Continuísmo

Pela formação do ministério apresentada até o momento, o governo Dilma não será simplesmente de continuidade administrativa em relação à presidência Lula. É continuísmo mesmo, sem disfarce. É o mais do mesmo, como nunca na história deste país.

As "sugestões" de Lula soam como imposições. Algo como: "você só foi eleita por minha causa. Portanto tem de aceitar as minhas ordens." A última, a de Fernando Haddad, imposição pública - que ele fez questão de deixar bem explícita - deve ter deixado até a Dilma meio envergonhada.

Alguns vão logo dizer que é um meio de evitar que a Dilma seja um Pitta do século XXI. Seria mais uma esperteza do Lula. Com ministros da sua confiança (e não necessariamente da presidente eleita) ele estaria garantido frente a um possível desgoverno de Dilma. Ou seja, os ministros iriam segurar o barco, impedindo que afunde. A pergunta é: até quando Dilma vai obedecer?

Sobre o Rio (2)

A oposição continua a mesma: não existe. Isto após receber "somente" 44 milhões de votos.
Poderia, sobre a crise no Rio, lembrar que:

1. defendeu a criação do Ministério da Segurança;
2. a Dilma disse que o "modelo" do Rio era tão bom que deveria ser um exemplo para o Brasil;
3. mostrar que o governo Lula ignorou o problema durante 8 anos.
4. Lula preferiu construir um bondinho ao invés de defender (e criar condições) para expulsar o tráfico dos morros;
5. apoiar as operações e criticar o governo não é oportunismo ou "faturar" com a tragédia. É fazer política.
6. a oposição poderia aproveitar o momento e apresentar as suas propostas para a área da segurança.

Sobre o Rio

Muitas questões estão no ar.
1. Onde está o presidente Lula? Em 8 anos de governo, nunca foi a uma zona de conflito, enchente ou algum outro tipo de tragédia. Só vai "numa boa", onde não pode ser questionado;
2. Onde está Dilma? Não pode sequer fazer uma visitar protocolar ao Rio? As UPPs não eram um modêlo para TODO o Brasil?
3. Já começaram as comparações: a mais ridícula é associar o Complexo do Alemão/favelas da Penha ao episódio de Canudos. nada mais falso;
4. E o governador (que sempre está viajando - preferencialmente para o exterior) Ségio Cabral?
5. E o ministro da Defesa, que sempre gosta de posar vestido com uniforme de oficial do Exército? Para onde foi?
6. Vamos ver quanto tempo vai durar a ocupação. Para obter resultados são necessários muitos meses. Mas tem o custo político.
7. Logo vão botar a culpa no capitalismo e no imperialismo;
8. E as ONGs?
9. E os políticos, tão fortes nestas comunidades?
10. Logo vai ocorrer um crime na Zona Sul que vai dar manchete. O "elemento" que cometeu o crime deve ser alguém vinculado ao tráfico. Aí surgiram os analistas que vão dizer que era melhor deixar o pessoal lá no morro, etc, etc.

Falácias sobre a luta armada na ditadura

Este texto foi publicado na Folha de S. Paulo em 19 de maio de 2008. 
Acabou criando uma enorme polêmica:

A LUTA armada, de tempos em tempos, reaparece no noticiário. Nos últimos anos, foi se consolidando uma versão da história de que os guerrilheiros combateram a ditadura em defesa da liberdade. Os militares teriam voltado para os quartéis graças às suas heróicas ações. Em um país sem memória, é muito fácil reescrever a história. É urgente enfrentarmos essa falácia. A luta armada não passou de ações isoladas de assaltos a bancos, seqüestros, ataques a instalações militares e só. Apoio popular? Nenhum. O regime militar acabou por outras razões.

Argumentam que não havia outro meio de resistir à ditadura, a não ser pela força. Mais um grave equívoco: muitos dos grupos existiam antes de 1964 e outros foram criados logo depois, quando ainda havia espaço democrático (basta ver a ampla atividade cultural de 1964-1968). Ou seja, a opção pela luta armada, o desprezo pela luta política e pela participação no sistema político e a simpatia pelo foquismo guevarista antecedem o AI-5 (dezembro de 1968), quando, de fato, houve o fechamento do regime.

O terrorismo desses pequenos grupos deu munição (sem trocadilho) para o terrorismo de Estado e acabou usado pela extrema-direita como pretexto para justificar o injustificável: a barbárie repressiva.

Todos os grupos de luta armada defendiam a ditadura do proletariado. As eventuais menções à democracia estavam ligadas à "fase burguesa da revolução". Uma espécie de caminho penoso, uma concessão momentânea rumo à ditadura de partido único.

Conceder-lhes o estatuto histórico de principais responsáveis pela derrocada do regime militar é um absurdo. A luta pela democracia foi travada nos bairros pelos movimentos populares, na defesa da anistia, no movimento estudantil e nos sindicatos. Teve na Igreja Católica um importante aliado, assim como entre os intelectuais, que protestaram contra a censura. E o MDB, nada fez? E seus militantes e parlamentares que foram perseguidos? E os cassados?

Quem contribuiu mais para a restauração da democracia: o articulador de um ato terrorista ou o deputado federal emedebista Lisâneas Maciel, defensor dos direitos humanos, que acabou sendo cassado pelo regime militar em 1976? A ação do MDB, especialmente dos parlamentares da "ala autêntica", precisa ser relembrada. Não foi nada fácil ser oposição nas eleições na década de 1970.

Os militantes dos grupos de luta armada construíram um discurso eficaz. Quem questiona é tachado de adepto da ditadura. Assim, ficam protegidos de qualquer crítica e evitam o que tanto temem: o debate, a divergência, a pluralidade, enfim, a democracia. Mais: transformam a discussão política em questão pessoal, como se a discordância fosse uma espécie de desconsideração dos sofrimentos da prisão. Não há relação entre uma coisa e outra: criticar a luta armada não legitima o terrorismo de Estado.

Precisamos romper o círculo de ferro construído, ainda em 1964, pelos inimigos da democracia, tanto à esquerda como à direita. Não podemos ser reféns, historicamente falando, daqueles que transformaram o adversário, em inimigo; o espaço da política, em espaço de guerra.

Um bom caminho para o país seria a abertura dos arquivos do regime militar. Dessa forma, tanto a ação contrária ao regime como a dos "defensores da ordem" poderiam ser estudadas, debatidas e analisadas. Parece, porém, que o governo não quer. Optou por uma espécie de "cala-boca" financeiro. Rentável, é verdade.
Injusto, também é verdade. Tanto pelo pagamento de indenizações milionárias a privilegiados como pelo abandono de centenas de perseguidos que até hoje não receberam nenhuma compensação. É fundamental não só rever as indenizações já aprovadas como estabelecer critérios rigorosos para os próximos processos. Enfim, precisamos romper os tabus construídos nas últimas quatro décadas: criticar a luta armada não é apoiar a tortura, assim como atacar a selvagem repressão do regime militar não é defender o terrorismo.

