Entre Aspas: discutindo a eleição paulistana.

Segue link do debate que participei ontem no programa Entre aspas da Globo News com a apresentação de Mônica Waldvogel:
 

Entre Aspas

Hoje, às 23 horas, estarei participando do "Entre Aspas, na Globo News, discutindo a eleição municipal de São Paulo.

É, leitor, cabe rir.

Saiu hoje n'O Globo. É uma boa leitura matinal. Como escrevi, resta rir.

É, leitor, cabe rir - MARCO ANTONIO VILLA

O GLOBO - 28/02/12


Foi-se o tempo em que o Judiciário era o poder menos conhecido da República. Que seu funcionamento e suas mazelas eram assuntos que somente interessavam aos profissionais do Direito. Hoje - e é um fato extremamente positivo - comenta-se sobre a Justiça em qualquer lugar. Porém, pouco se fala sobre a luta travada no interior do Judiciário. Os privilégios denunciados e comprovados estão restritos a uma pequena parcela dos magistrados e funcionários. Nos juizados de primeira instância, os juízes trabalham muito, sem a mínima estrutura operacional e o número de funcionários é insuficiente para o bom andamento dos trabalhos. E estão, até hoje, aguardando receber as "vantagens eventuais", espécie de mais-valia macunaímica. Muitos reclamam que suas sentenças condenatórias são reformadas nas cortes superiores, lançando por terra todo o trabalho realizado, além de jogar água no moinho da impunidade.

Em meio a este saudável debate, o Supremo Tribunal Federal se destaca. Suas sessões são acompanhadas pela televisão como se fosse um reality show. Os ministros adoram o som da própria voz. Os votos são intermináveis. A maior parte da argumentação poderia ser resumida em poucas páginas. Pior só o regimento interno. O parágrafo único do artigo 16 reza que os ministros "receberão o tratamento de Excelência, conservando os títulos e as as honras correspondentes, mesmo após a aposentadoria". É inacreditável. O STF não deve ter recebido a notícia que a República foi proclamada em 1889. Acredita que a denominação de ministro é um título nobiliárquico.

Um bom exemplo de como funciona aquela Corte foi a apreciação da contestação da Associação dos Magistrados Brasileiros acerca das atribuições do Conselho Nacional de Justiça. A derrota da AMB foi saudada como uma grande vitória. Foi ignorado o placar apertadíssimo da decisão: 6 a 5. E que o presidente do STF, Cezar Peluso, foi um dos vencidos (e quem assistiu a sessão deve ter ficado horrorizado com as suas constantes intervenções, atropelando falas de outros ministros, e esquecendo-se que era o presidente, e não parte ativa do debate). É sabido que Peluso também é o presidente do CNJ e adversário figadal da corregedora, ministra Eliana Calmon. Quase um mês depois da "vitória democrática", nada mudou. O STF ainda não resolveu várias pendências envolvendo a decisão, o que, na prática, pode retirar os instrumentos investigatórios do CNJ.

O STF condensa os defeitos do Judiciário. O relatório das atividades de 2011 serve como um bom exemplo. Diferentemente do ano anterior, neste, Peluso deixou de lado o culto da personalidade. Só pôs uma foto, o que, para os seus padrões, é um enorme progresso. Porém, cometeu alguns equívocos. Como um Dr. Pangloss nativo, considerou a ação do Judiciário marcada pela "celeridade, eficiência e modernização". Entusiasmado, escreveu duas introduções, uma delas, curiosamente, intitulada "visão de futuro". Nesta "visão", encerrou o texto com uma conclamação política, confusa, desnecessária e descabida para uma Suprema Corte: "O Poder Judiciário já não precisará lidar com uma sobrecarga insuportável de processos, em todas as latitudes do seu aparato burocrático, e poderá ampliar e intensificar sua valorosa contribuição ao desenvolvimento virtuoso da nação, entendido não apenas como progresso econômico, mas como avanço social, educacional e cultural, necessários à emancipação da sociedade em todos os planos das potencialidades humanas."

A leitura do relatório, confesso, causa um certo mal-estar. Por que tantas fotografias do prédio do STF? Falta o que dizer? Quando se espera informações precisas, o leitor é surpreendido por esquecimentos. Um deles é sobre o número de funcionários. Segundo o relatório, o tribunal tem como "força de trabalho disponível" 1.119 funcionários. Foram omitidos os terceirizados: "apenas" 1.305 trabalhadores! Também chama a atenção que entre as 102 mil decisões daquela Corte, 89.074 foram, apesar de possíveis e previstas no regimento interno (que deveria ser modificado), monocráticas, de um só ministro (87%), das quais 36.754 couberam exclusivamente ao presidente.

Mais estranhas são afirmações, como as do ministro Marco Aurélio. Disse no programa "Roda Viva", da TV Cultura, que julgou, em 2011, 8.700 processos. Isso mesmo: 8.700 processos. Podemos supor que metade tenha sido julgada no mérito. Sobraram 4.350. Vamos imaginar, com benevolência, que cada processo tenha em média 500 folhas. Portanto, o ministro teve de ler 2.175.000 páginas. Se excluirmos férias forenses (e haja férias!), os finais de semana, os feriados prolongados, as licenças médicas, as viagens internacionais, as sessões plenárias, o ministro deve ter ficado com uns quatro meses para se dedicar a estes processos. Em 120 dias, portanto, teve de ler, em média, 18.125 páginas. Imaginando que tenha trabalhado 14 horas diárias leu, por hora, 1.294 páginas, das quais 21 por minuto, número invejável, digno de um curso de leitura superdinâmica. E de olhos de lince (pensei até em recomendar este "método" ao ministro Ricardo Lewandowski, que declarou ter dificuldade de ler as 600 páginas com depoimentos sobre o processo do mensalão).
É, leitor, cabe rir. Fazer o quê? Mas fique tranquilo e encha o peito de ufanismo. Li no relatório que o STF está levando sua experiência aos encontros internacionais "para emitir pareceres sobre aspectos eleitorais da Albânia, serviço alternativo e regime jurídico do estado de emergência da Armênia", sem esquecer "os partidos políticos do Azerbaijão".

História Geral do Estado de São Paulo - Lançamento do livro


CNJ X AMB: a votação do STF foi de mentirinha?

