A face do poder: um retrato de Sarney.

Publiquei hoje em "O Globo":

O Globo - 29/11/2011


José Ribamar Ferreira de Araújo Costa é a mais perfeita tradução do oligarca brasileiro. Começou jovem na política, conduzido pelo pai. Aos 35 anos resolveu mudar de nome. Tinha acabado de ser eleito governador do seu estado. Foi rebatizado por desejo próprio. Alterou tudo: até o sobrenome. Virou, da noite para o dia, José Sarnei Costa. O Costa logo foi esquecido e o Sarnei, já nos anos 80, ganhou um "y" no lugar do "i". Dava um ar de certa nobreza.

Na história republicana, não há personagem que se aproxime do seu perfil. Muitos tiveram poder. Pinheiro Machado, na I República, durante uma década, foi considerado o fazedor de presidentes. Contudo, tinha restrita influência na política do seu estado, o Rio Grande do Sul. E não teve na administração federal ministros da sua cota pessoal. Durante o populismo, as grandes lideranças lutavam para deter o Poder Executivo. Os mais conhecidos (Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola, entre outros), mesmo quando eleitos para o Congresso Nacional, pouco se interessavam pela rotina legislativa. Assim como não exigiram ministérios, nem a nomeação de parentes e apaniguados.

Mas com José Ribamar Costa, hoje conhecido como José Sarney, tudo foi - e é - muito diferente. Usou o poder central para apresar o "seu" Maranhão. E o fez desde os anos 1960. Apoiou o golpe de 1964, mesmo tendo apoiado até a última hora o presidente deposto. Em 1965, foi eleito governador e, em 1970, escolhido senador. Durante o regime militar priorizou seus interesses paroquiais. Nunca se manifestou contra as graves violações aos direitos humanos, assim como sobre a implacável censura. Foi um senador "do sim". Obediente, servil. Presidiu o PDS e lutou contra as diretas já. No dia seguinte à derrota da Emenda Dante de Oliveira - basta consultar os jornais da época - enviou um telegrama de felicitações ao deputado Paulo Maluf - que articulava sua candidatura à sucessão do general Figueiredo - saudando o fracasso do restabelecimento das eleições diretas para presidente. Meses depois, foi imposto pela Frente Liberal como o candidato a vice-presidente na chapa da Aliança Democrática. Tancredo Neves recebeu com desagrado a indicação. Lembrava que, em 1983, em fevereiro, quando se despediu do Senado para assumir o governo de Minas Gerais, no pronunciamento que fez naquela Casa, o único senador que o criticou foi justamente Ribamar Costa. Mas teve de engolir a imposição, pois sem os votos dos dissidentes não teria condições de vencer no Colégio Eleitoral.

Em abril de 1985, o destino pregou mais uma das suas peças: Tancredo morreu. A Presidência caiu no colo de Ribamar Costa. Foram cinco longos anos. Conduziu pessimamente a transição. Teve medo de enfrentar as mazelas do regime militar - também pudera: era parte daquele passado. Rompeu o acordo de permanecer 4 anos na Presidência. Coagiu - com a entrega de centenas de concessões de emissoras de rádio e televisão - os constituintes para obter mais um ano de mandato. Implantou três planos de estabilização: todos fracassados. Desorganizou a economia do país. Entregou o governo com uma inflação mensal (é mensal mesmo, leitor), em março de 1990, de 84%. Em 1989, a inflação anual foi de 1.782%. Isso mesmo: 1.782%!

A impopularidade do presidente tinha alcançado tal patamar que nenhum dos candidatos na eleição de 1989 - e foram 22 - quis ter o seu apoio. O esporte nacional era atacar Ribamar Costa. Temendo eventuais processos, buscou a imunidade parlamentar. Candidatou-se ao Senado. Mas tinha um problema: pelo Maranhão dificilmente seria eleito. Acabou escolhendo um estado recém-criado: o Amapá. Lá, eram 3 vagas em jogo - no Maranhão, era somente uma. Não tinha qualquer ligação com o novo estado. Era puro oportunismo. Rasgou a lei que determina que o representante estadual no Senado tenha residência no estado. Todo mundo sabe que ele mora em São Luís e não em Macapá. E dá para contar nos dedos de uma das mãos suas visitas ao estado que "representa". O endereço do registro da candidatura é fictício? É um caso de falsidade ideológica? Por que será que o TRE do Amapá não abre uma sindicância (um processo ou algo que o valha) sobre o "domicílio eleitoral" do senador?

