Oposição sem rumo - Comentários dos leitores do Estadão


‘OPOSIÇÃO SEM RUMO’

Certamente grande parte dos leitores e eleitores, como eu, concordam com a opinião do historiador Marco Antonio Villa sobre a falta de rumo da oposição, no artigo de 28/1/2012 (página A2). É desalentador ver políticos importantes permanecerem omissos e sem atitude no campo da oposição, como por exemplo, o ex-governador Aécio Neves, mesmo com tantos indícios e provas de má gestão administrativa nesses últimos 9 anos de governo petista. Lembro que há bem pouco tempo atrás, estes que hoje governam o país, por muito menos aterrorizavam o governo com CPIs, mobilizavam a população e sindicatos com protestos e paralisavam o Congresso Nacional. E conseguiram o poder. Parece que o PSDB não exerce sua função oposicionista por algum pacto secreto com o governo ou por alguma razão obscura a nós simples cidadãos. Será que o PSDB tem algo muito grave a esconder? PSDB, esqueceram que foi no governo do PSDB que as condições básicas necessárias de governança do atual governo foram criadas? PSDB, esqueceram a vergonha do mensalão? PSDB, esqueceram do Brasil? O pior de tudo é que não vejo surgir novos políticos que possam exercer com dignidade e de forma salutar o papel da oposição numa democracia. Só nos resta se indignar.

Fernando Henrique Moura taicoca@hotmail.com
Aracaju

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ALTERNATIVAS POLÍTICAS

Até concordo com a opinião e os fatos narrados pelo prof. Marco Antonio Villa, em artigo de sábado no Estado, em que constata a obviedade de que a oposição política está sem rumo no Brasil. Ocorre que ele centra seus comentários sobre Fernando Henrique Cardoso (talvez o político responsável pela perplexidade atual em face de sua luta pela própria reeleição quando presidente da república, com a aprovação da emenda constitucional, o que abriu a possibilidade para que o PT dela soubesse se aproveitar muito bem). Mas FHC está fora da política e sua influência é cada vez menor, de maneiras que a oposição hoje dele não pode depender. A verdade é que não há oposição porque não há líderes que consigam minimamente empolgar nem sequer a parcela esclarecida da população, e, obviamente apresentar alternativas de política para o País.

Ademir Valezi valezi@uol.com.br
São Paulo

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MARCO ANTONIO VILLA

De forma resumida e serena, fez um resumo do previsível futuro do Brasil.

Gilberto Magnani gilmagnani@hotmail.com
Santos

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DECEPCIONADO

Excelente análise do prof. Marco Antônio Villa sobre o PSDB que perdeu seu rumo faz tempo. Faltou acrescentar que FHC não conseguiu sequer encaminhar sua sucessão pelo excesso de vaidade. E o Serra, nos seus artigos, só destila ressentimentos. É um partido que só tem "cardeais". Falo na qualidade de quem votou, por muitos anos, nos seus candidatos. Estou profundamente decepcionado como muitos outros.

Renato Bernhoeft renato@hoft.com
São Paulo


Jornal da Cultura

Hoje participarei do Jornal da Cultura, como de hábito.

Rigor de Dilma é pura fantasia

Saiu hoje no Estadão:


Para historiador, rigor da presidente é 'pura fantasia'

Marco Antonio Villa diz que ritmo de projetos do governo deixa claro que fama de boa gestora de Dilma é só propaganda

30 de janeiro de 2012 | 3h 04
GABRIEL MANZANO - O Estado de S.Paulo

A ideia de que a presidente Dilma Rousseff é uma boa gestora, como anunciam seus aliados e indicam as pesquisas de opinião, "decorre não de seus méritos, mas da baixa consciência política dos cidadãos", afirma o historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). Para ele, "não faz sentido considerar boa gestora uma presidente que está permanentemente em conflito com sua própria equipe, afastando auxiliares e, ao mesmo tempo, deixando de ir até o fim na apuração das denúncias".

Essa mistura de má gestão com alto prestígio ocorre, segundo ele, "porque o Brasil é um país que foge inteiramente dos parâmetros". A participação política dos cidadãos "é mínima e vive de espasmos, depois dos quais tudo volta logo à rotina", acrescenta. Villa entende que, à parte o ato formal de se votar em eleições, a democracia "ainda está muito longe de se consolidar no País".

Dizer que a presidente é uma grande gestora, diz ele, "é apenas mais uma invenção do PT". Sua visão do petismo é que, assim como o partido inventou a falsa ideia de que foi o primeiro partido de trabalhadores, agora inventou que Dilma é uma grande gestora. "O PT tem conseguido construir sua própria história política, porque é o partido das invenções", conclui.

Villa menciona desde iniciativas "importantíssimas" que foram para a geladeira, como o trem-bala, até projetos prioritários como a construção de creches, que praticamente não saiu do papel, além do ritmo lento do Minha Casa, Minha Vida, como "exemplos de uma gestão confusa e ineficaz", que deixam claro que "sua fama de boa gestora é só propaganda". A entrega das creches "revela, se não o desinteresse, a incapacidade do governo, e a construção de casas vai aos trancos e barrancos. Mas, do outro lado, o BNDES repassou bilhões a grandes empresas, para iniciativas nem sempre prioritárias".

O historiador descreve como "pura fantasia" a ideia de que Dilma é "muito rigorosa" nas cobranças. "Se fosse, já teríamos gente punida, e a punição tornada pública, na leva das demissões por escândalos que atingiram seis ministérios." Ao contrário, o que se viu, conclui, foram "elogios incabíveis aos demitidos" nas cerimônias de troca.



Oposição sem rumo

Publiquei hoje no Estadão:


Oposição sem rumo

28 de janeiro de 2012 | 3h 05

MARCO ANTONIO VILLA - O Estado de S.Paulo

Nesta semana fomos surpreendidos por uma entrevista de Fernando Henrique Cardoso. Não pela entrevista, claro, mas pela análise absolutamente equivocada da conjuntura brasileira. Esse tipo de reflexão nunca foi seu forte. Basta recordar alguns fatos.

Em 1985 iniciou a campanha para a Prefeitura paulistana tendo como aliados o governador Franco Montoro e o governo central, que era controlado pelo PMDB, além da própria Prefeitura, sob o comando de Mário Covas. Enfrentava Jânio Quadros, um candidato sem estrutura partidária, sem programa e que entrou na campanha como livre atirador. Fernando Henrique achou que ganharia fácil. Perdeu.

No ano seguinte, três meses após a eleição municipal, propôs, em entrevista, que o PMDB abandonasse o governo, dias antes da implementação do Plano Cruzado, que permitiu aos candidatos da Aliança Democrática vencer as eleições em todos os Estados. Ele, aliás, só foi eleito senador graças ao Cruzado.

Passados seis anos, lutou para que o PSDB fizesse parte do governo Fernando Collor. Ele seria o ministro das Relações Exteriores (e o PSDB receberia mais duas pastas). Graças à intransigência de Covas, o partido não aderiu. Meses depois, foi aprovado o impeachment de Collor.

Em 1993, contra a sua vontade, foi nomeado ministro da Fazenda por Itamar Franco. Não queria, de forma alguma, aceitar o cargo. Só concordou quando soube que a nomeação havia sido publicada no Diário Oficial (estava no exterior quando da designação). E chegou à Presidência justamente por esse fato - e por causa do Plano Real, claro.