Leiam a matéria da Folha de S. Paulo. o fundo, estão sabotando o CNJ e, especialmente, a ministra Eliana Calmon. Passamo por cima da decisão do STF.


Investigação sobre patrimônio de juízes permanece suspensa

AGU havia pedido cassação de liminar que limitou as apurações

FREDERICO VASCONCELOS
DE SÃO PAULO

O Conselho Nacional de Justiça continuará impedido de investigar os bens de magistrados e servidores de 22 tribunais para apurar suspeitas de enriquecimento ilícito.

O ministro Luiz Fux não atendeu o pedido da Advocacia-Geral da União para submeter ao plenário do Supremo, com urgência, a proposta de cassação da liminar do ministro Ricardo Lewandowski, que suspendeu as inspeções autorizadas pela corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon.

Nesta quinta-feira, Fux determinou várias providências que deverão retardar o exame nas folhas de pagamento dos tribunais e nas declarações de bens e valores de magistrados e funcionários.

A suspensão das investigações havia sido determinada em mandado de segurança impetrado pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho).

Elas alegam quebra ilegal de sigilo bancário e fiscal de mais de 200 mil pessoas.

Por entender que essas investigações atingem milhares de servidores do Judiciário, Fux abriu prazo de 15 dias para que as entidades de servidores da Justiça defendam interesses dos associados. Ele deu dez dias para que o CNJ diga se as investigações atingem titulares de cartórios.

TRÂMITE

Após o recebimento das informações, o processo será enviado ao Procurador-Geral da República. Depois disso, o relator deverá pedir data para julgamento da ação no Supremo Tribunal Federal.

Fux considerou que o pedido de urgência da AGU ficou prejudicado, pois será necessário garantir ampla defesa às partes e ouvir o Ministério Público, antes da deliberação do plenário.

No pedido, a AGU lembrou que a Procuradoria-Geral da República entendeu que não houve quebra de sigilo e arquivou representação criminal contra Eliana Calmon.

Em reforço à tese de que a liminar deve ser cassada, a AGU citou que o STF reafirmou o entendimento de que cabe ao CNJ julgar processos disciplinares contra magistrados, independentemente das corregedorias estaduais.

O presidente do STF, Cezar Peluso, atendeu pedido das associações e redistribuiu o mandado de segurança sobre a quebra de sigilo, então relatado por Joaquim Barbosa, para Fux, relator de ação anterior sobre os mesmos fatos.

As estatísticas (falsificadas) da Argentina.

Segue aqui o link da entrevista que dei para a Record News tratando das falsificação, com patrocínio oficial, das estatísticas argentinas.

História Geral do Estado de São Paulo

Saiu hoje no Estadão. Aproveito para reafirmar o convite do lançamento da coleção dia 28 de fevereiro, terça, no MIS, às 19 horas.


Em 5 livros, 5 séculos de história paulista

Obras ainda convidam leitor a conhecer in loco endereços importantes para o Estado

INFOGRÁFICO: EDUARDO ASTA/ AE

Cinco livros que serão lançados na próxima semana pretendem resumir os quase cinco séculos da história paulista. Trata-se da coleção História Geral do Estado de São Paulo, coordenada pelo professor Marco Antonio Villa.

“Há uma enorme dificuldade bibliográfica sobre o tema. Não faltam livros de história da cidade de São Paulo, mas é difícil encontrarmos obras sobre o Estado”, diz Villa, que é doutor em História e mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e leciona na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). “Até o fim do século 19, a ideia de Estado era puramente administrativa. A história da cidade e a história do Estado, no fim das contas, eram uma coisa só”, afirma o sociólogo e colaborador doEstado José de Souza Martins, autor de um dos livros da coleção.

Os cinco volumes apresentam São Paulo dividida cronologicamente. No fim de cada volume, o capítulo chamado de Lugares da Memória convida o leitor a expandir o conteúdo do livro conhecendo in loco endereços que ajudam a contar um pouco da história do Estado.

Primórdios. O primeiro volume, de autoria do historiador da USP José Jobson de Andrade Arruda, mostra a formação do Estado nos séculos 16 e 17. Ele analisa o povoamento, o sertanismo, a vida econômica e a formação da sociedade paulista. Entre os passeios sugeridos estão as ruínas de Abarebebê, em Peruíbe, ponto de comércio de escravos em 1530, e, na capital paulista, o Pátio do Colégio e a Capela de São Miguel Arcanjo.

Coube ao também professor da USP Francisco Vidal Luna apresentar São Paulo no século 18. O volume relata as consequências sentidas por aqui com o término da União Ibérica, em 1640 – foi um momento em que Portugal estimulou o desenvolvimento da capitania. Luna também mostra os impactos causados pela mineração e a questão da escravidão negreira.

Várias edificações religiosas no litoral marcaram essa época e ainda resistem. É o caso da Igreja de Santo Antonio do Valongo, em Santos (Largo Marquês de Monte Alegre, 13) e a Basílica do Senhor Bom Jesus, em Iguape. Na cidade de São Paulo, um destaque é o Mosteiro da Luz.

Professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), José Leonardo do Nascimento esmiuçou o Estado no século 19. Ele aborda o que foi o primeiro momento da modernização da sociedade paulista, com relatos de viajantes estrangeiros e manifestações literárias da província. As transformações sociais, econômica e políticas de São Paulo no período também são analisadas.

Entre as indicações do século 19 estão o Teatro Guarani, em Santos (Praça dos Andradas, 100), e a antiga Igreja de Nossa Senhora Aparecida, na cidade de mesmo nome no Vale do Paraíba. No caso paulistano, um exemplo é o Jardim da Luz.

Mais próximos do momento presente, o sociólogo José de Souza Martins e a historiadora e professora da Unesp Tania Regina de Luca dividiram o século 20 em duas partes. “Estudo a história paulista há 60 anos. Então foi só sentar e escrever”, afirma Martins. Ambos destacam a consolidação da sociedade industrial, a diversidade humana e o custo da modernidade. Entre os locais relevantes que retratam a época, vale visitar o Teatro Municipal, bem no centro da capital.

