STF: uma história de subserviência

Este artigo foi publicado no Estadão em 26 de agosto de 2007. Republiquei no blog em 12 de fevereiro de 2011. Dada a polêmica atual sobre o STF, acho que vale colocá-lo para uma nova leitura.

Uma história marcada pela subserviência
O STF é a síntese da Justiça brasileira: lento, corporativo, classista, formalista e injusto

Marco Antonio Villa*

A sessão de quarta-feira do Supremo Tribunal Federal foi estarrecedora. As atenções estavam voltadas para aquela Corte, que apreciava a denúncia por parte do procurador-geral da República dos envolvidos no mensalão. Duas dúzias de advogados, regiamente pagos, estavam defendendo seus clientes.

Porém, da parte dos advogados já estamos acostumados à retórica vazia. A oratória é repetitiva, os gestos sempre iguais, como se todos (ou quase todos) tivessem passado pelo mesmo cursinho de como falar bem. Causa estranheza as homenagens que apresentam nas suas falas ora a um ministro, ora a um comentador da Constituição, ora a outro colega. Manter a atenção não é fácil, mas quem está acostumado com as sessões da TV Câmara e da TV Senado já tem know-how e consegue resistir.

O que logo chamou a atenção foi o desinteresse dos ministros - com algumas honrosas exceções - que, como diria um advogado, compõem aquela egrégia Corte. Tinha notado, em outras sessões, que durante a leitura do voto do relator ou quando um advogado defendia seu cliente, eles, os ministros, conversavam animadamente, levantavam, faziam piadas. Pareciam alunos indisciplinados, daqueles que, quando entram na sala de aula, se esparramam pelas carteiras e ouvem com displicência o professor, com a diferença que lá estavam os ministros da mais alta Corte do Brasil.

Na sessão que apreciou a denúncia do mensalão, dos dez ministros presentes, seis não paravam de acessar o computador. Dois (Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski) trocavam e-mails comentando a sessão, falando de como votar, discutindo quem deve ser o novo ministro daquela Casa, dando apelidos aos colegas (Eros Grau, o ministro, que também é poeta bissexto, é chamado de Cupido, e Ellen Gracie, a presidente, é a Professora). Conversavam com assessores (um deles estava “convencendo” um ministro a mudar seu voto!), liam notícias de jornais. Só não faziam o principal: prestar atenção em seu trabalho, que, naquele momento, era de ouvir os advogados de defesa. A ministra estava tão desatenta que nem percebeu quando foi chamada de Cármen Silva e Maria del Cármen. Outros acessavam o computador, bocejavam, demonstravam enfado, como se tudo aquilo não passasse de um rito desnecessário.

Mas o importante é que as aparências estavam mantidas. Os ministros e advogados vestiam suas togas e usavam a costumeira linguagem protocolar. O ministro Eros Grau chegou até a passar um bilhetinho para um advogado de defesa, tudo bem ao estilo do Brasil atual. A toda hora os garçons serviam os ministros e advogados; foi estabelecido um clima cordial, ameno, no plenário, salão que tem até um crucifixo próximo ao brasão da República, isto quando, desde 1890, a Igreja Católica foi separada do Estado. Ou seja, o plenário da mais alta Corte, que deve velar pela Constituição, descumpre a Carta.

Não parecia que estava sendo julgada a aceitação ou não de uma denúncia gravíssima. Quem assistiu às sessões da CPMI dos Correios sabe do que se está falando. Quem não ficou horrorizado com o depoimento de Duda Mendonça confessando espontaneamente que recebeu o pagamento dos seus préstimos no exterior? Quem não ficou horrorizado com o depoimento da diretora financeira de uma empresa de Marcos Valério relatando como entregava milhares de reais aos mensaleiros? Mas a sessão do STF seguia dando a impressão de estar julgando uma briga de vizinhos por algum motivo fortuito.

Infelizmente, aquela corte não tem bons antecedentes. A história do STF na República foi marcada pela subserviência ao Poder Executivo. Em seu governo, o marechal Floriano Peixoto (1891-1894) chegou a nomear para o Supremo um general e um médico (este, Barata Ribeiro, participou de várias sessões). O mesmo marechal Floriano ameaçou o Supremo quando este ia votar uma solicitação de habeas-corpus dizendo que, se fosse concedido, não saberia quem iria conceder o mesmo benefício aos ministros. Claro que o habeas-corpus foi negado.

Durante a República Velha (1889-1930), vários governadores foram depostos, as eleições foram maculadas pela fraude, jornais foram censurados e proibidos, opositores foram presos, torturados, mas o Supremo silenciou. Os valores republicanos e a defesa das liberdades foram ignorados. Quando o Centro Monarquista de São Paulo, em 1897, solicitou um habeas-corpus, o STF negou. Ou seja, o direito de reunião e de manifestação foi desconsiderado. O centro não tinha importância política e nem punha em risco as instituições, mas foi proibido de continuar funcionando. Estrangeiros foram expulsos - e o STF silenciou. Opositores foram desterrados para a Amazônia - e o STF também silenciou.

O advogado e brilhante jornalista Paulo Duarte, que durante décadas escreveu no Estado, no terceiro volume das suas memórias (Selva Oscura) relata um caso, que é exemplar, do uso político do STF pelo Executivo. Em 1924, ocorreu a segunda revolução tenentista. Derrotados, alguns se retiraram para o interior, até encontrar-se com os revoltosos que vinham do sul, formando a Coluna Prestes (1924-1927). Outros acabaram presos. Um deles foi o general João Francisco. Este foi detido com seu filho de 17 anos. Duarte requereu habeas-corpus para o menor, pois a prisão era flagrantemente ilegal. Na tensa discussão no plenário do Supremo, o ministro Bento de Faria, recém-nomeado pelo presidente Artur Bernardes, em resposta à afirmação de que aquele fato era contra a lei, disse: “Mas a lei já tem sido desobedecida numerosas vezes aqui, pode ser esquecida mais uma vez.” Desnecessário dizer que o STF negou o pedido.

Quando em 1935, após a rebelião comunista, foram suspensas as garantias constitucionais, o STF secundou as determinações do Executivo. Durante todo o Estado Novo (1937-1945), aquela corte fechou os olhos às violações dos direitos humanos. Nem sequer um ministro fez um protesto, ainda que mínimo. Nada. Os ministros continuaram a rotina administrativa, mantiveram o formalismo e ignoraram o Brasil real.