Em 2005, no auge da crise do mensalão, capitaneou o movimento que impediu a abertura de processo de impeachment contra o então presidente Lula. Espalhou aos quatro ventos que Lula já era página virada na nossa História e que o PSDB deveria levá-lo, sangrando, às cordas, para vencê-lo facilmente no ano seguinte. Deu no que deu, como sabemos.

Agora resolveu defender a tese de que a oposição tenha um candidato presidencial, com uma antecedência de dois anos e meio do início efetivo do processo eleitoral. É caso único na nossa História. Nem sequer na República Velha alguém chegou a propor tal antecipação. É uma espécie de dedazo, como ocorria no México sob o domínio do PRI. Apontou o dedo e determinou que o candidato tem de ser Aécio Neves. Não apresentou nenhuma ideia, uma proposta de governo, nada. Disse, singelamente, que Aécio estaria mais de acordo com a tradição política brasileira. Convenhamos que é um argumento pobre. Ao menos deveria ter apresentado alguma proposta defendida por Aécio para poder justificar a escolha.

A ação intempestiva e equivocada de Fernando Henrique demonstra que o principal partido da oposição, o PSDB, está perdido, sem direção, não sabendo para onde ir. O partido está órfão de um ideário, de ao menos um conjunto de propostas sobre questões fundamentais do País. Projeto para o País? Bem, aí seria exigir demais. Em suma, o partido não é um partido, na acepção do termo.

Fernando Henrique falou da necessidade de alianças políticas. Está correto. Nenhum partido sobrevive sem elas. O PSDB é um bom exemplo. Está nacionalmente isolado. Por ser o maior partido oposicionista e não ter definido um rumo para a oposição, acabou estimulando um movimento de adesão ao governo. Para qualquer político fica sempre a pergunta: ser oposição para quê? Oposição precisa ter programa e perspectiva real de poder. Caso contrário, não passa de um ajuntamento de vozes proclamando críticas, como um agrupamento milenarista.

Sem apresentar nenhuma proposta ideológica, a "estratégia" apresentada por Fernando Henrique é de buscar alianças. Presume-se que seja ao estilo petista, tendo a máquina estatal como prêmio. Pois se não são apresentadas ideias, ainda que vagas, sobre o País, a aliança vai se dar com base em qual programa? E com quais partidos? Diz que pretende dividir a base parlamentar oficialista. Como? Quem pretende sair do governo? Não será mais uma das suas análises de conjuntura fadadas ao fracasso?

O medo de assumir uma postura oposicionista tem levado o partido à paralisia. É uma oposição medrosa, envergonhada. Como se a presidente Dilma Rousseff tivesse sido eleita com uma votação consagradora. E no primeiro turno. Ou porque a administração petista estivesse realizando um governo eficiente e moralizador. Nem uma coisa nem outra. As realizações administrativas são pífias e não passa uma semana sem uma acusação de corrupção nos altos escalões.

O silêncio, a incompetência política e a falta de combatividade estão levando à petrificação de um bloco que vai perpetuar-se no poder. É uma cruel associação do grande capital - apoiado pelo governo e dependente dele - com os setores miseráveis sustentados pelos programas assistencialistas. Ou seja, o grande capital se fortalece com o apoio financeiro do Estado, que o brinda com generosos empréstimos, concessões e obras públicas. É a privatização em larga escala dos recursos e bens públicos. Já na base da pirâmide a estratégia é manter milhões de famílias como dependentes de programas que eternizam a disparidade social. Deixam de ser miseráveis. Passam para a categoria da extrema pobreza, para gáudio de alguns pesquisadores. E tudo temperado pelo sufrágio universal sem política.

Em meio a este triste panorama, não temos o contradiscurso, que existe em qualquer democracia. Ao contrário, a omissão e a falta de rumo caracterizam o PSDB. Para romper este impasse é necessário discutir abertamente uma proposta para o País, não temer o debate, o questionamento interno, a polêmica, além de buscar alianças programáticas. É preciso saber o que pensam as principais lideranças. Numa democracia ninguém é líder por imposição superior. Tem de apresentar suas ideias.

MARCO ANTONIO VILLA, HISTORIADOR, É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFSCAR)

A indústria da seca

Saiu hoje na Folha de S.Paulo. Discuti extensamente esta questão no meu livro "Vida e morte no sertão. História das secas no Nordeste nos séculos XIX e XX".


ANÁLISE

Sob controle da oligarquia nordestina, Dnocs pouco ajudou nas grandes secas

MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Dnocs tem uma longa história. Foi criado em 1909, inspirado no sucesso obtido pelo "Reclamation Service", criado pelo presidente Theodore Roosevelt para áreas desérticas dos Estados Unidos.

Neste século de vida, tem muito pouco para mostrar. As obras realizadas pouco efeito tiveram nas grande secas, como as de 1915, 1919, 1932, 1942, 1951-1953, 1958, 1970 e 1979-1983.

A autarquia foi mantida sob controle absoluto da oligarquia nordestina, dos "industriais da seca", expressão popularizada por Joaquim Nabuco nos anos 1880.

O Dnocs ficou notabilizado pela construção de grandes açudes, que envolveram vultosos recursos federais. A maior parte deles está abandonada, sem canais para irrigar terras, salinizados e sem qualquer uso efetivamente econômico. E pior: sem conservação, correndo o risco de as barragens se romperem.

A criação do Dnocs fez parte de um momento da história brasileira em que o Nordeste -à época chamado de Norte- passou a ser considerado uma região problema.

Sem condições de gerar suas próprias fontes de renda, passou a depender do governo central. Esse processo começou após a trágica seca dos três setes, de 1877-1879, e seus 600 mil mortos, 4% da população brasileira de então.

Imaginava-se que o problema central da agricultura e da pecuária da região era a falta de água, daí a construção de açudes. A solução hidráulica, capitaneada pelo Dnocs, foi um fracasso.

Porém, serviu como uma luva para os interesses políticos coronelistas, principalmente quando seca e eleição coincidiam, como em 1958, 1970 ou 1982.

MARCO ANTONIO VILLA é historiador e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).


O incômodo silêncio da oposição

Saiu hoje n'O Globo:

O incômodo silêncio da oposição - MARCO ANTONIO VILLA


O GLOBO - 24/01/12



O silêncio da oposição incomoda. Desde 1945 - incluindo o período do regime militar - nunca tivemos uma oposição tão minúscula e inoperante. Vivemos numa grande Coreia do Norte com louvações cotidianas à dirigente máxima do país e em clima de unanimidade ditatorial. A oposição desapareceu do mapa. E o seu principal partido, o PSDB, resolveu inventar uma nova forma de fazer política: a oposição invisível.

A fragilidade da ação oposicionista não pode ser atribuída à excelência da gestão governamental. Muito pelo contrário. O país encerrou o ano com a inflação em alta, a queda do crescimento econômico, o aprofundamento do perfil neocolonial das nossas exportações e com todas as obras do PAC atrasadas. E pior: o governo ficou marcado por graves acusações de corrupção que envolveram mais de meia dúzia de ministros. Falando em ministros, estes formaram uma das piores equipes da história do Brasil. A quase totalidade se destacou, infelizmente, pela incompetência e desconhecimento das suas atribuições ministeriais.