Espertamente, desde 2002, estabeleceu estreita aliança com Lula. Nunca teve tanto poder. Passou a mandar mais do que na época que foi presidente. Chegou até a anular a eleição do seu adversário (Jackson Lago) para o governo do Maranhão. Indicou ministros, pressionou funcionários, fez o que quis. Recentemente, elegeu-se duas vezes para a presidência do Senado. Suas gestões foram marcadas por acusações de corrupção, filhotismo e empreguismo desenfreado. Ficaram famosos os atos secretos, repletos de imoralidade administrativa.

O mais fantástico é que em meio século de vida pública não é possível identificar uma realização, uma importante ação, nada, absolutamente nada. O seu grande "feito" foi ter transformado o Maranhão no estado mais pobre do país. Os indicadores sociais são péssimos. Os municípios lideram a lista dos piores IDHs do Brasil. Esta é a verdadeira face do poder de Ribamar Costa. Como em uma ópera-bufa, agora resolveu maquiar a sua imagem. Patrocinou, com dinheiro público, uma pesquisa para saber como anda seu prestígio político. Não, senador. Faça outra pesquisa, muito mais barata. Caminhe sozinho, sem os seus truculentos guarda-costas, por uma rua central do Rio de Janeiro, São Paulo ou Brasília. E verá como anda sua popularidade. Tem coragem?

As justificativas de José Ribamar da Costa (vulgo José Sarney)

Só hoje tomei conhecimento desta nota (de 27 de outubro) da presidência do Senado. Vê-se que o senador pelo Amapá e Maranhão continua mentindo.
Segue a nota:


NOTA AO ESTADO DE S. PAULO SOBRE AÇÕES EM RELAÇÃO À LEI DE ACESSO ÀS INFORMAÇÕES PÚBLICAS

A Secretaria de Imprensa da Presidência do Senado divulgou nota nesta quinta-feira (27), encaminhada ao jornal O Estado de São Paulo, em resposta à publicação do jornal sobre as posições adotadas pelo presidente do Senado, senador José Sarney, em relação ao Projeto de Lei da Câmara (PLC) 41/10, conhecido como Lei de Acesso às Informações Públicas.

Leia a íntegra:

"Senhor Editor,

Em entrevista publicada na edição de hoje (27/10) de O Estado de SP, o Senhor Marco Antonio Villa faz assertivas improcedentes e totalmente desconectadas das posições adotadas pelo presidente do Senado Federal, José Sarney.

Referindo-se à Lei de Acesso às Informações Públicas, afirma: “O atual presidente do Senado, José Sarney, também colocou inúmeros obstáculos para a aprovação do projeto, porque quer evitar revelações sobre seu qüinqüênio no governo, que todos sabemos que foi desastroso”.

Improcedência 1 - No trâmite do projeto, o presidente Sarney cumpriu rigorosamente o Regimento Interno do Senado, sempre tomando decisões de comum acordo com as lideranças da Casa;

Improcedência 2 - No dia 13 de junho último a imprensa noticiou a posição do presidente Sarney sobre as informações acerca de seu governo: Sarney disse que os documentos sigilosos que digam respeito ao “passado recente” do país devem ser divulgados: “Quanto ao passado recente, penso que deva ser liberado mesmo. Quanto a mim, os meus documentos já são públicos, estão na Fundação José Sarney mais de 400 mil documentos para todas as consultas”.

Quanto à avaliação do período do governo Sarney, a própria História desqualifica a agressão. Vale, portanto, algumas menções:

- Em dezembro de 1978 José Sarney relatou a Emenda Constitucional nº 11, que revogou todos os atos institucionais e complementares impostos pelos militares;

- Na presidência da República legalizou todos os partidos políticos, assegurou a liberdade sindical, acabou com a censura prévia e determinou eleições diretas para a presidência e capitais;

- Na política externa, reaproximou o Brasil da China e da então URSS e reatou as relações diplomáticas com Cuba. Estreitou o diálogo com a Argentina, viabilizando a criação do MERCOSUL;

- Convocou a Assembléia Nacional Constituinte, que produziu uma Carta garantindo amplos direitos sociais, incorporando os princípios de democracia direta;

- Criou o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e o Ministério da Reforma Agrária, além de instituir o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde, o SUDS, precursor do SUS e que universalizou o atendimento médico no país;

