonio Carlos Magalhães renunciou ao mandato e voltou eleito senador.
FOLHA - O que o sr. achou da declaração de Sarney de que sofre ataques porque apoia Lula?
VILLA - É uma estratégia porque ele precisa se manter próximo do presidente. O oligarca só tem poder na província porque tem forte poder central. Romper o poder coronelístico por dentro, na própria província, é tarefa quase impossível. Por isso torço para que o próximo presidente consiga destruir a fonte do poder dos oligarcas: as relações privilegiadas que o clã mantém com a União.
A questão central é que, hoje, Lula e Sarney são unha e carne, faces da mesma moeda. Por incrível que pareça, eles não se distinguem, o que é estranho pelas histórias tão distintas. A crise ética no Brasil chegou a tal ponto que não há mais distinção entre o Lula e o Sarney.
Mensalão: entrevista para o Zero Hora
ENTREVISTA
“Um passo para enfrentarmos a corrupção”
Autor do livro Mensalão – O julgamento do maior caso de
corrupção da história brasileira, que acaba de ser lançado
pela editora Leya Brasil, o historiador Marco Antonio Villa é
categórico ao avaliar o resultado da ação penal 470: para ele, o
desfecho do processo terá um efeito pedagógico no país. Confira
trechos da entrevista.
Zero Hora – Daqui para frente, após
o mensalão, a corrupção será punida
com mais rigor no Brasil?
Marco Antonio Villa – Sim. O julgamento
do mensalão pelo Supremo Tribunal
Federal inicia o processo, longo, é claro,
de refundação da República brasileira.
Estamos começando a combater a impunidade.
É o primeiro passo para enfrentarmos
a corrupção
ZH – A condenação dos réus, com penas
consideradas pesadas, pode inibir
a atuação de corruptos e corruptores?
Villa – Sim. A punição é pedagógica.
Não se trata de uma questão de vingança.
A questão é outra: estamos falando no papel
pedagógico das penas e da defesa do
Estado Democrático de Direito no Brasil,
que foi ameaçado pelos quadrilheiros do
mensalão.
ZH – Na sua opinião, muda alguma
coisa para o brasileiro comum depois
do julgamento?
Villa – Muda muito. Quando um corrupto
de uma pequena cidade do interior
assistir pela TV José Dirceu (o ministro da
Casa Civil no primeiro governo Lula, considerado
pelo Supremo o chefe do mensalão),
condenado a 10 anos e 10 meses de reclusão,
entrando numa penitenciária, certamente
vai pensar duas vezes antes de cometer
algum ilícito contra a coisa pública.
Como disse o ministro Celso de Mello, não
devemos nos esquecer de que a República
é formada por cidadãos que são iguais em
direitos e deveres. Por isso, o julgamento e
a condenação dos 25 réus são um marco
na história do Brasil republicano.
Estado do medo - a minha brevíssima resposta
A minha brevíssima resposta ao jornal sobre a carta do secretário de Roseana:
O autor não retira nenhum dado ou informação constante do artigo. Infelizmente, a situação no Maranhão é muito mais grave do que a retratada no artigo.
O Estado do medo - a resposta do governo.
O Estado do medo.
Publiquei hoje n'O Globo:
O Estado do medo - Marco Antonio Villa
Marighella: política não é guerra.
Saiu hoje na Folha de S. Paulo:
O recém-lançado livro "Marighella: o Guerrilheiro que Incendiou o Mundo" (Companhia das Letras), de Mário Magalhães, permite uma série de reflexões sobre a esquerda brasileira.
Isso porque o autor fez uma pesquisa exemplar, exaustiva. Focou -e não poderia ser diferente, sendo uma biografia- a vida pessoal e política de Carlos Marighella, desde seu nascimento, em Salvador, até sua morte, em São Paulo.
Ao longo dos 58 anos da vida de Marighella, o leitor percorre o caminho tortuoso da esquerda sempre à procura de um farol, de uma Roma vermelha: começando em Moscou, passando por Pequim, depois Havana, Tirana e, quem diria, mais recentemente, Caracas. Viveu de descobertas e, principalmente, de desilusões. E acabou perdendo a possibilidade de entender o Brasil.
Não é acidental que a esquerda revolucionária tenha sido derrotada em todas as batalhas políticas. Restou obter vitórias no campo ideológico e construir mitos, despolitizando-os e transformando-os em heróis, mas heróis fadados ao fracasso. Na falta de ideias, sobrou o culto personalista.