Mesmo assim, a oposição se manteve omissa. No Congresso Nacional, excetuando meia dúzia de vozes, o que se viu foi o absoluto silêncio. Deu até a impressão que as denúncias de corrupção incomodaram os próceres da oposição, que estavam mais preocupados em defender seus interesses paroquiais. Um bom (e triste) exemplo é o do presidente (sim, presidente) do PSDB, o deputado Sérgio Guerra. O principal representante do maior partido da oposição foi ao Palácio do Planalto. Numa democracia de verdade, lá seria recebido e ouvido como líder oposicionista. Mas no Brasil tudo é muito diferente. Demonstrando a pobreza ideológica que vivemos, Guerra lá compareceu como um simples parlamentar, de chapéu na mão, querendo a liberação de emendas que favoreciam suas bases eleitorais.

Em 2011 ficou a impressão que os 44 milhões de votos recebidos pelo candidato oposicionista incomodam (e muito) a direção do PSDB. Afinal, estes eleitores manifestaram seu desacordo com o projeto petista de poder, apesar de todo o rolo compressor oficial. Mas foram logrados. O partido é um caso de exotismo: tem receio do debate político. Agora proclama aos quatro ventos que a oposição que realiza é silenciosa, nos bastidores, no estilo mineiro. Nada mais falso. Basta recordar o período 1945-1964 e a ação dos mineiros Adauto Lúcio Cardoso ou Afonso Arinos, exemplos de combativos parlamentares oposicionistas.
E pior: o partido está isolado, fruto da paralisia e da recusa de realizar uma ação oposicionista. Desta forma foi se afastando dos seus aliados tradicionais. É uma estratégia suicida e que acaba fortalecendo ainda mais a base governamental, que domina amplamente o Congresso Nacional e que deve vencer, neste ano, folgadamente as eleições nas principais cidades do país.

O mais grave é que o abandono do debate leva à despolitização da política. Hoje vivemos - e a oposição é a principal responsável - o pior momento da história republicana. O governo faz o que quer. Administra - e muito mal - o país sem ter qualquer projeto a não ser a perpetuação no poder. Com as reformas realizadas na última década do século XX foram criadas as condições para o crescimento dos últimos dez anos. Mas este processo está se esgotando e os sinais são visíveis. Não temos política industrial, agrícola, científica. Nada.

Este panorama é agravado pelo sufrágio universal sem política. Temos eleições regulares a cada dois anos. Foi uma conquista. Porém, a despolitização do processo eleitoral acentuado a cada pleito é inegável. Para a maior parte dos eleitores, a eleição está virando um compromisso enfadonho. Enfadonho porque vai perdendo sentido. Para que eleição, se todos são iguais? O eleitor tem toda razão. Pois quem tem de se diferenciar são os opositores.

Ser oposição tem um custo. O parlamentar oposicionista tem de convencer o seu eleitor, por exemplo, que os recursos orçamentários não são do governo, independente de qual seja. Orçamento votado é para ser cumprido, e não servir de instrumento do Executivo para coagir o Legislativo. Quando o presidente do principal partido de oposição vai ao Palácio do Planalto pedir humildemente a liberação de um recurso orçamentário, está legitimando este processo perverso e antidemocrático - inexistente nas grandes democracias. Deveria fazer justamente o inverso: exigir, denunciar e, se necessário, mobilizar a população da sua região que seria beneficiada por este recurso. Mas aí é que mora o problema: teria de fazer política, no sentido clássico.

Já do lado do governo, qualquer ação administrativa está estreitamente vinculada à manutenção no poder. Não há qualquer preocupação com a eficiência de um projeto. A conta é sempre eleitoral, se vai dar algum dividendo político. A transposição das águas do Rio São Francisco é um exemplo. Apesar de desaconselhado pelos estudiosos, o governo fez de tudo para iniciar a obra justamente em um ano eleitoral (2010). Gastou mais de um bilhão. Um ano depois, a obra está abandonada. Ruim? Não para o petismo. A candidata oficial ganhou em todos os nove estados da região e na área por onde a obra estava sendo realizada chegou a receber, no segundo turno, 95% dos votos, coisa que nem Benito Mussolini conseguiu nos seus plebiscitos na Itália fascista.

Se continuar com esta estratégia, a oposição caminha para a extinção. O mais curioso é que tem milhões de eleitores que discordam do projeto petista. Mais uma vez o Brasil desafia a teoria política.

Jornal da Cultura

Também nesta semana participarei do Jornal da Cultura na quarta-feira e não, como habitualmente, na segunda-feira.

A crise política e o coronelismo

Por solicitação, estou republicando este artigo que saiu na Folha de S. Paulo na edição de 4 de outubro de 2005. Causou muita polêmica. O filho do oligarca fez um irado discurso na Câmara dos Deputados atacando o autor do artigo. A imprensa do Maranhão reproduziu o texto. Mais que uma reflexão sobre o déspota do Maranhão, o artigo problematiza a relação do poder local com o Executivo Federal, tema muito debatido desde os anos 30 do século XX:


TENDÊNCIAS/DEBATES

A crise política e o coronelismo

MARCO ANTONIO VILLA

A República vive a crise política mais grave dos últimos 40 anos. Se a crise tem múltiplas facetas, uma delas se deve à permanência no Congresso Nacional do lobby coronelístico. O poder dos oligarcas mantém a República "sub judice". Levou à formação de uma estrutura estatal petrificada, imune às mudanças, imobilizando os governos e fraudando a vontade dos eleitores. Como comandam politicamente boa parte do Congresso Nacional, entra governo, sai governo, e os oligarcas continuam dando as cartas.


Se, na esfera federal, o clã Sarney faz o papel de defensor da democracia, na província exerce o poder total, avassalador