- Na questão ambiental criou o IBAMA e na cultural a Lei de Incentivo á Cultura, atual Lei Rouanet;

- Instituiu o Vale-Transporte; fez o Programa do Leite, que à época atendia 7,6 milhões de crianças/dia;

- Pela igualdade racial defendeu sanções contra a África do Sul e criou a Fundação Palmares;

- O Siafi, também criado pelo presidente Sarney, em 1987, continua sendo a melhor ferramenta para o controle e a transparência das contas públicas;

- Ainda em 1987, o presidente Sarney determinou a extinção do orçamento monetário e de todas as formas de arranjos paralelos. Criou a Secretaria do Tesouro Nacional, que absorveu as funções de execução orçamentária até então a cargo de um departamento do Banco do Brasil.

Secretaria de Imprensa do Gabinete da Presidência do Senado".

Atualização do blog

Estou com certa dificuldade para atualizar o blog devido a uma série de leituras para o novo livro que estou escrevendo e que deve sair em junho de 2012.
Contudo, a conjuntura nacional pouco se modificou. O ano político, no máximo, terá mais duas semanas. A partir de 1 de dezembro a política entra em férias. a grande política, ao menos. E só retorna depois do Carnaval. Isto não significa que é descartado algum novo escândalo de corrupção e toda repercussão que é inevitável frente a mais um descalabro. Este é o governo recordista em corrupção em um primeiro ano em toda a história da República.
Ainda vou escrever 3 artigos fazendo um balanço do primeiro da gestão Dilma.

A história das constituições brasileiras (VII)

O lançamento do livro (a "noite de autógrafos") vai ocorrer no dia 6 de dezembro, terça-feira, a partir das 19 horas, na Livraria da Vila da Rua Fradique Coutinho, 915.

A história das constituições brasileiras (VI)

Reportagem publicada hoje na Folha de S. Paulo:

CRÍTICA

Trajetória das Constituições ganha análise de historiador

Marco Villa narra a gênese do Estado brasileiro e aponta suas imperfeições

FERNANDO RODRIGUES
DE BRASÍLia

Historiador Marco Villa, que escreveu sobre Constituições
O livro "A História das Constituições brasileiras", de Marco Antonio Villa, vai além do que sugere o título. É um sobrevoo por décadas de descaso com a democracia no Brasil e flertes constantes do poder com o autoritarismo.

Professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Marco Villa avisa que a obra "não é mais um livro de direito constitucional". Embora baseado em sólida pesquisa histórica, o texto é uma crônica da vida política do país desde a Independência.

Com um capítulo para cada uma das sete Constituições do Brasil (1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988) e um para o STF (Supremo Tribunal Federal), o guardião da Carta, o livro é um roteiro da gênese do Estado brasileiro, suas imperfeições e regras que privaram o país de viver em democracia na maior parte de sua história.

Há aspectos anedóticos e bizarros. No Império, o Congresso só se reunia quatro meses por ano. Na Carta de 1934, a xenofobia explícita limitava a entrada de estrangeiros para garantir a "integração étnica" do imigrante.

O Brasil republicano teve vários nomes. Chamou-se "Estados Unidos do Brasil" de 1891 a 1967. Na ditadura militar, foi apenas "Brasil". E só em 1988 passa a ser "República Federativa do Brasil". A história das Constituições ajuda também a identificar como a representação no Congresso foi sendo ampliada e deturpada. Depois do fim do Estado Novo, em 1946 a Carta aumentou de dois para três o número de senadores de cada Estado -e criou o suplente de senador.

Em 1977, a ditadura determinou que cada senador passaria a ter dois suplentes -políticos sem voto que muitas vezes assumem no lugar do titular. Também naquele ano, aumentou-se para seis o número mínimo de deputados por Estado. Em 1988, os constituintes acharam pouco: elevaram esse piso para oito deputados para cada unidade da Federação. Aprofundaram o descaso com uma das regras clássicas da democracia -"um homem, um voto".

Logo após a Independência, o artigo 99 da primeira Constituição estabelecia que "a pessoa do imperador é inviolável e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma". Marco Villa anota: "Não é acidental que o autoritarismo esteja tão presente no Brasil. O país já nasceu com uma organização política antidemocrática. E o poder nunca se reconheceu como arbitrário".