Serviço
História Geral do Estado de São Paulo: Imprensa Oficial do Estado e Poiesis. Coordenador: Marco Antonio Villa. Autores: José Jobson de Andrade Arruda, Francisco Vidal Luna, José Leonardo do Nascimento, José de Souza Martins e Tania Regina de Luca. Cinco volumes: Séculos 16 e 17; Século 18; Século 19; Primeira Metade do Século 20; e Segunda Metade do Século 20. R$ 70.
Lançamento da coleção: terça-feira (dia 28), a partir das 19h30. Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS): Avenida Europa, 158. Jardim Europa. Aberto ao público. Grátis.

Publicado originalmente na edição impressa do Estadão, dia 23 de fevereiro de 2012


As famosas "vantagens eventuais"

Vale a pena ler esta matéria do Estadão (escrita por Fausto Macedo). Volto a lembrar que o meu artigo "Triste Judiciário (ver no blog) foi o primeiro a levantar estas "vantagens eventuais", no caso citando as folhas de pagamentos do STJ.


CNJ mira contracheques excepcionais de magistrados para pedir devoluções

Intenção do Conselho Nacional de Justiça é checar índices de correção aplicados por tribunais em pagamentos de ‘vantagens eventuais’ e propor sanção se forem identificadas irregularidade.

22 de fevereiro de 2012 | 22h 30

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) quer saber quais índices de correção foram aplicados por Tribunais de Justiça estaduais e os períodos contemplados para calcular contracheques excepcionais concedidos a juízes e a desembargadores. Se identificar pagamentos irregulares, o CNJ poderá propor sanção com base no estatuto do servidor público, que prevê desconto em folha daquela quantia indevidamente creditada na conta dos magistrados.


O CNJ, de Eliana Calmon (foto), iniciou em dezembro a investigação na folha salarial do TJ paulista - Evelson de Freitas/AE-20/1/2012
Evelson de Freitas/AE-20/1/2012
O CNJ, de Eliana Calmon (foto), iniciou em dezembro a investigação na folha salarial do TJ paulista

O artigo 46, parágrafo 1.º, do estatuto disciplina que reposições e indenizações serão previamente informadas ao servidor para pagamento no prazo máximo de 30 dias, podendo ser parceladas a pedido do interessado. O valor de cada parcela não poderá ser inferior a 10% da remuneração, provento ou pensão.

Oficialmente, a ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça, não se manifestou sobre a busca aos índices de correção aplicados pelos tribunais. Mas é certo que o CNJ quer detalhes sobre a composição dos holerites especiais, quais benefícios foram incluídos na conta e, principalmente, se eles obedeceram ao prazo prescricional, cujo limite é de cinco anos.

Em dezembro, o CNJ havia iniciado investigação na folha salarial do TJ de São Paulo para identificar créditos extraordinários e o patrimônio dos juízes.

Mas, no dia 19 daquele mês, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar em mandado de segurança da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e bloqueou a ação sob comando de Eliana Calmon.

A competência do CNJ foi restabelecida no início de fevereiro pelo pleno do STF - mesmo assim, o conselho ainda está amarrado por outra liminar, do ministro Ricardo Lewandowski, que veta o acesso a dados fiscais e bancários de magistrados.

Naquele intervalo, entre a liminar de Marco Aurélio Mello e até a decisão final do STF, o desembargador Ivan Sartori, presidente TJ de São Paulo, tomou a iniciativa de instaurar procedimentos administrativos sobre pagamentos antecipados
.

"Podemos afirmar que estamos acompanhando as diligências feitas pelo TJ de São Paulo e, se necessário, a ideia é auxiliar o tribunal para garantir a ampla transparência desse processo", anotou um conselheiro do CNJ. "A corregedoria está dando tempo para que o tribunal faça o seu trabalho. O CNJ poderá, se for o caso, realizar uma análise desse trabalho. Uma questão a se verificar é a quebra de isonomia e critérios aplicados para os cálculos."

Trezentos magistrados paulistas receberam pagamentos antecipados. O TJ avalia que apenas 29 casos devem ser apurados dados os valores repassados - desse grupo, dois desembargadores ficaram com mais de R$ 1 milhão cada. Essa situação provocou revolta entre juízes que se consideram "traídos" porque tais pagamentos privilegiaram poucos.

Redução. A cúpula do TJ de São Paulo defende a legalidade dos desembolsos, porque "são verbas devidas" a título de férias e licença-prêmio não desfrutadas. "Não temos nenhuma restrição, o tribunal está aberto ao CNJ", declarou o desembargador Ivan Sartori. "Queremos apurar tudo da melhor maneira possível, com transparência. Se o conselho tiver dúvidas eu atendo sem ressalvas. Não queremos nenhum embaraço. A única coisa que não estamos fazendo é externar nomes porque tem muita gente que recebeu valores pequenos ou até muito bem justificados. Fica difícil citar nomes porque acaba com a vida da pessoa. Existem colegas aqui com problemas muito sérios e que nem receberam valores altos."

Sartori esclareceu que futuros créditos a serem concedidos seguirão rigorosamente os índices previstos nas leis 9.444/97 e 10.960/2009 que impõem correção aos débitos da Fazenda pública. "Isso vai reduzir bem o valor", observa Sartori.


De quem é a Petrobras?

Vale a pena ler esta reportagem publicada na edição desta semana da revista "Época":


Acarajés quentes no tabuleiro da “Graciosa”

A herança de Sergio Gabrielli para Maria das Graças Foster, na Petrobras, inclui denúncias de desvios de dinheiro da estatal para campanhas do PT na Bahia

HUDSON CORRÊA


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EM CAMPANHA Uma baiana vestida a caráter faz festa para Gabrielli, na volta do ex-presidente da Petrobras à Bahia. Ele quer ser candidato a governador do Estado (Foto: Fernando Amorim/Ag. Tarde )Na Bahia acarajé quente é sinônimo de bastante apimentado. Chamada de “Graciosa” pela presidente Dilma Rousseff na cerimônia de posse na última segunda-feira, a mineira radicada no Rio de Janeiro Maria das Graças Foster assumiu a presidência da Petrobras diante de um cardápio de problemas que inclui dois acarajés quentíssimos. Eles foram deixados sobre sua mesa por seu antecessor direto, o petista José Sergio Gabrielli, e referem-se a duas denúncias de desvio de recursos da empresa para irrigar campanhas do PT na Bahia, terra natal de Gabrielli. E é justamente lá onde o mais longevo presidente da Petrobras retomará a carreira política. Após seis anos e sete meses no comando da maior empresa da América Latina, Gabrielli fará parte do governo de Jaques Wagner (PT), onde pretende pavimentar sua candidatura ao governo do Estado em 2014.