Um caso exemplar de oligarquia com destacada presença nacional é o da família Sarney, no Estado do Maranhão. Neste mês, completam-se 40 anos da eleição de José Sarney para o governo estadual. O jovem governador, então com 35 anos de idade, representava a modernidade; contudo acabou criando uma máquina política tão eficaz que permitiu se manter por quatro decênios no poder do seu Estado -no sentido mais lato da expressão. Desde então, nenhum governador foi eleito sem que tivesse o "nihil obstat" de José Ribamar Costa. E se, no exercício do cargo, o governador eleito rompe com o padrinho, na próxima eleição a família Sarney retoma o controle político.
Domínio tão longevo é caso único na história brasileira. Diversamente de outros oligarcas, os Sarneys são politicamente plurais. O pai é peemedebista, a filha é pefelista e o filho é verde. Se os filhos são eleitos pelo Maranhão, o pai é representante do Amapá, apesar de não ter domicílio naquele Estado. Se, na esfera federal, o clã representa o papel de defensor das instituições democráticas, na província exerce o poder total, avassalador, sem ceder o menor espaço à oposição, no estilo dos mandões locais. Na definição de Euclides da Cunha, são "os senhores do baraço e cutelo".
O historiador francês Lucien Febvre escreveu o clássico "O Problema da Descrença no Século 16: a Religião de Rabelais". Analisou cuidadosamente o domínio ideológico da Igreja Católica na Europa Ocidental: "O nascimento, a morte. Entre esses dois limites, tudo o que o homem realiza, vivendo normalmente, fica com a marca da religião". Se Febvre vivesse no Maranhão, substituiria a religião pela família Sarney.
O maranhense, desde o nascimento, toma conhecimento da existência deles. Em São Luís, a capital, há a maternidade Marly Sarney. Para residir, pode escolher os bairros Sarney, Roseana Sarney, Dona Kiola (mãe de Sarney) ou Sarney Filho. Quando for entrar na escola, pode escolher os colégios Roseana Sarney, Marly Sarney, José Sarney, Sarney Neto ou Fernando Sarney. Para realizar um trabalho escolar, irá procurar a biblioteca José Sarney e, se quiser alguma informação sobre as contas públicas, pode se dirigir à sede do Tribunal de Contas Roseana Sarney Murad. Nas férias, caso queira conhecer outra cidade do Estado, pode se encaminhar à rodoviária Kiola Sarney, seguindo, é claro, pela avenida José Sarney. Ao tomar um ônibus para sair da bela ilha de São Luís, tem de atravessar a ponte José Sarney.
Ele pode visitar, no interior do Estado, o município de Presidente Sarney, de pouco mais de 13 mil habitantes, segundo o IBGE. A cidade é um bom e triste exemplo do domínio oligárquico: 5% dos domicílios têm esgoto sanitário e 0,6%, água encanada; 38% dos habitantes acima de 15 anos são analfabetos (no Brasil, são 13%). O rendimento médio da população é de R$ 159. No ranking do IDH dos municípios brasileiros, a cidade está em 5.268º lugar.
Nestes 40 anos, o Maranhão, que já era um Estado pobre em 1965, transformou-se na vanguarda do atraso. Dos Estados brasileiros, é o que tem os piores indicadores sociais. Vivem abaixo da linha da pobreza dois terços da população. Todavia, se os recursos são escassos para a educação, saúde ou o saneamento básico, são fartos quando pagam obras não realizadas, como a estrada ligando os municípios de Arame a Paulo Ramos. Os 133 quilômetros nunca saíram do papel, mas o pagamento foi efetuado. As "construtoras" receberam US$ 33 milhões, apesar dos insistentes protestos da oposição local. Com certeza, a estrada mereceria um romance que poderia ser escrito por algum acadêmico local, seguindo o realismo fantástico de Gabriel Garcia Márquez.
Romper o poder coronelístico por dentro, ou seja, na própria província, é tarefa quase impossível. Os coronéis controlam o Estado e seus braços repressivos. As apurações das eleições são, no mínimo, duvidosas. Apelar para o Poder Judiciário? Parentes dominam a Justiça. Optar pelos meios de comunicação? No Maranhão, os Sarneys têm a concessão -direta ou indireta- de mais de duas dúzias de emissoras de rádio e TV, além de vários jornais.
A única saída é destruir a fonte do seu poder: as relações privilegiadas que o clã mantém com a União. É de lá que emanam os recursos e o poder que permitem segregar da cidadania milhões de brasileiros. O fim do coronelismo é uma espécie de etapa necessária da nossa revolução burguesa, pois poderemos ter um Congresso Nacional mais representativo e relações efetivamente republicanas entre o governo da União e os Estados federados.

Corrupção no Brasil

Segue o link desta entrevista concedida ao programa Primeiro Plano da TV Jangadeiro do Ceará, em julho de 2011. O tema central é a corrupção. Seis meses depois, nada mudou. Ou melhor, piorou.

Discutindo os suplentes de senadores

Recebi do advogado, professor e especialista em Direito Eleitoral, Antonio Augusto Mayer dos Santos:


Sobre a SUPLÊNCIA DE SENADOR

Escreví um livro sobre a Reforma Política (editora AGE, 2009) cujas conclusões neste ponto atrevo-me à enviar.

Confrontada aos princípios da legitimidade e da soberania popular, a suplência senatorial, atualmente preenchida de forma indireta e confinada à homologação de nomes indicados por partidos ou coligações, é destituída de respaldo pelo eleitor. Na forma atua l, a mesma vulnera o regime da soberania popular que chancela todo o processo eleitoral do país, conforme dispõe a regra do art. 14 da Constituição Federal.
Não se chega a imputar clandestinidade aos suplentes, eis que constaram na urna eletrônica e foram registrados pela Justiça Eleitoral, mas é impossível ignorar a falta de transparência para o preenchimento de um cargo titular que ostenta tamanho relevo e responsabilidade.
A corrente que prega o preenchimento da suplência a partir dos candidatos não-eleitos no pleito disputado rompe com a tradição ao desprezar a reserva de vagas até então cativa ao partido ou coligação a que pertencia o titular. Com isso, a mesma acertadamente prioriza a soberania popular e prestigia a manifestação da verdade eleitoral enquanto pressupostos essenciais de acesso aos mandatos. Seu acerto e razoabilidade são evidentes posto que se a um ângulo rompe uma discutível tradição, por outro, o substituto ou suc essor estará tão legitimado quanto o titular na medida que também terá sido sufragado.
É impossível delinear um paralelo entre as disputas partidárias – episódicas, restritas a filiados e frequentemente resolvidas entre camaradas mediante composições e ajustes – , com os embates públicos e expositivos de uma campanha eleitoral de aproximadamente 90 dias onde os Suplentes raramente são apresentados aos eleitores.
A interpretação mais condizente conclui que o Suplente é eleito mas não é votado, o que configura uma situação injustificável perante os demais mandatários do país. Esta desigualdade, que por óbvias razões deve ser corrigida no foro competente, no caso, o Senado Federal, expressa uma ficção em termos de representatividade.
A legitimidade dos Suplentes está condicionada à abolição do regramento em vigor, de tal forma absurdo que permite verdadeiras nomeações particulares para cargos essenciais da representação política, não raro em situações entremeadas de suspeitas ou imoralidades que aprofundam o descrédito da Casa Legislativa.
A questão da legitimidade, ao contrário do que suscitam alguns, não apresenta maior complexidade para a sua solução, consoante evidenciam os termos das PECs nºs 362/01 e 51/07, cujas proposições estabelecem que serão considerados Suplentes os candidatos que excederam o número de vagas de Senador em disputa, respeitada a ordem da votação recebida.
Em suma: a titularização de cargo eletivo em democracias contemporâneas está condicionada ao sufrágio. Do contrário, que eleito é este que brada pela legitimidade do seu mandato mas cujo eleitor não conheceu sequer para votar? Uma vez investido no mandato, o parlamentar deve representar o eleitor e não aquele que lhe gerou a vaga, sobretudo porque a atividade parlamentar é de ordem pública e está amparada na representação política de natureza eleitoral, não servindo para adulações ou vinculações de natureza pessoal.









Senado de suplentes

Republico este artigo que saiu originalmente no Estadão. O tema são os suplentes. O suplente foi uma criação da Constituição de 1946. Desde então veio se repetindo e até piorando (originalmente era um suplente, depois saltou para dois).


Senado de suplências

Seus condôminos agem como vereadores de luxo, desvirtuando a representação parlamentar

Marco Antonio Villa*

Aelton Freitas, Geovani Borges, Marcos Guerra e João Ribeiro. Dificilmente um eleitor associaria um destes nomes com o Senado da República. Mas os quatro são senadores representando Minas Gerais, Amapá, Espírito Santo e Mato Grosso, respectivamente. São suplentes que assumiram as cadeiras após a renúncia ou licença dos titulares. No Senado é assim: o senador eleito se licencia durante meses, anos ou renuncia ao mandato. Na atual legislatura quinze são candidatos a governador, mais doze à reeleição, dois a Presidente da República e mais dois à Vice-presidência. Não é de admirar que a Casa constantemente não tenha quorum para as sessões deliberativas.