Outro traço da cultura política brasileira é uma espécie de autoengano por parte dos que ocupam o poder. Depois do golpe de 1964, os militares eram obcecados por dar um ar de formalidade aos seus atos, "como se a existência de uma norma fosse uma espécie de salvo-conduto".

A mais democrática de todas as Constituições, a de 1988, é também a mais prolixa: 250 artigos e 70 disposições transitórias. Cheio de boas intenções, o texto fica desconectado do mundo real: a palavra "garantia" aparece 46 vezes; "direitos", 16 vezes; e "deveres", apenas 4.

No capítulo sobre o STF, Marco Villa cita casos em que a Corte Constitucional brasileira foi pusilânime e leniente com os ditadores de turno. Na Revolução de 30, "o Supremo estabeleceu o estranho princípio da legitimidade revolucionária". O "legalismo servil" levou os ministros a "lavarem as mãos diante de inúmeros atos e milhares de prisões políticas".

Em 1969, três ministros foram cassados. Só dois se solidarizaram: um renunciou e outro pediu aposentadoria. Os demais silenciaram.

"A HISTÓRIA DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS"

AUTOR Marco Antonio Villa

EDITORA LeYa

QUANTO R$ 34,90 (160 págs.)

CLASSIFICAÇÃO Ótimo

A história das constituições brasileiras (V)

Entrevista publicada hoje na Gazeta do Povo:

As idas e vindas da Constituição no Brasil
Lançado recentemente, o livro A história das constituições brasileiras, do historiador Marco Villa, revela as bizarrices que já figuraram na Magna Carta19/11/2011 | 00:19 Pollianna Milan

A Constituição é um compêndio de leis que estão acima de todas as outras normas de um país, por isso mesmo deveria ser enxuta, objetiva e permanente, traçando os princípios básicos de um Estado sem deixar brechas. A norte-americana, por exemplo, é de 1787 e teve, ao longo de sua história, apenas 27 emendas, das quais dez foram sobre a declaração de direitos. Já no Brasil, existiram nada menos do que sete constituições e todas elas foram bastante modificadas. Para se ter uma ideia, apenas a última Cons­tituição brasileira, de 1988, recebeu 67 emendas e teve alguns artigos alterados mais de três vezes. “A prolixidade é uma doença de nossas constituições. O problema é querer dissertar sobre o mundo: se fala de tudo e de nada”, afirma o historiador Marco Antonio Villa, que acaba de lançar o livro A história das constituições brasileiras: 200 anos de luta contra o arbítrio, pela Editora Leya.

Em um documento que deveria zelar por todos os brasileiros, já figuraram citações pessoais “absurdas”, segundo Villa. Na primeira Constituição republicana, de 1891, Benjamin Constant aparece em um artigo que determina que a casa dele (Constant já tinha morrido) iria virar museu, mas que, enquanto a viúva estivesse viva, ela poderia morar lá. “Não se faz isso em uma Cons­tituição. Existem leis menores que podem dar conta disso: é inaceitável”, comenta o historiador.

Saiba maisVeja as capas das constituições brasileiras e as datas da publicação
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Serviço: o livro A história das constituições brasileiras: 200 anos de luta contra o arbítrio, do historiador Marco Antonio Villa, é da editora Leya, tem 160 páginas e preço sugerido de R$ 34,90AbsurdosVeja algumas leis ordinárias que figuraram em constituições brasileiras:- Fixação de datas comemorativas de grande significado para os diferentes segmentos étnicos nacionais.- Limitação da taxa de juros em 12%. - Relação entre pais e filhos, tratando de cuidados e educação.- Definição sobre transporte coletivo gratuito para maiores de 65 anos.- Constatação de que a língua portuguesa é a oficial do Brasil.- Isenção de jornalistas, professores e escritores de pagarem Imposto de Renda.- Determinação de que o Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, seja mantido na órbita federal.
E os absurdos não param por aí. Na Constituição de 1934, se fala em um monumento a ser construído para o Duque de Caxias e até sobre renovação de aluguel; a de 1946 resolve promover o coronel Mascarenhas de Moraes e a de 1988 diz que é necessário proteger o desporto de criação nacional. “O que é isso? Futebol, vôlei e basquete não são. Será que é o futevôlei?”, questiona. “Nossas constituições viraram política de governo e, por isso, misturamos o grotesco à questões constitucionais.”

