Entre aspas

Hoje, às 23 horas, participo do Entre Aspas na GloboNews.

Ele voltou

Este artigo foi publicado hoje em "O Globo".


Ele voltou.

Em 1928, no México, foi assassinado o presidente eleito Álvaro Obregón. O assassinato gerou grave turbulência política. Obregón já tinha exercido a Presidência nos anos 1920-1924. A Constituição de 1917 proibia a reeleição mas não o retorno ao poder após um interregno. O presidente em exercício, Plutarco Elias Calles, administrou a crise, elegeu outro sucessor e se transformou no dirigente de fato nos anos 1928-1935. Esse período da história mexicana ficou conhecido como "maximato", ou seja, Calles, considerado o "chefe máximo da revolução", era o dirigente de fato do governo. Este domínio terminou quando Lázaro Cárdenas, seu afilhado político, eleito presidente em 1934, no ano seguinte rompeu com seu mentor.
A crise do governo Dilma Rousseff e o retorno de Lula ao primeiro plano da cena política nacional é o nosso maximato. Lula teve de assumir o posto de presidente de fato, pois a presidente perdeu o controle da situação. Era esperado que isto fosse acontecer mas não tão cedo, com menos de cinco meses de governo. A inexperiência política da presidente era sabidamente conhecida. Antes de 2003, nunca tinha exercido qualquer cargo de importância nacional. Desconhecia os meandros de Brasília, além de não saber negociar, conviver com a diferença e com opiniões contrárias. Foi formada em outro mundo e outra época. Para ela, ainda deve valer o centralismo democrático, a forma stalinista de administrar, que trata qualquer opinião contrária como crime ou traição.

Quando foi ministra das Minas e Energia, ou mesmo na Casa Civil, pouco fez política. Outros ministros exerceram esse papel ou o próprio presidente Lula foi o articulador do governo. Sabedor desta dificuldade, Lula escolheu a dedo o chefe da Casa Civil. Antonio Palocci seria uma espécie de primeiro-ministro e encarregado dos contatos políticos com o Congresso Nacional e com os representantes do grande capital. Contudo, Palocci se encastelou no governo e pouco apareceu. De início foi considerado que era uma atitude de esperteza política, que estava articulando nas sombras. É a velha prática brasileira de encontrar qualidade onde há nulidade. O silêncio de Palocci foi entendido como estratégia e não como a mais perfeita tradução de alguém que não tem a mínima capacidade para o exercício do cargo. E para piorar surgiram as denúncias das consultorias pagas a peso de ouro.

A confusão ficou maior quando a articulação no Congresso Nacional demonstrou sua fragilidade. O pesado líder do governo deixou de realizar o papel de elo entre a base e o Planalto. Ficou cuidando dos seus interesses partidários. O ministro da Articulação Política é absolutamente inexpressivo (a maioria dos parlamentares sequer sabe o seu nome). Dada a sua fragilidade, estranho é que tenha demorado tanto tempo para que ruísse o esquema político organizado por Lula no final do ano passado.

O mais curioso é que a crise nasceu no interior do próprio governo. Ou seja, não foi provocada em nenhum instante pela ação oposicionista. A oposição continua desarticulada, politicamente dividida e omissa. A divisão ficou mais uma vez demonstrada na convenção do PSDB. O governo até recebeu um alento, pois a reeleição de Sérgio Guerra à presidência do partido indica que a oposição peessedebista continuará tímida, quase envergonhada, sem representar perigo. O Brasil desafia a teoria política: para o governo, o problema não é a oposição mas o próprio governo.

Como contentar o PMDB? Cedendo espaço na máquina governamental que possibilite bons negócios. Rentáveis para efeito privado e péssimos para o interesse público. O governo postergou, até o momento, a partilha do butim, não pela defesa da moralidade pública. Longe disso. Está testando o partido para ver até que ponto é possível negociar. Outra dificuldade é o relacionamento com o grande capital. Aí é briga para gente grande. Não é meramente para controlar alguma licitação de compra de remédios ou de alguma estrada. Representa desenhar o futuro econômico do país, estabelecer o relacionamento dos fundos de pensão com as grandes empresas e bancos, apontar para onde deve seguir o processo de acumulação capitalista. É uma disputa dentro do PT. O antigo partido socialista hoje é o partido das grandes corporações. Daí o número de consultores petistas. De uma hora para outra, todos viraram especialistas em capitalismo.

O mais estranho é que o país segue seu ritmo normal. Como se voasse com piloto automático. Até certo ponto, a economia vai bem. Segue no vácuo do que já foi feito. Isto tem um limite. Já está no momento de traçar novo rumo. Mas como iniciar esta discussão se o governo mal consegue administrar suas contradições?

Dilma vai precisar demonstrar que comanda. Pura encenação. Coisa de ópera bufa. Nos próximos dias assistiremos à presidente em várias reuniões. Veremos também (ah, a importância das imagens...) ela, séria, numa reunião ministerial; sorrindo, quando encontrar a liderança do PMDB. Mas a crise vai continuar. Palavras não substituem as ações.

E Lula? Depois que reassumiu informalmente o governo, vai permanecer como o poder atrás do trono. Não vai se imiscuir nas questões do varejo político. Vai atuar no atacado, valorizando (como gostaria de dizer nas suas célebres metáforas futebolísticas) o seu passe. E preparando calmamente o seu retorno ao Palácio do Planalto. Já deve ter jornal preparando a edição especial do dia 1º de janeiro de 2015. A manchete? Também já está pronta. Em letras garrafais, no alto página, estará escrito: "Ele voltou."

Marco Antonio Villa é historiador.


Republicando "A farsa de Collor"

Já publiquei este post em janeiro. É um artigo que foi publicado na Folha de S. Paulo de 17 de março de 2007. Hoje, José Sarney, retirou o painel que contava a história do impeachment de Collor. Disse que este fato não deveria ter ocorrido. Lamentou. Sabemos que Sarney é um pústula mas, forçoso reconhecer, ele se supera.


Segue o artigo;

A farsa de Collor

MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

NA ÚLTIMA quinta-feira, o Senado Federal protagonizou mais um triste espetáculo. O senador Fernando Collor foi à tribuna e discursou por mais de três horas. Foi aparteado diversas vezes, sempre com rasgados elogios. Chorou, assim como outros senadores choraram.
Se um estrangeiro estivesse assistindo à sessão e desconhecesse a história recente do Brasil, poderia imaginar que o senador alagoano teria sido vítima de um processo cruel, de uma injustiça sem tamanho. Ledo engano.
Collor foi impedido de continuar na Presidência da República não por algum artifício das elites, mas por ter ferido gravemente a ética republicana. Depois de uma CPI -e com um presidente, Benito Gama, que era do PFL, partido que apoiava o governo- foi pedido o impeachment por uma ampla gama de entidades da sociedade civil, lideradas pela OAB e pela ABI, sem esquecer a participação do movimento estudantil, que liderou inúmeras passeatas pelo Brasil. A Câmara dos Deputados aprovou o impeachment por 441 votos a favor e apenas 38 contra. No Senado, foram 76 favoráveis e cinco contra. De acordo com pesquisa do Datafolha, pouco antes do impedimento, 84% da população considerava o governo ruim ou péssimo.
Portanto, o resultado do processo não foi uma armadilha da elite contra o presidente dos "descamisados", mas produto de dois anos e meio de um governo desastroso e que já tinha anunciado seus "métodos de trabalho" quando, às vésperas do segundo turno da eleição presidencial, em dezembro de 1989, levou ao horário eleitoral gratuito uma ex-namorada de Lula que o acusava de ter sugerido um aborto, depoimento que foi decisivo para a vitória de Collor.
Logo ao assumir congelou todos os ativos financeiros, infelicitando a vida de milhões de brasileiros e arruinando a vida de milhares de pequenos poupadores. Fez dois planos de estabilização econômica que fracassaram redondamente. A inflação em 1990 foi de 1.198%, no ano seguinte "caiu" para 481% e em 1992 chegou a 1.157% . O crescimento do PIB foi negativo em 1990 (4,3%), quase nulo no ano seguinte (0,3%) e voltou a ser negativo em 1992 (0,8%).
Se os resultados econômicos foram péssimos, pior ocorreu com a ética republicana. Desde a posse foram surgindo na imprensa diversas denúncias de corrupção. Com o passar dos meses, a figura sinistra de Paulo César Farias, ex-tesoureiro da campanha de Collor, se transformou em eminência parda de negócios nebulosos envolvendo empresas fornecedoras do governo federal. Em 1992, foi o próprio irmão do presidente, Pedro Collor, que denunciou um esquema de corrupção que supostamente envolvia PC Farias e Collor, motivo da abertura da CPI.
Vestir o figurino de republicano impoluto, buscar com os assessores citações de autores clássicos, comparar-se com outros presidentes (e com exemplos equivocados, como a "extradição" de Washington Luís), falar com voz embargada, tudo foi uma farsa. Como ensina o dicionário Houaiss: "uma ação ou representação que induz ao logro; mentira ardilosa, embuste".