Não há elementos que envolvam diretamente Gabrielli com as duas denúncias narradas a seguir. Mas os dois episódios ocorreram em sua gestão, e ele pouco ou nada fez para saná-los. O primeiro caso passa pela ONG Pangea – Centro de Estudos Socioambientais, sediada em Salvador. De acordo com documentos da Controladoria-Geral da União (CGU), a que ÉPOCA teve acesso com exclusividade, boa parte do dinheiro repassado pela Petrobras à Pangea foi desviada. A CGU suspeita de que parte desses recursos tenha ido parar no caixa dois de campanha do PT na Bahia. Indo aos valores exatos: entre junho de 2004 e dezembro de 2006, a Pangea recebeu R$ 7,7 milhões da Petrobras para dar assistência e organizar catadores de lixo em dez municípios baianos. Um pente-fino da CGU, órgão do governo encarregado de fiscalizar o uso de verbas federais, concluiu que não há comprovação de gastos para mais de R$ 2,2 milhões.

Dinheiro para o lixo (Foto: Luciano da Matta/Ag. Tarde)

Na ocasião do repasse, a Pangea era presidida por seu fundador, Sérgio Veiga de Santana, um ex-deputado estadual do PMDB baiano, partido que teve papel fundamental na eleição de Jaques Wagner em 2006. Ao investigar o destino que a Pangea deu ao dinheiro, a equipe da CGU identificou um cheque de R$ 25 mil pago a Ademilson Cosme Santos de Souza, irmão e tesoureiro de campanha de Antonio Magno de Souza. Conhecido como Magno do PT, Antonio concorria à prefeitura da cidade baiana de Vera Cruz. O depósito foi feito em setembro de 2004, às vésperas das eleições municipais. Naquele ano, Magno do PT informou à Justiça Eleitoral ter arrecadado apenas R$ 21.600 para a campanha, sem mencionar o tal cheque. Isso reforça a suspeita de caixa dois. No relatório da CGU, os técnicos afirmam que a legislação impede que ONGs façam doações a políticos.

O cheque de Magno do PT é apenas um dos indícios do desvio da verba da Petrobras. O dinheiro do patrocínio à Pangea deveria ter sido depositado numa conta bancária específica, registrada em contrato, mas a CGU descobriu que pelo menos R$ 1,9 milhão foram transferidos para outras contas bancárias da ONG, com altos saques na boca do caixa. Em meio a essas transações, apareceu o cheque de R$ 25 mil. Magno do PT nega ter recebido o dinheiro e afirma que Ademilson, seu irmão, se afastou da campanha e do PT, passando ao grupo adversário. Na data do cheque, de acordo com a CGU, Ademilson ainda era tesoureiro de Magno do PT. A CGU constatou outros problemas. O próprio fundador da ONG, Sérgio Santana, recebeu R$ 11.500, atribuídos à venda de um carro usado à Pangea, mas a CGU não encontrou recibos da transação. Procurado e questionado sobre o uso dos recursos, Santana disse: “Não me lembro, deixei a ONG em 2007”.

O primeiro contrato da Pangea com a Petrobras foi fechado em 2004, quando o presidente da Petrobras era o também petista José Eduardo Dutra. Na gestão seguinte, de Gabrielli, foram assinados mais cinco contratos com a ONG, totalizando R$ 11 milhões. A fiscalização sobre o dinheiro repassado à Pangea começou em setembro de 2008. E, mesmo com os indícios de desvios detectados pela CGU nos contratos fechados entre 2004 e 2006, a Petrobras aprovou mais dois patrocínios para a Pangea em 2010: um de R$ 2 milhões, para um projeto envolvendo catadores de lixo, e outro de R$ 1,4 milhão, voltado à geração de renda para pescadores. O projeto milionário da Pangea registrava, segundo a própria ONG, 748 cooperados até março do ano passado.

Um dos primeiros passos da equipe da CGU ao iniciar a investigação foi tentar localizar cinco empresas contratadas pela ONG com dinheiro da Petrobras. Juntas, as firmas receberam cerca de R$ 2 milhões. O endereço atribuído a elas fica no município de Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador. No local onde deveria estar a Estrada Construções, responsável pela construção de galpões para as cooperativas dos catadores de material reciclável, os fiscais se viram diante de um consultório odontológico com uma enorme placa onde se lia “Volte a sorrir”. No andar de cima, os letreiros informavam que ali era a sede da Igreja Missionária Pentecostal.

Os funcionários do consultório desconheciam a Estrada Construções. Logo que a investigação dos auditores começou, as empresas comunicaram à Receita Federal mudança de endereço das sedes, uma possível estratégia para despistar os auditores. Curiosamente, o novo endereço da Estrada era, segundo a CGU, o mesmo de outras duas empresas procuradas: a Acap Construções e a Vac-All do Brasil Serviços Industriais. À primeira também se atribuía a construção de galpões e à segunda a fabricação de contêineres. No novo endereço, os auditores não encontraram nenhuma das três empresas. O andar de cima era uma residência. O de baixo estava reservado a cultos evangélicos.

A Vac-All foi localizada a 12 quilômetros de distância, num pequeno galpão, com instalações modestas para uma empresa que, segundo a Pangea, fornecera cinco esteiras transportadoras mecânicas, 140 carrinhos para o transporte de materiais e nove compactadoras de lixo, entre outros equipamentos, a um custo de R$ 904 mil. Como a Vac-All não tinha inscrição estadual para vender máquinas, emitiu notas fiscais de prestação de serviços indevidamente. Os fiscais também não localizaram nem a Engenho Serviços, tida como fabricante de bonés e camisetas para catadores da cooperativa, nem a JR 2 Comunicação, responsável pelo material de divulgação do projeto. O empresário Wellington Oliveira Rangel, dono da Vac-All e cuja família aparecia como gestora da Estrada Construções e da JR 2, negou a ÉPOCA que as empresas sejam de fachada. Ele disse que os serviços e equipamentos foram efetivamente entregues à Pangea.