As constituições brasileiras estiveram muitas vezes deslocadas do Brasil real, segundo Villa, porque ignoraram, inclusive, a escravidão em um país escravocrata. Pior ainda é observar que em pleno Estado Novo (golpe de Estado) a Constituição de 1937 termina dizendo que ela só entraria em vigência após um plebiscito, que nunca existiu. “Temos uma esquizofrenia constitucional que começa desde a primeira Constituição (1824), quando dom Pedro I fechou a Constituinte de 1823 – porque ela estava limitando o poder do imperador – e ele acaba dizendo, no texto legal, que fez isso por amor à liberdade. Não se fecha uma Constituinte por amor à liberdade, se não para um golpe de Estado”, explica Villa.

Legalizações

Durante o regime militar, os militares usaram a Constituição para legalizar tudo e, inclusive, para permitir decretos secretos os quais até hoje não se sabe sobre seu real conteúdo. A primeira Constituição do Brasil teve nada menos do que 11 artigos para tratar da família real e sua dotação e apenas 14 artigos para o Judi­ciário. “Nunca tinha visto uma reclamação constitucional dentro de um artigo da Constituição, mas o imperador faz justamente isso”, comenta Villa. Dom Pedro I diz que “a dotação assinada ao presente imperador e a sua au­­gusta esposa deverá ser aumentada visto que as circunstâncias atuais não permitem que se fixe desde já uma soma adequada ao decoro de suas augustas pessoas e a dignidade da nação.” É literalmente uma reclamação salarial dentro da primeira Constituição brasileira.

Lei não prevê atuação de vice

No Brasil se adotou como praxe algo que não é resguardado por nenhuma Constituição ou lei complementar, mas que é aceito por todos. Quando o presidente da República viaja, o poder é transferido para o vice. Isso não está na Constituição e, o que é pior, não há respaldo legal/jurídico para esta prática. A única questão que existe é que, se o presidente se ausenta do seu país por mais de 15 dias, ele deve pedir autorização ao Congresso Nacional. Mas não há nada que discorra sobre essa transferência de poderes.

“Isto começou nos anos 50 com o então presidente Jus­celino Kubitschek, quando ele viajou e deixou o poder ao vice João Goulart. Depois, Jango assumiu a Presidência e, quando também saiu do país, transferiu o poder à Câmara porque não tinha um vice. Trata-se de uma tradição informal”, afirma o historiador Marco Antonio Villa. O que aconteceu em decorrência desta praxe é uma situação esquisita: temos até hoje um presidente assinando decretos como presidente em exercício e outro fora do país assinando acordos e tratados. “Somos um país tão exótico que ninguém fala nada. Mas isso não deveria ser tratado com naturalidade”, diz Villa.

República no "Entre Aspas" (2)

Segue link do programa:
http://g1.globo.com/videos/globo-news/entre-aspas/t/todos-os-videos/v/brasil-faz-122-anos-de-republica-mas-nao-tem-muito-a-comemorar/1697918/

Falando da República na Rádio Estadão/ESPN

Segue link da entrevista realizada hoje tratando da Proclamação da República:
http://radio.estadao.com.br/audios/audio.php?idGuidSelect=E5935D06B42247729A91E9A46B2D7F0F

República no "Entre Aspas"

Hoje às 23 horas participo do programa "Entre Aspas" da Globo News. No programa (com o jurista Dalmo Dallari) o tema é a República e o Brasil de hoje.

Discutindo a república

Do blog de Míriam Leitão, respondendo, com outros colegas,a pergunta: De que a República brasileira precisa?

OPINIÃO
Do que a República brasileira precisa?
Entre erros e acertos, a República brasileira, que completa amanhã 122 anos, avança. Há muito do que se orgulhar, mas há outros fatos que nos embaraçam quando olhamos essa senhora centenária que, perto de outras repúblicas, é até jovem. E do que ela mais precisa?

Cientistas políticos, professores e economistas responderam à pergunta feita pelo blog. Entre outras coisas, eles pedem mais ética, igualdade, valores democráticos, ou seja, mais república. Os comentários podem ser lidos abaixo.

E qual é a sua opinião?

Marco Antonio Villa, historiador, professor da Universidade Federal de São Carlos:

Continuo aguardando a proclamação da República. Em 1889, ela foi somente anunciada. Não há República sem valores republicanos sendo colocados em prática, diariamente, pelos gestores públicos.
A ética virou mercadoria escassa, escassíssima. A demanda cidadã excedeu em larga escala a oferta desta "mercadoria" pelos gestores da "res publica". Como no reino do absurdo, comemoramos um feriado de algo que não houve.