A Convenção do PSDB (4)

O maior vencedor foi o governo. O partido está rachado e continuará rachado. Desta forma, não será adversário hoje ou em 2014. Tudo pode mudar, óbvio, mas a convenção foi um desastre. Isto se pensarmos na tarefa histórica de liderar a oposição. Do jeito que as coisas vão, a liderança do PSDB não lidera nem o seu próprio partido.


Em um momento de grave crise para o governo, o resultado da convenção do PSDB foi um sinal de alento. É o Brasil, triste Brasil.

A Convenção do PSDB (3)

Geraldo Alckmin também perdeu. O estranho é que não estava no centro da mesa, onde os fotógrafos e cinegrafistas dirigem a atenção. O governador do estado mais populoso e importante da federação, onde o PSDB governa desde 1995, e que nas 3 últimas eleições presidenciais derrotou o candidato do PT, não mereceu aparecer nos registros das imagens do evento. Foi posto de lado. Por quem? Por Aécio Neves, o derrotado nas 3 últimas eleições presidenciais em Minas. Foi um claro sinal de que para ele (Alckmin) as portas estão fechadas para um eventual vôo nacional em 2014.

A Convenção do PSDB (2)

O grande derrotado tem um nome: José Serra. Ele perdeu feio. Não conseguiu ser presidente do partido, não conseguiu colocar um aliado na secretaria geral, não (outro não) teve força política para ser eleito presidente do Instituto Teotônio Vilela (cargo de pouca relevância para um candidato que teve 44 milhões de votos e que ele desdenhou em fevereiro). Neste caso, o curioso foi que nos últimos dias ele lutou pelo ITV. E perdeu o Instituto para Tasso Jereissati (que- lembram-se? - , tinha encerrado a carreira política em outubro passado após ser derrotado para o Senado). Restou presidir o inexistente Conselho Político. Todo mundo sabe que este Conselho é para tucano ver, não vai existir. Não passou de uma manobra (primária) para dar a impressão que todos ganharam, inclusive Serra.

A Convenção do PSDB (1)

Se é possível falar de um ganhador, certamente foi o senador Aécio Neves. Articulou a permanência de Sérgio Guerra na presidência e manteve a secretaria-geral com um aliado. Os outros cargos são pura perfumaria.


O mais estranho (e bizarro) é que perdeu as 3 últimas eleições presidenciais no seu estado mas dá a impressão de ser um vencedor. Faz este papel porque não encontra quem queira realmente "peitá-lo".

Para o governo foi um resultado excelente. Sabe que Aécio é oposição light, que tem receio do embate, do enfrentamento.

A resposta de Moreira Franco

N'O Globo de terça-feira saiu uma matéria sobre o artigo "O estrategista tupiniquim", publicado na Folha de S. Paulo na segunda (23q05). Segue a matéria:


Assuntos Estratégicos em viagens e despachos

O Globo - 24/05/2011

Moreira Franco tem agenda "ociosa"
BRASÍLIA. Incorporado ao governo por imposição do PMDB, o ministro de Assuntos Estratégicos, Moreira Franco, mantém uma agenda pública que simboliza o esvaziamento do órgão criado para diagnosticar os desafios de longo prazo ao desenvolvimento do país. A lista de 28 dias em que a agenda oficial do ministro foi divulgada - recheada só por despachos internos ou viagens sem detalhamento - foi criticada pelo historiador Marco Antônio Villa, em artigo ontem na "Folha de S. Paulo".
No artigo, Villa afirma que Moreira teria dito, ao saber que assumiria a SAE, que seu interlocutor queria "tirar sarro" de sua cara, pois não teria perfil para a função. Moreira nega ter feito tal afirmação. O historiador ainda cita, como exemplos de "ociosidade" do ministro, seus constantes compromissos no Rio e a falta de agenda publicada até 26 de janeiro. Ele tomou posse em 4 de janeiro.

Moreira despacha do 9º andar do bloco O da Esplanada dos Ministérios, prédio ocupado também pelo Comando do Exército. Lá, mantém rotina de despachos com assessores, que tomaram conta da agenda de 16 dias úteis. Moreira também é um dos poucos do primeiro escalão que ainda não tiveram audiência particular com a presidente Dilma Rousseff desde a posse. O contato mais próximo com Dilma até agora foi na primeira reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), em 26 de abril, agora sob seu guarda-chuva.

a enxuta agenda pública, o ministro já registrou seis datas nas quais o único compromisso é "viagem ao Rio de Janeiro". Além das viagens a São Paulo e Roma, quando esteve ao lado do vice-presidente Michel Temer na beatificação do Papa João Paulo II.

Procurado, Moreira refutou as críticas de Villa. Disse que nunca se preocupou com o detalhamento da agenda publicada na internet e que, se for o caso, está disposto a fornecer diariamente para o historiador sua agenda de trabalho. Em documento, com o que seria sua agenda de fato, pontuou 39 compromissos ligados à área econômica; 14, ao desenvolvimento social; 11, aos assuntos de defesa; e cinco atividades do CDES, órgão ligado à Presidência do qual é o presidente.

Moreira Franco também disse que não publicou a agenda até o dia 26 de janeiro porque "sequer tinha assessoria de imprensa":

- Não há absolutamente nenhum tipo de má vontade, ou de discriminação ou de avaliação negativa. E não é o tipo de atividade que considero estranha. Acho importantíssimo que a gente tenha uma visão de futuro.

Tigre de papel



Lula não resiste - e atua como articulador político do Planalto

Menos de cinco meses após deixar o Planalto, ex-presidente já mergulha no dia a dia do governo

Adriana Caitano
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a bancada de senadores do PT em Brasília: encontro para discutir o caso Palocci

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a bancada de senadores do PT em Brasília: encontro para discutir o caso Palocci (Valter Campanato/ABr)

“Se na primeira crise simples já foi preciso chamar um ex-presidente para apagar o incêndio como se fosse bombeiro, é porque a situação é grave" - Marco Antonio Villa, historiador

Ao transmitir o cargo para Dilma Rousseff, no começo deste ano, Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que não se meteria no mandato alheio. Não foram precisos nem cinco meses, no entanto, para que o ex-presidente quebrasse a promessa e voltasse à ativa, assumindo o papel de articulador político - não em grandes questões nacionais, mas no dia a dia do governo. Na semana passada, ele mergulhou com gana na política miúda e reacendeu as preocupações surgidas na campanha presidencial, de que poderia se tornar, no mínimo, a sombra da presidente.

Nos últimos dias, Lula tem participado de reuniões com presidentes de partidos aliados, deputados e senadores governistas e levado recados a Dilma. A desculpa dos encontros é sempre a reforma política – o ex-presidente foi escolhido pelo PT para unificar as propostas do partido e divulgá-las publicamente para convencer a população e, consequentemente, os parlamentares. Durante as conversas, porém, ele tem assumido pessoalmente funções que vão de ouvir lamúrias e dar conselhos, a botar a mão na massa, estruturando a blindagem do encrencado ministro da Casa Civil, Antonio Palocci.