O pagamento das indenizações não pode servir como cortina de fumaça para encobrir a história do Brasil. Por que o governo teme a abertura dos arquivos? Abrir os arquivos não significa revanchismo ou coisa que o valha.

O desinteresse do governo pelo tema é tão grande que nem sequer sabe onde estão os arquivos das Forças Armadas e dos órgãos civis de repressão. 

Mantê-los fechados só aumenta os boatos e as versões fantasiosas.

A crise política e o coronelismo

Este artigo foi publicado na Folha de S. Paulo em 4 de outubro de 2005.  Era a época do mensalão. Acabou gerando uma polêmica com a família  Sarney. Zequinha fez um pronunciamento na Câmara atacando o autor do  artigo. Os jornais, rádios e TVs da família, lá no Maranhão, também  foram usados para atacar o autor e defender o "legado" dos Sarneys:

A República vive a crise política mais grave dos últimos 40 anos. Se a crise tem múltiplas facetas, uma delas se deve à permanência no Congresso Nacional do lobby coronelístico. O poder dos oligarcas mantém a República "sub judice". Levou à formação de uma estrutura estatal petrificada, imune às mudanças, imobilizando os governos e fraudando a vontade dos eleitores. Como comandam politicamente boa parte do Congresso Nacional, entra governo, sai governo, e os oligarcas continuam dando as cartas.

Um caso exemplar de oligarquia com destacada presença nacional é o da família Sarney, no Estado do Maranhão. Neste mês, completam-se 40 anos da eleição de José Sarney para o governo estadual. O jovem governador, então com 35 anos de idade, representava a modernidade; contudo acabou criando uma máquina política tão eficaz que permitiu se manter por quatro decênios no poder do seu Estado -no sentido mais lato da expressão. Desde então, nenhum governador foi eleito sem que tivesse o "nihil obstat" de José Ribamar Costa. E se, no exercício do cargo, o governador eleito rompe com o padrinho, na próxima eleição a família Sarney retoma o controle político.

Domínio tão longevo é caso único na história brasileira. Diversamente de outros oligarcas, os Sarneys são politicamente plurais. O pai é peemedebista, a filha é pefelista e o filho é verde. Se os filhos são eleitos pelo Maranhão, o pai é representante do Amapá, apesar de não ter domicílio naquele Estado. Se, na esfera federal, o clã representa o papel de defensor das instituições democráticas, na província exerce o poder total, avassalador, sem ceder o menor espaço à oposição, no estilo dos mandões locais. Na definição de Euclides da Cunha, são "os senhores do baraço e cutelo".

O historiador francês Lucien Febvre escreveu o clássico "O Problema da Descrença no Século 16: a Religião de Rabelais". Analisou cuidadosamente o domínio ideológico da Igreja Católica na Europa Ocidental: "O nascimento, a morte. Entre esses dois limites, tudo o que o homem realiza, vivendo normalmente, fica com a marca da religião". Se Febvre vivesse no Maranhão, substituiria a religião pela família Sarney.

O maranhense, desde o nascimento, toma conhecimento da existência deles. Em São Luís, a capital, há a maternidade Marly Sarney. Para residir, pode escolher os bairros Sarney, Roseana Sarney, Dona Kiola (mãe de Sarney) ou Sarney Filho. Quando for entrar na escola, pode escolher os colégios Roseana Sarney, Marly Sarney, José Sarney, Sarney Neto ou Fernando Sarney. Para realizar um trabalho escolar, irá procurar a biblioteca José Sarney e, se quiser alguma informação sobre as contas públicas, pode se dirigir à sede do Tribunal de Contas Roseana Sarney Murad. Nas férias, caso queira conhecer outra cidade do Estado, pode se encaminhar à rodoviária Kiola Sarney, seguindo, é claro, pela avenida José Sarney. Ao tomar um ônibus para sair da bela ilha de São Luís, tem de atravessar a ponte José Sarney.

Ele pode visitar, no interior do Estado, o município de Presidente Sarney, de pouco mais de 13 mil habitantes, segundo o IBGE. A cidade é um bom e triste exemplo do domínio oligárquico: 5% dos domicílios têm esgoto sanitário e 0,6%, água encanada; 38% dos habitantes acima de 15 anos são analfabetos (no Brasil, são 13%). O rendimento médio da população é de R$ 159. No ranking do IDH dos municípios brasileiros, a cidade está em 5.268º lugar.

Nestes 40 anos, o Maranhão, que já era um Estado pobre em 1965, transformou-se na vanguarda do atraso. Dos Estados brasileiros, é o que tem os piores indicadores sociais. Vivem abaixo da linha da pobreza dois terços da população. Todavia, se os recursos são escassos para a educação, saúde ou o saneamento básico, são fartos quando pagam obras não realizadas, como a estrada ligando os municípios de Arame a Paulo Ramos. Os 133 quilômetros nunca saíram do papel, mas o pagamento foi efetuado. As "construtoras" receberam US$ 33 milhões, apesar dos insistentes protestos da oposição local. Com certeza, a estrada mereceria um romance que poderia ser escrito por algum acadêmico local, seguindo o realismo fantástico de Gabriel Garcia Márquez.

Romper o poder coronelístico por dentro, ou seja, na própria província, é tarefa quase impossível. Os coronéis controlam o Estado e seus braços repressivos. As apurações das eleições são, no mínimo, duvidosas. Apelar para o Poder Judiciário? Parentes dominam a Justiça. Optar pelos meios de comunicação? No Maranhão, os Sarneys têm a concessão -direta ou indireta- de mais de duas dúzias de emissoras de rádio e TV, além de vários jornais.

A única saída é destruir a fonte do seu poder: as relações privilegiadas que o clã mantém com a União. É de lá que emanam os recursos e o poder que permitem segregar da cidadania milhões de brasileiros. O fim do coronelismo é uma espécie de etapa necessária da nossa revolução burguesa, pois poderemos ter um Congresso Nacional mais representativo e relações efetivamente republicanas entre o governo da União e os Estados federados. 

O caso do PanAmericano

O banco do SS faliu. A CEF perdeu 300 milhões. Ninguém informou o destino do dinheiro desviado. Até o momento não se sabe o valor do rombo. Não foi informado como o BC e as auditoriais não "notaram" o desaparecimento de 2,5 bilhões de reais. mesmo assim, com tudo isso, o assunto só não caiu no esquecimento porque a imprensa continua comentando (e cada vez dando menos espaço). A oposição abdicou do tema sem sequer insistir em algum tipo de providência, investigação ou denúncia. É provável que esteja já pensando nas festas de final de ano.

Tudo indica que a oposição vai repetir no governo Dilma o mesmo desempenho dos últimos 8 anos.