Quem assiste à TV Senado - tanto as sessões ordinárias, como as reuniões das comissões - fica decepcionado com a pobreza dos debates entre os senadores. Quando um discursa, raramente é ouvido pelos colegas. Fala para deixar o registro nos anais da Casa e para ser citado na Voz do Brasil - algumas vezes sequer fala, mas pede para incluir nos anais o discurso não pronunciado. As sessões são modorrentas e marcadas pelo desinteresse geral.

A presença dos suplentes acaba desvirtuando a representação parlamentar. Não foram eles os escolhidos pelos eleitores. Minas Gerais tem, no momento, dois deles no exercício do mandato, pois Hélio Costa e José Alencar, eleitos em 1998 e 2002, estão licenciados. É rotineiro o suplente assumir por alguns meses: é um regalo oferecido pelo titular, permitindo que durante semanas um desconhecido da política estadual possa ter tratamento vip, broche de senador, cartão de visitas produzidos na tristemente famosa gráfica do Senado (e suas centenas de funcionários). Já assumiram suplentes de todas as ordens: irmãos, filhos, mulheres, pais, secretários e motoristas particulares. Algumas vezes assumiram os dois suplentes, pois cada titular tem este direito, como é o caso de Gilberto Mestrinho (PMDB/AM). O primeiro suplente é o seu filho e o segundo é Gilberto Miranda, rico empresário da Zona Franca de Manaus. Hoje, muitos suplentes são financiadores das campanhas dos titulares. Como pagamento têm o 'direito' de exercer o mandato durante alguns meses, e, em caso de renúncia ou morte do titular, poderão herdar anos de mandato.

Os suplentes não conhecem sequer as funções constitucionais atribuídas ao Senado: agem como vereadores de luxo. Só para dar um exemplo: Aelton Fretias é um dos representantes do estado de Minas Gerais. É filiado ao Partido Liberal e foi suplente de José Alencar. Assumiu a cadeira em 2003, quando Alencar tomou posse na Vice-presidência da República. Tinha sido prefeito da pequena cidade de Iturama (pouco mais de 30 mil habitantes), no interior mineiro. De lá saltou diretamente para o Senado. Nestes quatro anos destacou-se pela apresentação de curiosos projetos. Propôs alterar o nome do aeroporto de Uberaba, solicitou que a BR-50, entre Uberaba e Uberlândia levasse o nome de Chico Xavier, sem esquecer os votos de congratulações à Associação Brasileira de Criadores de Zebu ou a uma jovem que se destacou numa olimpíada de Astrofísica na Ucrânia. Evidentemente que não perdeu a possibilidade de uma viagem internacional. A jóia da Coroa é ser 'observador parlamentar' da Assembléia Geral da ONU, em Nova York. Como faz parte do baixo clero, acabou indo para Taiwan.

Politicamente falando, oito anos de mandato é uma eternidade. A maioria dos senadores aproveita o longo período para postular cargos executivos, sem nenhum risco. Pode, nestes anos, ser candidato a duas eleições para a prefeitura da sua cidade e uma para governador. Três derrotas nada significam. Continua no cargo e aproveita para manter seu nome no mercado eleitoral (raramente se licenciam para as campanhas). Isto sem contar os casos em que o senador assume um ministério ou uma secretaria estadual logo após a eleição, deixando a ver navios seus eleitores.

O nível dos debates parlamentares é rasteiro. As metáforas só podem ficar no campo futebolístico. Qualquer menção à Antiguidade Clássica ou à Revolução Francesa, entre tantos outros exemplos, cairá no vazio. Quando um senador se aventura pela história, o resultado é desastroso. Recentemente, Sibá Machado, suplente da ministra Marina Silva, fez um pronunciamento que deixariam envergonhados Visconde do Rio Branco, Nabuco de Araújo, Rui Barbosa ou Afonso Arinos, senadores do Império ou da República. Disse o representante acreano que 'a Revolução Industrial foi isso. Com a descoberta da navegação, os europeus se espalharam: pelo mundo, dominaram povos, arrebentaram culturas, aprisionaram, escravizaram.' Depois de ouvi-lo temos de dar razão ao senador Jefferson Peres: é a pior legislatura da história do Senado.

Durante o Império, cada província tinha direito a metade do número de deputados: se tivesse 10 deputados, ficaria com 5 senadores. Foi a Constituição de 1891, a primeira da República, que atribuiu a cada estado três senadores. E desde então (excetuando a Constituição de 1937 que extinguiu o Senado e a de 1934 que diminuiu a representação para dois por estado) assim permaneceu. Desta forma, o eleitorado de Roraima, o menor da federação, com 0,19% do total dos votos (233 mil), tem os mesmos direitos que o cidadão paulista, cujo estado representa 22% (28 milhões) dos eleitores do país. A armadilha deste tipo de representação é de que sob a justificativa de um suposto equilíbrio entre os Estados, acaba se encobrindo uma relação perniciosa entre o Poder Executivo Federal e os pequenos estados. Do total de senadores, só a região Norte tem 21 senadores, 25% do total, isto com pouco mais de 8 milhões de eleitores, ou seja com cerca de 30% do eleitorado paulista.

Os gastos para o funcionamento do Senado são exorbitantes. A Casa tem 13.536 funcionários (eram 7.673 em dezembro de 2002 - teve, portanto, um aumento de 77%), o que dá a média de 167 funcionários por senador. A média salarial é superior a R$ 10 mil e o orçamento deste ano é R$ 2,333 bilhões (dos quais R$ 600 milhões só para pagar aposentadorias, R$ 42 milhões para assistência médica e R$ 30 milhões de auxílio-alimentação).

Há países, como Portugal, em que o Parlamento é unicameral, ou seja, não há Senado. Uma boa medida seria propor a discussão sobre a extinção do Senado, passando parte das suas atribuições para a Câmara dos Deputados e o Tribunal de Contas da União. Evidentemente que a adoção desta medida é quase impossível. Todo deputado federal ou governador sonha em ser senador. Afinal, oito anos de mandato e todas aquelas mordomias são um grande atrativo. Também encontraria resistência entre os telespectadores da TV Senado, que assistem o canal para se divertir com os discursos e apartes das excelências daquela Casa.


Jornal da Cultura

Nas duas próximas semanas estarei participando do Jornal da Cultura às quartas-feiras (e nas às segundas, como de hábito).

O Judiciário e as movimentações suspeitas

Sugestão de um juiz paulista: que todos os ministros, desembargadores e juízes abram o sigilo fiscal e bancário. De acordo com ele, só esta medida inibiria ações "pouco republicanas".

Judiciário fez movimentação 'fora do padrão' de R$ 856 mi

Dado foi levantado pelo Ministério da Fazenda e abrange o período 2000-2010

Rastreamento na conta de juízes e servidores ocorreu a pedido do CNJ, o que causou uma crise no mundo jurídico

FELIPE SELIGMAN
RUBENS VALENTE
DE BRASÍLIA

Magistrados e servidores do Judiciário movimentaram, entre 2000 e 2010, R$ 856 milhões em operações financeiras consideradas "atípicas" pelo Coaf, o órgão de inteligência financeira do Ministério da Fazenda.