Na terça-feira, em conversa com senadores do PT, Lula destacou o apoio a seu ex-ministro da Fazenda, colocando-o como figura importante da qual a Presidência não pode prescindir. Pediu que os parlamentares da base fiquem unidos em sua defesa, o que Dilma não tem feito muito claramente, e listou argumentos para rebater as denúncias feitas contra ele. Por fim, afinou o discurso a ser repetido: não há mais nada a ser esclarecido e a culpa é de quem vazou as informações da empresa do ministro - no caso, a oposição. Lula então afirmou que um secretário da prefeitura de São Paulo, ligado ao PSDB, é o responsável pelo vazamento. A acusação foi reproduzida por governistas de todo o país.

Nesta quarta, em novo encontro com líderes da bancada governista na casa do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), o ex-presidente voltou a pedir que a imagem de Palocci seja fortalecida e ajudou a elaborar estratégias para adequar o Código Florestal aos desejos do governo. A decisão foi convencer Dilma a renovar o decreto sobre crimes ambientais, que venceria em 11 de junho, e dar mais tempo para que o Senado adapte o texto. “Ele pediu que nos entrosássemos mais para melhorar a relação do Congresso com o governo e fazê-los funcionar melhor”, relatou o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), que confirma o posto de articulador dado a Lula.

A função do ex-presidente também tem sido apaziguar os ânimos de parlamentares da base governista. Deputados e senadores reclamam do distanciamento entre o Planalto e o Congresso e da falta de contato com a presidente e o ministro da Casa Civil, que ainda não se deu ao trabalho de dar explicações pessoalmente aos parlamentares. Para completar, o grupo não se esquece de criticar a demora na distribuição dos cargos de terceiro escalão do governo. Após ouvir e palpitar, o ex-presidente tem levado toda a choradeira a Dilma em reuniões e telefonemas periódicos.

Tapando buraco - O ex-presidente ocupa um vácuo deixado no governo pelo afastamento de Dilma das negociações, a crise que envolve Palocci e a falta de capacidade do ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Luiz Sérgio, para exercer sua função de articulador. Com isso, acaba confirmando o temor de que seria uma presença extra-oficial no mandato de Dilma.

Para o líder do DEM no Senado, Demóstenes Torres (GO), o governo foi terceirizado. “O Lula já não pode ser chamado de ex-presidente, porque ele passou a dividir o poder com a Dilma, diante da omissão dela em gerenciar a crise política”, critica. “A Dilma virou o cavalo de santo dele – a entidade baixa nela e manda. Daqui a pouco ele vai poder nomear pessoas e seu poder vai só aumentando”.

O historiador e pesquisador da Universidade Federal de São Carlos Marco Antonio Villa avalia que a presença de Lula deixa clara a fragilidade política do governo de Dilma. “Se na primeira crise simples já foi preciso chamar um ex-presidente para apagar o incêndio como se fosse bombeiro, é porque a situação é grave", afirmou. "A presidente não soube conviver com a pressão nos primeiros cinco meses de mandato, imagina se houver uma crise forte de verdade.” Villa diz ser negativo para o país ter Lula, sem mandato, sem ser ministro nem exercer uma função diretiva oficial no PT, atuar institucionalmente no governo. “Nunca antes na história deste país isso aconteceu, aliás, como a jabuticaba, essas coisas só são vistas aqui mesmo”, ironiza Villa.

Apesar da promessa de não fazer declarações públicas nem conceder entrevistas até o final de junho, o ex-presidente anunciou seu retorno há cerca de um mês. Para uma plateia de metalúrgicos sindicalistas, deixou escapar que sentia uma “comichão” de tanta vontade de voltar ao poder. “Eu ainda não desencarnei totalmente do meu mandato de presidente, não é uma tarefa fácil”, confessou. "Eu estou com vontade de tudo, mas tenho que me controlar". Ao ver o governo de sua sucessora em apuros, Lula, mais do que rápido, perdeu o controle.


A história se repete

Este artigo foi publicado na Folha de S. Paulo em 10 de agosto de 2005. Era o momento do mensalão. Algumas questões tratadas, acho, são bem atuais.



TENDÊNCIAS/DEBATES

O que diria Florestan Fernandes?

MARCO ANTONIO VILLA

Hoje completa uma década da morte de Florestan Fernandes. O notável sociólogo percorreu um caminho que é um exemplo para os brasileiros. Já adulto, completou a sua formação pré-universitária por meio dos exames de madureza. Teve de abandonar os estudos no terceiro ano primário e só aos 17 anos de idade pode retornar à escola. Estudava à noite e trabalhava em dois empregos. Tinha tido uma infância dura. Sua mãe, empregada doméstica, criou sozinha o filho. Mesmo assim, o sociólogo nunca usou o passado para legitimar nenhuma posição política que adotou. Pelo contrário, foi um estímulo para enfrentar as dificuldades da vida.


Certamente estaria estarrecido com as denúncias de corrupção envolvendo a direção do PT e membros do governo


Nos livros, tratou da discriminação sofrida pelos negros, estudou os indígenas, lançou o olhar sobre o lazer dos dominados, discutiu a revolução no Brasil e na América Latina. Intelectual militante, encontrou no Partido dos Trabalhadores um conduto para a luta política. Foi eleito duas vezes deputado federal, em 1986 e 1990 (não concorreu à reeleição, em 1994, pois estava muito doente). Na Câmara, manteve a coerência e o rigor dos tempos da USP, de onde foi expulso pelo Ato Institucional nº 5 sob o silêncio complacente dos colegas.
Com presunção, reconheço, fico pensando: o que poderia escrever Florestan Fernandes sobre a grave crise que vive o PT, o governo Lula e a República brasileira? Certamente estaria estarrecido com as denúncias de corrupção envolvendo a direção do Partido dos Trabalhadores e membros do alto escalão do governo. Poderia considerar o PT como um novo partido da ordem, tal qual tantos outros, semelhante até nas formas dos desmentidos frente às denúncias: a falsa indignação, o choro e a defesa hipócrita dos valores republicanos.
Será que buscaria a origem do esquema de corrupção muito antes de primeiro de janeiro de 2003? Afinal, hoje constatamos que a direção do PT tinha um saber adquirido -que há muito transformava recursos públicos em partidários- proveniente, provavelmente, da experiência administrativa em gestões municipais, sindicatos e fundos de pensão de bancos e empresas estatais.
Dessa forma, a subtração planejada dos recursos públicos tem uma história -e de longa duração- que era desconhecida de muitos membros, simpatizantes e eleitores do partido.
Vez ou outra saía uma denúncia sobre desvios na aplicação dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, sobre uma prefeitura petista supostamente envolvida na compra suspeita de merenda escolar (como em Ribeirão Preto, na gestão Antonio Palocci), ou, ainda, sobre negociações nebulosas com os empresários de transporte urbano (caso de Santo André). Porém, logo tudo era esquecido sob o argumento de que a direita estava querendo desconstruir a imagem do partido e de seus dirigentes.
A amnésia petista também alcançou momentos importantes da sua história. Hoje é patética a defesa que seus parlamentares fazem do governo nas CPMIs. Quanta diferença em relação à CPI que levou ao impeachment de Fernando Collor! Diversamente de 1992, buscam desesperadamente filigranas jurídicas para desqualificar os depoimentos, quando não a própria truculência. Tudo em vão, pois, no dia seguinte, as denúncias são confirmadas. E ampliadas.
A desmoralização do PT, que terá um efeito eleitoral devastador em 2006, é muito maior que simplesmente o desmascaramento da sua liderança. Atinge o coração da democracia, pois desqualifica a ética como princípio basilar da vida republicana. Desmoraliza a política como espaço de participação popular e coloca na lata de lixo -ao menos momentaneamente- a idéia de mudança.
O partido é, hoje, um cadáver político. Não tem mais qualquer condição de reviver. Seus dirigentes vivem o ocaso. Logo serão lembrados como uma melancólica página da nossa história. Mas muito pior que tantas outras, pois durante 25 anos representaram um papel que ganhou ares de verossimilhança. Seus eleitores não imaginavam que, ao votar no partido, estavam dando carta branca para Delúbio Soares, Silvio Pereira e tantos outros.
Mas é necessário ir além: é chegada a hora de identificar no presidente da República a razão central da crise. A direção do partido foi eleita com seu apoio. São de sua inteira responsabilidade as nomeações de ministros e diretores de empresas estatais. A construção da base política do governo no Congresso Nacional, com farta distribuição de cargos, passou pelo gabinete presidencial. Lavar as mãos, fingir indignação ou imputar à elite uma conspiração para derrubá-lo reforça um comportamento político messiânico que, no limite, despreza as instituições democráticas do Estado de Direito.
São ridículas as tentativas de se afastar da crise política discursando para platéias escolhidas a dedo e se emocionando com sua biografia. O papel de herói de si mesmo se esgotou. Hoje, a pergunta central é se o presidente Lula teve participação direta neste processo ou se simplesmente concordou pela omissão. Os dois casos são contemplados pelo artigo 85 da Constituição Federal.