As batalhas do PMDB

O PMDB vai testar Dilma todo santo dia. O episódio do blocão é só o primeiro. Segundo os jornais, Dilma disse que não vai interferir na eleição da Câmara. Isto significa que o PMDB fará o presidente da Casa. Sem o apoio do Planalto, Vacarezza não será eleito nem suplente do terceiro secretário.

No quadro atual, o PMDB fará os presidentes das duas Casas (como na atual legislatura).

PMDB será pedra no sapato da presidente

Publiquei hoje na Folha de S. Paulo:


Quarenta e quatro porcento do eleitorado disse não à presidente Dilma. Ela entendeu o recado das urnas. Mas, curiosamente, a oposição fez ouvidos de mercador.

Ao invés de imediatamente iniciar a discussão de um projeto alternativo, simplesmente desapareceu do cenário.
Continua tão desarticulada como nos últimos oito anos. Isso apesar dos vários esqueletos que estão saindo do armário governamental, especialmente o megaescândalo envolvendo o rombo bilionário do banco PanAmericano.

Com uma base de dez partidos -e com vários parlamentares oposicionistas sedentos para aderir ao governo-, o maior problema de Dilma será administrar a voracidade dos seus apoiadores. Todos se julgam credores da vitória. E exigem uma parte do botim, como piratas de um velho filme B.

É sabido que o PMDB não passa de uma federação de caciques estaduais. A divisão do partido é, por estranho que pareça, a sua força.

Um dos seus segredos é nunca punir os dissidentes. Dessa forma, mantém enorme poder de barganha para negociar com o detentor do Executivo federal. Sempre apresenta uma força maior do que efetivamente tem. Blefa como qualquer jogador. E, algumas vezes, vence.

O partido atual não tem qualquer relação com o velho MDB/PMDB liderado pelo dr. Ulysses. Aquele foi fundamental na luta pela redemocratização. Tinha princípios políticos, lideranças expressivas e reconhecidas pela integridade moral.

Foi considerado pelo PT, na época, o seu principal adversário.

O PMDB de 2010 é muito diferente: é o mais destacado representante do saque organizado do Estado. Precisa controlar ministérios e empresas estatais para sobreviver. É um dependente crônico do fisiologismo.
Curiosamente, com este PMDB, de Renan Calheiros, Jader Barbalho e José Sarney, o PT se relaciona bem.
A divisão do partido também está presente no Congresso. Lá, há o PMDB da Câmara e o do Senado.

Cada um deles tem seus líderes e seus interesses, para dizer o mínimo, pouco republicanos. Assim, o PMDB é mais um ajuntamento de políticos que um partido político.

É um grave equívoco imaginar que o PMDB possa ser um anteparo ao autoritarismo tão presente em algumas frações do PT. A preocupação do partido não é com a proteção das liberdades públicas. Isso foi no passado. Hoje, o interesse central dos seus dirigentes é a manutenção dos seus negócios.

E, para eles, será até preferível, dentro dessa lógica perversa, criar dificuldades, por exemplo, à liberdade de
imprensa. Afinal, é na imprensa que são sistematicamente denunciadas suas mazelas.

O anúncio da tentativa da formação de um "blocão" na Câmara foi só a primeira demonstração de que o PMDB vai ser para a presidente Dilma uma pedra no sapato. Certamente, muito maior do que a oposição. Para os peemedebistas, governabilidade significada transacionar, colocar o erário à seu serviço.

Basta ler o noticiário dos últimos dias para confirmar essa tese. Em nenhum momento foi invocada algum razão programática. Todas as vezes a referência foi sobre o tamanho do orçamento do ministério ou da empresa estatal.

Em qualquer país sério, seria considerado um escândalo; no Brasil, como um sinal dos tempos sombrios em que vivemos, é considerado algo absolutamente natural.

Não será estranho a ocorrência de uma crise entre o PMDB e a presidente logo nos primeiros meses de governo. Dilma não tem o cacife e a experiência de Lula. Vai ser testada a todo momento. E, triste reconhecer, deverá ser a única chance da oposição. Assim como no mensalão, quando a própria base criou a maior crise do governo Lula.

PMDB será pedra no sapato da presidente

Publiquei hoje na Folha de S. Paulo:


Quarenta e quatro porcento do eleitorado disse não à presidente Dilma. Ela entendeu o recado das urnas. Mas, curiosamente, a oposição fez ouvidos de mercador.

Ao invés de imediatamente iniciar a discussão de um projeto alternativo, simplesmente desapareceu do cenário.
Continua tão desarticulada como nos últimos oito anos. Isso apesar dos vários esqueletos que estão saindo do armário governamental, especialmente o megaescândalo envolvendo o rombo bilionário do banco PanAmericano.

Com uma base de dez partidos -e com vários parlamentares oposicionistas sedentos para aderir ao governo-, o maior problema de Dilma será administrar a voracidade dos seus apoiadores. Todos se julgam credores da vitória. E exigem uma parte do botim, como piratas de um velho filme B.

É sabido que o PMDB não passa de uma federação de caciques estaduais. A divisão do partido é, por estranho que pareça, a sua força.

Um dos seus segredos é nunca punir os dissidentes. Dessa forma, mantém enorme poder de barganha para negociar com o detentor do Executivo federal. Sempre apresenta uma força maior do que efetivamente tem. Blefa como qualquer jogador. E, algumas vezes, vence.

O partido atual não tem qualquer relação com o velho MDB/PMDB liderado pelo dr. Ulysses. Aquele foi fundamental na luta pela redemocratização. Tinha princípios políticos, lideranças expressivas e reconhecidas pela integridade moral.

Foi considerado pelo PT, na época, o seu principal adversário.

O PMDB de 2010 é muito diferente: é o mais destacado representante do saque organizado do Estado. Precisa controlar ministérios e empresas estatais para sobreviver. É um dependente crônico do fisiologismo.
Curiosamente, com este PMDB, de Renan Calheiros, Jader Barbalho e José Sarney, o PT se relaciona bem.
A divisão do partido também está presente no Congresso. Lá, há o PMDB da Câmara e o do Senado.

Cada um deles tem seus líderes e seus interesses, para dizer o mínimo, pouco republicanos. Assim, o PMDB é mais um ajuntamento de políticos que um partido político.

É um grave equívoco imaginar que o PMDB possa ser um anteparo ao autoritarismo tão presente em algumas frações do PT. A preocupação do partido não é com a proteção das liberdades públicas. Isso foi no passado. Hoje, o interesse central dos seus dirigentes é a manutenção dos seus negócios.

E, para eles, será até preferível, dentro dessa lógica perversa, criar dificuldades, por exemplo, à liberdade de
imprensa. Afinal, é na imprensa que são sistematicamente denunciadas suas mazelas.

O anúncio da tentativa da formação de um "blocão" na Câmara foi só a primeira demonstração de que o PMDB vai ser para a presidente Dilma uma pedra no sapato. Certamente, muito maior do que a oposição. Para os peemedebistas, governabilidade significada transacionar, colocar o erário à seu serviço.