A informação consta de relatório encaminhado ontem ao STF (Supremo Tribunal Federal) pela corregedora do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Eliana Calmon.

No ano passado, Calmon entrou em choque com associações de magistrados e com setores do Judiciário ao pedir investigações sobre a vida financeira de juízes, desembargadores e demais servidores.

O trabalho da corregedoria e o poder de investigação do CNJ passaram a ser questionados até por ministros do Supremo. Calmon bateu de frente com o próprio presidente do tribunal e do CNJ, Cezar Peluso.

O trabalho de investigação do CNJ começou pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, quando passou a ser criticado por uma suposta quebra generalizada de sigilos bancário e fiscal. Três entidades ligadas a juízes entraram com uma ação no Supremo.

A investigação foi suspensa em dezembro por uma liminar do ministro Ricardo Lewandowski que, ao proferir a decisão, requisitou informações a Calmon.

O relatório do Coaf integra as explicações encaminhadas ontem, nas quais a corregedora procurou demonstrar a necessidade da continuidade da apuração sobre os depósitos bancários.

"Atipicidade" não significa crime ou irregularidade, mas sim que a operação financeira fugiu aos padrões.

Por exemplo, um depósito elevado fora do previsto leva o banco automaticamente a identificar, e a comunicar ao Coaf, uma "movimentação incompatível com a renda" do correntista. O depósito pode ter sido fruto da venda de imóvel ou herança, o que só uma investigação mais profunda esclareceria.

O documento de Calmon revela, porém, situações consideradas suspeitas pelo Coaf, como o fato de três pessoas, duas delas vinculadas ao Tribunal da Justiça Militar de São Paulo e uma ao Tribunal de Justiça da Bahia, terem movimentado R$ 116,5 milhões em um único ano, 2008.

O Tribunal da Justiça Militar de SP disse que não recebeu informações sobre o resultado da inspeção e que solicitará os dados ao CNJ. O assessor do Tribunal de Justiça da Bahia não foi localizado.

O documento, que não aponta nomes ou faz separação entre servidores e juízes, indica que, dos R$ 856 milhões em operações atípicas, R$ 274,7 milhões foram feitos em dinheiro vivo. São Paulo foi o Estado que concentrou os recursos, com R$ 53,8 milhões, seguido pelo Distrito Federal (R$ 46,7 milhões).

O ápice das movimentações atípicas ocorreu em 2002, quando "uma pessoa relacionada ao Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região", no Rio de Janeiro, movimentou R$ 282,9 milhões, segundo o relatório. A corte disse que se manifestaria apenas hoje sobre o caso.

O Coaf também apontou um salto entre 2007 e 2008, quando as comunicações do gênero passaram de R$ 30 milhões para R$ 159,6 milhões.

O levantamento começou em 2010, quando o CNJ pediu informação sobre eventuais movimentações financeiras incompatíveis do Judiciário. O órgão pesquisou os nomes de 216.805 servidores.

Desse universo, 5.160 figuraram em comunicações encaminhadas ao Coaf por setores como bancos e cartórios, num total de R$ 9,48 bilhões. O Coaf considerou que a maior parte desse valor tem explicação plausível.

A história das constituições brasileiras (XIV)



Aqui, o link do comentário de Fernando Rodrigues, na Rádio Metrópole, sobre o livro.


O desembargador paulista "só" recebeu um milhão e meio de reais.

Quando digo que o pior dos três poderes é o Judiciário, certamente não estou exagerando. Basta ler a Folha de S. Paulo de hoje. Se o Brasil fosse um país sério, este senhor estaria numa situação extremamente difícil. Mas na terra de Macunaíma............


Ex-chefe do TJ-SP liberou R$ 1,5 mi para si próprio

Valor se refere a benefícios atrasados; tribunal investiga forma de pagamento

Roberto Bellocchi diz que tinha direito a receber recursos da corte, mas não quis comentar valores

UIRÁ MACHADO
DE SÃO PAULO

O desembargador Roberto Bellocchi, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, aprovou para si próprio um pagamento milionário, aponta investigação conduzida pela corte paulista.

Segundo a Folha apurou, Bellocchi recebeu cerca de R$ 1,5 milhão no biênio 2008-2009, quando presidiu o TJ.

De acordo com a investigação, o valor é o maior benefício pago pelo tribunal a um único desembargador.

Bellocchi, hoje aposentado, afirma que os recursos eram créditos a que tinha direito. Ele não quis, porém, comentar o valor recebido, mas diz que o fato de ser presidente à época dos pagamentos não retira sua legitimidade.

Em reportagem publicada ontem pelo jornal "O Estado de S. Paulo", Bellocchi diz ter recebido "500 e poucos mil" para quitar dívidas.

Questionado sobre a legitimidade do pagamento, o atual presidente do TJ, Ivan Sartori, disse que não comentaria o caso, mas lembrou que o tribunal deve recursos a magistrados e servidores.

"São créditos acumulados por circunstâncias funcionais: férias não pagas, licença-prêmio e auxílio-moradia", afirma Sartori.

O TJ, que possui uma folha com cerca de 60 mil pagamentos mensais, tem uma dívida com servidores e magistrados que supera os R$ 3 bilhões, segundo a assessoria da presidência da corte.

A dívida é em regra paga em pequenas parcelas mensais, mas há situações em que o presidente do TJ, após pedido do magistrado e avaliação da Comissão de Orçamento, aprova uma verba maior.

"Em tese, são casos de doença ou alguma desgraça extraordinária", diz Sartori. "E desde que o magistrado tenha direito ao crédito, que seja um pedido bem fundamentado e com um valor proporcional", completa.

Além de Bellocchi, outros 28 magistrados têm pagamentos investigados. Do total, quatro seriam casos mais graves, porque os valores são mais elevados, e as justificativas, mais frágeis. Outros 25 seriam mais legítimos.

O caso de Bellocchi, segundo a Folha apurou, está na lista dos mais suspeitos.

Já o desembargador Celso Limongi, que presidiu o TJ no biênio 2006-2007 e recebeu cerca de R$ 200 mil, está no segundo grupo.

Outros que receberam os benefícios são os ministros do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski. Ex-desembargadores do TJ-SP, os pagamentos aos dois não estão entre os investigados.

No TJ, os benefícios excepcionais têm gerado desconforto entre os magistrados.

Embora os recursos sejam devidos e saiam da rubrica "subsídios-indenizações", superpagamentos quebram o princípio constitucional da isonomia, pelo qual todos devem ter tratamento igual.

Já há no tribunal quem afirme que os pagamentos que beneficiaram alguns desembargadores fizeram com que os demais acabassem recebendo menos.

Colaborou DANIEL RONCAGLIA, de São Paulo.

Desembargador recebe 150 mil reais para reforma.

Saiu na Folha de hoje. Precisa de algum comentário?


Desembargador recebe R$ 150 mil para reparar casa
DE SÃO PAULO

Ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador Celso Luiz Limongi recebeu do órgão R$ 150 mil para reparar seu apartamento na capital paulista.

A informação foi revelada ontem pelo jornal "O Estado de S. Paulo". Segundo Limongi, o valor foi pago em quatro parcelas em 2010 e destinou-se a uma "reforma de urgência". A cobertura de três quartos sofria com as chuvas.