A HERDEIRA Maria das Graças Foster em sua posse, com Dilma Rousseff. Na ocasião, ela foi chamada de “Graciosa” pela presidente (Foto: Marcelo Carnaval/Ag. O Globo)

A CGU enviou o relatório de fiscalização com todas as irregularidades para o Tribunal de Contas da União (TCU). O processo, dentro do Tribunal, ainda não foi concluído. No final do ano passado, o TCU solicitou à CGU informações sobre as providências adotadas no caso Pangea. A Controladoria cobrou da Petrobras explicações sobre o dinheiro desviado. Em casos semelhantes, o TCU determinou que a própria companhia fiscalize a aplicação do dinheiro.

A Petrobras afirmou que, nos casos de contratos de patrocínio, não verifica o destino dos recursos repassados às entidades. A única fiscalização feita tem o objetivo de verificar se o projeto foi executado conforme o contrato e se houve a contrapartida para a imagem da empresa, enquanto patrocinadora. No caso da Pangea, essa fiscalização ocorreu, segundo a Petrobras, com visita in loco e análises de relatórios. “O projeto cumpriu todas as metas” e ainda recebeu prêmios, afirmou a companhia. A Petrobras disse também que os contratos não tiveram motivação política. A companhia não comentou a suspeita de caixa dois. A Pangea também negou desvios. Disse que o relatório da CGU é preliminar e inconclusivo. Afirmou que as empresas não localizadas pela Controladoria prestaram os serviços contratados e que todos os recursos da Petrobras foram aplicados.

O outro acarajé quente para Maria das Graças Foster se chama Geovane de Morais, ex-gerente de comunicação da área de Abastecimento da Petrobras demitido por justa causa pela companhia no dia 3 de abril de 2009. Ligado ao grupo político de Gabrielli e do governador Jaques Wagner, o baiano Morais cometeu uma série de irregularidades. Ele extrapolou o orçamento de sua gerência. Sem licitação ou autorização formal, gastou cinco vezes o previsto em 2008, ano de eleições municipais. Seu orçamento era de R$ 31 milhões, e a despesa chegou a R$ 151 milhões. Houve pagamentos sequenciais e sem o amparo legal de contratos. Entre as empresas beneficiadas estavam duas produtoras de vídeo baianas que trabalharam para a campanha de Wagner em 2006 e para duas prefeituras petistas.

Passados quase três anos, a demissão de Morais, de 45 anos de idade, não foi efetivada. Ele continua recebendo todo mês o mesmo que ganhava como funcionário de carreira da Petrobras. A despesa é bancada pela companhia e pela Previdência Social (auxílio-doença). Segundo a estatal, a demissão não foi efetivada porque o ex-gerente permanece de licença médica. Qual seu salário e que doença afinal ele tem? “São informações pessoais e não podem ser divulgadas”, diz a Petrobras.

A estatal afirma que todos os procedimentos internos para formalizar a demissão foram adotados. Não respondeu se caberia alguma decisão judicial e disse que já comunicou a demissão a Morais. Ele parece não ter se incomodado. É outro acarajé para Maria das Graças Foster digerir.

A eleição de São Paulo.

Hoje dei esta entrevista para a rádio CBN tratando da eleição municipal de São Paulo. Segue link:

Esquerda e democracia.

Esta entrevista foi publicada em janeiro de 2008 no Correio da Cidadania. Mas como no Brasil o movimento da história é lentíssimo, quase parando, a entrevista mantém a atualidade.

ESCRITO POR VALÉRIA NADER
QUI, 03 DE JANEIRO DE 2008


Nosso entrevistado especial nesse começo de 2008 é o historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos Marco Antônio Villa.

A modorra sintetizou bem o momento que vivemos, marcado pelo desinteresse pela política. Além da incompetência das direções de transformar a política em um tema relevante”. A partir desse diagnóstico muito claro, Villa é também muito direto e enfático em suas previsões para o futuro, no que se refere aos meios hoje ao nosso alcance para o desenvolvimento da nação.

Acredita que a esquerda perdeu o rumo, entre outros, em função de um arraigado apego a dogmas; que o governo Lula cooptou boa parte dos movimentos sociais; e que 2008 assistirá, desde muito cedo, às inócuas discussões em torno às eleições do segundo semestre, em detrimento, mais uma vez, dos eternamente esquecidos temas relevantes, a exemplo da reforma política.

A construção, no atual momento histórico, e passado um ano do segundo mandato do presidente-operário, de um autêntico e possível projeto de esquerda e/ou de transformação não é, na visão do historiador, tarefa simples. Requereria “entender o Brasil com uma ótica original, sem dogmas, sem citações de catecismo, sem fundamentalismo. Construir um pensamento e uma ação política de esquerda para o século XXI”.

Confira abaixo entrevista exclusiva.

Correio da Cidadania: Crise no Senado, descoberta de novos e promissores campos de petróleo, a arrastada tentativa do Executivo de prorrogar a CPMF, o jejum de D. Cappio, entre outros, são fatos reveladores de 2007, o primeiro ano do segundo mandato de Lula. Como você avalia esse ano?

Marco Antônio Villa: 2007 foi um ano politicamente fraco. Só ficou um pouco mais animado em dezembro com a votação da CPMF e a greve de fome de D. Cappio. A modorra sintetizou bem o momento que vivemos, marcado pelo desinteresse pela política. Além da incompetência das direções de transformar a política em um tema relevante.

CC: As análises retrospectivas dos anos que se vão não trazem grandes novidades, pelo menos, as alvissareiras. No ano de 2007, no entanto, surgiram notícias mais enfáticas, especialmente no campo econômico, de retomada de crescimento, de queda do desemprego, de menor inflação e até mesmo de elevação do rendimento da população. Trata-se de algo sólido, a seu ver, ou apenas a evidência de um quadro momentâneo de “pneumonia sem febre”, que poderá em algum momento explodir?