Palocci e o PSDB

Enquanto a situação de Palocci piora a cada dia (independentemente da improvável CPI no Senado ou da convocação para prestar esclarecimentos, o PSDB consegue reinventar a roda na política. Nas eleições presidenciais de 2002, 2006 e 2010, Lula (duas vezes) e Dilma venceram em Minas Gerais. Nas mesmas eleições, em São Paulo, Serra (2002 e 2010) e Alckmin (2006) venceram. Bem, a direção do partido deveria estar com os vencedores. Errado. A direção vai estar com os perdedores, ou seja, com Aécio. Daí que o governo poderá respirar tranquilo: desta oposição não virá chumbo grosso, pelo contrário, se facilitar logo farão algum elogio a Palocci.

O estrategista tupiniquim.


Saiu hoje na Folha de S. Paulo.


TENDÊNCIAS/DEBATES

O estrategista tupiniquim

MARCO ANTONIO VILLA


Caso o ministro Moreira Franco não esteja satisfeito com suas atribuições, deveria então ter a dignidade de pedir demissão do posto que ocupa


Quando foi avisado por um correligionário que seria o responsável pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Moreira Franco respondeu: "Quer tirar sarro da minha cara?". Foi sincero.
Ele nunca se interessou por planejamento estratégico, despreza o trabalho de reflexão sobre o futuro do Brasil e desconhece como outros países emergentes tratam a questão. Para o ministro, o que importa é que a SAE tem um orçamento pífio e não pode servir para abrigar seus aliados com cargos rentáveis.
Dentro da lógica do PMDB, do é dando que se recebe, a secretaria é uma espécie de "engana trouxa".
Tomou posse a 4 de janeiro, porém seu primeiro compromisso na SAE ocorreu somente 24 dias depois. No dia 26, seu primeiro dia de trabalho, foi ao Ipea às 10h e oito horas depois recebeu um deputado do seu partido. E só.
No dia posterior, uma quinta-feira, rumou para o Rio de Janeiro e só regressou na segunda-feira seguinte: é o que se chama de fim de semana prolongado em pleno mês de janeiro. Mas como absenteísmo é uma marca do ministro, no dia 31 só teve um registro na agenda: às 17h, "despachos internos".
Resumindo: em janeiro, ele esteve na SAE apenas dois dias. Em fevereiro, permaneceu em Brasília cerca de metade do mês.
Contudo, sua agenda -estafante para seu padrão de trabalho- ficou restrita a oito dias com somente "despachos internos", mas só pela manhã e começando às 10h.
Nos outros dias, recebeu parlamentares do PMDB e teve tempo, inclusive, para se encontrar com o ex-deputado Genebaldo Correa, um dos tristemente célebres anões do Orçamento. Há um registro até de uma audiência para um vereador de Engenho Paulo de Frontim, município do interior fluminense de apenas 13 mil habitantes.
Mas em dois meses de "trabalho" não realizou nenhuma reunião, mesmo que inicial, para analisar as questões estratégicas do Brasil, tarefa central da sua pasta.
Como um bom folião, resolveu antecipar o Carnaval. Despachou até as 15h do dia 1º de março. Depois rumou para o Rio de Janeiro.
Reapareceu no emprego no dia 10, certamente exausto, mas com apenas dois compromissos na agenda.
Horas depois, voou novamente para a antiga capital federal.
A ausência de atividades afeitas à pasta é evidente. Basta citar o dia 17 de março. Só há um registro: às 17h, compareceu à posse do presidente da Federação Brasileira de Bancos. O padrão de preencher a agenda com atividades absolutamente distantes da finalidade da SAE é uma constante.
No dia 10 de março anotou que, às 10h, fez os tais "despachos internos" e, às 21h, compareceu ao jantar comemorativo dos 45 anos do PMDB. Seria crível imaginar que, após três meses na SAE, Moreira Franco fosse finalmente assumir o seu posto. Doce ilusão.
No mês de abril, na maioria dos dias -isso quando esteve em Brasília-, registrou somente uma atividade na agenda. Em quatro meses, não foi recebido sequer uma vez pela presidente. Mas não perdeu a oportunidade de viajar para Roma e assistir à cerimônia de beatificação de João Paulo 2º (é uma atividade afeita à SAE?).
Caso o ministro não esteja satisfeito com suas atribuições, deveria ter a dignidade de pedir demissão.
Afinal, é muito importante para o país pensar e desenhar o planejamento estratégico para as próximas décadas, como faz a China (será que o ministro chinês, de uma pasta correspondente à SAE, tem a mesma agenda de Moreira Franco?). Mas, como estamos no Brasil, a ociosidade de Moreira Franco foi premiada: vai presidir o Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social). Mas para que serve o Conselhão?

Sociedade tem direito de cobrar ministro

Sociedade tem direito de cobrar ministro, dizem especialistas

Para eles, governante não representa só a si mesmo: ele deve se explicar a quem o paga para servir ao País

22 de maio de 2011 | 0h 00


Gabriel Manzano - O Estado de S.Paulo

O ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, "precisa, sim, vir a público e dar explicações sobre o espantoso aumento de seu patrimônio". A frase, da cientista política Celina Vargas do Amaral Peixoto, da FGV-Rio, resume a impressão dominante entre historiadores e cientistas políticos - ainda que, como ponderam alguns deles, o ministro não tenha nenhuma obrigação legal de revelar sua vida financeira.

Essa dispensa legal, adverte o historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), não representa grande coisa: "Legalidade e justiça, no Brasil, são coisas dissociadas". "Entre nós, a ética não está consolidada na política e a lei não é garantia de justiça", afirma. "Se o ministro ganhou em um ano o que não havia ganho a vida inteira, isso causa grande estranheza. Por isso mesmo, ele deve dizer à opinião pública que tipo de consultoria prestou, a quem, e por quanto dinheiro."

Celina Vargas, que entre 1998 e 2002 ajudou o governo a criar o Código de Conduta da Alta Administração - um texto de 19 artigos que impõe normas e limites ao comportamento de ministros e funcionários diretos da Presidência - lembra que a população "paga e dá sustentação ao governo". Portanto, "tem direito de "cobrar e saber o que se faz com o dinheiro dos impostos."

É a mesma cobrança que faz o filósofo Roberto Romano, professor da Unicamp, antigo estudioso de questões éticas da sociedade. "Um deputado não representa só o seu eleitorado, representa todos os cidadãos. Ouvir suas explicações nesses episódios é um direito da sociedade."

Razões de Estado. Romano vê uma explicação histórica para o atual modo de relacionamento entre Estado e povo no Brasil: "É a reiteração de um modelo absolutista que surgiu com o Estado moderno". Nesse modelo, o indivíduo vale mais no mercado se está ou esteve próximo do poder. Com ele veio o conceito da chamada razão de Estado, "e a razão de Estado é mentirosa e interesseira, e se dedica a esconder as coisas do País", diz Romano. "É um instrumento para separar o cidadão comum do operador do Estado."