Basta ler o noticiário dos últimos dias para confirmar essa tese. Em nenhum momento foi invocada algum razão programática. Todas as vezes a referência foi sobre o tamanho do orçamento do ministério ou da empresa estatal.

Em qualquer país sério, seria considerado um escândalo; no Brasil, como um sinal dos tempos sombrios em que vivemos, é considerado algo absolutamente natural.

Não será estranho a ocorrência de uma crise entre o PMDB e a presidente logo nos primeiros meses de governo. Dilma não tem o cacife e a experiência de Lula. Vai ser testada a todo momento. E, triste reconhecer, deverá ser a única chance da oposição. Assim como no mensalão, quando a própria base criou a maior crise do governo Lula.

Saudades do barão

Este artigo foi publicado na Folha de S. Paulo em 4 de outubro de 2009. Ontem, o governo brasileiro se absteve na ONU. A votação era uma condenação ao Irã pelo apedrejamento de mulheres. Em mais de um ano, nada mudou na antiga casa de Rio Branco:

AS TRAPALHADAS na condução da crise de Honduras sintetizam de forma cristalina a ação do Itamaraty nos últimos sete anos. É um misto de voluntarismo com irresponsabilidade. Algumas vezes, Celso Amorim mais parece um líder estudantil do que ministro das Relações Exteriores.

O Brasil não tem nenhuma vinculação histórica com a América Central.

Contudo, o governo brasileiro insistiu em ter participação direta na crise hondurenha. Queria demonstrar liderança regional numa área historicamente de influência norte-americana.

Como uma espécie de recado do "cara" para Barack Obama, comunicando que o Brasil era a nova potência da região. Potência sem "marines", mas com muita retórica e bazófia.

Claro que tinha tudo para dar errado, como se, em um filme de faroeste, John Wayne fosse substituído por Oscarito.

A aventura alcançou o ápice quando Zelaya chegou à embaixada brasileira. Minutos depois, recebeu a adesão de centenas de seguidores. Logo o local virou um acampamento. A tradição latino-americana se impôs. Muitos discursos, acusações, traições e atos de valentia sem nenhuma consequência prática. E tudo isso na embaixada brasileira, território nacional.

Quando o governo hondurenho cercou o prédio, o ato foi considerado autoritário. Imagine o que faria Fidel Castro se um líder anticastrista entrasse na embaixada brasileira em Havana e de lá insuflasse a população cubana à rebelião...

Celso Amorim declarou diversas vezes que lá em Honduras estava sendo jogada a sorte da democracia na América. Não era possível transigir com princípios democráticos e legais.

Era necessário não retroceder.

Estranhamente, essa determinação não é aplicada na América do Sul.

Mais ainda quando nossos vizinhos agem deliberadamente contra os interesses brasileiros, violando tratados, leis e contratos.

Tivemos o caso das refinarias da Petrobras na Bolívia, que foram tomadas abusivamente pelo governo local. Tivemos a insistência paraguaia impondo a revisão do tratado de Itaipu 15 anos antes do seu término. Tivemos as sucessivas violações do tratado do Mercosul realizadas pela Argentina e as abusivas medidas adotadas pelo governo equatoriano contra empresa brasileira. 

A tudo isso o governo Lula assistiu passivamente. Não moveu um dedo.

Pelo contrário, concordou com as arbitrariedades, desmoralizou as gestões anteriores do Itamaraty e, assim, abriu caminho para que amanhã um governo resolva, de moto próprio, descumprir um tratado ou acordo.

A simpatia política com os governos chamados bolivarianos e subserviência a eles chegou ao ponto da absoluta irresponsabilidade.

A Colômbia, que tem tentado estabelecer uma política de cooperação com o governo Lula para melhorar a fiscalização da fronteira, é sistematicamente tratada com hostilidade, inclusive nos fóruns regionais.

Já a Venezuela, que disputa claramente espaço político com o Brasil e que não perde uma oportunidade para debilitar os interesses brasileiros na região (como durante a encampação das refinarias da Petrobras na Bolívia), é tratada como aliada, mesmo tendo uma política externa agressiva, sustentada por fabulosas compras de modernos armamentos. E, como o que está ruim pode piorar, a Venezuela vai entrar no Mercosul.

A diplomacia brasileira tentou por todos os meios ter presença diretiva em vários organismos internacionais e no Conselho de Segurança da ONU.

Como necessitava de votos, considerou natural ignorar graves violações dos direitos humanos em vários países (como o genocídio de Darfur), apoiou ditadores (como Muammar Gaddafi) e até fez campanha para um aspirante a diretor-geral da Unesco notabilizado por declarações de cunho antissemita. Mesmo assim, os candidatos brasileiros foram derrotados, e a estratégia fracassou.

O presidente Lula transformou o Itamaraty em uma espécie de Íbis, clube de futebol pernambucano celebrizado pelo número de derrotas.

O Brasil precisa ter papel relevante nos organismos e nas negociações internacionais. Disso ninguém discorda. Mas a maturidade econômica do país não condiz com uma política externa inconsequente. Não é com base em aventureirismo que o país vai ser respeitado. E muito menos servindo de cavalo de troia de bufões latino-americanos. 

Um dos grandes desafios para o século 21 brasileiro é a construção de uma política externa global, que enfrente os desafios da nova ordem internacional. Um bom caminho para dar início a essa discussão é aproveitar a próxima eleição e, pela primeira vez, transformar a política externa em tema eleitoral.





Presidencialismo de transação

Publiquei este artigo n'O Estado de S. Paulo de 9 de julho de 2008:

No Brasil temos um presidencialismo de novo tipo, um presidencialismo de transação. Transações caras, à custa do tesouro público. A desfaçatez é tão grande que tudo é feito às claras. Se antigamente a negociação para obter apoio político era realizada clandestinamente, hoje a transação é pública. Um político reivindica um cargo e usa a imprensa como instrumento de pressão, de coação sobre o governo. Na esfera federal (pois o mesmo se reproduz nos Estados e nos municípios) já virou rotina um deputado ou senador exigir uma diretoria de estatal ou um ministério como contrapartida para apoiar o governo. Exemplos não faltam, infelizmente. Não faz muito tempo, foi amplamente noticiada a exigência do PMDB carioca para que fosse nomeado o ex-prefeito Luiz Paulo Conde para a diretoria de Furnas. Estranhamente, ninguém perguntou aos próceres do partido as razões desse empenho. Será que o PMDB carioca tinha um projeto elétrico e necessitava da diretoria da estatal para implementá-lo? Realizou seminários sobre o tema e incluiu no programa regional do partido um capítulo sobre a importância de Furnas para o desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro? O indicado era uma autoridade sobre o tema, uma espécie de Thomas Edison carioca? Nada disso, o PMDB carioca queria porque queria a diretoria da estatal para fazer "aqueles negócios" que todos nós conhecemos. O terrível é que nenhuma autoridade judicial, o Ministério Público, ou lá o que seja, interpelou o partido. Tudo foi aceito como absolutamente natural, a seção estadual "ganhou" a diretoria de Furnas e Conde foi nomeado.