Isabel Lustosa, cientista política, historiadora:

O que a República Brasileira mais precisa é que suas classes mais abastadas criem um sentido de pertencimento ao povo brasileiro, uma consciência de que seu destino está definitivamente ligado ao dele. De que quanto melhor for a vida de todos, melhor será para a imagem do país e para a delas mesmas.

De que sejam capazes de abrir mão de parte de sua riqueza destinando-as a projetos sociais, educacionais e culturais que beneficiem as crianças, os jovens e os velhos carentes.

Maria Celina d’Araújo, cientista política da PUC-Rio:

Precisa do sentido de igualdade, de equidade, de princípio de justiça, de uma justiça acessível e eficiente. De mais controle na administração pública e mais transparência.

De uma reforma fiscal para que os impostos se tornem menos regressivos. De educação de qualidade para todos e valorização dos professores. Não precisa de mais leis; mas cumprir as muitas que já temos.

Claudio Salvador Dedecca, professor do Instituto de Economia da Unicamp:

Estabelecer, de fato, a República, com a universalização de direitos.

José Pastore, professor da Faculdade de Economia da USP:

O que mais falta no Brasil são instituições de boa qualidade. Com raras exceções (Lei da Responsabilidade Fiscal), as nossas instituições, no intuito de proteger, criam fortes desigualdades.

Exemplos: Dos 100 milhões de brasileiros que trabalham, a CLT protege apenas a metade. A outra metade é desprotegida. No seguro desemprego, os 20% mais pobres recebem apenas 3% dos seus recursos. O restante é apropriado pelos não pobres.

Na Previdência Social, os 20% mais pobres ficam com apenas 7% do que o País gasta com aposentadorias e pensões. O restante vai para os não pobres.Tudo isso é garantido por leis de má qualidade.

Mais um exemplo gritante: É a lei que proíbe cobrar dos alunos que cursam universidades públicas (vejam o caso da USP), sabendo-se que os estudantes de classe média alta pagam escolas secundárias e cursinhos caríssimos para usufruir da gratuidade naquelas universidades.

Em suma, para sermos uma república verdadeiramente democrática, precisamos melhorar muito a qualidade de nossas instituições com mais justiça e menos populismo.

Antônio Buainain, professor do Instituto de Economia da Unicamp e atualmente professor visitante na Universidade de Alcalá, Espanha:

O Brasil precisa de uma República republicana, na qual as instituições do Estado sejam fundalmentente guiadas pela lógica da "res publica" e as pessoas se comportem como cidadãos.

A história das constituições brasileiras (IV)

Segue a entrevista de hoje para "O Globo":

‘Ainda vivemos numa infância constitucional’, diz historiador

Em livro, Marco Antonio Villa analisa todas as Constituições que país já teve
SÉRGIO ROXO
Publicado:
12/11/11 - 12h47
Atualizado:
12/11/11 - 13h04