Foi por perceber esse perigo - pois ele dá poder ao governante e enfraquece a sociedade - que as revoluções francesa, americana e inglesa "consagraram um grande princípio, o da accountability". "Ele exige que o político sempre preste contas ao cidadão", conclui o professor.

E por que esse tipo de episódio é tão frequente no País? Romano e Celina Vargas dão a mesma resposta, que se aplica a todo o mundo político: o lobby nunca foi devidamente regulamentado no Brasil e isso deixa um campo aberto entre o público e o privado, entre a política e os negócios. Assim, enquanto nos EUA e na Europa o lobista é uma profissão normal, com regras e punições, no Brasil o assunto jamais é definido em lei. "E o que se vê é a prática de um lobby selvagem, não profissionalizado", acrescenta Romano.

As "cláusulas contratuais de confidencialidade", que Palocci tem usado como grande argumento para não informar ao País os detalhes de seu trabalho como consultor, despertaram ironia do filósofo José Arthur Giannotti, da USP. Numa entrevista, na sexta-feira, ele resumiu: "Quando um cliente procura um político para uma consulta, deve saber que, de um momento para outro, pode ter sua confidencialidade exposta. Mas ele sabe que nada será dito. Isso é obvio, porque senão ele não precisaria procurar o político".



Pior

A cada dia piora a situação de Palocci. O governo quer empurrar a crise com a barriga. está difícil dar certo. Não tem nenhum feriado à vista, nem Carnaval. É a primeira crise de fato do governo Dilma.


Franklin Martins foi chamado. Mal sinal. Não para os acusadores, mas para Palocci. Ele está perdidinho da silva.

O governo deu quinze dias para que ele apresente às suas justificativas. Quinze dias, neste momento, é uma eternidade. Manobra vai falhar, é óbvio.

Todo mundo sabe que é, inicialmente, uma briga dentro do PT e dos "companheiros" ligados ao capital financeiro. Isto, agora, pouco importa. Muitas crises no Brasil começaram justamente desta forma, como, por exemplo, o mensalão.

A crise está em franca marcha. Claro que só falta uma pessoa para entrar na roda com comentários sempre brilhantes: ele, óbvio, Lula.

Palocci e a oposição

O fato se repete desde 2003. O fato político não foi criado pela oposição. O governo está numa situação extremamente difícil. Não é um ministro de pouca relevância política, como da Pesca ou Turismo. É o fiador da aliança com o grande capital financeiro, o que seria chamado no passado de "o homem dos trustes".


É muito provável que o "vazamento" tenha partido de adversários do Palocci de dentro do PT. E a oposição com isso? Ao invés de centrar fogo no governo desgastando seu ministro, ampliando o combate para outras áreas do governo, optou, em um primeiro momento, em defendê-lo indiretamente das acusações.

O PT faria isso? A oposição quer ser oposição?

Esta pode ser a primeira crise da presidência Dilma. Se juntar com a polêmica do Código Florestal e mais uma ou outra coisa, é muito para pouco mais de 4 meses de governo. Governo pode estar mostrando fragilidade. Este é o momento de atacar e ganhar politicamente alguns pontos.

Palocci e outros

Palocci está passando por um momento difícil. Mais do que ele, o problema é na coordenação política do governo (basta recordar o fracasso na votação do Código Florestal). Que tem a guerra interna do PT, todo mundo sabe. E parte dela é daqueles vinculados ao grande capital financeiro, como é o caso de Palocci.


Ele é politicamente inexpressivo. Fala obviedades mas criou uma sólida ponte com o grande capital. E estava nestes quase 5 meses de governo só ali na moita, meio que escondido. para ele, o silêncio é conveniente porque raramente tem algo relevante para dizer.

E a oposição? Tem de partir para cima. Não custa imaginar se o PT estivesse no seu lugar.

Até domingo, o mantra era: a oposição está em crise. Foi transferida a batata-quente para o governo. Não vai causar admiração se as revistas e jornais do fim de semana trazerem matérias do pessoal do outro lado, do outro lado do próprio PT. A "ponte" com o grande capital financeiro é bem rentável e não cabe todo mundo.

Pode ser que este episódio tire a oposição do marasmo e da eterna briguinha boba e estéril entre algumas lideranças.

Painel

Este é o link do Globo News Painel de hoje.

Globo News Painel

Estarei participando do Globo News Painel que vai ser exibido no próximo sábado às 23 horas e com reprises no domingo às 11 e 19 horas.

O quadro partidário.



Legendas brasileiras não têm ideologia
A maioria das siglas de esquerda caminhou para o centro e as conservadoras têm vergonha de assumir o posicionamento de direita que os últimos governos adotaram sem nenhum pudor
Jornal Opção
Marco Antônio Villa, professor e historiador: “O centro está
congestionado e não há alternativa à esquerda nem à direita”

Andréia Bahia

O novo partido do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, já nasce com o defeito da ambiguidade, próprio da maioria dos partidos brasileiros. O ex-governador Claudio Lembo, que deixou o DEM para ingressar no Partido Social Democrático (PSD), diz que a sigla surge como uma terceira via, entre PT e PSDB, um partido “levemente de esquerda”, na definição imprecisa de Kassab.

Mas os 12 princípios que estruturam a nova legenda e que foram apresentados no dia do lançamento da sigla pelo vice-governador de São Paulo, Afif Domingos, um liberal de carteirinha, se aproximam mais dos dogmas de centro-direita que de centro-esquerda. Entre eles, estão a defesa da livre iniciativa, da liberdade individual, o respeito aos contribuintes e do direito de propriedade e o respeito a contratos. Da plataforma da esquerda, apenas o apoio a programas voltados às famílias carentes.

Para justificar a escolha da sigla, o prefeito de São Paulo disse se tratar de uma homenagem ao desenvolvimentismo do presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976), que governou o País entre 1956 e 1961 e era filiado a um partido que tinha a mesma sigla.

Terceira via, levemente de esquerda, desenvolvimentista são conceitos que não dizem nada ideologicamente. O PSD nasce sem um matiz ideológico, sem identidade. Segundo o historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Marco Antônio Villa, o nascedouro do PSD é sui generis. “Normalmente, na história dos partidos políticos, reúne-se um grupo de pessoas, cria-se um programa político e, dali, forma-se um partido. No caso de Kassab é o contrário, ele vai formar o partido e depois o programa e isso mostra que o PSD é um partido de aluguel como tantos outras legendas brasileiras, sem ideologia e sem um projeto para o País.”

Assim como o PSB, legenda com a qual o PSD pretende se aliar ou fundir no futuro. A sigla significa Partido Socialista Brasileiro, mas a legenda não é de esquerda, afirma Villa. “Com exceção do PSol, não há partidos de esquerda no sentido clássico no Brasil.” O PCdoB, observa o historiador, há muito abandonou os preceitos comunistas. “Basta ver a atuação da sigla no Ministério do Esporte, marcada pela corrupção, e pela ligação com grandes empresários. Antigamente era o partido do trabalho, agora é do lazer, vive do Ministério do Esporte.”

O PSB, do governador de Pernambuco, Eduardo Campo, também é de centro. “Nem de centro-esquerda é”, afirma Villa. Ele lembra que o candidato a governador de São Paulo pelo PSB foi Paulo Skaf, presidente da Fiesp. “Imagina chamar o Skaf de esquerda.” Segundo o professor, PSB não tem proposta de esquerda e a maioria dos governadores da sigla eleita nos Estados do Nordeste é conservadora. “Em São Paulo, o deputado Gabriel Chalita nem sabe o que é esquerda.”

E nesse campo difuso do centro que se encontra a maior parte dos partidos brasileiros, inclusive o PT, afirma o professor. “O centro está congestionado e não há alternativa mais clara à esquerda, inclusive uma esquerda democrática, e, do outro lado, não existe direita no Brasil. Ninguém diz que o partido é de direita, como se direita fosse um palavrão.” Esse é um fenômeno brasileiro que não se repete nas democracias ocidentais, que têm partidos conservadores e nenhum político encontra problema em se assumir como conservador.