Severino Cavalcanti ficou celebrizado pelo desejo de controlar uma diretoria da Petrobrás que "furasse poço", como declarou. Mas teve pouca sorte, pois, como é sabido, foi obrigado a renunciar à presidência da Câmara dos Deputados e depois não se reelegeu (atualmente é candidato a prefeito de João Alfredo, sertão pernambucano, com apoio do PT local). Mas outros caciques da política regional (e que têm uma ação muito mais nefasta que Cavalcanti) continuam vendendo apoio ao governo federal. Basta consultar as agências federais que atuam no Norte e Nordeste, somente à guisa de exemplo, e encontraremos vários delegados desses oligarcas que dirigem empresas, bancos e superintendências unicamente para auferir benefícios financeiros que são repassados ao "padrinho" e distribuídos entre os membros da famiglia. Esses mandões locais só sobrevivem porque contam com a complacência e conivência do poder central, do presidente da República.

O exemplo que vem de Brasília acaba contaminando Estados e municípios. As alianças políticas também são estabelecidas por essa lógica perversa, que antecede até a vitória eleitoral. A imprensa noticiou fartamente os acordos para a eleição municipal deste ano e o centro da discussão foi o tempo na televisão. Não houve um partido que ao estabelecer uma aliança tenha discutido alguma questão programática. Nada disso. Os partidos, que têm proprietários, especialmente os menores, comercializaram o tempo de televisão, trocando por eventuais favores após a vitória e por apoio financeiro aos seus candidatos (os famosos gastos não contabilizados)

Entra governo, sai governo, e nada muda nesse presidencialismo de transação. O primeiro mandatário é refém do Congresso Nacional, como se o voto do eleitor fosse seqüestrado e o preço pelo exercício da função presidencial dependesse do pagamento de uma espécie de resgate. As alianças políticas não são estabelecidas com base programática. A maior parte dos parlamentares nem sequer tem conhecimento de itens básicos do programa do seu partido. Alguns têm até dificuldade de dizer qual é seu partido, pois mudam de um para outro em questão de meses (teve um caso célebre em 2005, pouco antes do término do prazo legal para mudança de legenda, quando o deputado saiu de um, entrou em outro e no dia seguinte mudou outra vez de partido).

A permanência dessa relação de coação do Legislativo sobre o Executivo é apresentada como inevitável, uma condição indispensável para a governabilidade. Ganha até foro acadêmico e recebe o nome de presidencialismo de coalizão. Qualquer crítica a essa coação é vista como uma espécie de rompimento da ordem democrática, pois levaria ao estabelecimento de uma outra relação, baseada em princípios programáticos, que para ser estabelecida levaria necessariamente a um choque (ao menos inicialmente) com o Legislativo. Ninguém imagina que o baixo clero, acostumado há décadas com o sistema do "é dando que se recebe", aceitará sem resistir um outro tipo de arranjo político. Será inevitável um enfrentamento que, se bem conduzido, poderá levar o País a um outro patamar e finalmente à democracia.

Seria uma verdadeira revolução nos marcos democráticos se um presidente, antes de assumir, convocasse uma rede nacional de rádio e televisão e apresentasse seu programa de governo e eventuais projetos de lei que encaminharia ao Congresso Nacional para dar sustentação a sua ação administrativa. Ou seja, a aliança de sustentação no Parlamento teria como balizamento o programa de governo. Portanto, em vez de um saque organizado do erário público, como ocorre nos tempos atuais, teríamos o estabelecimento efetivo de um governo de coalização, mais amplo ou menos amplo, dependendo da representação parlamentar. Poderíamos ter, pela primeira vez na nossa história, um debate parlamentar e público sobre alianças com bases em programas, como ocorre nas mais antigas democracias ocidentais.

Para que tal aconteça, o ponto de partida é a ação do presidente da República. É ele que deve dar o pontapé inicial. Deve ter a ousadia de romper com uma prática nociva ao sistema democrático. Não criará nenhuma turbulência política. Pelo contrário. Ninguém, em sã consciência, considera que vivemos em um regime de normalidade constitucional, isso quando a cada semana temos denúncias gravíssimas sobre desvios de recursos públicos. A pergunta que fica é: quando será efetivamente proclamada a República que foi anunciada em 15 de novembro de 1889?

Deodoro, o arrependido

Este texto foi publicado na "Folha de S. Paulo" de 1 de outubro de 2006:

Sou um soldado, um velho soldado. Aprendi em casa com os meus pais que os interesses do Brasil estão sempre em primeiro lugar. Perdi três irmãos na guerra do Paraguai: Hipólito e Afonso, que morreram na batalha de Curupaiti, e Eduardo, que tombou em Itororó, todos no mesmo ano. 

Minha querida mãe, dona Rosa, ao receber a notícia da morte dos filhos, só quis saber se tinham morrido com honra. Fiquei cinco anos na guerra. E voltei com mais dois irmãos que lá lutaram. Gosto de brincar dizendo que devo a minha carreira ao [ditador paraguaio] Solano López.

Quando vejo o que acontece no Brasil, dá um desânimo... Uma vez disse que gostaria de pegar os ministros e levá-los à praça pública para que o povo os julgasse. E em seguida iria ao Parlamento e exporia as razões do meu gesto. Vejam que não há nada mais antipolítico do que isso. Mas sou assim.

Sou militar e não compartilho a forma como os políticos tratam o governo. Não gosto da forma como os partidos agem. Já fui presidente e não entendo nada de confabulações ou acordos políticos. Na verdade, não é que não entendo, é que os acordos geralmente envolvem transações que meu espírito de militar repugna.

Vocês sabem que até cheguei a fechar o Congresso Nacional -a bem da verdade, não fui o único, e muita gente pensa nisso até hoje. Queriam votar uma lei sobre crimes de responsabilidade para me atingir. Logo eu, que moro na mesma casa há anos, não tenho filhos e nunca fui acusado de nenhum delito no trato da coisa pública.

Lembro até de um quadro que me foi ofertado. Dias depois vieram cobrar um favor e recordaram do presente. Imediatamente paguei o quadro, porém fiz questão que o finório assinasse um recibo. Mas estava falando do Congresso. Foi reaberto duas semanas depois pelo Floriano [Peixoto]. Antes, renunciei à Presidência. Deixei claras minhas razões: "Assino a carta de alforria do derradeiro escravo do Brasil".

Certamente, alguém deve estar perguntando por que quero novamente ser presidente. Bem, peço desculpas por ficar lembrando a toda hora o que fiz, mas há muito tempo disse que República, no Brasil, é desgraça completa.