MAV: O país manteve seu ritmo de crescimento com uma leve aceleração. Deve ser lembrado que a baixa inflação e o aumento do emprego melhoraram a vida especialmente dos setores mais pobres da população. O que se critica é que o momento internacional é favorável - como nunca nas últimas décadas -, porém o governo não consegue acelerar o ritmo do crescimento econômico.

CC: No que se refere ao nosso cenário político, à época do pico da crise no Senado, houve discussões calorosas sobre se vivíamos ou não uma crise institucional em nosso país. Enquanto alguns estudiosos a negavam peremptoriamente - entre outros argumentos, porque vivemos uma República calcada em uma forte figura presidencial -, outros enxergavam seus sinais, por exemplo, em um certo disfuncionamento de nossa República, onde há um Executivo que legisla por meio de um emaranhado de medidas provisórias e um Legislativo que exerce inconcebível “poder liberatório” sobre o Executivo. Qual a sua opinião?

MAV: Não vivemos em 2007 uma crise institucional. Aqueles acontecimentos são típicos de uma democracia - como a brasileira - com os defeitos já conhecidos. O ideal seria aprender com tudo aquilo e realizar as reformas tão faladas, mas até hoje sequer iniciadas.

CC: E quanto à mobilização social, você acredita que esteja havendo uma retomada, com a ruptura face à inércia anterior, como vem sendo anunciado dessa vez por alguns representantes do campo da esquerda?

MAV: Não há mobilização política. Os movimentos sociais perderam o rumo. Pior: a esquerda perdeu o rumo e não consegue elaborar bandeiras que levem à mobilização.

CC: Ainda no tocante à mobilização social, pensando em uma das organizações mais importantes de nosso país, o MST, você considera que o movimento tenha iniciado em 2007 um afastamento mais efetivo do governo e de Lula – na medida em que vem fazendo uma crítica contumaz à nova onda de biocombustíveis, certamente circunscrita ao modelo econômico em voga -, ou ainda persiste, de certo modo, amarrado a esses dois entes?

MAV: Boa parte (ou a ampla maioria) dos movimentos sociais foi cooptada pelo governo Lula. O MST está paulatinamente perdendo a sua principal bandeira: a reforma agrária. Ao invés de enfrentar seriamente a discussão sobre a pertinência ou não da reforma agrária no século XXI brasileiro, optou por construir outras bandeiras de luta. Hoje, sinceramente, é mais um partido político do que um movimento social (sociologicamente falando). E um partido político de velho tipo, pré XX Congresso do PC da URSS. Suas lideranças se eternizaram no interior do ex-movimento social, controlam sua estrutura de poder e acabaram adquirindo os vícios deste tipo de organização burocrática. Um outro caminho seria se transformar em um partido agrarista, mas aí teria de mudar tudo, inclusive sua estrutura organizativa.

CC: Segundo disse, a esquerda perdeu o rumo. Mas como andou a sua atuação em 2007? Não houve avanço algum que se refere ao entendimento e diagnóstico da problemática brasileira e aos caminhos apontados para mudanças rumo a outro tipo de sociedade?

MAV: A esquerda brasileira só voltará a ser esquerda quando abandonar os dogmas. Ou seja, não é possível entender a luta política atual sacando do bolso uma citação de Marx, Engels ou Lenin. É um velho hábito introduzir a forceps uma citação de "O Capital", do programa de transição de Trotsky ou coisa que o valha, como se a citação resolvesse o dilema político. Como se o discurso alterasse magicamente a conjuntura política.

Em outras palavras: uma análise original, criativa, do Brasil tem de levar em conta que o mundo mudou. Não adianta apresentar argumentações fundamentalistas. Escrever que o capitalismo vive uma crise terminal é uma empulhação. O original é entender como o capitalismo enfrentou e venceu tantas crises no século XX. Original é ver como o capitalismo venceu o socialismo marxista. Original é analisar o que está acontecendo na China e seus reflexos na economia mundial. Original é analisar a América Latina e tentar compreender por que vive o seu maior ciclo de prosperidade econômica (com todos os problemas que sabemos que ainda há).

CC: Pensando ainda na esquerda, como avalia o desempenho do partido que tem representado contrapontos no cenário político, o PSOL? Você acredita que ele esteja hoje desempenhando papel análogo ao do PT, na época em que este fazia uma oposição mais verdadeira?

MAV: O PSOL não conseguiu romper o círculo de pequenos grupos. Heloísa Helena foi bem na eleição presidencial, mas despolitizou a sua campanha. A curto prazo, o PSOL dificilmente ampliará seu espaço político.

CC: Um dos grandes temas em recorrente discussão em nossa nação é a reforma política. Por que esse é um tema que não avança no país?

MAV: Porque não há interesse efetivo. Todo ano, falam que a reforma política vai caminhar e em dezembro tudo continua na mesma. A principal questão, creio, é que muitos serão prejudicados e a maioria tem medo de enfrentar um outro modelo eleitoral.

CC: O que seria para você uma verdadeira reforma política e o que ela deveria pressupor? Levada a cabo seriamente, daria realmente conta de sanar algumas de nossas mazelas políticas?

MAV: Acabar com o número mínimo e máximo de deputados por estado na Câmara. O Senado é que tem de ser a "Casa da Federação", ou seja, é lá que tem de haver a representação igualitária entre os estados. Outra medida poderia ser a adoção do voto distrital (ao menos ter alguma experiência). Outra seria o financiamento público das campanhas.

CC: Você acredita em propostas como as do jurista Fábio Konder Comparato, priorizando consultas, referendos e plebiscitos, como forma de trazer o povo ao centro do cenário político?

MAV: Não, discordo. Temos eleições de dois em dois anos. A questão central é o mau funcionamento, especialmente do Poder Legislativo.

CC: Como imagina que vá prosseguir essa discussão em 2008?

MAV: 2008 vai começar com a discussão do orçamento (o que é um absurdo, pois o ano vai começar é não há orçamento aprovado), depois só se vai falar de uma coisa: eleição municipal.

CC: O que a greve de D. Cappio revela de nosso governo e, também, para o nosso país? Como acha, ademais, que vai se desenrolar essa situação?