Segundo Villa, essa vergonha que acompanha a direita brasileira é resultado da vitória do discurso da esquerda, “que ganhou a luta ideológica sobre o passado e impôs que, para fazer política, era indispensável ser de esquerda”. No entanto, o historiador observa um paradoxo na prática política brasileira, que diz ser fundamental ser de esquerda para exercer a função política, mas utiliza para governar a agenda política da direita. “Grande parte da agenda política que está aí não é de esquerda, é conservadora, basta ver a política econômica adotada, de câmbio e de juros, que beneficia os grandes empresários.”

Na opinião de Villa, o Brasil dos últimos anos teve governos voltados para o grande capital, que nunca obteve tantos lucros. “Nunca na historia deste País, como diria uma certa pessoa.” O curioso, diz o historiador, é que a agenda é de direita, mas ninguém pode ser de direita. “Tem que dizer que é de centro ou, como disse Kassab, levemente de esquerda.”

A ideologia do PMDB “é saquear o erário, como realizar saque”, afirma Villa. O PT tem o mesmo posicionamento. “Só que o PT tem um discurso mais educado, mais fino, não é o saque de Renan Calheiros, que saqueia com nota falsa”, compara o historiador. O saque ao erário é a marca da base governamental, diz Villa. “Edison Lobão tem ideologia? José Sarney tem ideologia? Jader Barbalho tem? Não tem.” E é para fazer parte dessa base que Kassab vai criar o PSD, diz Villa. “Ele deixou implícito, no discurso, que quer ajudar a presidente (Dilma Rousseff) a fazer um grande governo e com isso está dizendo: nós vamos apoiar.” Com o desembarque do PSD na base, o historiador não vê a hora em que o barco do governo vai afundar. “São tantos os aderentes que não tem espaço para oposição.”

Os 44 milhões eleitores que manifestaram no segundo turno da eleição presidencial que gostariam que de ter outro tipo de presidente perderam a eleição e os representantes políticos, observa Villa. “É um número significativo, mas os partidos políticos brasileiros não atentaram para esse fato tão óbvio para todos”, lamenta o professor.

O DEM, que com a saída de Kassab vai se transformar em um partido nanico, se perdeu no trajeto liberal. Era a legenda que defendia a classe média, lutava contra os tributos e teve seu grande momento quando derrubou a CPMF. Mas, a partir dali, observa Villa, não conseguiu administrar a vitória e se transformar em um partido conservador clássico no sentido inglês. “Isso é ruim para a democracia brasileira, porque é bom ter um partido claramente conservador.”

Villa diz que a maior parte dos deputados é conservadora, mas os conservadores não têm candidato a presidente. Nas últimas eleições presidenciais a direita trocou uma possível derrota eleitoral por uma boa representação no Congresso. Nenhum candidato conservador forte disputou os últimos pleitos para presidente.

O PSDB não enfrenta dificuldades menores que o DEM na oposição. Além de sofrer com a crise interna que envolve grandes lideranças de São Paulo e Minas Gerais, a legenda tem dificuldade de construir um projeto para o País. “Algo que a identifique para o presente e para o futuro e não para o passado”, explica Villa. As lideranças tucanas não sabem dizer, por exemplo, em que o PSDB difere do governo petista e o que propõe para o Brasil porque o partido também vive sua crise de identidade. “Poderia tentar apresentar para o País uma agenda social-democrata, mas é difícil porque o Brasil tem características muito diferentes da Europa.” Segundo o professor, a crise do PSDB é tão grave que as principais lideranças chegaram a falar em refundar o partido.

Na Europa, os partidos políticos também estão em colapso. A velha perspectiva do comunismo e socialismo entrou em crise assim como o modelo social-democrata. “Hoje, há uma enorme dificuldade de construir uma proposta crítica do modo de produção capitalista, alguma coisa que mantenha o capitalismo sob uma perspectiva mais social”, observa Villa. O que, de certa forma, explica a uniformidade do discurso dos partidos. “O que difere são as lideranças, mas o discurso é muito próximo porque há uma enorme dificuldade de se tentar o novo.”

A falta de firmeza ideológica dos partidos políticos é lamentável, de acordo com o historiador, e geleia geral poderia ser moldada com a adoção da cláusula de barreira, pela qual a legenda teria que ter uma quantidade mínima de votos distribuída por um número mínimo de Estados. A medida reduziria o número de legendas para oito aproximadamente e obrigaria os políticos a se filiarem a partidos mais bem delineados ideologicamente. “Seria uma enorme revolução no País e os partidos de aluguel teriam vida curta, porém o Congresso aprovou, por incrível que pareça, mas o Supremo Tribunal Federal derrubou.” Villa acredita que em um futuro próximo o país pode chegar a ter mais de 30 siglas partidárias. “Estamos vivendo um dos piores momentos em termo de debate político da historia recente do Brasil porque quando se tem essa geleia geral o partido perde as características.” O que é ruim para o Brasil e para a democracia brasileira.

Em meio ao tédio da política...........

Este artigo foi publicado no Estadão em 6 de agosto de 2006. É um "diálogo" entre Euclides da Cunha e Monteiro Lobato.


A diferença é o tempo verbal

Uma conversa fictícia entre Euclides da Cunha e Monteiro Lobato sobre a política do Brasil de hoje

Marco Antonio Villa*


Euclides da Cunha e Monteiro Lobato foram dois intelectuais profundamente preocupados com o Brasil. Euclides viveu o período da propaganda republicana, o golpe militar de novembro de 1889 e os primeiros 20 anos do novo regime. Desiludido com a república, acabou morrendo assassinado em 15 de agosto de 1909. Foi um colaborador habitual d'O Estado de S. Paulo. Ficaram célebres especialmente as reportagens sobre a Guerra de Canudos, em 1897, com o título deDiário de uma expedição. As reportagens, além de uma breve estadia com a quarta expedição no cerco do arraial fundado por Antonio Conselheiro, foram fundamentais para a confecção do maior clássico brasileiro, Os sertões.

Monteiro Lobato foi não só um grande escritor, como também um batalhador incansável em defesa da exploração do petróleo. Era um nacionalista anti-estatista, espécie rara no Brasil. Acabou preso no Estado Novo pelos ataques que fez ao general Horta Barbosa, primeiro presidente do Conselho Nacional de Petróleo. Foi também um colaborador contumaz de O Estado de S. Paulo. Foi no Estadão que publicou os também célebres artigos Uma velha praga e Urupês, em 1914.

Euclides e Lobato, caso estivessem vivos, estariam certamente estarrecidos com a conjuntura política brasileira e a falta de perspectivas. Nesta entrevista imaginária, os dois comentam os dilemas do Brasil de outros tempos. A única alteração é no tempo dos verbos. A conversa começa com a discussão sobre a mania que temos de reformar sempre pelo alto, ignorando os fundamentos do Estado, daí passa pelo velho problema da burocracia, da falta de quadros políticos, do fracasso da elite e do nosso futuro.

- Como analisa as reformas políticas?
Euclides da Cunha: O espírito nacional reconstrói-se pelas cimalhas, arriscando-se a ficar nos andaimes altíssimos, luxuosamente armados. Os novos princípios que chegam não têm o abrigo de uma cultura, e ficam no ar, inúteis, como forças admiráveis, mas sem pontos de apoio; e tornam-se frases decorativas sem sentido, ou capazes de todos os sentidos; e reduzem-se a fórmulas irritantes de uma caturrice doutrinária inaturável; e acabam fazendo-se palavras, meras palavras, rijas, secas, desfibradas, disfarçando a pobreza com vestimenta dos mais pretensiosos maiúsculos do alfabeto.