E que não tinha a pretensão de querer me aproximar de Jó nem de Jesus Cristo. Mas quero fazer alguma coisa pelo meu país. Sou um soldado, não sou um literato, nem sei dizer belas palavras.

Falta coragem
Admiro os intelectuais e tenho em Rui Barbosa a minha referência. Quando entrei para o Exército, não fiz muitos estudos. Aprendi na prática, no campo de batalha. E por isso é que acho que falta coragem para os políticos enfrentarem os graves problemas brasileiros.

Já que estamos no terreno das revelações, nunca gostei dos "casacas". Falam, falam, contudo, na hora da luta, somem, mandam nós, os militares, para cumprir suas ordens.

Lembram quando pediram para que perseguíssemos os escravos fugitivos? O Exército não tem essa função. Agora querem que a gente vá atrás dos traficantes. O Exército, como disse naquela época, não é capitão-do-mato nem polícia.

Quando renunciei, escrevi uma breve carta dizendo que deixava o poder nas mãos do funcionário a quem incumbia me substituir. Meus inimigos fizeram troça. Presidente não é funcionário, ironizavam. Não sei do que riram. Para mim, presidente é funcionário, sim.

É o primeiro funcionário público do país. Por isso, acho que devo dar sempre o exemplo. Não gosto de receber presentes, e a minha vida pessoal é muito simples. Vivo modestamente dos meus proventos como marechal da reserva. Não quero e não preciso de mais nada. Quando ouço falar em corrupção, fico com muito ódio.

Na hora, lembro dos meus manos e dos milhares que morreram no Paraguai defendendo a nossa pátria.

Sem conversa fiada
Muitos não gostam de mim porque sou rude. Não gosto mesmo de conversa fiada. Entrei para o Exército quando tinha 16 anos. Sou nordestino, andei pelo Centro-Oeste, conheço o Sul do país, estive no Uruguai e no Paraguai.
Passei boa parte da vida no Rio de Janeiro. Comandei tropas em muitos lugares mas também exerci funções de governo. Pretendo reunir um grupo de colaboradores escolhidos entre os mais sinceros republicanos para poder administrar o Brasil, assim como fiz da primeira vez.

Apesar da minha postulação à Presidência, sendo sincero, acho que a nossa República não tem jeito. Tem noites em que não consigo dormir. Numa delas acordei e falei para dona Mariana, minha mulher: "Você tinha razão, não devia ter saído de casa naquela manhã do dia 15 de novembro" [de 1889, quando proclamou a República]. Eu estava seriamente enfermo e os meninos vieram me buscar para ir aonde se encontrava o gabinete imperial. Ela disse: "Manoel, volta para a cama". Como sou teimoso, segui os meninos, e deu no que deu.

Os caminhos de Aécio Neves até a eleição de 2014

Matéria publicada hoje no "Veja. Com". Como é sabido - e diversamente do que informa a matéria - sou historiador:


Nenhum outro tucano saiu das urnas tão vitorioso quanto Aécio Neves. Após oito anos à frente do governo de Minas Gerais, ele se elegeu senador com 7,6 milhões de votos e ainda empenhou seus 70% de aprovação no estado nas vitórias de Itamar Franco (PPS), também para o Senado, e de Antonio Anastasia, o antes desconhecido vice-governador que se transformou em seu sucessor.

Da popularidade de Aécio Neves, portanto, ninguém pode duvidar. A prova que se apresenta a ele agora é de outra natureza. Nos próximos quatro anos, o ex-governador mineiro precisa mostrar sua capacidade de liderança nacional para unir o PSDB e pavimentar o caminho até as eleições presidenciais de 2014.

Ao lado do governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin, Aécio é hoje o principal nome do PSDB para a disputa. Alckmin, apesar da votação expressiva em São Paulo, já foi derrotado uma vez por Luiz Inácio Lula da Silva. Aécio é, no conteúdo e na forma, a grande novidade. Terá voltados para si todos os holofotes da oposição.

Para Marco Antonio Villa, historiador e professor de Ciência Política da Universidade de São Carlos, Aécio terá de evoluir para se firmar no cenário nacional. “A rotina de senador lhe exigirá outra postura. A cada dia ele precisa estar pronto a discutir uma pauta diferente”, analisa Villa. “Não basta ser conciliador, ter jogo de cintura. É preciso ter e defender ideias em um ambiente de tensão permanente.”

O voto de 44% dos brasileiros em José Serra no segundo turno das eleições de 2010 serve de recado para Aécio: há demanda por um discurso e uma proposta de oposição. “Aécio deve falar, antes de tudo, a esse eleitorado”, diz Villa.

O sociólogo Humberto Dantas, doutor em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo, lembra que, para construir a viabilidade de seu nome para 2014, Aécio precisa quebrar a centralização do PSDB em São Paulo. Seria a saída para suavizar a rixa entre tucanos mineiros e paulistas e seus reflexos negativos nas urnas – foi por causa dessa disputa interna que Serra se saiu mal em Minas, e se a questão não for resolvida, pode se voltar contra Aécio em São Paulo numa futura eleição nacional.

Para dar conta de tantas missões, bastaria a Aécio o cargo de senador? Ele jura que sim. Correligionários fazem eco. “Ele não procura títulos, é um líder nato. Aécio pode ser qualquer coisa, menos um qualquer”, afirma o fiel escudeiro Nárcio Rodrigues, presidente do PSDB de Minas.

Apesar do discurso, circulam pelos bastidores pelo menos três possibilidades, complementares ao Senado, para 2011. Aécio poderia assumir a presidência do Senado, poderia ainda presidir o PSDB, ou abandonar o partido que ajudou a fundar.

Presidência do Senado – O posto dos sonhos de Aécio é tão desejado quando improvável. E o mineiro dá sinais de que não pretende encampar essa guerra, ao assumir o discurso de que vai respeitar a proporcionalidade como critério de escolha do presidente da Casa. “Ele pode até sonhar com a presidência do Senado, mas não aposta em cavalo perdedor”, analisa Marco Antonio Villa. Para Humberto Dantas, assumir a tarefa seria “uma jogada de mestre”. “Ao mesmo tempo, porém, representaria um custo muito alto”, avalia.

A escolha preza pela representação proporcional dos partidos que compõe a Casa. Quem tem a maior bancada decide. No caso, o PMDB, com 20 cadeiras, e o PT, com 14, estão na frente do PSDB, que tem 11. “Há um acordo muito bem amarrado entre PMDB e PT para comandar o Senado. É uma posição com poder e visibilidade enormes. A base não entregaria isso a Aécio”, diz Villa.