Marco Antonio Villa está lançando o livro "A História das Constituições do Brasil"
MICHEL FILHO / AGÊNCIA O GLOBO
SÃO PAULO - O escritor Machado de Assis permanece atual e o Brasil ainda vive a sua "infância constitucional". Essa é uma das conclusões do historiador Marco Antonio Villa, que lançou semana passada seu novo livro, "A História das Constituições do Brasil", pela editora Leya. A obra analisa as sete Constituições que o país teve desde sua independência, em 1822.
— Como diz o Machado de Assis, ainda vivemos numa infância constitucional. Temos um problema terrível. Os direitos das Constituições nunca foram efetivamente implementados — diz Villa, em referência ao livro "O velho Senado", em que Machado relata sua estreia no jornalismo político, em 1860.
Para Marco Antonio Villa, há características em comum entre todas as Constituições:
— Prolixidade, detalhismo e uma dissociação entre o Brasil da Constituição e o real — diz o autor, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Nas 156 páginas, Villa apresenta embates políticos, conflitos e costumes que marcavam a sociedade brasileira na época da promulgação das Constituições, desde a primeira em 1824, ainda no Império, até a atual, de 1988. Cada uma das Cartas ganhou um capítulo.
Em linguagem direta e objetiva, o historiador destaca as curiosidades dos textos. Foi ao se deparar com o que chama de "absurdos" das Constituições em pesquisas para livros anteriores, como "Jango, um Perfil" e "Canudos, o Povo da Terra", é que quis se debruçar por um ano sobre todas as Cartas.
A de 1891, a primeira da República, estabelece, por exemplo, que Dom Pedro II teria direito a uma pensão, de que depois o próprio acabou abrindo mão. Também determina que o Estado iria adquirir a casa onde viveu Benjamin Constant, um dos articuladores da República, e instalar ali uma lápide. Diz ainda que a viúva de Constant poderia viver lá até morrer:
— Isso não é coisa para estar em uma Constituição.
Para ele, a principal característica dos textos constitucionais até 1967 foi o autoritarismo.
— As constituições acabam limitando as liberdades e dando imenso poder ao Estado, especialmente a partir dos anos 30 — diz Villa.
Já a Constituição de 1988, para ele, mudou esse cenário:
— A Constituição de 88 muda a história nacional. Ela concede amplos direitos, essa relação Estado X sociedade civil é refeita. Muitos dos problemas de hoje não são culpa da Constituição. São culpa do exercício dos Poderes.
"Sem dúvida a melhor das constituições brasileiras", a Carta de 1988, na visão do historiador, ajudou a consolidar a democracia.
— Se fosse colocar uma data na democracia brasileira, seria 5 de outubro de 1988, quando a Constituição foi promulgada. Não tem mais esse Estado que oprime a sociedade. Mas foi a constituinte mais longa do mundo ocidental dos últimos 50 anos.
Até março, 67 emendas constitucionais aprovadas
De acordo com Villa, os demais problemas passam pelo detalhismo e pela extensão do texto: são 250 artigos.
— A Constituição tem esse defeito, de querer interferir excessivamente na vida do cidadão, querer normatizar tudo. A Constituição tem que dar princípios básicos. A normatização vai se dar por leis, decretos etc.
Até março deste ano, 67 emendas constitucionais haviam sido aprovadas.
— A Constituição americana teve até hoje 27 emendas, sendo que dez foram aprovadas em 1791 com a declaração dos direitos. De lá para cá, foram apenas 17 emendas.
O último dos capítulos do livro do professor da UFSCar é dedicado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a corte responsável por zelar pelo cumprimento da Constituição.
— O Supremo tem uma enorme dificuldade em ser um tribunal constitucional. Nunca conseguiu ser efetivamente um defensor do cidadão. Está amarrado a interesses corporativos e ao Executivo — diz o professor.
Villa acredita que a forma de nomeação deveria ser discutida e destaca na obra que, na história republicana, o Senado, que tem esse poder, nunca rejeitou um nome indicado pelo presidente para a Corte.
Mesmo com os problemas da Constituição em vigor, o historiador é contra uma revisão, como proposta recentemente pelo PSD, o novo partido do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.
— Revisão é golpe. É abrir campo para a perpetuação no poder. Sou radicalmente contra — afirma.

http://oglobo.globo.com/pais/ainda-vivemos-numa-infancia-constitucional-diz-historiador-3221950

A história das constituições brasileiras (III)

Hoje, em "O Globo", tem, no caderno de Política, uma entrevista minha tratando do livro "A história das constituições brasileiras".

A história das constituições brasileiras (II)

Segue link da entrevista para o Programa do Jô:
http://programadojo.globo.com/platb/programa/2011/11/10/marco-antonio-villa-comenta-historia-das-constituicoes-brasileiras/

A história das constituições brasileiras

Nesta quinta-feira, dia 10 de novembro, Jô Soares entrevista Alcione, Rodrigo Penna e Marco Antonio Villa.

A cantora Alcione comemora seus 40 anos de carreira numa turnê . Para a comemoração, um novo show intitulado “Duas Faces” e o lançamento de CD e DVD.

Rodrigo Penna é ator e iniciou a carreira aos 8 anos de idade. Na adolescência participou de novelas como Top Model e Vamp. Hoje é idealizador e DJ do Bailinho, a festa mais badalada pelas celebridades no Rio.

O historiador, com mestrado em sociologia e doutorado em história social, professor da Universidade Federal de São Carlos (UfsCar), Marco Antonio Villa, lança “A história das constituições brasileiras – 200 anos de luta contra o arbítrio” , um apanhado da história das diversas constituições do nosso país.