"Chovia dentro do apartamento, pingava pelas lâmpadas, tábuas ficaram empenadas, móveis apodreceram", conta Limongi. "Era impossível não agir, mas o ordenado não dava para a reforma."

De acordo com Limongi, a verba que recebeu diz respeito principalmente a férias que vendeu ao longo da carreira e não se trata de privilégio.

"Quando me aposentei [em 2011], o valor foi descontado. O TJ ainda me deve ao menos R$ 1 milhão, mas esse dinheiro ficou para as calendas."

Limongi afirma que, quando presidiu o TJ-SP, no biênio 2006-2007, também liberou pagamentos excepcionais a magistrados e funcionários.

"Inclusive adversários receberam. Quando há uma situação emergencial, o tribunal precisa se sensibilizar, até por ser um dinheiro devido."

Nos últimos meses, o Conselho Nacional de Justiça investigou pagamentos irregulares em TJs de todo o país. Em São Paulo, o foco são 17 magistrados que teriam recebido até R$ 1 milhão cada um.

Limongi diz não estar entre eles e critica a suposta irregularidade: "Salvo em uma situação extraordinária, não é justo haver essa desigualdade". (UIRÁ MACHADO)


A história das constituições brasileiras (XIII)


Esta resenha foi publicada no último sábado no Zero Hora:

AS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL
Historiador analisa tropeços da democracia
LEANDRO FONTOURA

Uma das principais vozes críticas da academia ao governo federal, o historiador Marco Antonio
Villa lança A História das Constituições Brasileiras. No livro, ele mostra como a democracia no país sempre foi acompanhada de duas sombras: as investidas autoritárias e as relações patrimonialistas e de compadrio.

Villa, que é professor da Universidade Federal de São Carlos, conta a história das Constituições
brasileiras a partir do contexto de cada uma delas. Ao relacionar detalhes de artigos constitucionais ao seu momento político e social,Villa consegue demonstrar como as Cartas, que deveriam regrar as grandes questões nacionais ao longo de décadas, foram marcadas por decisões de ocasião e por enxertos no mínimo estranhos.

No primeiro quesito, a Constituição de 1824 é exemplar. Segundo o documento, o imperador é “pessoa inviolável e sagrada”. Completa-se o quadro com o direito a aquisições e construções “para a decência e o recreio do imperador e sua família”. É a prova de que a mistura entre o público e o privado tem história no Brasil. No quesito“artigos fora de lugar”, é a Carta de 1946 que se destaca.Além de determinar a conclusão de uma rodovia em dois anos, concede “honrarias de marechal”a um general.

Na maior parte das Constituições, também é evidente a marca do autoritarismo. Na Carta de 1937, foi instituída a censura prévia, a aposentadoria de servidores de acordo com o “juízo exclusivo do governo”, a limitação da ação dos deputados e a pena de morte para subversivos. Se a Carta de 1824 afirma que o imperador “não está sujeito a responsabilidade alguma”, a de 1934 impede “qualquer apreciação judiciária” das decisões do governo provisório.

O mesmo dispositivo vai aparecer na Carta de 1967. Diante do livro de Villa, o leitor entende por que foi tão difícil para a democracia vingar em meio a tantos casos de arbítrio.

Ministério da Verdade

Publiquei hoje na Folha de S. Paulo:

Estamos vivendo um tempo no qual os donos do poder exigem obediência absoluta.

No Congresso, a oposição representa apenas 17,5% das cadeiras. O governo tem uma maioria digna da Arena. Em 1970, no auge do regime militar, o MDB, partido de oposição, chegou a examinar a proposta de autoextinção. Quatro anos depois, o mesmo MDB venceu a eleição para o Senado em 16 dos 22 Estados existentes (no Maranhão, o MDB nem lançou candidato).

Ou seja, a esmagadora maioria de hoje pode não ser a de amanhã. Mas, para que isso aconteça, é necessário fazer algo básico, conhecido desde a antiga Grécia: política.

É nesse terreno que travo o meu combate. Sei que as condições são adversas, mas isso não significa que eu tenha de aceitar o rolo compressor do poder. Não significa também que eu vá, pior ainda, ficar emparedado pelos adversários que agem como verdadeiros policiais do Ministério da Verdade.

Faço essas ressalvas não para responder aos dois comentários agressivos, gratuitos e sem sentido do jornalista Janio de Freitas, publicados nesta Folha nos textos "Nada mais que o Impossível" (1º de janeiro) e "Meia Novidade" (3 de janeiro). Não tenho qualquer divergência ou convergência com o jornalista. Daí a minha estranheza pelos ataques perpetrados sem nenhuma razão (aparente, ao menos).

A minha questão é com a forma como o governo federal montou uma política de poder para asfixiar os opositores. Ela é muito mais eficiente que as suas homólogas na Venezuela, no Equador ou, agora, na Argentina.

Primeiro, o governo organizou um bloco que vai da direita mais conservadora aos apoiadores do MST. Dessa forma, aprova tudo o que quiser, com um custo político baixo. Garantindo uma maioria avassaladora no Congresso, teve as mãos livres para, no campo da economia, distribuir benesses ao grande capital e concessões aos setores corporativos. Calou também os movimentos sociais e sindicatos com generosas dotações orçamentárias, sem qualquer controle público.

Mas tudo isso não basta. É necessário controlar a imprensa, único espaço onde o governo ainda encontra alguma forma de discordância. No primeiro governo Lula, especialmente em 2005, com a crise do mensalão, a imprensa teve um importante papel ao revelar as falcatruas -e foram muitas.

No Brasil, os meios de comunicação têm uma importância muito maior do que em outras democracias ocidentais. Isso porque a nossa sociedade civil é extremamente frágil. A imprensa acaba assumindo um papel de enorme relevância.

Calar essa voz é fechar o único meio que a sociedade encontra para manifestar a sua insatisfação, mesmo que ela seja inorgânica, com os poderosos.

Já em 2006, quando constatou que poderia vencer a eleição, Lula passou a atacar a imprensa. E ganhou aliados rapidamente. Eram desde os jornalistas fracassados até os políticos corruptos -que apoiavam o governo e odiavam a imprensa, que tinha denunciado suas ações "pouco republicanas".

Esse bloco deseja o poder absoluto. Daí a tentativa de eliminar os adversários, de triturar reputações, de ameaçar os opositores com a máquina estatal.

É um processo com tinturas fascistas, que deixaria ruborizado Benito Mussolini, graças à eficiência repressiva, sem que se necessite de esquadrões para atacar sedes de partidos ou sindicatos. Nem é preciso impor uma ditadura: o sufrágio universal (sem política) deverá permitir a reprodução, por muitos anos, dessa forma de domínio.

Os eventuais conflitos políticos são banais. Por temer o enfrentamento, a oposição no Brasil tenderá a ficar ainda mais reduzida e restrita às questões municipais e, no máximo, estaduais.

2012 e a conjuntura política

Segue vídeo de entrevista concedida à jornalista Maria Lydia:


A falácia da reforma agrária

Este artigo saiu originalmente em "O Globo" na edição de 15 de fevereiro do ano passado. A ideia de recolocá-lo aqui é para ir marcando posição sobre temas importantes e que, por incrível que pareça, não fazem parte do pobre (paupérrimo, na verdade) debate político brasileiro:

A falácia da reforma agrária

17 de fevereiro de 2011
Autor: Marco Antonio Villa

O tema da reforma agrária dividiu o país durante décadas. Desde os anos 1940 foi um dos assuntos dominantes do debate político e considerada indispensável para o desenvolvimento nacional. Diziam que a divisão das grandes propriedades era essencial para a industrialização, pois ampliaria, com base nas pequenas propriedades, o fornecimento de gêneros alimentícios para as cidades, diminuindo o custo de reprodução da força de trabalho e acabando com a carestia.