Os galanteios do governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), lançando Aécio ao posto, têm outra explicação. “São um recado ao PT, para que preste atenção ao PSB na partilha de espaço dentro do governo Dilma Rousseff”, diagnostica Dantas. “Aécio tem proximidade com Cid, Ciro Gomes e Eduardo Campos. Eles podem agir juntos, se quiserem.” PSDB e PSB firmaram alianças regionais em cinco estados nas eleições de 2010: Paraná, Alagoas, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Paraíba. Em todos eles, os candidatos a governador apoiados saíram vitoriosos.

Presidência do PSDB – O PSDB decidiu esticar até maio de 2011 o mandato do presidente nacional do partido, senador Sérgio Guerra, que terminaria em outubro. E não foi à toa. O objetivo é evitar o acirramento de ânimos entre apoiadores de José Serra e de Aécio Neves em um momento já delicado, após a derrota de Serra nas urnas. A disputa pela presidência do partido mobilizará os dois grupos, mas tende a terminar com uma decisão no melhor estilo tucano: um nome de convergência.

“Não seria bom para o PSDB ter Serra ou Aécio como presidente nacional, por conta das rusgas entre os grupos de cada um. Um deles assumir representaria que o outro foi derrotado, o que só aumentaria a cisão”, afirma Humberto Dantas.

Para Marco Antonio Villa, a tarefa de dirigir o partido exigiria de Aécio dedicação. “O PSDB é um condomínio de algumas lideranças regionais fortes. Precisa de alguém que o transforme em partido, com discurso, proposta e identidade”, diz o professor. “A tarefa envolve muito esforço interno. E Aécio precisa garantir visibilidade externa se quiser sair candidato a presidente em 2014.”

O caminho natural, portanto, será Aécio tentar colocar na presidência do partido um nome de sua confiança, avalia cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. “Não interessa a Aécio que Serra assuma a presidência do partido. Isso daria ao adversário força para tentar mais uma candidatura à Presidência da República.” Um dos nomes de confiança de Aécio cotados para o cargo é o do senador em fim de mandato Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Por hora, tanto serristas quanto aecistas são só elogios a Sérgio Guerra. “Ele tem ido muito bem na condução do partido, mostra muita tranqüilidade e uma paciência incrível para acomodar correntes”, afirma a senadora Marisa Serrano (PSDB-MS), uma das apoiadoras mais fieis do ex-governador paulista. “O partido está muito bem conduzido na mão de Guerra”, afirma o deputado federal Nárcio Rodrigues (PSDB-MG).

Fora do PSDB – Possibilidade remota, mas que ainda será muito ventilada nos próximos meses. Os boatos a respeito da saída de Aécio Neves do PSDB facilitam barganhas do mineiro dentro do partido e negociações de líderes do PSB e do PMDB com o PT. “Se houver alguma mudança de partido, so acontecerá depois das eleições municipais de 2012, quando o cenário eleitoral estiver mais claro”, acredita Villa. “Até lá surgirão muitos balões de ensaio.”

Sair de verdade só se a situação dentro do partido ficar insustentável, avalia Fábio Wanderley. “Aécio só sai se o partido estiver se desintegrando, que não é o que se vê agora.” Para Humberto Dantas, o perfil de Aécio deve garantir sua permanência entre os tucanos. “Sair seria difícil e arriscado. Aécio teve paciência para esperar o melhor momento para se candidatar, cedeu a vez a Serra. Além disso, tem uma boa relação com Alckmin. Juntos os dois darão identidade ao novo PSDB.”

Eleição no Brasil é um vazio de idéias

Este artigo foi publicado na "Folha de S. Paulo" em 23 de agosto de 2006. E já criticava a pobreza ideológica nas eleições e a dificuldade da oposição na elaboração e apresentação de um projeto de governo:

PELA PRIMEIRA vez na história deste país (como gosta de dizer Lula), teremos a quinta eleição consecutiva para presidente da República. Na "República populista", tivemos só quatro -e não dá para considerar nenhuma das 11 eleições da República Velha. É um marco que deveria ser comemorado. Porém vivemos um clima diverso, bem diverso.

Muitos eleitores se sentem órfãos da sucessão, insatisfeitos com os quatro principais candidatos. Consideram que, somados, o "presidenciável" Luís Geraldo Helena Buarque não daria um bom candidato.

Até hoje, nenhum dos candidatos apresentou seu programa de governo -e estamos a menos de 40 dias da eleição. O Brasil é um país estranho: as alianças políticas são estabelecidas e as pesquisas eleitorais são realizadas sem que os partidos ou os eleitores saibam o que pensam os candidatos. E todos acham isso absolutamente natural. O que foi apresentado são idéias vagas sobre alguns temas -e apenas porque os candidatos são provocados por perguntas de jornalistas.

Lula só falou generalidades. Dá um tom familiar à campanha. Em visita ao DNIT -célebre pelas denúncias de Roberto Jefferson-, disse que tapou os buracos das estradas por exigência de dona Marisa.

Geraldo Alckmin disserta sobre o nada. Apresenta-se como presidente-gerente (slogan utilizado por Adhemar de Barros na eleição de 1955). Na ausência de um programa consistente, outro dia desenterrou a proposta da adoção do parlamentarismo, que já foi derrotada em dois plebiscitos (1963 e 1993).

Heloísa Helena reforça o estilo "falta vontade política para mudar o país" (e um pouco de cara feia e palavras duras), e Cristovam Buarque sugere que as Forças Armadas eduquem 2 milhões de jovens.

O vazio de lideranças e de idéias é tão grande que já começam a aparecer candidatos para 2010. Fala-se em Aécio Neves, mas ninguém, até hoje, sabe o que ele pensa sobre os principais problemas brasileiros. Será que é justamente por isso que é considerado um bom candidato? O conservadorismo e a irresponsabilidade marcam a pior campanha desde 1989. Ficamos uma semana discutindo a Assembléia Constituinte proposta por Lula. Por quê? Difícil responder. O próprio autor já esqueceu da proposta. 

No campo econômico, os dois principais candidatos pouco ou nada diferem. Tanto um como o outro são apoiados por forças conservadoras: não há nenhum divisor de águas entre projetos nacionais distintos, simplesmente porque nenhum dos dois nem sequer apresentou um programa básico de governo.

Os candidatos repetem idéias de outras campanhas, banalizam a escolha e desmoralizam o processo eleitoral. O sentimento de enfado amplia-se: o eleitorado demonstra sua insatisfação de várias formas.

Uma delas é o crescimento dos defensores do voto nulo como forma de protesto contra "tudo o que está aí".

Levantam questões relevantes que devem ser respondidas, e não proibidas, como propugnam alguns. Entre elas, por que escolher candidatos que, no essencial, defendem as mesmas idéias? Para que serve o Parlamento se a maioria dos membros acaba se envolvendo em atividades anti-éticas e não é punida por seus pares?

Não se sabe o que fazer. Fala-se em reforma política. Mas os partidos estão tão desmoralizados quanto os políticos. Ora se identifica na reeleição a razão principal dos males. Mas ela não é o problema. O que falta é uma legislação que discipline e puna os crimes contra o erário, além de um Judiciário eficaz e rápido nas decisões.