MAV: Sou contra a transposição. Há soluções mais baratas. Falta coordenação entre as agências federais que atuam na região, muito mais do que faltam recursos. Principalmente, inexiste um projeto para o semi-árido, que dê viabilidade econômica à região. Hoje, na maior parte dos municípios, a população sobrevive graças a duas fontes: a aposentadoria rural (criada pelo regime militar) e a bolsa-família. Não há atividade econômica rentável. As cidades sertanejas estão marcadas pelo desemprego, violência, alcoolismo e drogas.

CC: Você acredita que Lula queira e vá disputar um 3º mandato, segundo insinuações de sua própria base aliada, apesar de seus desmentidos peremptórios?

MAV: No Brasil nada é impossível. Como o governo não tem hoje um candidato viável, isto pode estimular, no segundo semestre de 2008, um movimento pró-terceiro mandato.

CC: Como imagina que vá caminhar a esquerda e as mobilizações sociais em 2008?

MAV: Sinceramente, acho que politicamente será irrelevante a atuação da esquerda. O PT ocupou o espaço com suas organizações, cooptou os movimentos sociais e pode atender a algumas demandas sociais. Deve ser reconhecido que o Lula ainda tem enorme prestígio entre as camadas populares.

CC: O que configuraria, ademais, no atual momento histórico, e passado um ano do segundo mandato do presidente-operário, um autêntico e possível projeto de esquerda e/ou de transformação?

MAV: Entender o Brasil com uma ótica original, sem dogmas, sem citações de catecismo, sem fundamentalismo. Construir um pensamento e uma ação política de esquerda para o século XXI. Falar daquele socialismo do século XX é inverter o dilema "socialismo ou barbárie". Aquele socialismo é a barbárie. O socialismo é uma criação especialmente de 1848. Temos de virar a página desta história, desta crítica ao capitalismo do século XIX. Uma esquerda efetivamente moderna, contemporânea, tem de ter a ousadia de conviver com o capitalismo, de ampliar os espaços sociais, de conquistar melhores condições de vida para as amplas maiorias. Tem de criar um pensamento que sabia viver em (e com a) democracia (pois grande parte da esquerda tem forte simpatia ainda, por incrível que pareça, pela ditadura "sobre" o proletariado).

Mas sei que isto dificilmente vai ocorrer. É mais fácil e cômodo repetir velhos slogans. E a esquerda vai envelhecendo, assim como os militantes dos anos 60, 70 e 80 vão perdendo os cabelos, aumentando de peso e, principalmente, falando uma linguagem que o jovem não entende. Como se, ao ver os carros na rua, dissesse que bons e confortáveis eram os Gordinis.

A história das constituições brasileiras (XV)

O novo livro e uma entrevista publicada na revista Leituras da História:

Brasil Legal ou Brasil Real?
Em seis capítulos, Villa nos mostra os momentos históricos de cada uma das sete constituições que vigoraram no país

Por Morgana Gomes / Montagem: Fabiana Neves

Ao relatar, em seu novo livro, as sete constituições do Brasil, Marco Antonio Villa vê na justiça ineficaz o grande desafio nacional. Tal como o historiador - que é bastante objetivo -, sua obra traz um relato direto sem o pretensioso e prolixo "juridiquês". De leitura fácil, além de extremamente elucidante, também consegue ser divertida, em virtude dos diversos absurdos que foram garimpados durante a fase de pesquisa para sua composição.

Em seis capítulos - e um sétimo contendo um detalhado "não-elogio" ao Supremo, "porque o Judiciário é, de longe, o pior dos três Poderes" -, Villa nos mostra os momentos históricos de cada uma das sete constituições que vigoraram no país, as leis bizarras, as pegadinhas jurídicas e a distância entre as leis e a realidade do povo brasileiro.

Entre outros tópicos, o autor destaca, por exemplo, que a primeira carta constitucional, de 1824, ignorou por completo a escravidão, com a qual conviveu por sete décadas; que na Constituição de 1891 foi instituído um feriado nacional - em 8 de dezembro - em homenagem a "hermana" Argentina. Mas, além desse, o novo governo republicano instaurou tantos outros que foi necessário criar uma cartilha para explicar o significado de cada um deles.
Já em 1934, o famoso termo "segurança nacional" foi incluído em nossas leis. Em consequência, toda e qualquer lei abusiva poderia se firmar na constituição, desde que apoiada na segurança nacional do país. Ainda durante o governo Vargas, foi criada a lei que aboliu toda e qualquer bandeira que não fosse a do Brasil e, em 19 de abril de 1938, todos os pendões e símbolos regionais foram queimados em praça pública, pois o brasileiro deveria defender somente um símbolo nacional.

Mais recentemente, em 1967, no auge do regime militar, decidiu-se que "toda pessoa física e jurídica é responsável pela segurança nacional" - um simples truque, segundo o autor, para prender qualquer cidadão, sob qualquer pretexto, por falta gravíssima.

Apesar de curioso e instigante, na entrevista que segue, nota-se que o trabalho do historiador ultrapassou o de uma profunda pesquisa de nossas leis para se tornar uma verdadeira aula de História sobre o judiciário do Brasil, principalmente para o leigo.

Leituras da História - De início, a que público se destina seu livro?
Marco Antonio Villa - Ao público em geral. Não é um livro de Direito Constitucional. É um livro de historiador, que politiza a história das nossas constituições.

LDH - O que há de comum entre as sete constituições que o Sr. analisou?
Villa - Uma dissociação entre o Brasil legal e o Brasil real. Temos um histórico de afastamento entre a lei e a realidade concreta. O livro acentua este fato dando inúmeros exemplos.

LDH - Cite um deles, um exemplo entre lei para um Brasil legal em detrimento do real.
Villa - A Constituição de 1824, por exemplo, omite a escravidão. Isso quando a força de trabalho escrava era, na primeira metade do século 19, dominante da esfera do trabalho.


LDH - Quais as maiores contradições que foram se repetindo desde a Carta de 1824?
Villa - Um Estado forte e uma sociedade civil extremamente frágil. As nossas constituições concederam ao Estado inúmeros poderes. O cidadão fica quase sempre à mercê do poder autocrático do Estado.

LDH - Essa contração de poder pode ser caracterizada como "má fé" dos políticos do país?
Villa - Pode!