Discutindo a invasão da Reitoria e o ME

Segue link do Jornal das Dez da GloboNews:
http://g1.globo.com/videos/globo-news/jornal-das-dez/t/todos-os-videos/v/movimento-estudantil-brasileiro-perde-forca-nos-ultimos-anos/1689834/

Debate em São Carlos

No próximo dia 9 (quarta-feira) às 19 horas no Centro do Professorado Paulista à rua Lúcio Rodrigues, 11, Vila Prado, em São Carlos, participo do debate: "Mudar o Brasil: tarefa dos democratas", organizado pela Fundação Astrojildo Pereira.

Presidencialismo de transação

Estou republicando este artigo que saiu na Folha de S. Paulo em 23 de julho deste ano. Mantém a atualidade. A crise no Ministério do Esporte e a forma como o governo respondeu às gravíssimas acusações de corrupção na pasta, reforçam a tese central do artigo.

Presidencialismo de transação:: Marco Antonio Villa

FOLHA DE S. PAULO

A presidente Dilma anunciou que vai moralizar a alta administração pública. Boa notícia, mesmo que tardia. Afinal, herdou do antecessor essa forma de governar.

E já está com mais de um semestre como titular, ainda que eventual, da Presidência da República. Até agora, falou mais do que fez.

Tomou decisões, mas voltou atrás. Gritou, ameaçou, mas, de concreto, pouco fez no combate a uma das maiores mazelas do Brasil, a corrupção. Brigar com o PR e mostrar pulso firme com políticos de pouco brilho, mas muita esperteza, é fácil.

E se o PMDB controlasse o Ministério dos Transportes? E, ainda, se o ministro fosse um afilhado do senador José Sarney, o comportamento de Dilma seria o mesmo?

Evidente que não. Mostrar firmeza e compromisso público com a honestidade e com a eficiência é o mínimo que se espera da presidente. E que estenda aos outros ministérios as mesmas exigências (são para valer?), inclusive aqueles controlados pelo PT.

O PR virou o inimigo público número um. Numa espécie de catarse coletiva, agora é a sua vez, como já aconteceu com Renan Calheiros, José Sarney, Antonio Palocci e tantos outros. São revelados negócios pouco republicanos, nepotismo, obras inacabadas, um sem número de mazelas.

Alguns dos denunciados são nossos velhos conhecidos. Até poderiam estar em algum edifício público mais insalubre do que o do Congresso Nacional.

Os "republicanos" são peixes pequenos. Representam o baixo clero.

Não tomam parte nos debates parlamentares. Sobrevivem nas sombras. Seus momentos de glória ocorrem quando o governo, numa votação importante, necessita do seu apoio. Aí destilam o amargor, reclamam do esquecimento.

Mero teatro mambembe. Sabem que não têm condições de participar do cotidiano da vida parlamentar. Não estão lá para isso. Querem fazer caixa. E só.

Dilma prefere governar com o PR e asseclas que buscar debate aberto com todas as forças parlamentares.

Considera mais fácil e menos trabalhoso adquirir apoio político que obtê-lo no enfrentamento democrático entre governo e oposição. Tal método, consagrado por seu antecessor, empobrece a política e desmoraliza a democracia.

A estratégia de manter uma base heterodoxa e politicamente invertebrada, formada por 15 partidos, acaba gerando, a todo instante, crises de governabilidade, diversamente do que afirmam os defensores deste presidencialismo de transação. O país fica paralisado (e horrorizado, com razão) com as denúncias, e o debate político da conjuntura e do futuro do Brasil desaparece de cena.

A recorrência desse comportamento tem prejudicado o crescimento da economia e o combate aos graves problemas sociais.

Uma base tão ampla e sustentada só pela partilha da máquina do Estado acaba produzindo ineficiência administrativa, corrupção e perda (por falta de planejamento e quadros burocráticos capazes) de excelentes oportunidades, como os momentos de bonança da economia internacional, de 2003 a 2008, durante o governo Lula.
As Presidências petistas optaram por suprimir o debate político, garantindo folgada maioria parlamentar. Sem nenhuma ousadia, instalaram um modelo caracterizado por taxas anêmicas de crescimento econômico (e até negativa, como em 2009), por base de perfil neocolonial (60% das exportações são do setor primário) e por um distributivismo de viés conservador.

Dessa forma, não causa estranheza a companhia do PR e de seus métodos administrativos pouco convencionais como sócio deste projeto antinacional.

Marco Antonio Villa é historiador e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).