Deve ser recordado o caso daquele governador que, para eleger o seu sucessor, disse que, se fosse preciso, "quebraria" o banco estadual. Como um homem de palavra, elegeu seu sucessor e levou o banco estadual à falência. Não havia reeleição. Mesmo assim, ocorreu um claro abuso da máquina pública.

Vivemos a crise política mais grave desde 1930. Aquela foi superada com ousadia, e dela nasceu o Brasil moderno. Se a elite política de hoje liderasse o país naquele momento, provavelmente Júlio Prestes teria tomado posse, o Brasil continuaria sendo um país essencialmente agrícola e a questão social continuaria como caso de polícia. 

Em "O Ateneu", numa sessão do grêmio, dr. Cláudio, orador principal, representou o país como "um charco de 20 províncias estagnadas na modorra paludosa da mais desgraçada indiferença". É o quadro atual. O desafio é romper com essa indiferença, e nada melhor para isso do que um processo eleitoral no qual os candidatos apresentem e debatam programas de governo.


A oposição sumiu

Nem parece que a oposição recebeu no segundo turno 44% dos votos. Enquanto a base do governo está se engalfinhando na luta pelos ministérios, empresas estatais e as mesas das duas Casas do Congresso, a oposição sumiu. Serra foi para a Europa e não deu mais notícia (a não ser a breve palestra que lá realizou). Aécio deu uma entrevista que pegou mal. Foi obrigado a dar outra esclarecendo a anterior. Mal sinal. O DEM está vivendo uma grave crise interna e os outros partidos estão meio mortos. Já ouvi que a oposição está esperando a posse de Dilma para daí começar a fazer oposição. Que não seria bom começar a atacar desde agora a nova presidente. Bobagem pura, óbvio. Se a oposição não conseguir nem se reunir ainda este ano(quanto mais fechar um acordo, apresentar idéias gerais para nortear seu trabalho no ano que vem, etc, etc), tudo indica que vai repetir o papel desempenhado nos 2 governos Lula. Ou seja, não vai fazer oposição, a não ser nos 4 meses anteriores às eleições.

O Brasil não merece a oposição que tem.

O Nordeste saiu de moda

Publiquei hoje em O Globo:


Muitos temas ficaram fora da agenda eleitoral deste ano. A discussão sobre o semiárido nordestino certamente foi um deles. Temos o semiárido mais populoso do mundo. A maior parte dos seus habitantes vive próximo da miséria. Seus municípios sobrevivem de duas fontes: a aposentadoria rural e o Bolsa Família, que injetam recursos que são fundamentais para movimentar o comércio.

Não há economia local. A produção de alimentos mal dá para a subsistência.

Os rendimentos de agricultura e pecuária são desprezíveis. Nos oito anos da Presidência Lula nada foi feito na região. E não faltaram instrumentos como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Nordeste, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas ou a Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste.

O Nordeste saiu de moda. E faz tempo. No pré-64 era tema constante em qualquer roda política. Ligas Camponesas, reforma agrária, Sudene eram temas recorrentes. No cinema, música, teatro e literatura, lá estava o Nordeste seco e suas mazelas.

Durante o regime militar a região continuou em pauta. Várias medidas foram adotadas, como os incentivos fiscais. Com a redemocratização, a região foi caindo no esquecimento. E nos últimos tempos desapareceu do debate político nacional. Nem os velhos setores da esquerda falam do sertão. Até o MST centrou suas ações longe de lá.

A Amazônia acabou ocupando o espaço que foi durante décadas do Nordeste. Saiu do noticiário o latifúndio improdutivo e entrou o meio ambiente.

Basta acompanhar as discussões do Congresso Nacional. Vários temas polêmicos envolvem a Amazônia; já o Nordeste ficou esquecido, como se tivessem sido resolvidos, ou, ao menos, encaminhadas as soluções, os seus problemas seculares.

E seus representantes? As velhas oligarquias continuam firmes e fortes.

E ainda ficaram mais poderosas nos últimos 8 anos. Os órgãos e as agências estatais que atuam na região foram entregues aos oligarcas.

São excelentes cabides de empregos e de bons negócios. Fortaleceram ainda mais seus interesses de classe.

Por outro lado, os sertanejos estão abandonados e cada vez mais dependentes dos oligarcas e de seus instrumentos de dominação, especialmente o Bolsa Família. A maioria das cidades do semiárido tem mais de 60% dos seus habitantes recebendo o benefício.

Mal conseguem se alimentar e não têm nenhuma perspectiva de futuro.

Canudos, no Nordeste da Bahia, é um bom exemplo. É conhecida devido à guerra de 1896-1897 e ao maior clássico brasileiro, “Os sertões”, de Euclides da Cunha. Hoje, o município tem pouco mais de 15 mil habitantes, dos quais 2.461 famílias são beneficiárias do programa. Ainda cerca de 500 estão cadastradas e aguardam a sua vez: são um excelente instrumento eleitoral com promessas de que irão fazer parte da lista de pagamentos do programa. As famílias já beneficiadas ficam à mercê do dirigente local: permanecem recebendo o benefício se apoiarem o oligarca local. E como cada família sertaneja, em média, não tem menos que cinco pessoas, hoje representam cerca de 12 mil pessoas, cerca de 80% da população.

No município não há nenhum trator, porém tem 473 motos. A dependência dos recursos da União ou do governo estadual é absoluta. Basta ver que o imposto territorial rural recolhe aos cofres municipais pouco menos de 5 mil reais; já do Fundo de Participação dos Municípios recebem 8 milhões. Dos 15 mil habitantes, pouco mais de 600 são assalariados, e o PIB per capita é de 2.700 reais.

Em 2006, no segundo turno da eleição presidencial, Lula obteve 5.768 votos, e Alckmin, 1.621, isto de um total de 7.389 votos válidos. Quatro anos depois, em um universo um pouco maior, de 7.481 votos válidos, Dilma saltou para 6.454, e Serra recebeu apenas 1.027, isto sendo um político muito mais conhecido na cidade, pela atuação no Ministério da Saúde, do que Alckmin. Se nas esferas municipal e estadual mantiveramse os políticos tradicionais, na eleição presidencial o fortalecimento do domínio petista é inconteste.

E o quadro de Canudos repete-se em centenas de municípios do semiárido.

Foi forjada uma sólida aliança entre o petismo federal e as oligarquias, transformando a população da região em celeiro de votos para os candidatos governamentais. Se nos últimos anos os indicadores sociais tiveram leve melhora, a sociedade local continua petrificada. Os mandões locais continuam tão poderosos como antes. O potencial de revolta foi domado pelos programas assistencialistas.

É como se a roda da história não se movesse. E, para piorar o quadro, o Brasil virou as costas para o Nordeste.