- E a burocracia nacional, como vencê-la?
Monteiro Lobato: O governo que suprimir o Ministério da Agricultura e os casarões que ele ocupa, prestará ao Brasil um serviço tremendo. Um dia Nilo Peçanha, por capadoçagem, lembrou-se de criar aquilo - e nossas desgraças começaram. O parasita foi encorpando, foi emitindo tentáculos, foi imiscuindo-se em tudo - nas culturas, para atrapalhá-las, na criação de porcos, para burocratizá-la; na avicultura; na citricultura, na pomicultura; em tudo que diz respeito a extrair coisas do solo. A ‘assistência’ daquele parasitismo começava a embaraçá-lo seriamente. Depois a ‘assistência’ degenerou em ‘proteção’ - esse tremendo negócio de parasitas que acaba matando o parasitado.

- E o governo, como vai? E o presidente da República?
Monteiro Lobato: Os nossos estadistas dos últimos tempos positivamente pensam com outros órgãos que não o cérebro - com o calcanhar, com o cotovelo, com certos penduricalhos - raramente com os miolos. Daí o desmantelo cada vez maior da administração pública; daí a bancarrota, a miséria horrível do povo. A miséria é tanta em certas zonas, que a grande massa da população rural já está perdendo a forma humana.

Euclides da Cunha: O seu valor absoluto e individual reflete na história a anomalia algébrica das quantidades negativas: cresceu, prodigiosamente, à medida que prodigiosamente diminuiu a energia nacional. Subiu, sem se elevar - porque se lhe operara em torno uma depressão profunda. Destacou-se à frente de um país, sem avançar - porque era o Brasil quem recuava, abandonando o traçado superior das suas tradições...

- Temos uma elite política? E os nossos intelectuais, continuam em silêncio?
Monteiro Lobato: Somos um pântano com 40 milhões de rãs coaxantes, uma a botar culpa na outra do mal-estar que sentiam. Procuram soluções políticas, mudam a forma do governo, derrubam um imperador vitalício para experimentar imperantes quadrienais, fazem revoluções, entrematam-se, insultam-se, acusam-se de mil crimes, inventam que o pântano permanece pântano ‘porque há uma crise moral crônica’. O mal das rãs é julgar que sons resolvem problemas econômicos. Trocam o som ‘monarquia’ pelo som ‘república’, e trocam este som pelo ‘república nova’. Depois inventam sons inéditos - ‘reajustamento’, ‘congelados’, ‘integralismo’. O próprio das rãs é esse excessivo pendor musical, Querem sonoridades apenas. ‘Somos o maior país do mundo’. ‘Temos o maior rio do mundo’. ‘Nossas riquezas são inesgotáveis’, etc. Enchem o ar dessas músicas - e mandam o ministro da Fazenda correr Nova York e Londres de chapéu na mão a pedinchar dinheiro.

Euclides da Cunha: Apresentamos o quadro de uma desordem intelectual que, depois de refletir-se no disparatado de não sei quantas filosofias deceradas, nos impôs, na ordem política, a mais funesta dispersão de idéias, levando-nos aos saltos e ao acaso, do artificialismo da monarquia constitucional para a ilusão metafísica da soberania do povo ou para os exageros da ditadura científica. Para ainda agravescer a crise, os dois ideais da abolição e da República não requeriam mais as emoções estéticas. Resolvidos na ordem moral, estavam entregues à ação quase mecânica dos propagandistas. Estes precipitavam-nos com o desalinho característico da fase revolucionária das doutrinas, em que se conchavam as idéias e os paralelepípedos das ruas, e os melhores argumentos desfecham no desmantelo das barricadas investidas.

- E o povo brasileiro? O que devemos fazer?
Euclides da Cunha: Este país é organicamente inviável. Deu o que podia dar: a escravidão, alguns atos de heroísmo amalucado, uma república hilariante e por fim o que aí está - a bandalheira sistematizada. O melhor serviço a prestar-se nesta terra, no atual momento, consiste sobretudo na seriedade, que é uma forma de heroísmo no meio deste enorme desabamento....

Monteiro Lobato: A pátria (permanece) sempre naquele eterno mutismo de peixe. A ilusão do brasileiro é um caso sério. O mundo já na era do rádio, e o Brasil ainda lasca pedra. Ainda é troglodita. O Brasil dorme. Daqui (dos Estados Unidos) se ouve o seu ressonar. Dorme e é completamente cego.

Quase um mantra

No jogo, até o momento, em relação à eleição municipal paulistana na de 2012, o PT vence de goleada. O PMDB vai lançar Chalita. Dificilmente chega ao segundo turno. O PC do B vai lançar o sambeiro Netinho que, mais ainda, dificilmente chegará ao segundo turno. O PSD deve lançar candidato (Afif?). Desta forma, vai ter uma tremenda divisão de votos que tende a enfraquecer o candidato do PSDB, facilitando a vida do PT (que deve ter Marta como candidata). E para piorar, o PSDB não tem um nome forte. E mais ainda: o governo federal vai entrar com tudo na eleição. Para o PT vencer em SP é um espécie de ensaio geral para conquistar a jóia da coroa, o governo estadual paulista.

A semana

A renovação das direções do PSDB agitou um pouco a semana. os outros partidos de oposição estão tentando achar o rumo. Até o final deste mês, o panorama oposicionista deve ficar mais claro.


Do lado do governo, administrativamente a coisa vai mal. Paradoxalmente, politicamente tudo corre bem. É o Brasil, sempre surpreendendo o mundo.

O controle do Estado

Este artigo foi publicado na Folha de S. Paulo em 11 de agosto de 2004. Voltamos ao mantra: nada mudou. O governo continua usando do Estado como instrumento de propaganda partidária, como no episódio recente dos livros didáticos (denunciado no último domingo pela FSP).


TENDÊNCIAS/DEBATES

Mudanças que nada alteram

MARCO ANTONIO VILLA

Em 1899 , um republicano, desiludido com os rumos do regime, disse que a República tinha sido somente anunciada em 1889: a proclamação estava por vir; isso dez anos depois do golpe militar. Contudo mantinha ainda a esperança de que um dia tudo poderia mudar. Mais de cem anos depois, mudança continua sendo uma palavra mágica da política brasileira. Porém, quando parece que algo de novo vai ocorrer, as velhas práticas se mantêm e a frustração toma novamente conta do cidadão. É como se o sistema político estivesse blindado e impedisse que nascesse o novo dia: o amanhã é sempre o hoje.


Parece que foi abandonado o princípio republicano de gerir os recursos públicos com isenção, apartidarismo e probidade