Nos anos de chumbo, depois do AI-5, o STF foi um fiel seguidor da ditadura, obediente aos ditames dos generais-presidentes. Quando a ditadura aposentou compulsoriamente três ministros (Víctor Nunes Leal - este foi, posteriormente, “homenageado” dando nome à biblioteca do Supremo -, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva), logo em seguida dois presidentes da Casa demitiram-se (Antônio Gonçalves de Oliveira e Antônio Carlos Lafayete de Andrada). Contudo, os outros ministros (naquele momento o Supremo tinha 16 componentes) mantiveram-se calados. Estranhamente, no site do STF, onde o ministro Celso de Mello escreveu Algumas Notas Informativas (e Curiosas) sobre o Supremo Tribunal, este fato histórico é omitido.

A redemocratização não chegou ao Supremo, infelizmente. Tudo continuou como dantes. Quem não se lembra que o STF não questionou os absurdos jurídicos do Plano Collor? Quem não se lembra que o ex-presidente Fernando Collor foi inocentado por “falta de provas”? Quem não se lembra dos escândalos de corrupção dos últimos 20 anos e da ausência de punição por parte do Supremo? Quem não se lembra dos habeas-corpus concedidos aos salteadores dos cofres públicos, que, logo depois, fugiram do País?

A indicação dos ministros tem de passar pela aprovação do Senado. Porém, excetuando alguns nomes que foram rejeitados no governo Floriano Peixoto, todos os outros foram aprovados. As sabatinas obrigatórias tratam de assuntos secundários e o indicado já é considerado aprovado, isto antes mesmo de ser ouvido.


O STF é a síntese da Justiça brasileira: lento, corporativo, classista, formalista e injusto. É fundamental para o futuro da democracia brasileira que o Supremo mude e passe a fazer justiça e não política, no pior sentido dessa palavra. E deixe de ser, como escreveu há tantos anos João Mangabeira, o poder que mais falhou na República.

O STF e Maluf

O STF aceitou a denúncia contra Paulo Maluf e famiglia. Menos mal. Claro que há uma enorme distância entre simplesmente aceitar a denúncia e iniciar e condenar o tristemente célebre político paulista. Mas os dados apresentados pelo relator são estarrecedores: citou várias contas e não deu para chegar a um número preciso. Segundo ele, são mais de um bilhão de dólares no exterior 9espalhados em contas na Europa e Estados Unidos).

Assim como no mensalão, o STF aceitou a denúncia. Mas quando tempo vai demorar para julgar o caso? O próprio relator lembrou que alguns crimes prescreveram, tanto pelo tempo, como pela idade de 2 acusados (Maluf e mulher).
Não será de admirar que o STF tenha feito simplesmente um teatro (mambembe) ao aceitar a denúncia e o ministro responsável "sentar" no processo. Existem centenas (centenas mesmo) de casos no STF nesta situação. Em outras palavras, pressionados pela opinião pública e imprensa, o STF deu uma satisfação, coisa para enganar criança. Resta aguardar.

Mas o pior foi ouvir tudo aquilo (desvios e mais desvios) e lembrar que o réu foi homenageado pela elite política nacional, estadual e municipal, quando fez 80 anos, em um banquete na Sala São Paulo.

Manobra do STF

O adiamento sine die do julgamento do STF que trataria da ação (e seus limites) do CNJ foi uma manobra claramente protelatória. Na pauta de hoje não está. Amanhã é sexta (bem, sabemos como aquela Corte trabalha....). Será que na terça entra na pauta? A estratégia é clara: esfriar a polêmica e limitar o CNJ. Só não se sabe a extensão desta limitação.

Estou aguardando a resposta (2)

É aquela velha história: é melhor esperar sentado. E se a resposta for no ritmo do STF que estamos acostumados, é coisa para a próxima década.

Os terceirizados do STF

Entre as centenas de funcionários terceirizados do STF, vale destacar mais alguns cargos além daqueles já citados no artigo de terça. Só no tribunal há:

11 marceneiros;
24 copeiros;
25 garçons;
14 pesquisadores de preços;
6 telefonistas;
15 ascensoristas de elevadores;
58 motoristas;
9 auxiliares em saúde bucal (o que é?)
88 mensageiros

Nem o Khadafi tinha tanta mordomia.

Discutindo o STF (3)

EMBATE NO JUDICIÁRIO

Especialistas temem esvaziamento do CNJ e veem ação de magistrados como retrocesso

Publicada em 27/09/2011 às 23h06m


SÃO PAULO - A possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir favoravelmente à Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em ação que restringiria o poder do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) preocupa especialistas.

Na opinião do professor de Direito Constitucional da Universidade Mackenzie João Antonio Wiegerinck, o embate entre CNJ e AMB é um retrocesso. Segundo ele, o conselho estaria atuando dentro das competências que lhe foram atribuídas e, diferentemente das corregedorias dos tribunais, pode fiscalizar sem ter sido provocado por denúncias.

- Uma redução de competência do CNJ agora pode dar margem para a redução de outras competências do conselho (no futuro) - advertiu.

Para o professor de Direito Constitucional da PUC-SP Marcelo Figueiredo, o CNJ tem, sim, o poder de começar investigações sobre juízes, sem esperar a ação das corregedorias dos tribunais, ao contrário do que afirma a AMB.

- Hoje, qualquer cidadão pode fazer um pedido de investigação pelo direito de petição, perante qualquer órgão de controle. Não importa quem começa a investigar, porque a Constituição permite que o CNJ receba e conheça as reclamações - afirmou.

Para o professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Marco Antônio Villa, a ação da AMB contra o CNJ é "estranha", pois o conselho tem papel importante na moralização do Judiciário.

O Judiciário é o poder em que o cidadão não tem qualquer tipo de controle. A única forma de controle é o CNJ, que é uma espécie de ouvidor do cidadão brasileiro

- No Legislativo e no Executivo, a gente vota, mas no Poder Judiciário não tem participação popular. O Judiciário é o poder em que o cidadão não tem qualquer tipo de controle. A única forma de controle é o CNJ, que é uma espécie de ouvidor do cidadão brasileiro. Mais uma vez o corporativismo se manifesta no Brasil, e ele sempre se manifesta para defender interesses escusos - afirmou Villa.


Magistrados condenam supressão de corregedorias

O presidente da Associação dos Magistrados Mineiros, juiz Bruno Terra Dias, assim como a AMB, diz que o CNJ só tem o poder de revisar as decisões das corregedorias dos tribunais.

- Se é certo que as corregedorias tiveram as suas dificuldades, a supressão da instância administrativa do tribunal de origem ofenderia, em princípio, a própria ideia de federação, porque a autonomia estaria ofendida. O que precisa é uma melhor convivência da autonomia estadual com a função de corregedoria do CNJ, de forma que não haja supressão, mas haja a satisfação ao público na investigação de eventuais falhas dos magistrados.

O vice-presidente da Associação de Juízes Federais do Brasil, Fabrício Fernandes, também defendeu o argumento da AMB:

- O CNJ tem de ter o poder de investigar juízes, mas essa investigação tem de se dar dentro da Lei e da Constituição. Se existem instâncias inferiores de controle, o fenômeno de supressão de instância caracteriza ofensa ao devido processo legal.

Discutindo o STF (2)

Batalhão à disposição

Estrutura do STF reúne mais de dois mil servidores para 11 ministros

Publicada em 27/09/2011 às 22h40m


O Globo (opais@oglobo.com.br)Relatório do STF com ministros do STF, com o Cezar Peluso em destaque. Na foto, Ellen Gracie e Eros Grau ainda faziam parte do grupo

BRASÍLIA - Sob a estrutura do Supremo Tribunal Federal (STF), um batalhão de seguranças vigia a Corte, seus funcionários, ministros e familiares. Cerca de 37 para cada um dos 11 magistrados. Os 400 guardiões estão espalhados na sede e na casa dos ministros em Brasília, bem como em suas residências fixas, fora da capital federal. Nesse grupo, a massa de trabalho empregada em contratos terceirizados é composta por pelo menos 120 homens e mulheres armados.


EMBATE JUDICIÁRIO
: Tendência do Supremo é reduzir poder do CNJ

De recepcionistas, são mais de 230. Ao todo, o STF abriga quase 1.150 funcionários de fora do quadro. Somados aos 1.123 servidores de carreira, dos quais quase a metade acumula função gratificada, a folha de pagamento da Suprema Corte atinge o número de 2.273 pessoas, segundo os dados disponíveis no site do Supremo.

Nesta terça-feira, as trincheiras reforçadas do STF provocaram polêmica. Em artigo publicado no GLOBO, o historiador Marco Antonio Villa afirmou que a estrutura do STF não se justifica, ainda mais comparada à demora e ao custo do Judiciário.

"As mazelas do STF têm raízes na crise das instituições da jovem democracia brasileira. Se os três Poderes da República têm sérios problemas de funcionamento, é inegável que o Judiciário é o pior deles (...). O Judiciário é lento, caro, privilegiado e ninguém entende", escreveu Villa.

No artigo, Villa condena a omissão do STF sobre o assassinato da juíza Patrícia Acioli, em agosto, e descreve como "chocante" o relatório de gestão da Corte de 2010, que faz parecer que tudo vai bem na Justiça no Brasil.


Estou aguardando a resposta

Da coluna Poder OnLine do IG dos jornalistas Jorge Felix e Tales Faria:

Uma clava forte sobre a Justiça

Além das declarações da ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça, que afirmou haver “uma infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga”, repercutiu muito nas Cortes superiores hoje o artigo do historiador Marco Antônio Villa publicado pelo jornal O Globo com o título “Um poder de costas para o país”.

- Se os três poderes da República têm sérios problemas de funcionamento, é inegável que o Judiciário é o pior deles. E deveria ser o mais importante. Ninguém entende o seu funcionamento. É lento e caro. Seus membros buscam privilégios e não a austeridade. Confundem independência entre os poderes com autonomia para fazer o que bem entendem. Estão de costas para o país. No fundo, desprezam as insistentes cobranças por justiça. Consideram uma intromissão – conclui Villa.

O presidente do STF, Cézar Peluso, respondeu hoje em nota a declaração da ministra. Ainda está sob avaliação entre os ministros do STF a resposta aos questionamentos feitos pelo historiador.

Discutindo o STF

Saiu hoje n'O Globo:


Um poder de costas para o país
MARCO ANTONIO VILLA
O GLOBO - 27/09/11

Justiça no Brasil vai mal, muito mal. Porém, de acordo com o relatório de atividades do Supremo Tribunal Federal de 2010, tudo vai muito bem. Nas 80 páginas — parte delas em branco — recheadas de fotografias (como uma revista de consultório médico), gráficos coloridos e frases vazias, o leitor fica com a impressão que o STF é um exemplo de eficiência, presteza e defesa da cidadania. Neste terreno de enganos, ficamos sabendo que um dos gabinetes (que tem milhares de processos parados, aguardando encaminhamento) recebeu “pela excelência dos serviços prestados” o certificado ISO 9001. E há até informações futebolísticas: o relatório informa que o ministro Marco Aurélio é flamenguista.

A leitura do documento é chocante. Descreve até uma diplomacia judiciária para justificar os passeios dos ministros à Europa e aos Estados Unidos. Ou, como prefere o relatório, as viagens possibilitaram “uma proveitosa troca de opiniões sobre o trabalho cotidiano.” Custosas, muito custosas, estas trocas de opiniões. Pena que a diplomacia judiciária não é exercida internamente. Pena. Basta citar o assassinato da juíza Patrícia Acioli, de São Gonçalo. Nenhum ministro do STF, muito menos o seu presidente, foi ao velório ou ao enterro. Sequer foi feita uma declaração formal em nome da instituição. Nada.

Silêncio absoluto. Por que? E a triste ironia: a juíza foi assassinada em 11 de agosto, data comemorativa do nascimento dos cursos jurídicos no Brasil. Mas, se o STF se omitiu sobre o cruel assassinato da juíza, o mesmo não o fez quando o assunto foi o aumento salarial do Judiciário. Seu presidente, Cézar Peluso, ocupou seu tempo nas últimas semanas defendendo — como um líder sindical de toga — o abusivo aumento salarial para o Judiciário Federal. Considera ético e moral coagir o Executivo a aumentar as despesas em R$ 8,3 bilhões. A proposta do aumento salarial é um escárnio.

É um prêmio à paralisia do STF, onde processos chegam a permanecer décadas sem qualquer decisão. A lentidão decisória do Supremo não pode ser imputada à falta de funcionários. De acordo com os dados disponibilizados, o tribunal tem 1.096 cargos efetivos e mais 578 cargos comissionados. Portanto, são 1.674 funcionários, isto somente para um tribunal com 11 juízes. Mas, também de acordo com dados fornecidos pelo próprio STF, 1.148 postos de trabalho são terceirizados, perfazendo um total de 2.822 funcionários. Assim, o tribunal tem a incrível média de 256 funcionários por ministro.

Ficam no ar várias perguntas: como abrigar os quase 3 mil funcionários no prédio-sede e nos anexos? Cabe todo mundo? Ou será preciso aumentar os salários com algum adicional de insalubridade? Causa estupor o número de seguranças entre os funcionários terceirizados. São 435! O leitor não se enganou: são 435. Nem na Casa Branca tem tanto segurança. Será que o STF está sendo ameaçado e não sabemos? Parte destes abuso é que não falta naquela Corte. Só de assistência médica e odontológica o tribunal gastou em 2010, R$ 16 milhões.

O orçamento total do STF foi de R$ 518 milhões, dos quais R$ 315 milhões somente para o pagamento de salários. Falando em relatório, chama a atenção o número de fotografias onde está presente Cézar Peluso. No momento da leitura recordei o comentário de Nélson Rodrigues sobre Pedro Bloch. O motivo foi uma entrevista para a revista “Manchete”. O maior teatrólogo brasileiro ironizou o colega: “Ninguém ama tanto Pedro Bloch como o próprio Pedro Bloch.”

Peluso é o Bloch da vez. Deve gostar muito de si mesmo. São 12 fotos, parte delas de página inteira. Os outros ministros aparecem em uma ou duas fotos. Ele, não. Reservou para si uma dúzia de fotos, a última cercado por crianças. A egolatria chega ao ponto de, ao apresentar a página do STF na intranet, também ter reproduzida uma foto sua acompanhada de uma frase (irônica?) destacando que o “a experiência do Judiciário brasileiro tem importância mundial”. No relatório já citado, o ministro Peluso escreveu algumas linhas, logo na introdução, explicando a importância das atividades do tribunal.

E concluiu, numa linguagem confusa, que “a sociedade confia na Corte Suprema de seu País. Fazer melhor, a cada dia, ainda que em pequenos mas significativos passos, é nossa responsabilidade, nosso dever e nosso empenho permanente”. Se Bussunda estivesse vivo poderia retrucar com aquele bordão inesquecível: “Fala sério, ministro!” As mazelas do STF têm raízes na crise das instituições da jovem democracia brasileira. Se os três Poderes da República têm sérios problemas de funcionamento, é inegável que o Judiciário é o pior deles. E deveria ser o mais importante. Ninguém entende o seu funcionamento.

É lento e caro. Seus membros buscam privilégios, e não a austeridade. Confundem independência entre os poderes com autonomia para fazer o que bem entendem. Estão de costas para o país. No fundo, desprezam as insistentes cobranças por justiça. Consideram uma intromissão.

MARCO ANTONIO VILLA é historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos.



Discutindo a manifestação

No Veja.com:


Protestos

Para alcançar resultados práticos, manifestantes terão de entrar no jogo político

Nesta terça-feira, será a prova de fogo das manifestações que reuniram milhares de pessoas em dezenas de cidades para protestarem contra a corrupção

Branca Nunes

Para que as demandas sejam atendidas, o movimento terá de encontrar, dentro dos partidos que hoje repudia, quem esteja disposto a carregar essa bandeira

A partir das 17h desta terça-feira, a Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, volta a assumir um papel na história da política brasileira. Foi lá que, em 26 de junho de 1968, cerca de 100 mil pessoas se reuniram para protestar contra a ditadura militar, compondo o que é, ainda hoje, o maior protesto contra o regime autoritário que se instalou no país pré-AI-5. E é lá que, neste 20 de setembro, se dará a prova de fogo das manifestações que, no último dia 7, reuniram milhares de pessoas em dezenas de cidades para protestar contra a corrupção no Brasil. O evento desta noite é determinante para saber que rumos tomará esse movimento – se ele vai continuar crescendo, ou definhar.

Se o movimento progredir, logo terá de enfrentar um dilema. No feriado da Independência, os manifestantes rejeitaram qualquer ligação com partidos políticos, sindicatos e ongs, reunindo-se de maneira espontânea pelas redes sociais e deixando escancarada a perda de legitimidade daquelas organizações. Mas, para ser mais que um grito de indignação e alcançar resultados práticos, eles terão de aderir, em alguma medida, às regras do jogo político. Terão de encontrar, dentro dos partidos que hoje repudiam, quem esteja disposto a carregar sua bandeira. Ou eleger seus próprios líderes e representantes. Ou ainda, num caso extremo, dar origem a um novo partido. Esse é um dilema clássico das manifestações que nascem nas ruas.

Dizer essas coisas num momento em que as pessoas parecem ter reencontrado a voz é fazer o papel de um tio cético e rabugento. Mas, a menos que se viva em uma ditadura e o objetivo da multidão seja criar do zero uma nova ordem política, como se vê atualmente nos países árabes, esse roteiro é inescapável. Pode até ser enervante, mas essa é uma das belezas da democracia (o pior sistema de governo, à exceção de todos os outros): é por meio das instituições, como partidos, Congresso e judiciário, que as mudanças para melhor têm de ser alcançadas, mesmo que lenta e pacientemente.

Leia também: Manifestações contra corrupção definem reinvindicações

“Os protestos de 7 de setembro revelam, acima de tudo, que existe uma grande desilusão com a política tradicional”, afirma o historiador Marco Antonio Villa. “Mas como mudar a realidade política, sem se fazer política? Uma coisa é criticar a estrutura existente, outra é satanizar. A questão não é dizer que ‘todos precisam sair, porque não prestam’, mas que ‘os que não prestam precisam sair’”.

No Brasil - Os mais importantes movimentos de massa da história do Brasil tiveram o amparo de partidos e políticos da oposição. O Movimento das Diretas Já, por exemplo, criado para servir de apoio ao projeto de lei do deputado Dante de Oliveira – que propunha o restabelecimento das eleições diretas para a Presidência da República –, foi abraçado por Tancredo Neves, Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Luiz Inácio Lula da Silva, além de dezenas de outros protagonistas da política nacional. Mesmo com a derrota da emenda no Congresso, as Diretas foram consideradas vitoriosas por fazerem com que a população recuperasse a voz.

“Diferente do que acontece hoje, era um movimento que tinha uma proposta bem definida”, observa o cientista político Otaciano Nogueira, ao comparar as Diretas às manifestações de 7 de setembro. “Havia uma diretriz e o apoio de políticos. A automobilização é possível, mas não é duradoura. Pode até existir uma combustão espontânea, mas é necessário que algum partido levante a bandeira e a leve adiante”.

Em 1992, o amparo da União Nacional dos Estudantes (UNE), de partidos e políticos foi fundamental para o sucesso dos caras-pintadas, que levaram ao impeachment de Fernando Collor de Mello. Mesmo repudiando a partidarização do movimento, ela era inegável. As principais entidades civis do país (OAB, CNBB, UNE, UBES e centrais sindicais) deram início ao "Movimento pela Ética na Política" e o Congresso se sentiu pressionado pela opinião pública. Lindberg Farias, então presidente da UNE, foi um dos líderes do movimento – e iniciou ali uma carreira política que fez dele deputado federal pelo PT.

Também foi graças à pressão da opinião pública que os deputados brasileiros decidiram levar adiante no Congresso a votação da Lei da Ficha Limpa. Tanto políticos de partidos de oposição, como Índio da Costa (ex-DEM), quanto governistas como José Eduardo Cardoso (PT) abraçaram a ideia – o que foi fundamental para sua aprovação.

No mundo - O Tea Party, a ala ultraconservadora da direita americana, é a prova de que, mesmo nas democracias mais consolidadas do mundo, partidos e instituições enfrentam a desconfiança e a rejeição da população. Apesar do nome, o movimento não tem um partido próprio. O que seus milhares de ativistas procuram é impor uma nova agenda ao “velho e bom” Partido Republicano. Em localidades onde as lideranças republicanas tradicionais não se mostram inclinadas a adotar essa agenda, os simpatizantes do Tea Party se articulam para substitui-los por seus próprios quadros. Em outras palavras, eles não se sentem representados pelas instituições políticas, mas tentam recriar uma delas à sua imagem e semelhança.

Autor de uma série de estudos sobre a democracia, o cientista político americano Adam Przeworski revisitou, num livro recente, as opiniões de diversos autores sobre qual o papel do povo entre os períodos eleitorais. “Há quem diga que, numa democracia, as eleições são a única hora em que o povo deve se manifestar”, escreve o autor. Não é preciso ser rabugento a esse ponto. Até aquele tio cheio de ceticismo mencionado no terceiro parágrafo deste texto pode acreditar que, em certas circunstâncias, a “voz das ruas” é necessária para liberar as engrenagens políticas emperradas ou corrompidas.

Num país como o Brasil, em que a oposição encolheu numericamente e perdeu combatividade, essa voz pode ser mesmo indispensável. “A ausência de oposição é a prova de que as instituições democráticas não estão consolidadas no Brasil”, afirma Villa. “Existe uma cultura que vem da época da ditadura militar que dissemina a ideia de que ser oposição, é fazer oposição ao país”.

Usando nariz de palhaço, vestindo roupas negras ou verdes e amarelas, as multidões de descontentes desfraldaram bandeiras do Brasil e cantaram o Hino Nacional no 7 de Setembro. Os milhares de brasileiros que saíram às ruas sabiam apenas que havia chegado a hora do “basta”. As manifestações desta terça-feira mostrarão se está a caminho uma possível primavera brasileira.

Dilma e a política externa

Hoje no "Zero Hora":


Dilma na ONU – A nova face externa

Por Fábio Schaffner

Primeira mulher a abrir a Assembleia Geral da ONU, amanhã, em Nova York, a presidente Dilma Rousseff debuta no principal fórum de nações do planeta com uma postura mais discreta e pragmática na condução da política externa – em contraste com o estilo despojado do ex-presidente Lula.
A cautela de Dilma se sobrepõe até mesmo ao respeito aos direitos humanos, anunciado como eixo central da diplomacia brasileira.
Ela tem evitado manifestações contundentes do Itamaraty. Embora tenha exaltado a “onda saudável de democracia” nos países árabes e no norte da África e antecipado um voto favorável ao ingresso da Palestina nas Nações Unidas, o Planalto mantém distância da discussão sobre as revoltas no mundo árabe. O Brasil se absteve na votação do Conselho de Segurança da ONU que autorizou os ataques ao regime de Muamar Kadafi. A mesma postura é adotada com relação às violentas repressões conduzidas pelo governo da Síria.
– Dilma é muito mais sóbria com relação aos assuntos internacionais, mas ela não tornou os direitos humanos um critério predominante – pontua o diplomata Rubens Ricupero.
Em contrapartida, a diplomacia brasileira se afastou de ditadores como Mahmoud Ahmadinejad, do Irã, e voltou a se aproximar dos Estados Unidos. Ex-embaixador em Washington, o chanceler Antonio Patriota admitiu que vê com desconfiança o programa nuclear iraniano, uma atitude jamais adotada no governo Lula. Esse distanciamento de crises internacionais tem pautado o Itamaraty. Para a professora Maria Helena Santos, coordenadora do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UnB, a conduta da diplomacia reflete a personalidade retraída de Dilma, sobretudo nos palcos internacionais:
– Lula se considerava o grande líder do Terceiro Mundo. Dilma é mais comedida.
De acordo com Maria Helena, Dilma desperta a curiosidade dos líderes mundiais pela dedicação à gestão da economia interna e ao combate à corrupção, tônica da reportagem que a colocou na capa da revista americana Newsweek. Lula atraía as atenções pela capacidade de interlocução e pela intensa agenda internacional. Até a ida a Nova York, Dilma fez seis viagens internacionais, permanecendo 16 dias no Exterior. No mesmo período, Lula visitou 12 países, ficando 40 dias fora.
Apesar da diferença de estilos, os especialistas não enxergam grandes mudanças no fio condutor da política externa brasileira. O prestígio aos países emergentes, a aproximação com a África e os laços estreitos com a América Latina continuam sendo prioridade do Itamaraty. Tanto que, até agora, Dilma só esteve em um único país europeu (Portugal), ainda não retribuiu a visita oficial do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama (com quem se encontra hoje, por conta dos compromissos na ONU) e fez à China sua mais extensa viagem. A adoção de uma política externa semelhante, contudo, não resulta em uma repercussão similar a que Lula obtinha no Exterior.
– O Brasil perdeu espaço, mas por causa da oratória. Dilma se caracteriza pelo silêncio. Lula fala tanto que, mesmo fora do poder, vai fazer campanha pela Cristina Kirchner na Argentina, algo nunca visto – diz o historiador Marco Antonio Villa.


O velho mantra: a corrupção.

É uma entrevista para o site do Instituto Millenium:


Para Marco A. Villa, é a impunidade que afasta o jovem da política no país

5 de agosto de 2011
Autor: Instituto Millenium

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O Instituto Millenium entrevistou o historiador Marco Antonio Villa sobre a corrupção do sistema político brasileiro e a impunidade, que, na opinião do especialista, ameaça o sistema democrático e inibe manifestações que contestam os acontecimentos políticos. Há, no Brasil, uma descrença na democracia? A participação civil na política brasileira se restringe às eleições, de dois em dois anos?

Villa criticou a falta de mecanismos que permitam uma reação popular à política no país e considera as novas tecnologias, como redes sociais, e até as novelas, importantes formas para discutir e contestar os governantes do Brasil.

Leia:

Instituto Millenium: Qual o impacto da recente onda de corrupção para a percepção da política?
Marco Antonio Villa: Estamos vivendo um dos piores momentos da história do Brasil republicano. Há uma sucessão de denúncias com gravações, documentos, coisas que são consideradas em qualquer país democrático como provas. O pior de tudo é que não há qualquer apuração e muito menos punição dos envolvidos e a cada semana ou a cada quinzena um novo caso é divulgado. O processo não anda, não chega a julgamento, e você acaba fortalecendo a impunidade e com a impunidade. Sem a punição aos que desviam os recursos públicos, estimula-se mais desvios e nós ficamos nessa bola de neve. Desta forma, a política passa ser sinônimo de corrupção, a ideia de enriquecimento rápido - o que é péssimo para a democracia. Assim, nós estamos afastando dezenas, centenas de jovens que gostariam de ter uma participação ativa na política, mas não o fazem com receio de se misturar com esses corruptos que dominam os partidos políticos. Grande parte deles tem lideranças corruptas com políticos (que passaram até pela Presidência da República) envolvidos em gravíssimos atos de corrupção e, o que é pior, sem que tenham sido punidos por isso. Isso é muito grave. Mais corrupção, mais impunidade significa menos democracia.

Imil: Tais fatos podem gerar uma descrença na democracia, afastando ainda mais a população da política?
Marco Antonio Villa: Nós vivemos um momento sui generis. Não há um Estado autoritário, mas há umstatus autoritário no Brasil. As pessoas estão passivas porque não encontram conduto legal para manifestar sua insatisfação. Não é que elas estejam concordantes, em absoluto. Porém, não há mecanismos institucionais pra que elas possam manifestar sua profunda insatisfação frente à impunidade. E a democracia acaba virando um exercício a cada dois anos, simplesmente pelo voto. Porque a participação no decorrer da vida política entre as eleições não ocorre. Os partidos políticos são fechados, as câmaras municipais, assembléias legislativas e o Congresso Nacional também o são. A sociedade civil não tem espaços efetivos de participação e decisão nos grandes negócios públicos. Então nós temos um regime com eleições sucessivas, há alguma alternância, porém em relação à participação efetiva do cidadão e interesse pela política – que é fundamental para a formação de uma sociedade democrática – infelizmente nós vivemos, volto a dizer, um dos piores momentos da história do Brasil republicano.

Imil: Como mudar esse quadro?
Marco Antonio Villa: Existem vários caminhos. Um seria através das eleições, na hora do voto, ver se o seu candidato está comprometido com a sociedade que ele almeja – uma sociedade democrática em que a corrupção não seja o grande tema nacional. Ou seja, ter responsabilidade na hora do voto e ao identificar um candidato que tem propostas que ele considere boas, o eleitor deve divulgar para seus amigos, de alguma forma se comprometer com aquele candidato no momento da campanha e depois, caso o candidato seja eleito, cobrar dele efetivamente o programa pelo qual foi eleito. Outro caminho é a própria sociedade se organizar em grupos na forma de trabalho comunitário, institutos, sociedades que defendam os princípios básicos da democracia, da transparência, da honestidade no exercício das funções públicas. Outro, ainda, é o protesto através dos meios de comunicação, jornais, rádio e TV, todos esses querem contato com o ouvinte ou telespectador, então devemos usar esse espaço também para protestar. No caso das Assembléias Legislativas, Câmaras Municipais ou Congresso Nacional há o e-mail do vereador, do deputado ou do senador: escrever e protestar. Também através das redes sociais, como já está começando a ser feito e já foi realizado com eficácia em outros países, criar mecanismos de reflexão, debate e ação.

O que não é possível é que a cada semana surja um escândalo que substitua o anterior sem que o anterior tenha sido resolvido. Os escândalos no Brasil tem prazo de validade, não porque eles são apurados mas porque aparece outro escândalo. Depois de uns três quatro meses ninguém lembra mais. Como disse o célebre jornalista Ivan Lessa, a cada 15 anos esquecemos o que aconteceu nos últimos 15. Nós temos um processo de esquecimento e apagamento da história com uma enorme facilidade, o que é extremamente danoso para a democracia brasileira.

Imil: Há uma novela bastante popular no ar atualmente que trata do tema da corrupção, inclusive com o corrupto sendo punido. O senhor acha que isso influencia a opinião pública? É uma abordagem eficaz de alguma forma?
Marco Antonio Villa: Acho que as novelas brasileiras são extremamente importantes e tem um papel de apresentação do Brasil em outros lugares do mundo. Alteraram a novela latino-americana que eram dramalhões e começaram a ter temáticas urbanas, discutir questões políticas, morais, éticas etc. Isso desde os anos 70 em pleno regime militar, basta lembrar a célebre novela de Dias Gomes, “O Bem Amado”. Lembro-me de uma delas próximo a eleição do presidente Fernando Collor, chamada “Vale-Tudo”, que terminava com o bandido da história indo embora do Brasil depois de ter feito as maiores falcatruas. Acho que isso é muito mais real do que aparecer qualquer forma de punição ao corrupto. Se a novela está fazendo um diálogo com a vida real ela tem de mostrar a impunidade. Se não se cria a idéia de que o bem sempre vence e infelizmente no Brasil o mal está ganhando de goleada.

Política sem política

Saiu hoje no Estadão:


Política sem política

17 de setembro de 2011 | 0h 00

Marco Antonio Villa - O Estado de S.Paulo

Na História do Brasil republicano, Dilma Rousseff é a presidente que mais exonerou ministros em menos de um ano de governo. Mas, curiosamente, não identificou nada de anormal na sua administração. Como se as demissões por graves acusações de corrupção fossem algo absolutamente rotineiro. E ocorressem em qualquer país democrático. Todas as demissões seguiram um mesmo ritual: começaram por denúncias publicadas na imprensa e, semanas (ou meses) depois, quando não havia mais nenhuma condição de manter o ministro no cargo, este pedia para sair.

Na ópera-bufa da política nacional, isso passou a fazer parte do figurino. O fecho do processo se repete: é necessário também emitir alguma crítica genérica sobre a corrupção, sem identificar o destinatário. Na hora da posse do novo ministro, deve ser elogiado o antecessor (o elogio será mais extenso e efusivo dependendo de quão poderoso for o padrinho político do ministro). Semanas depois as acusações desaparecem em meio a um novo escândalo.

O Brasil foi, ao longo do tempo, esgarçando os princípios morais e éticos. Em 1954 chamou-se "mar de lama" a um conjunto de pequenas mazelas que envolviam a ação de Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente Getúlio Vargas. Hoje Gregório seria considerado um iniciante, até um ingênuo. A corrupção permeia todas as esferas do poder e conta com o silêncio complacente do Judiciário.

Em meio a esta turbulência, a oposição não sabe bem o que fazer. Está paralisada. Na base governamental temos alguns senadores que manifestam - ainda que timidamente - algum tipo de independência, como os peemedebistas Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon. Vivem uma constante crise de identidade. Sentem-se envergonhados como membros de um partido marcadamente fisiológico, mas não assumem claramente uma posição oposicionista. Nesse contorcionismo perdem espaço e são usados pelo governo, como na tentativa de criar uma frente suprapartidária para dar apoio à presidente no combate à corrupção, que serviu para desviar as atenções da proposta de CPI. O mais estranho é que a presidente não só não pediu apoio, como não fez nenhum movimento de simpatia. Deixou, literalmente, os senadores com a vassoura na mão.

Do lado propriamente oposicionista, continua a triste batalha dostoievskiana. O ódio entre os seus principais líderes deixaria enrubescido o patriarca da família Karamazov. A disputa interna fratricida paralisa qualquer ação. Não há projetos partidários. É uma espécie de cada um por si. E todos se acham espertos. Atualmente, a maior das espertezas é buscar apoio do governo para ampliar o seu poder na oposição. Algo no terreno do fantástico e fadado, obviamente, ao fracasso. Contudo, durante algumas semanas, dá ao líder oposicionista uma aura de sagacidade.

Enquanto isso, o País assiste a espetáculos dantescos de malversação dos recursos públicos, à permanência da inépcia governamental e ao agravamento homeopático dos efeitos internos da crise internacional. Em qualquer país democrático seria um terreno fértil para a oposição. Mas não no Brasil. Aqui, o velho discurso reacionário de que fazer oposição é ser contra o País ainda é dominante. A oposição tem medo de ser oposição. Foge do confronto como o diabo da cruz. Deve sentir vergonha por ter recebido a confiança de 44 milhões de eleitores na última eleição presidencial.

Vivemos num ambiente despolitizado. E isso é adequado ao projeto petista de permanecer décadas no poder. Logo vai completar a primeira. E o partido já está fazendo de tudo (e sabemos o que significa esse "de tudo") para tornar esse plano viável. A figura do ex-presidente Lula é central para cimentar as alianças políticas e empresariais. Afinal, todos sabem que sem Lula o projeto cai por terra. Somente ele consegue dar coerência a uma base política tão heterodoxa, que vai de Paulo Maluf ao MST. Mas para isso, muito mais que o discurso, é indispensável manter uma taxa de crescimento que permita concessões aos mais variados setores sociais, conforme o seu poder de barganha. E aí é que mora o grande desafio do governo, e não na tímida oposição.

São evidentes as diferenças e a qualidade da ação entre governo e oposição. Basta observar os movimentos dos dois últimos ex-presidentes. Lula sabe muito bem o que quer. Não para de articular um só minuto. E não perde oportunidade para atacar a oposição. Do lado da oposição, Fernando Henrique Cardoso parece que vive em outro mundo. Confundiu um elogio meramente protocolar da presidente Dilma com uma revisão ideológica do seu governo por parte dos petistas (que em momento algum foi realizada). Extasiado, não parou de elogiar a presidente e os "esforços" para combater a corrupção. Ou seja, um está atuando ativamente no presente para impor a qualquer preço o seu projeto, o outro está preocupado com o futuro, de como ficará o seu retrato na História.

Nesse ritmo, Lula vai coroando de êxito o seu projeto. Espera vencer as eleições municipais, especialmente em São Paulo. Com o triunfo deverá estabelecer um arco de alianças ainda mais amplo que o atual. É o primeiro passo concreto para retornar à Presidência em 2014 e permanecer, pelo menos, mais oito anos no poder. Caberá a Dilma continuar despachando como uma espécie de presidente interina, aguardando o retorno do titular.

E a oposição? Ah, esta lembra o Visconde Reinaldo, personagem de O Primo Basílio. Quando falava de Lisboa, sempre aguardava um terremoto, como o de 1755, que destruiu a cidade. Como não faz política, a oposição, espera também um terremoto: é a crise internacional. Mas, assim como o hábito não faz o monge, a crise, por si só, não fará ressurgir a oposição.

HISTORIADOR, É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS


A principal eleição de 2012

Saiu hoje no Veja on line:


Cabo de guerra no PT de São Paulo

Rompida com a base, Marta Suplicy mantém pré-candidatura à prefeitura. Lula insiste no nome de Haddad. Dúvida: ela vai complicar o "consenso" petista?

André Vargas e Gabriel Castro
Para petistas, Marta embolou a disputa com Haddad ao não deixar claro de início que queria ser candidata

Para petistas, Marta embolou a disputa com Haddad ao não deixar claro de início que queria ser candidata (Fernando Cavalcanti)

A corrida para a prefeitura de São Paulo em 2012 começou com um ano de antecedência, pontuada por uma disputa sem precedentes no PT. O jogo tem cinco pré-candidatos, com diferentes graus de expressão, e é protagonizado por dois deles. De um lado, a obstinada teimosia da senadora Marta Suplicy em voltar à prefeitura, que ocupou de 2001 a 2004. De outro, o autoritarismo do ex-presidente Lula, que tenta impor seu candidato, o ministro da Educação, Fernando Haddad - por enquanto nada mais do que um avatar lulista - a qualquer custo.

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Disputas entre pré-candidatos a cargos eletivos são comuns e saudáveis para a democracia. Só que no PT, onde as decisões se dão por “construção de consenso” – eufemismo que significa manda quem pode –, o imbróglio revela falta de unidade. A capital paulista é um dos poucos lugares em que a tendência de Lula, Construindo um Novo Brasil (CNB), não é hegemônica. Uma ironia política e geográfica devido à proximidade com a região do ABC, onde a legenda surgiu e a CNB predomina.

Periferia – Isso ajuda a explicar, em parte, a resistência de Marta e a insistência dos outros candidatos ao posto de pré-candidato, como o senador Eduardo Suplicy e os deputados federais Carlos Zarattini e Jilmar Tatto, os dois últimos até ontem próximos da senadora rebelde.

Além de Lula, pesam contra Marta outros fatores delicados. As candidaturas de Tatto e Zarattini estão entre eles. Nas caravanas promovidas pelo PT para apresentar os nomes às bases da militância - uma desculpa para Haddad mostrar a cara -, o discurso de ambos é igual ao de Marta. Irmão do deputado estadual Ênio Tatto e do vereador Arselino, Jilmar predomina sobre quase 30% da militância municipal, principalmente na periferia da zona sul.

Prévias – A possibilidade de convocar prévias para escolher o pré-candidato complica ainda mais a situação. No congresso do PT, no fim de semana passado, ficou decidido que as prévias não vão ocorrer se dois terços do diretório se opuserem. Ou seja, se a candidatura de Haddad não se encaminhar naturalmente, Lula ainda terá espaço para manobra. Para o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza, a novidade só terá impacto sobre aqueles que usavam a pré-candidatura para ganhar holofotes. "A decisão das prévias foi definitiva, porque coloca limite para quem quer ser candidato sem ter base real. Da forma que estava antes, era muito fácil alguém chegar e afirmar que era candidato", diz.

O presidente do PT no estado de São Paulo, deputado estadual Edinho Silva, diz que o quadro inédito – e inesperado – é decorrente da falta de diálogo. Ao conquistar uma cadeira no Senado, na última eleição, Marta não sinalizou que queria voltar à prefeitura. “Isso foi interpretado como um espaço político a ser preenchido”, diz. Quando Marta mudou de ideia, as cartas já estavam na mesa. "Suplicy dificilmente se colocaria contra ela", diz Edinho, lembrando que ambos foram casados. Pragmático e fiel ao líder Lula, o deputado não quer as prévias. “Elas deixam sequelas. Os pré-candidatos apontam os defeitos uns dos outros, daí, no dia seguinte, tem que apagar o passado e seguir apoiando o vencedor”, diz.

Waldermir Barreto/Agência Senado

Em outra situação, Eduardo Suplicy não seria adversário da ex-esposa

Em outra situação, Eduardo Suplicy não seria adversário da ex-esposa

Pesquisa – Só que Marta não está tão fraca – apesar de suas limitações. Ela lidera a mais recente pesquisa de intenção de voto do Instituto Datafolha, divulgada em 5 de setembro, com índices de 29% a 31% em quatro diferentes cenários estimulados. Por outro lado, mantém um índice de 30% de rejeição, ou seja, eleitores que não votariam nela de jeito algum. A mesma pesquisa aponta que 40% dos eleitores votariam em um candidato apoiado pelo ex-presidente. Daí a explicação para Lula preferir Haddad, uma figura nova e sem antipatias. Uma vantagem considerável e que segue um método já testado pelo líder petista na eleição de Dilma.

Na quinta-feira, o presidente nacional do PT, deputado estadual Rui Falcão, divulgou em seu site e em seu perfil no Twitter reportagem dizendo que as prévias podem acontecer diante da dificuldade para chegar a um nome de consenso. Vereador e presidente municipal petista, Antônio Donato reavalia a mudança de rumo. “Foi precipitado acreditar que a prévia era um mal em si”, diz. Tal cenário ainda pode se revelar positivo para Haddad. Donato contou ter dito ao ministro que uma escolha interna seria boa para ele ficar ainda mais conhecido pelo eleitor. “Devemos ter a disputa mesmo com a Marta saindo antes”, acredita Donato.

O esforço pelo ministro é justificado. Vencer em São Paulo é crucial para o PT. Na avaliação do cientista político Demétrio Magnoli, a chance de o partido usar a prefeitura para tentar chegar ao governo do estado, disputa em que o PT sempre foi derrotado, aumentou com criação do PSD pelo prefeito Gilberto Kassab. “Lula vislumbrou uma conjuntura nova, desde que o PT não se apresente com sua cara tradicional”, diz. Neste contexto, o nome de Haddad faz sentido.

Nos bastidores, todavia, ainda há quem acredite que o cabo de guerra foi substituído pelo pôquer. A dúvida é saber até quando Marta manterá sua aposta. “Ela pode resistir até negociar uma saída honrosa”, pondera um cardeal petista. Por honroso, pode-se entender um acordo em troca de apoio futuro ou cargos para o presente. O limite esbarra na paciência de Lula, que até agora não viu seu escolhido sob fogo cerrado. “Ele controla a distribuição de cargos no governo federal, sempre rendosos. Quem resistir pode ser retaliado”, afirma o historiador Marco Antônio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Tiago Queiroz/AE

Gabriel Chalita (PMDB-SP) é a aposta do vice-presidente Michel Temer para o partido

Gabriel Chalita é a aposta do vice-presidente Michel Temer para o partido

À espera de PT e PSDB - Fora do palco petista, os demais partidos a lançar nomes para a prefeitura de São Paulo se preparam para o novo cenário aguardando pelos erros dos adversários. “A polarização entre PT e PSDB só acaba se um dos dois cometer erros”, diz Edinho Silva. Os primeiros nomes nessa fila são os de Gabriel Chalita (PMDB) e de Netinho de Paula (PCdoB).

Para o PMDB, comandado pelo vice-presidente Michel Temer e gerenciado pelo deputado estadual Baleia Rossi, o próximo pleito será a chance de tentar resgatar o prestígio perdido. Os principais objetivos dos peemedebistas são a reconstrução das bancadas federal (com dois deputados paulistas), estadual (com meros cinco nomes) e almejar o governo do estado no pleito seguinte. Para tanto, concorrer na capital significa mostrar a cara na TV para quase metade dos eleitores, incluindo os que vivem na região metropolitana. “Mesmo bem votado para a Câmara, Chalita ainda não é conhecido da grande massa”, diz Baleia Rossi.

Com pouco espaço no horário eleitoral gratuito na TV, o PCdoB foi o primeiro partido a lançar, ainda em abril, o pagodeiro Netinho como pré-candidato. Ele vem cacifado pela quase eleição ao Senado. A estratégia comunista é largar antes e aguardar ao máximo para fechar uma eventual coligação ou previsíveis apoios. Conversas com o PDT e com o PSB estão em curso. “Não podemos esperar pelos grandes partidos”, avalia a presidente estadual, Nádia Campeão.

Da parte do PSD, o virtual candidato e vice-governador de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, não se julga na disputa. Por enquanto. Ele aguarda um cenário mais bem definido para entrar no jogo.