LDH - E quem ganhou com isso?
Villa - O "andar de cima", os poderosos. Temos uma estrutura de Estado que fortalece os interesses corporativos em detrimento dos interesses dos cidadãos.

LDH - Há alguma inovação na última constituição brasileira?
Villa - A conquista das amplas liberdades. Acho o artigo 5º um dos mais importantes da história constitucional brasileira. É o artigo de ouro da Constituição. Apesar da prolixidade é inegavelmente a melhor constituição que já tivemos.

LDH - Do que se trata?
Villa - Ele garante as amplas liberdades de organização, manifestação e opinião.

LDH - Em que momento as Emendas Constitucionais podem ser usadas para burlar a Carta Máxima da nossa nação?
Villa - O maior problema da Constituição de 1988, por exemplo, é a prolixidade; uma doença nacional, diga-se. Algumas vezes, o texto constitucional parece um programa de governo. Por ser detalhista, acaba levando às revisões constitucionais, às emendas. Porém, não considero que o detalhismo seja um grande problema. A questão central é o mau funcionamento dos poderes, principalmente do pior deles, o Judiciário.

LDH - Como o Judiciário funciona e como deveria funcionar?
Villa - Funcional mal, defendendo os poderosos. Basta ver a composição da população carcerária. Deveria ser transparente, rápido, simples e inteligível.

Leituras da História - De início, a que público se destina seu livro?
Marco Antonio Villa - Ao público em geral. Não é um livro de Direito Constitucional. É um livro de historiador, que politiza a história das nossas constituições. - Mesmo com todas as constituições e a suposta evolução histórica do nosso país, o Brasil ainda é país informal?
Villa - Nunca conseguimos colocar em prática as nossas leis. Deve ser recordado que o nosso aparato legal é uma bagunça. Os nossos juristas, em sua maioria, estão mais para humoristas de comédia pastelão, infelizmente.

LDH - O Sr. pode dar um exemplo da dissociação entre o texto legal das nossas constituições e a realidade brasileira ao longo dos anos?
Villa - A Constituição de 1946, por exemplo, garantia o direito de greve, que nunca foi regulamentado, isso entre tantos outros exemplos.

LDH - E nada se fez a respeito? Ninguém critica ou aponta essas falhas?
Villa - Poucos. Vai passando o tempo e o tema cai no esquecimento da elite política. A maior parte da população nem tem ideia destes direitos.

"Não é exagero afirmar que os últimos 200 anos da nossa história têm como ponto central a luta do cidadão contra o Estado arbitrário. E, na maioria das vezes, o Estado ganhou de goleada"

LDH - Essa dicotomia política tem interesses partidários ou é ignorância, imaturidade social e política mesmo?
Villa - Política no Brasil nunca foi de interesse da maioria da população. É visto como algo chato e distante do cotidiano, infelizmente. Não temos tradição de auto-organização, de defesa de direitos. Na verdade, a maioria da população sequer sabe o que são direitos e deveres.

LDH - O Sr. poderia dar mais exemplos de absurdos no texto constitucional?
Villa - A Constituição de 1891 faz citação nominal a D. Pedro II e Benjamin Constant. Isso não existe em nenhum país politicamente sério. A de 1946 isenta jornalista de imposto de renda e de pagar IPTU! A de 1988 diz que o Estado deve proteger os esportes genuinamente nacionais. Quais? O futebol? Este não é nacional. O vôlei? Também não é. Mas este é um assunto constitucional? Claro que não. É a eterna confusão entre um texto constitucional - que deve ser enxuto - e a legislação ordinária.

LDH - Em sua opinião, não deveria existir uma relação intrínseca entre as leis e o contexto histórico social vivenciado no momento de sua elaboração? Por que isso acontece parcialmente?
Villa - Deveria. Mas não foi o que ocorreu. Vivemos de espasmos políticos, de raríssimos momentos de mobilização. A nossa sociedade vive anestesiada, distante da política, tem receio de participar, reivindicar.

LDH - O Sr. fala de luta do cidadão contra o Estado que, por sua vez, sempre ganha a disputa. Por que isso acontece?
Villa - É a questão que envolve o direito de livre organização, manifestação e opinião. A repressão a esses direitos marcou quase 200 anos da História do Brasil, desde o século 19 até hoje.

LDH - O que favorece esse paradoxo? A constituição não deveria organizar e garantir os direitos dos cidadãos?
Villa - Não necessariamente. A Constituição é produto do estágio de luta política em cada país. No nosso caso, foi muito mais um pacto entre as diferentes frações da elite dominante, do que um contrato social entre o Estado e os cidadãos.

LDH - Se o povo conhecesse a constituição poderia exigir mudanças em relação à falta de regulamentação constitucional?
Villa - Através da auto-organização. Este é outro problema: a nossa sociedade é desorganizada, invertebrada.

LDH - Politicamente desorganizada, é isso? Ou essa bagunça não é tão pontual e atinge outras áreas da sociedade?
Villa - É desorganizada, desinteressada da política. Basta comparar, por exemplo, com os nossos vizinhos do Prata.

LDH - O senhor diz que as leis votadas são ideais para um país imaginário e não para o Brasil real...
Villa - A questão é que também somos vítimas de um bacharelismo inconsequente, oco, vazio, mera cópia do que ocorre na Europa ou nos EUA.

LDH - O Sr. também diz que a última constituição não é efetivamente colocada em prática. O que impede que isso aconteça?
Villa - Deve-se principalmente ao STF, que não cumpre as suas atribuições. A atual composição do STF é uma das piores da história. É mais um ajuntamento de militantes ou simpatizantes do PT do que juízes de uma Suprema Corte.

LDH - Neste momento está havendo muita polêmica com relação à atuação da corregedoria. Os juízes estão mobilizados contra a investigação?
Villa - A ação da corregedoria do CNJ é fundamental para o destino democrático do Judiciário. Do jeito que está o Judiciário fica muito distante de ser um poder democrático, defensor do cidadão e, principalmente, da Constituição.

LDH - Existe solução para os problemas renitentes na Constituição atual?
Villa - Gostaria de deixar claro que as eventuais falhas poderiam ser sanadas pela interpretação do STF. O problema é que temos um péssimo STF, infelizmente.