O governo Lula mantém essa sina: a mudança anunciada transformou-se em conservação do que havia de mais arcaico, tanto na elaboração de políticas públicas, como no uso da máquina do Estado, nas alianças no Congresso Nacional com os régulos provinciais -como diria Joaquim Nabuco- e até no discurso dos seus ministros.
A bem da verdade, deve ser reconhecido que houve uma mudança: nunca na história republicana um presidente discursou tanto, inebriado pelo silêncio compassivo e o aplauso formal das platéias. Falou sobre tudo, da auto-estima dos brasileiros, passando pela falta de heróis nacionais, chegando até a dar lições de geografia (nem sempre corretas) aos norte-americanos sobre os países vizinhos do Brasil. Pena que, após os discursos, a realidade acabe se impondo: os ministros continuam inoperantes -inclusive os nomeados neste ano-, os programas sociais não saem do papel, o desemprego continua alto e assistimos (e vivemos), nas grandes cidades, uma verdadeira guerra civil. Enquanto isso, o presidente foi visitar o Gabão.
A sucessão de denúncias de uso da máquina pública é preocupante. Ora é a Embrapa, ora o Banco do Brasil, ora a máfia do bingo, ora...
Parece que foi abandonado o princípio republicano de gerir os recursos públicos com isenção, apartidarismo e probidade. Considera-se absolutamente natural que empresários financiem a reforma do Palácio da Alvorada, assim como não causa constrangimento a presença, na comitiva oficial que visitou a Ásia, do tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, um dos homens fortes da República.
Seguindo a mesma falta de princípios, Lula passou uma tarde inteira com o animador de televisão Ratinho -que, como deputado federal, fez parte da base política do governo Collor-, comendo churrasco, ao som de uma dupla sertaneja, recordando nessa atitude, infelizmente, os concertos domingueiros que eram realizados na Casa da Dinda. Entretanto, quando visitou recentemente Campinas, recusou-se a encontrar a viúva do prefeito Toninho.
A cruel adaptação ao meio político, esse darwinismo brasileiro, atingiu em cheio o PT. Criado para ser uma espécie de porta-voz dos movimentos sociais surgidos durante o regime militar, tinha um severo código de conduta para os candidatos e seus militantes. Recordem-se as enormes dificuldades financeiras das campanhas, que eram financiadas com rifas e pequenas doações. Vinte anos depois, tudo mudou, ou melhor, o PT adequou-se à velha política.
O caso de São Paulo é um bom exemplo. Para reeleger Marta Suplicy, o PT alugou 500 peruas Kombi, encheu a cidade de outdoors com a candidata rejuvenescida (tal qual sempre fizeram os candidatos conservadores nos seus cartazes), montou um sistema de arrecadação de fundos que permitirá realizar a campanha mais cara da história da cidade e contratou centenas de cabos eleitorais, chamados pelo partido de animadores de campanha. No dia 29 de julho, na Vila Maria, como informou esta Folha, vimos a primeira atuação desses "animadores". Aos gritos de "tá tudo dominado", criaram constrangimentos a um dos candidatos opositores, José Serra. Pelo visto, até as antigas palavras de ordem foram definitivamente arquivadas.
A gestão da prefeita foi cinzenta e conservadora, comparativamente à primeira administração petista, a de Luiza Erundina, que teve de conviver com conjunturas nacional e internacional extremamente desfavoráveis. Marta obteve confortável maioria na Câmara dos Vereadores -utilizando-se das barganhas, tão comuns naquela Casa, entregou aos vereadores aliados as subprefeituras, nomeou centenas de assessores, realizou obras desnecessárias (como o túnel da Faria Lima), mas bem ao gosto do eleitorado malufista, e abandonou áreas de interesse tradicional do partido, como educação, saúde e cultura.
Tanto na Presidência da República como na Prefeitura de São Paulo, as alianças políticas foram justificadas: eram indispensáveis para obter a governabilidade. Porém, em vez de criarem condições para um governo de esquerda -esse conceito, aliás, desapareceu do linguajar oficial do petismo-, acabaram, por um lado, fortalecendo as tendências internas mais conservadoras, sedentas por abandonar o velho figurino, e, por outro, empurrando os governos para o campo da centro-direita, tanto na esfera econômica como na esfera social.
Se o velho republicano estava desiludido com o novo regime, certamente milhares de petistas (e ex-petistas) estão decepcionados com os rumos do país e da maior cidade do Brasil.

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É preciso fazer política

Foi publicado hoje em "O Globo".


É preciso fazer política
MARCO ANTONIO VILLA


Se o país mantém sua economia em um ritmo razoável, que permite aprovação raspando, com nota cinco; a política vai muito mal. É curioso o descolamento da política em relação à economia. Lembra um pouco, guardadas às devidas proporções, o período do milagre brasileiro, durante o regime militar. E se a ausência da política - devido a repressão - acabou mostrando que sem discussão não há nenhum crescimento sustentável da economia (basta recordar a crise do milagre), o mesmo caminha para acontecer na Presidência Dilma.

A economia dá sinais de que o ciclo iniciado em 2005 deu tudo o que tinha de dar. Caminhamos, caso nada mude, para dar um grande salto para trás. Como em um jogo de ludo, devemos voltar para a "casa" 1994, antes do Plano Real. Gastos públicos sem controle, falta de um projeto econômico e inflação, combinado com taxas espasmódicas de crescimento.

O mercado está descrente. Recebe cada declaração do ministro Guido Mantega com a mesma confiança quando a ministra Zélia Cardoso de Mello dizia, no governo Collor, que tudo na economia estava caminhando bem. E quanto mais o governo insiste que a inflação está sob controle - desmentindo a realidade - maior a desconfiança.

Apesar da falta de rumo na economia, dos sucessivos escândalos - mantendo a média da Presidência anterior, diga-se -, da incompetência administrativa, da inexistência de uma política estratégica e de tantas outras coisas, a presidente Dilma governa absolutamente tranquila. Entregou para os oligarcas, sempre sedentos para saquear o Erário, rendosos cargos; usa e abusa do BNDES, oferecendo, como uma rainha absolutista, fortunas ao grande capital parasitário; soldou uma aliança com as grandes construturas - importantíssimas para financiar os partidos da base governamental, especialmente o PT - danosa ao interesse público, e cooptou as centrais sindicais, que foram adquiridas por um valor baixo, comparado ao que custou o apoio do grande capital.

Se durante o auge econômico do regime militar a repressão impedia a existência da política, hoje o quadro é distinto. A primeira diferença é que o país caminha a passo de tartaruga, a segunda - e mais importante - é que vivemos em um regime de plenas liberdades democráticas. Agora é o abandono da política que não possibilita uma saída para a economia. O mais incrível é que o governo agrega apoio não pela sua competência política ou econômica, mas pela recusa consciente da oposição ser oposição. O mérito, portanto, não é produto da eficiência da presidente. O problema da oposição reside nela própria.

Fernando Henrique Cardoso escreveu um longo ensaio propondo a discussão pública dos rumos da oposição. Como, especialmente, o PSDB, seu partido, recebeu o desafio? Negando-se a discuti-lo. O autoproclamado líder da oposição parlamentar, Aécio Neves, disse: "Vejo o futuro da oposição numa ótica mais otimista." Pela declaração é possível concluir que o senador não leu o ensaio. Ou confundiu o tema com um livro de autoajuda. O mais triste é que ele se julga, desde já, o candidato oposicionista à Presidência em 2014. Como? O que pensa sobre o Brasil? Consegue debater seriamente os principais pontos do ensaio do ex-presidente? A resposta é óbvia: não. Ele é a mais fiel representação do primarismo da oposição brasileira: personalista, vazia de ideias e pouca disposta a combater o governo.

O desafio para qualquer oposição em um regime democrático é ter votos. A oposição brasileira, no segundo turno, teve 44% dos votos válidos. Isso após uma campanha errática e despolitizada. O problema, portanto, não é ter votos. A oposição tem - e muitos. A questão é outra: quer agir como na República Velha, garantir um canal privilegiado com o governo e só no momento eleitoral se apresentar para os eleitores. Essa estratégia pode até dar certo, mas na esfera estadual e onde não existe debate político. No campo federal está fadada ao fracasso.

Em meio a este vazio, os eleitores oposicionistas mais politizados ficam sem saber para onde ir. Não têm representação partidária. Seus representantes no Congresso Nacional estão silenciosos. Como explicar que o senador mais votado do Brasil, Aloysio Nunes Ferreira, até hoje não tenha feito um pronunciamento analítico sobre os rumos da oposição? E como justificar que José Serra, que recebeu 44 milhões de votos, continue em uma espécie de silêncio obsequioso? Se a oposição não tem líderes, como fazer oposição?

Em política não existe vazio. O PT sabe muito bem disso. E vai ocupando todos os espaços na máquina pública e desde já estabelecendo alianças eleitorais para 2012. Age profissionalmente, sem piedade ou sentimento. O que vale é ampliar o poder, custe o que custar. E custa muito, como sabemos. As empresas e os bancos estatais estão entregues aos partidos da base. O PT reservou para si o que é mais lucrativo, e que permita estabelecer a conexão com o grande capital, negócio muito bom para ambos os lados e péssimo para o Brasil.

Para o governo, quanto menos política, melhor. Quer banalizar o debate. Não precisa convencer politicamente ninguém. Para os parlamentares usa o método delubiano. Quem tem de fazer politica é a oposição. Não é possível assistir um governo destruindo o que foi edificado com tanto sacrifício. Não é plausível recusar a construir canais efetivos de participação da sociedade civil nos partidos (que sequer ocorre nos momentos pré-eleitorais). É inadmissível que 44 milhões de eleitores não tenham voz no Congresso Nacional.