Por outro lado, o campo se transformaria em mercado consumidor das mercadorias industrializadas. Ou seja, o abastecimento dos centros urbanos, que estavam crescendo rapidamente, e o pleno desenvolvimento da indústria dependiam da reforma agrária. Sem ela não teríamos um forte setor industrial e a carestia seria permanente nos centros urbanos, além da manutenção da miséria nas áreas agrícolas. E, desenhando um retrato ainda mais apocalíptico, havia uma vertente política da tese: sem a efetivação da reforma agrária, o país nunca alcançaria a plena democracia, pois os grandes proprietários de terra dominavam a vida política nacional e impediam a surgimento de uma sociedade livre. Era repetido como um mantra: o Brasil estava fadado ao fracasso e não teria futuro, caso não houvesse uma reforma agrária.

Os anos se passaram e o caminho do país foi absolutamente distinto. A reforma agrária não ocorreu. O que houve foram distribuições homeopáticas de terra segundo o interesse político dos governos desde 1985, quando foi, inclusive, criado um ministério com este fim. Enquanto os olhos do país estavam voltados para a necessidade de partilhar as grandes propriedades — marca anticapitalista de um país que não admira o lucro e muito menos o sucesso — o Centro-Oeste foi sendo ocupado (e parte da Amazônia), além da revolução tecnológica ocorrida nas áreas já cultivadas do Sul-Sudeste.

O deslocamento de agricultores, capitais e experiência produtiva especialmente para o Centro-Oeste ocorreu sem ter o Estado como elemento propulsor. Foram agricultores com seus próprios recursos que migraram principalmente do Sul para a região. Como é sabido, falava-se desde os anos 30 em marcha para o Oeste, mas nada de prático foi feito. E, quando o Estado resolveu fazer algo, sempre acabou em desastre, como a batalha da borracha, nos anos 1940, ou, trinta anos depois, com as agrovilas, na Amazônia.

O épico deslocamento de agricultores do Sul para o Centro-Oeste até hoje não mereceu dos historiadores um estudo detalhado. De um lado, devido aos preconceitos ideológicos; de outro, pela escassez ou desconhecimento das fontes históricas. Como todo processo de desbravamento não ficou imune às contradições — e isto não ocorreu apenas no Brasil. Foram registrados sérios problemas em relação ao meio ambiente e aos direitos humanos, em grande parte devido à precariedade da presença das instituições estatais na região.

Com a falência do modelo econômico da ditadura, em 1979, e a falta de perspectiva segura para a economia, oque só ocorrerá uma década e meia depois, com o Plano Real, as atenções do debate político ficaram concentradas no tema da reforma agrária, mas de forma abstrata. O centro das discussões era o futuro dos setores secundário e terciário da economia. O campo só fazia parte do debate como o polo atrasado e que necessitava urgentemente de reformas. Contudo, a realidade era muito distinta: estava ocorrendo uma revolução, um fabuloso crescimento da produção, que iria mudar a realidade do país na década seguinte.

Entretanto, no Parlamento, os agricultores não tinham uma representação à altura da sua importância econômica. Alguns que falavam em seu nome ficaram notabilizados pela truculência, reforçando os estereótipos construídos pelos seus adversários. É o que Karl Marx chamou de classe em si e não para si. Os agricultores, na esfera política, não conseguiam (e isto se mantém até os dias atuais) ter uma presença de classe, com uma representação moderna, que defendesse seus interesses e estabelecendo alianças com outros setores da sociedade. Pelo contrário, sempre estiveram, politicamente falando, correndo atrás do prejuízo e buscando alguma solução menos ruim, quando de algum projeto governamental prejudicial à sua atividade.

Hoje, o Brasil é uma potência agrícola, boa parte do saldo positivo da balança comercial é devido à agricultura, a maior parte da população vive no meio urbano, a carestia é coisa do passado, a industrialização acabou (mesmo com percalços) sendo um sucesso, o país alcançou a plena democracia e não foi necessária a reforma agrária. A tese que engessou o debate político brasileiro durante décadas não passou de uma falácia.

O nosso 18 Brumario

Este artigo saiu em plena campanha eleitoral. Um comentário fez, recentemente, referência ao artigo. Resolvi republicá-lo:


MARCO ANTONIO VILLA

O nosso 18 Brumário
Lula quer aparecer como benfeitor de todas as classes, tal qual Luís Bonaparte


O MAIOR PERSONAGEM da eleição não é candidato: Luiz Inácio Lula da Silva. Hoje é o grande cabo eleitoral não só da sua candidata mas de toda base governamental. Chegou a esta condição contando com o auxílio inestimável da oposição.
No primeiro mandato teve sérios problemas, como na crise do mensalão. A oposição avaliou -erroneamente- que seria menos traumático e mais fácil deixá-lo nas cordas, para nocauteá-lo em 2006.
As saídas de José Dirceu, Antonio Palocci e Luiz Gushiken deram a Lula o protagonismo exclusivo. Só então teve condições de governar como sempre desejou.
A troika limitava sua ação e dividia as atenções políticas. Dava a impressão de que o chefe de Estado não era o chefe do governo.
A crise foi providencial para Lula: libertou-se do aparelho partidário, estabeleceu alianças como desejava e passou a ser a âncora exclusiva de sustentação do governo.
O segundo mandato, na prática, começou no início de 2006. A oposição mais uma vez evitou o confronto direto. Avaliou -erroneamente, novamente- que seria melhor manter os governos estaduais de São Paulo e Minas, transferindo o enfrentamento direto com Lula para 2010.
Em um terreno livre, Lula teve condições únicas para um presidente nos últimos 40 anos: estabilidade política, crescimento econômico e controle do Congresso.
As CPIs, que criaram problemas no primeiro mandato, perderam importância. Os frutos da estabilidade e uma conjuntura internacional favorável possibilitaram um rápido crescimento da economia e a expansão do consumo.
Paulatinamente, Lula foi afrouxando a política fiscal, abandonou as rígidas metas do primeiro mandato, manteve um câmbio artificial, incentivou o capital especulativo e foi empurrando para o próximo presidente uma bomba de efeito retardado.
Abrindo um imenso saco de bondades, ampliou o crédito para as classes C e D, favoreceu as viagens internacionais para a classe média e criou uma nova burguesia -a burguesia lulista- que ampliou o seu poder graças às benesses dos bancos oficiais. Expandiu numa escala nunca vista os programas assistenciais, como o Bolsa Família, e manietou os velhos movimentos sociais comprando suas lideranças.
Tal qual Luís Bonaparte, Lula "gostaria de aparecer como o benfeitor patriarcal de todas as classes". Foi ajudado pela oposição, sempre temerosa de enfrentar o governo. Usando uma imagem euclidiana, Lula "subiu, sem se elevar -porque se lhe operara em torno uma depressão profunda". Ele almeja transformar o 3 de outubro no seu 18 Brumário.