A iniciação política de Marighella teve início durante o primeiro governo Vargas. Logo conheceu a prisão e a barbárie dos torturadores. Ficou muitos anos preso.
Com a anistia de 1945 e a legalização do Partido Comunista, foi eleito deputado constituinte pela Bahia. Dois anos depois, perdeu o mandato e o PC foi novamente perseguido. Viveu em São Paulo como militante profissional. Como todos comunistas da sua geração, tinha em Stálin e em Luís Carlos Prestes os modelos a serem seguidos.
Seu momento de inflexão política foi em 1964. Criticou a estratégia do PCB. Da crítica, chegou ao rompimento e à fundação da Ação Libertadora Nacional.
A ALN recusava qualquer luta política. Diz Marighella: "O dever de todo revolucionário é fazer a revolução; o segundo é que não pedimos licença para praticar atos revolucionários; e o terceiro é que só temos compromissos com a revolução". Escreveu que o "conceito teórico" que o guiava "é o de que a ação faz a vanguarda" e que "a ação é a guerrilha".
A trajetória de Marighella entre os anos 1964 e 1969, parte mais importante do livro, reforça a negação da política em uma guerra aberta contra o regime militar.
O que não se vê é qualquer ato de busca de apoio popular, de organização, de traçar algum objetivo no campo democrático. Tudo se resume à ação terrorista, à violência. E a cada ação, maior o isolamento.
O máximo de atividade efetivamente política nos atentados, sequestros ou assaltos a bancos são os panfletos atirados logo após alguma "ação revolucionária".
Marighella passou os últimos cinco anos da sua vida como a maior parte dos anteriores: fugindo, se escondendo dos seus perseguidores.
Depois de tantas fugas, sacrifícios, sem vida pessoal plena, em meio à violência e ao sadismo da repressão militar, ficam algumas (incômodas?) perguntas: para que tudo isso? É a busca do martírio? É a tentativa de colocar seu corpo para o sacrifício ritual da revolução? Anos e anos fugindo produziram o quê? O que, do pouco que escreveu, poderia ficar para a construção do Estado democrático de Direito? Que ideia serviria para nortear a consolidação da democracia e do respeito aos direitos humanos?
É difícil, muito difícil, encontrar alguma resposta positiva.
A trajetória de vida do revolucionário baiano serve para refletir como as ideias democráticas tiveram enorme dificuldade de prosperar no Brasil. E mais: mostra como avançamos nos últimos 25 anos enfrentando o autoritarismo histórico das elites políticas. Principalmente quando observamos o século 20 brasileiro, marcado pela negação da política e pela exaltação da violência.
MARCO ANTONIO VILLA, 56, é historiador, professor da Universidade Federal de São Carlos e autor, entre outros, de "Mensalão: o Julgamento do Maior Caso de Corrupção da História Política Brasileira" (LeYa)
Mensalão: o último debate.
Segue link do último debate sobre o julgamento do mensalão: http://veja.abril.com.br/multimidia/video/o-ultimo-debate-sobre-o-julgamento-do-mensalao
Mensalão - entrevista sobre o livro.
Segue link da entrevista que dei hoje ao Jornal da Gazeta:
http://www.youtube.com/watch?v=WZVk3jRgX_I
Fracassa ato de "solidariedade" a Lula
Vejam a manchete do Estadão:
Lula recebe 'solidariedade' de oito governadores em evento em SP
Iniciativa ocorre após reportagem sobre novo depoimento do empresário Marcos Valério
Vale lembrar que são 27 governadores e só apareceram 8! Portanto, menos de 1/3. O mais grotesco, claro, foi a presença de Teotônio Vilela Filho. Ah, o que diria o pai dele se assistisse ato tão indigno....
Mensalão: o final do julgamento
Entrevista para a CBN, hoje logo cedo, tratando do final do julgamento do mensalão:
http://cbn.globoradio.globo.com/programas/jornal-da-cbn/2012/12/18/MARCO-MAIA-ESTA-AGINDO-MAIS-COMO-PETISTA-DO-QUE-PRESIDENTE-DA-CAMARA.htm
Vitória!!!!!!
Acabou. E com a vitória do Estado Democrático de Direito. Os mensaleiros perderam. E sabem que perderam. E nos ganhamos, mas não sabemos que ganhamos. Temos de comemorar dando vivas à democracia e à liberdade, justamente o que os mensaleiros tanto odeiam, especialmente o chefe da quadrilha..
A piada do dia.
Do El Pais: