Discutindo o Nordeste (II)

Foi a minha rélica. Saiu na edição da FSP de 22 de janeiro de 2004.


Sertão, sempre a mesma história

MARCO ANTONIO VILLA

O doutor Pangloss, célebre personagem de Voltaire, imaginava viver no melhor dos mundos. Percorreu várias regiões da Europa e, tudo indica, atravessou o oceano Atlântico. Chegou até Fortaleza e instalou-se no confortável prédio do Banco do Nordeste do Brasil, mais precisamente no gabinete do presidente.
Lá aconselha diariamente o economista Roberto Smith, tal qual fez com Cândido, dizendo que uma crítica não passa de "especulação imaginária e preconceituosa" e que a chegada de uma grande seca nada mais é do que um "vaticínio catastrofista", como escreveu Smith na edição da Folha do último dia 15. Alertar para a gravidade da situação econômico-social do sertão é, para o economista, fazer o jogo "dos oligarcas nordestinos", pois o Nordeste "não é um capítulo à parte dos problemas nacionais". Nesse caso, vale a pena perguntar por que permanece existindo a Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) e o BNB.


No reducionismo petista, ter uma política para o Nordeste, principalmente para o semi-árido, é fazer o jogo das oligarquias


Smith não passa de um simples porta-voz do descaso com que o governo Lula trata o Nordeste. Ninguém pode ficar surpreendido pela falta de um projeto: no programa do candidato não havia sequer uma menção especial à região. O atual governo, como já fez em outras questões -vide a reforma da Previdência- identifica a necessidade de um tratamento diferenciado para o Nordeste em relação às regiões desenvolvidas como uma herança maldita do varguismo. Afinal, o BNB foi criado no segundo governo Vargas (1952), e na década de 50 o Nordeste se transformou em um dos principais temas da agenda política. No reducionismo petista, ter uma política para a região, principalmente para o semi-árido, é fazer o jogo das oligarquias. Presume-se que a existência no Nordeste dos piores indicadores socioeconômicos do país deva ser mera coincidência.
Para retirar o semi-árido da crise é fundamental a ação do Estado. O Ministério da Integração Nacional recebeu em 2003 apenas 30% das verbas aprovadas no Orçamento da União. Mesmo assim, Ciro Gomes não reclamou, não lutou pela liberação do total dos recursos, que já eram insuficientes. Manteve-se bem comportado, aguardando que na reforma ministerial possa alcançar um posto mais destacado. Pouco fez no ano passado, não buscou concatenar a ação das diversas agências federais que atuam na região, não visitou o semi-árido, não incentivou nenhum trabalho comunitário. Em suma, destacou-se, paradoxalmente, pela omissão, como se quisesse fugir da responsabilidade, em um jogo de esconde-esconde, uma espécie de Wally caboclo.
É possível obter resultados consideráveis, basta que haja um planejamento integrado para a região. Como? Coordenando a ação de BNB, Sudene, Dnocs (Departamento Nacional de Obras contra as Secas) e Embrapa, evitando a justaposição de investimentos, diminuindo o número de funcionários, priorizando as atividades-fim, evitando o desperdício na aplicação das verbas. E, principalmente, fazendo os funcionários trabalharem com disposição, integrados em um grande esforço de transformação da região. O exemplo tem de vir de cima: os diretores e presidentes dessas agências têm de sair dos gabinetes refrigerados, ir ao semi-árido, conversar com a população, visitar as experiências exitosas de diversas ONGs, enfim, vivenciar a situação de miséria da região, sentir na própria pele as agruras que atingem milhões de sertanejos. Observar que é possível resolver o problema do consumo doméstico de água para milhões de famílias com a construção de cisternas, que deve ser incentivada a agricultura seca (defendida desde a metade do século passado por Guimarães Duque) e a criação de cooperativas, que nem sempre o problema é a falta de água ou de terra. Muitas vezes faltam assistência técnica, crédito e condições para comercializar a produção. Mas para que tudo isso que parece tão simples aconteça é preciso vontade política e um pouco de ousadia.
A questão central é que o atual governo não tem um projeto para o Nordeste. Na ausência de uma proposta original foi desenterrada a malfadada idéia de transpor as águas do rio São Francisco para o semi-árido de três Estados. O ministro Ciro Gomes mantém um silêncio obsequioso, porém os olhos dos donos das empreiteiras brilham à espera dos bilhões de dólares que serão gastos em uma obra dispendiosa, inútil e danosa ao meio ambiente. Enquanto o governo não se decide sobre o que fazer, milhões de sertanejos estão à espera de uma grande seca que deve se iniciar entre 2005-2006. E aí, como já vimos desde 1877-1879, quando morreram 500 mil sertanejos, assistiremos a um trágico filme: ocorrerá um desfile de horrores, surgirão campanhas de solidariedade, teremos saques e o governo federal anunciará a organização de frentes de trabalho. A única diferença é que o presidente visitará as áreas mais atingidas pela seca e vai se emocionar com o drama, recordando o seu passado familiar. E tudo continuará na mesma, como se no sertão não fosse possível mover a roda da história.




Discutindo o Nordeste

Este artigo ("O sertão do abandono") saiu na FSP de 4 de janeiro de 2004. Teve resposta do presidente do BNB e uma tréplica.



Apesar da proximidade da grande seca de 2005, já prevista desde o final do século passado, o presidente Lula mantém a mesma política do governo anterior em relação ao semi-árido: o absoluto descaso quanto às necessidades da região. Se nada foi feito para se poder conviver com uma longa seca, mais grave é a ausência de um projeto de desenvolvimento para o semi-árido.

As agências governamentais voltadas à região estão desativadas desde 1999, como a Sudene -esta ainda está passando por um processo de reestruturação, mas até hoje não foi concluído- ou o Departamento Nacional de Obras contra as Secas. O Banco do Nordeste do Brasil foi loteado no banquete da base política governista e mantém o mesmo perfil das últimas décadas: é um generoso caixa para atender as demandas dos oligarcas nordestinos, especialmente nos momentos de votações importantes no Congresso Nacional.

O Nordeste como região-problema é uma velha construção das elites sulistas. Justifica o recebimento de ajuda somente nos momentos de uma crise, como nas grandes secas dos séculos 19 e 20, dirige os investimentos do Estado para outras regiões que não são "problemas" e afasta o interesse do capital privado, pois ninguém quer investir em um local fadado ao fracasso. Dessa forma, durante os quase 200 anos do Brasil independente, o Nordeste e, em especial, o semi-árido, ficaram relegados a um plano secundário, principalmente após a adoção do regime republicano. Sem poder político e estando o eixo econômico do país localizado no Sul, restou à região viver das migalhas enviadas pelo governo federal, com a complacência da elite política regional.

Esperava-se que esse quadro desolador fosse alterado com a ascensão de um nordestino à presidência da República. Lula nasceu no sertão e foi obrigado a migrar, assim como grande parte da sua família, devido aos efeitos das secas e do poder coronelístico, que não é pouco. Mas, infelizmente, nada ocorreu. O semi-árido continua abandonado e os sertanejos sobrevivem graças ao Bolsa-Escola e, principalmente, à aposentadoria rural. Os cartões magnéticos dos aposentados são disputados pelas famílias como um verdadeiro tesouro.

A escassez de água para consumo doméstico, que poderia ser resolvida com um programa de construções de cisternas, é ignorado pelo governo. As ONGs que atuam na região lutam pela construção de 1 milhão de cisternas até 2005. O preço de cada uma é R$ 450 e permite que uma família de seis pessoas possa ter água potável. Com somente R$ 450 milhões estaria resolvido o problema de consumo de água de 6 milhões de pessoas. Só para efeito de comparação, no escândalo da construção do prédio do TRT de São Paulo foram desviados R$ 169 milhões -40% do necessário para a construção das cisternas.

Em vez de propiciar condições às comunidades de armazenar água, tanto para consumo doméstico como para as atividades agrícolas ou da pecuária, o governo desenterra a idéia faraônica da transposição das águas do rio São Francisco, proposta desde 1818, orçada em US$ 3 bilhões e que atenderá aos interesses do agronegócio nordestino.

Até hoje o governo não apresentou um projeto que criasse as condições para que no semi-árido fosse desenvolvido um programa que gerasse emprego e renda. As estradas estão abandonadas, impedindo que a produção de alimentos ou de derivados da pecuária possa chegar aos mercados. A migração continua, só mudando o destino: ora o Sudeste, ora o Centro-Oeste, ora as capitais nordestinas. A desertificação vai invadindo áreas que foram, num passado recente, produtivas. Do mundo desenvolvido, só se vêm as embalagens, espalhadas por toda parte, como se a profecia atribuída a Antonio Conselheiro fosse de que o sertão vai virar plástico.

O descalabro chegou a tal grau que o ministro da Integração Regional, responsável principal pelas políticas públicas na região e que pouquíssimas vezes visitou o semi-árido, não perdeu nenhuma oportunidade de participar das viagens internacionais do presidente. Na última, no Egito, fez questão de tirar uma foto sorridente, ao lado do presidente, tendo ao fundo as pirâmides de Gizé. O que estava fazendo o ministro? Será que negociava a importação de camelos, tais quais os que chegaram ao porto de Fortaleza em 1859?

São muitas as perguntas sem resposta em um ano de administração Lula. Os 15 milhões de habitantes do semi-árido continuam os párias do Brasil. Deles ninguém fala, ninguém sequer os visita. De eterno símbolo da nacionalidade -todo político gosta de repetir alguma frase de Euclides da Cunha, mesmo sem ter lido nenhuma página do escritor fluminense-, os sertanejos vivem à mingua, sem forças para romper com séculos de opressão e ignorados pelo poder central. Lá, desde sempre, o medo venceu a esperança. Criar condições para construir a cidadania no sertão significa desafiar o poder dos coronéis, os senhores do atraso. E esse enfrentamento tem de ser realizado pelo governo federal. Contudo o governo Lula não tem nenhum interesse nesse confronto.

Mais uma consulta na agenda de Lula

Este artigo saiu na FSP em 29 de novembro de 2006:



Deixa o homem trabalhar?

MARCO ANTONIO VILLA

Pelos compromissos de 2006, fica evidente que Lula começou a abolir as sextas e segundas da agenda ou a ter só um despacho nesses dias

NO PRIMEIRO ano da Guerra do Peloponeso, Péricles fez um célebre discurso. Recordou aos críticos que "não é o debate que é empecilho à ação, e sim o fato de não estar esclarecido pelo debate antes de chegar a hora da ação".
O conservadorismo tupiniquim incorporou essa fala antidemocrática -no sentido ateniense. O discurso foi migrando até chegar ao PT. A candidatura Lula assumiu e propalou com ardor o slogan: "Deixa o homem trabalhar". Era uma evidente resposta às críticas da oposição. O discurso conservador -ao estilo espartano, para voltar à Grécia- enfatizava o trabalho árduo do presidente.
Procurei a fonte disponível para checar se o slogan tinha alguma base: a agenda presidencial (pelo sitehttp://www.presidencia.gov.br/). Já tinha realizado essa pesquisa no ano passado e esperava, sinceramente, que o ritmo de trabalho do presidente tivesse entrado nos eixos. Ledo engano. A agenda é confusa, não há lógica no cotidiano presidencial. É difícil até entender o critério dos deslocamentos.
Muitas vezes, em prazo curto, foram realizadas viagens para o mesmo Estado, quando poderia haver só um deslocamento, diminuindo custos e obtendo maior eficiência. Outras vezes, a viagem é para cumprir um desejo do presidente, como se o país estivesse voando -algo especialmente difícil atualmente- em céu de brigadeiro. Um exemplo foi o deslocamento da comitiva presidencial para São Paulo simplesmente para inaugurar o Memorial do Corinthians.
Observando os compromissos de 2006, ficou evidente que o presidente começou a abolir as segundas e as sextas-feiras da agenda ou a ter só um despacho nesses dias. A jornada de trabalho também diminuiu. Em alguns dias, a agenda iniciou às 10h, foi interrompida para o almoço e, às 16h, o expediente foi encerrado.
Lula quase acabou com aquelas reuniões de todo o ministério -foram sete em 2003, cinco no ano seguinte e, em 2005, quatro. Em 2006, fez só um desses encontros, o que foi saudável, mas não considerou relevante a reunião reduzida de ministros quando houvesse um assunto de interface entre os ministérios, revelando descaso por temas administrativos.
Lula insistiu na importância da manutenção de várias secretarias com status de ministério, dada a relevância dos "movimentos sociais". Mas a agenda o desmente. O MST, além de outros "movimentos sociais", não foi recebido nenhuma vez, e o ministro do Desenvolvimento Agrário, apenas uma. E a ministra Matilde Ribeiro (Políticas de Promoção da Igualdade Racial) teve a atenção presidencial em só um encontro de meia hora no ano todo. Pior sorte teve a Comissão de Ética Pública, vinculada diretamente à Presidência: não foi recebida sequer uma vez. É compreensível...
Já Ricardo Berzoini foi um homem de sorte. Como presidente do PT, esteve no gabinete cinco vezes em apenas seis meses. Curiosamente, quando foi ministro da Previdência Social, se encontrou somente uma vez com o presidente. Donde se deduz que, para Lula, o PT é mais importante que os milhões de aposentados.
Entre os congressistas, o recordista foi Renan Calheiros: seis entrevistas. Que inveja a ministra Nilcéa Freire (Políticas para as Mulheres) deve ter do senador: em dois anos e meio, nunca foi recebida pelo presidente.
Quando teve início a campanha, a agenda, que já era caótica, ficou ainda mais sem sentido. E vazia. Em agosto, em diversos dias, o expediente terminou às 12h30 (como no dia 2); em outros começou, às 11h, 12h ou 12h30 (como nos dias 7, 10, 14, 18 e 28). Em setembro, a situação se agravou. Poucos despachos. E, quando eram realizados, não passaram de atividades eleitorais, como em 21/9, quando recebeu "personalidades do mundo do livro" e assinou o decreto do cão-guia.
Se a situação já era preocupante, entre o primeiro e o segundo turno ficou ainda pior. Do dia 6 até o dia 29/ 10, estão registrados somente 16 compromissos. Nesses 24 dias, Lula teve uma média de 0,6 compromisso/dia.
A eficácia do trabalho é altamente questionável. A 6/10, teve um encontro de meia hora com o presidente eleito do México (única atividade daquele dia); no dia 24, o solitário registro foi a condecoração de Felipe Massa realizada no aeroporto de Congonhas. Ou seja, durante o mês de outubro, o governo ficou acéfalo. A análise da agenda revela que o governo não tem rumo, que as atividades presidenciais são mal planejadas e que o presidente mais parece chefe de estado que chefe de governo. Em um país que está estagnado a um quarto de século, é muito grave.


Senado e o salário mínimo

Patética a sessão do Senado. Sarney mal consegue conduzir a reunião. Não conhece o regimento. parece meio sonado. Itamar Franco e os dois senadores do PSOL foram os grandes representantes da oposição, como já tinha escrito faz algum tempo. A votação foi ridícula, coisa de 2 segundos. Nem deu para entender que Sarney estava determinando que era hora de votar.

A agenda presidencial de Lula

Este artigo, publicado na FSP em 24 de abril de 2004, deu uma tremenda polêmica. Gilberto Carvalho respondeu e eu fiz a tréplica. Durante a semana vou postando os artigos em meio aos comentários sobre o que está acontecendo (na verdade não está acontecendo nada no país, politicamente falando, claro).


Os trabalhos e os dias

Marco Antonio Villa.

A agenda de trabalho de Luiz Inácio Lula da Silva causa estranheza e preocupação. Pelos compromissos listados, não se vê um presidente que tenha interesse nos assuntos administrativos, muito menos no estudo e enfrentamento dos grandes e graves problemas nacionais. Atividades são marcadas sem nenhum critério seletivo, como se a ação governamental causasse tédio e enfado ao primeiro-mandatário da República. A agenda de trabalho é pobre, desconexa e em vários dias está quase que totalmente vazia, como se o país estivesse vivendo em pleno céu de brigadeiro. Um exemplo é 6 de janeiro de 2004, quando teve dois compromissos: recebeu o presidente do Flamengo e o da fábrica de pneus Michelin. Mas o pior estava por vir. Seis dias depois teve uma única audiência: com o presidente do Clube do Choro de Brasília.

O entusiasmo pelo Fome Zero não passou de fogo de palha. O presidente recebeu José Graziano, ministro responsável pelo programa, três vezes no primeiro mês de governo. E só. Até a sua demissão, um ano depois, não foi recebido em audiência nem uma vez sequer. Mesmo assim, a 3 de fevereiro de 2004, Lula fez questão de comemorar em palácio um ano do Fome Zero, apesar dos resultados pífios do programa, e uma semana depois inaugurou até a Expo Fome Zero.

Já a ministra Emília Fernandes, responsável pela Secretaria Especial de Política para as Mulheres, teve a mesma sorte que a sua sucessora, Nilcéa Freire. Foram recebidas uma vez pelo presidente. A agenda estava fechada para discutir os problemas enfrentados pelas mulheres; isso em um país sexista como o Brasil. Contudo Lula teve tempo para receber duas vezes o cantor Zeca Pagodinho e dar uma longa entrevista - nunca exibida - para o animador Ratinho, seu amigo pessoal.

O Nordeste sempre esteve presente nas lembranças sentimentais do presidente. Pena que ficou somente nas lembranças. Em 2003, o ministro Ciro Gomes, principal responsável pela política do governo federal na região, não foi recebido por Lula uma vez sequer. Somente deu seu ar da graça no terceiro andar do Palácio do Planalto no dia 13 de fevereiro de 2004, 408 dias após tomar posse no cargo. Um simples assessor especial de Lula, Marco Aurélio Garcia, teve o dobro das audiências formais do ministro Ciro.

O cuidado no trato da coisa pública, marca que caracterizou o Partido dos Trabalhadores quando estava na oposição, não parece estar entre as principais preocupações de Lula. Do ministro Fernando Neves da Silva, presidente da Comissão de Ética Pública, não há registro de audiência formal com Lula. Já Waldir Pires, da Controladoria Geral da União, como é identificado na estrutura do Palácio do Planalto, segundo o site oficial da Presidência, foi recebido duas vezes, nenhuma em 2003, mas como ministro de Estado do Controle e da Transparência - estranha denominação de ministério. Controle não se sabe de quê, transparência muito menos.

Os exemplos da incúria governamental são diversos. Em 28 meses de governo, segundo a agenda, não houve nenhuma reunião do presidente com um grupo de ministros para tratar de assunto relevante, um tema de interface dos ministérios. Pelo contrário, quando ocorreram reuniões, foram de todo o ministério - e são três dezenas de ministros! Houve uma em janeiro de 2003, outras duas em fevereiro e março e uma quarta em maio do mesmo ano. Aí, sem nenhum aviso ou avaliação, acabaram-se as reuniões em 2003. Nove meses depois, em fevereiro de 2004, foi convocada nova reunião ministerial; e outra em junho. Seis meses depois, Lula fez mais uma reunião que se estendeu por dois dias, em dezembro. Desta vez foram 16 horas de reunião, também sem resultados práticos.

O abandono das tarefas fundamentais de governo fica mais evidente quando consultamos os pronunciamentos públicos do presidente. Em 2003 foram 279 e em 2004, 305. Dos discursos, 27% trataram de política externa. Em alguns meses saltaram para 50%, como novembro de 2003 e janeiro de 2004. É como se fôssemos uma potência imperial sem o saber. É provável que nem George W. Bush tenha tratado tanto de política externa como Lula. Contudo continuamos tendo papel irrelevante na política mundial e mantemos inalterada a nossa participação no comércio internacional.

No discurso do presidente após a cerimônia de posse pode estar a resposta ao descaso administrativo. Disse que estava “convencido de que hoje não existe, no Brasil, nenhum brasileiro ou brasileira mais conhecedor da realidade e das dificuldades que vamos enfrentar”. Isto é, já sabia, antes de iniciar o governo, tudo o que deveria fazer, pois era o maior “conhecedor da realidade”. Mais adiante falou: “Estou convencido e quero afirmar a vocês; não existe, na face da Terra, nenhum homem mais otimista que eu”. Ou seja, ele não só já conhecia, como sabia de antemão o que realizar.

Sendo assim, de nada necessita: leitura, estudo, reuniões de trabalho, visitas aos locais das obras governamentais ou elaboração de planos. Nada. Tudo isso é perda de tempo. Como tem certeza messiânica da realização, não precisa da política.

Currículo de Dilma

Veja o link:http://www.presidencia.gov.br/presidenta/view

É inacreditável, mas sequer no site oficial da Presidência da República é possível obter uma informação correta. O doutorado, que acabou não ocorrendo pois Dilma fez somente alguns créditos, não desenvolveu o projeto, não fez a qualificação e muito menos a tese, seria (SERIA) em Economia e não em Ciências Sociais, como informa equivocadamente o site oficial.

Pior ainda.

Este artigo publiquei na FSP em 3 de fevreiro de 2007.


A "nova Câmara" será melhor que a anterior?

NÃO

Mais do mesmo na legislatura

MARCO ANTONIO VILLA

A ÚLTIMA legislatura da Câmara dos Deputados foi tão ruim quanto as anteriores. Com uma diferença: a crise política permitiu que fossem revelados escândalos que já ocorriam -e há muito tempo.
A atual será sofrível: com sanguessugas, mensaleiros e cacarecos.
A distribuição do número de deputados por Estado distorce a representação popular e é fator gerador de crises políticas e descrédito da Câmara. A sub-representação dos Estados do Sudeste e do Sul e a sobre-representação do Norte, Nordeste e Centro-Oeste acaba enfraquecendo o Legislativo.
As várias Constituições republicanas só foram aumentando o problema: a de 1891 fixava um número mínimo de quatro deputados, mantido em 1934, ampliado para sete em 1946, mantido pela Constituição de 1967. O Pacote de Abril de 1977 diminuiu para seis, mas, na atual Constituição, a representação mínima saltou para oito deputados, o que se agrava ainda mais pela criação de novos Estados.
Não é acidental que a maioria dos membros do baixo clero provenha de Estados sobre-representados, em que o voto é controlado pelos oligarcas. Manter tal distorção significa que os destinos da Casa continuarão nas mãos de deputados, por exemplo, de Roraima ou Tocantins, eleitos por um punhado de votos que mal daria para eleger um vereador em uma cidade média do Estado de São Paulo.
Em certa época, a opinião pública e a imprensa imputaram as mazelas da Câmara ao ano legislativo, considerado exíguo. Voltando às Constituições republicanas, a de 1891 estabeleceu um mínimo de quatro meses de trabalho. O mínimo foi a seis meses (1934), nove (1946), caiu para oito (1967) e voltou aos nove meses hoje.
Apesar de ter mais que dobrado o período de trabalho em relação ao Congresso da República Velha, isso não teve nenhum significado na qualidade da ação política dos deputados.
Antes das eleições de 2006, pesquisadores estimavam que a renovação da Câmara alcançaria 60%. A renovação foi inferior (46%), e a maioria do baixo clero, além de deputados associados aos escândalos recentes, retornou à Casa. Continuaremos a assistir ao triste espetáculo da negociação do voto em troca de favores que incluem a liberação de emendas parlamentares e a nomeação para as diretorias de ministérios e estatais com o intuito de "fazer caixa" para a próxima eleição.
Na última legislatura, não tivemos sequer uma sessão ordinária ou reunião de comissão em que tenha ocorrido um grande debate político. O quadriênio, em termos de debater o Brasil, foi um tédio completo. O interesse eventual esteve restrito às reuniões das CPIs. Tanto que a cobertura da mídia ficou restrita ao episódico, assim como agora, quando, na falta de grandes temas, os jornalistas já escolheram a musa da legislatura. E não é a primeira vez, basta recordar a musa da Constituinte, do impeachment etc.
Pode ser que o elevado número de deputados (513) seja um fator que aprofunde a crise do Parlamento. Temos uma das maiores Câmaras do mundo. Nos EUA, que têm uma população quase 60% maior que a do Brasil, o número de deputados na Câmara dos Representantes é de 435. A Índia, cuja população é quatro vezes maior que a nossa, tem uma Câmara Baixa com 545 deputados. No caso brasileiro, a ampliação do número de cadeiras não teve nenhum significado democrático. Pelo contrário, petrificou os interesses coronelísticos.
A sessão que elegeu o presidente da Câmara foi um péssimo início de legislatura. Estava em jogo o terceiro cargo em importância da República. Porém, o plenário se comportou como se estivesse em um piquenique. Raros foram os deputados que souberam explicar as razões ideológicas da escolha de um dos candidatos.
Nos próximos quatro anos, as galerias da Câmara continuarão vazias, e o plenário, deserto de deputados e de idéias. A história do nosso Parlamento já foi bem diferente. Foi palco de grandes debates e interesse popular.
Que bom seria se redivivos lá estivessem Teófilo Ottoni, Joaquim Nabuco, Afonso Arinos, San Tiago Dantas, José Bonifácio, o Moço, e tantos outros.


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Luiz Fux

Fux, novo ministro do STF, vai dar o que falar. Na "sabatina" do Senado disse pouco. Na entrevista de quarta falou mais. Em tempo: eu nunca vi ministro do STF dar entrevista coletiva antes de tomar posse. Mal sinal.

Salário mínimo e oposição

Na quarta assisti boa parte da sessão da Câmara. Foi péssima. É pavoroso o nível dos deputados. Não se discute nada. Um verdadeiro horror. Pior só os cabelos tingidos á la Sarney dos deputados (especialmente os do baixo clero).


A oposição tentou dar o ar da graça. Claro que o plenário não ajudava. A maioria estava lá só para aprovar e nem queria discussão. Deve ser destacada a atuação de Roberto Freire.

O mais incrível é que a Câmara aprovou que os próximos reajustes do salário mínimo serão feitos por decreto. Nem a ditadura militar teve coragem de mandar um projeto deste gênero para a Câmara.

A falácia da reforma agrária

Hoje publiquei este artigo em "O Globo".


O tema da reforma agrária dividiu o país durante décadas. Desde os anos 1940 foi um dos assuntos dominantes do debate político e considerada indispensável para o desenvolvimento nacional. Diziam que a divisão das grandes propriedades era essencial para a industrialização, pois ampliaria, com base nas pequenas propriedades, o fornecimento de gêneros alimentícios para as cidades, diminuindo o custo de reprodução da força de trabalho e acabando com a carestia.

Por outro lado, o campo se transformaria em mercado consumidor das mercadorias industrializadas. Ou seja, o abastecimento dos centros urbanos, que estavam crescendo rapidamente, e o pleno desenvolvimento da indústria dependiam da reforma agrária. Sem ela não teríamos um forte setor industrial e a carestia seria permanente nos centros urbanos, além da manutenção da miséria nas áreas agrícolas. E, desenhando um retrato ainda mais apocalíptico, havia uma vertente política da tese: sem a efetivação da reforma agrária, o país nunca alcançaria a plena democracia, pois os grandes proprietários de terra dominavam a vida política nacional e impediam a surgimento de uma sociedade livre. Era repetido como um mantra: o Brasil estava fadado ao fracasso e não teria futuro, caso não houvesse uma reforma agrária.

Os anos se passaram e o caminho do país foi absolutamente distinto. A reforma agrária não ocorreu. O que houve foram distribuições homeopáticas de terra segundo o interesse político dos governos desde 1985, quando foi, inclusive, criado um ministério com este fim. Enquanto os olhos do país estavam voltados para a necessidade de partilhar as grandes propriedades - marca anticapitalista de um país que não admira o lucro e muito menos o sucesso - o Centro-Oeste foi sendo ocupado (e parte da Amazônia), além da revolução tecnológica ocorrida nas áreas já cultivadas do Sul-Sudeste.

O deslocamento de agricultores, capitais e experiência produtiva especialmente para o Centro-Oeste ocorreu sem ter o Estado como elemento propulsor. Foram agricultores com seus próprios recursos que migraram principalmente do Sul para a região. Como é sabido, falava-se desde os anos 30 em marcha para o Oeste, mas nada de prático foi feito. E, quando o Estado resolveu fazer algo, sempre acabou em desastre, como a batalha da borracha, nos anos 1940, ou, trinta anos depois, com as agrovilas, na Amazônia.

O épico deslocamento de agricultores do Sul para o Centro-Oeste até hoje não mereceu dos historiadores um estudo detalhado. De um lado, devido aos preconceitos ideológicos; de outro, pela escassez ou desconhecimento das fontes históricas. Como todo processo de desbravamento não ficou imune às contradições - e isto não ocorreu apenas no Brasil. Foram registrados sérios problemas em relação ao meio ambiente e aos direitos humanos, em grande parte devido à precariedade da presença das instituições estatais na região.

Com a falência do modelo econômico da ditadura, em 1979, e a falta de perspectiva segura para a economia, o que só ocorrerá uma década e meia depois, com o Plano Real, as atenções do debate político ficaram concentradas no tema da reforma agrária, mas de forma abstrata. O centro das discussões era o futuro dos setores secundário e terciário da economia. O campo só fazia parte do debate como o polo atrasado e que necessitava urgentemente de reformas. Contudo, a realidade era muito distinta: estava ocorrendo uma revolução, um fabuloso crescimento da produção, que iria mudar a realidade do país na década seguinte.

Entretanto, no Parlamento, os agricultores não tinham uma representação à altura da sua importância econômica. Alguns que falavam em seu nome ficaram notabilizados pela truculência, reforçando os estereótipos construídos pelos seus adversários. É o que Karl Marx chamou de classe em si e não para si. Os agricultores, na esfera política, não conseguiam (e isto se mantém até os dias atuais) ter uma presença de classe, com uma representação moderna, que defendesse seus interesses e estabelecendo alianças com outros setores da sociedade. Pelo contrário, sempre estiveram, politicamente falando, correndo atrás do prejuízo e buscando alguma solução menos ruim, quando de algum projeto governamental prejudicial à sua atividade.

Hoje, o Brasil é uma potência agrícola, boa parte do saldo positivo da balança comercial é devido à agricultura, a maior parte da população vive no meio urbano, a carestia é coisa do passado, a industrialização acabou (mesmo com percalços) sendo um sucesso, o país alcançou a plena democracia e não foi necessária a reforma agrária. A tese que engessou o debate político brasileiro durante décadas não passou de uma falácia.

STF: uma triste história

Este artigo saiu no Estadão de 26 de agosto de 2007.


Uma história marcada pela subserviência

O STF é a síntese da Justiça brasileira: lento, corporativo, classista, formalista e injusto

Marco Antonio Villa*

A sessão de quarta-feira do Supremo Tribunal Federal foi estarrecedora. As atenções estavam voltadas para aquela Corte, que apreciava a denúncia por parte do procurador-geral da República dos envolvidos no mensalão. Duas dúzias de advogados, regiamente pagos, estavam defendendo seus clientes.

Porém, da parte dos advogados já estamos acostumados à retórica vazia. A oratória é repetitiva, os gestos sempre iguais, como se todos (ou quase todos) tivessem passado pelo mesmo cursinho de como falar bem. Causa estranheza as homenagens que apresentam nas suas falas ora a um ministro, ora a um comentador da Constituição, ora a outro colega. Manter a atenção não é fácil, mas quem está acostumado com as sessões da TV Câmara e da TV Senado já tem know-how e consegue resistir.

O que logo chamou a atenção foi o desinteresse dos ministros - com algumas honrosas exceções - que, como diria um advogado, compõem aquela egrégia Corte. Tinha notado, em outras sessões, que durante a leitura do voto do relator ou quando um advogado defendia seu cliente, eles, os ministros, conversavam animadamente, levantavam, faziam piadas. Pareciam alunos indisciplinados, daqueles que, quando entram na sala de aula, se esparramam pelas carteiras e ouvem com displicência o professor, com a diferença que lá estavam os ministros da mais alta Corte do Brasil.

Na sessão que apreciou a denúncia do mensalão, dos dez ministros presentes, seis não paravam de acessar o computador. Dois (Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski) trocavam e-mails comentando a sessão, falando de como votar, discutindo quem deve ser o novo ministro daquela Casa, dando apelidos aos colegas (Eros Grau, o ministro, que também é poeta bissexto, é chamado de Cupido, e Ellen Gracie, a presidente, é a Professora). Conversavam com assessores (um deles estava “convencendo” um ministro a mudar seu voto!), liam notícias de jornais. Só não faziam o principal: prestar atenção em seu trabalho, que, naquele momento, era de ouvir os advogados de defesa. A ministra estava tão desatenta que nem percebeu quando foi chamada de Cármen Silva e Maria del Cármen. Outros acessavam o computador, bocejavam, demonstravam enfado, como se tudo aquilo não passasse de um rito desnecessário.

Mas o importante é que as aparências estavam mantidas. Os ministros e advogados vestiam suas togas e usavam a costumeira linguagem protocolar. O ministro Eros Grau chegou até a passar um bilhetinho para um advogado de defesa, tudo bem ao estilo do Brasil atual. A toda hora os garçons serviam os ministros e advogados; foi estabelecido um clima cordial, ameno, no plenário, salão que tem até um crucifixo próximo ao brasão da República, isto quando, desde 1890, a Igreja Católica foi separada do Estado. Ou seja, o plenário da mais alta Corte, que deve velar pela Constituição, descumpre a Carta.

Não parecia que estava sendo julgada a aceitação ou não de uma denúncia gravíssima. Quem assistiu às sessões da CPMI dos Correios sabe do que se está falando. Quem não ficou horrorizado com o depoimento de Duda Mendonça confessando espontaneamente que recebeu o pagamento dos seus préstimos no exterior? Quem não ficou horrorizado com o depoimento da diretora financeira de uma empresa de Marcos Valério relatando como entregava milhares de reais aos mensaleiros? Mas a sessão do STF seguia dando a impressão de estar julgando uma briga de vizinhos por algum motivo fortuito.

Infelizmente, aquela corte não tem bons antecedentes. A história do STF na República foi marcada pela subserviência ao Poder Executivo. Em seu governo, o marechal Floriano Peixoto (1891-1894) chegou a nomear para o Supremo um general e um médico (este, Barata Ribeiro, participou de várias sessões). O mesmo marechal Floriano ameaçou o Supremo quando este ia votar uma solicitação de habeas-corpus dizendo que, se fosse concedido, não saberia quem iria conceder o mesmo benefício aos ministros. Claro que o habeas-corpus foi negado.

Durante a República Velha (1889-1930), vários governadores foram depostos, as eleições foram maculadas pela fraude, jornais foram censurados e proibidos, opositores foram presos, torturados, mas o Supremo silenciou. Os valores republicanos e a defesa das liberdades foram ignorados. Quando o Centro Monarquista de São Paulo, em 1897, solicitou um habeas-corpus, o STF negou. Ou seja, o direito de reunião e de manifestação foi desconsiderado. O centro não tinha importância política e nem punha em risco as instituições, mas foi proibido de continuar funcionando. Estrangeiros foram expulsos - e o STF silenciou. Opositores foram desterrados para a Amazônia - e o STF também silenciou.

O advogado e brilhante jornalista Paulo Duarte, que durante décadas escreveu no Estado, no terceiro volume das suas memórias (Selva Oscura) relata um caso, que é exemplar, do uso político do STF pelo Executivo. Em 1924, ocorreu a segunda revolução tenentista. Derrotados, alguns se retiraram para o interior, até encontrar-se com os revoltosos que vinham do sul, formando a Coluna Prestes (1924-1927). Outros acabaram presos. Um deles foi o general João Francisco. Este foi detido com seu filho de 17 anos. Duarte requereu habeas-corpus para o menor, pois a prisão era flagrantemente ilegal. Na tensa discussão no plenário do Supremo, o ministro Bento de Faria, recém-nomeado pelo presidente Artur Bernardes, em resposta à afirmação de que aquele fato era contra a lei, disse: “Mas a lei já tem sido desobedecida numerosas vezes aqui, pode ser esquecida mais uma vez.” Desnecessário dizer que o STF negou o pedido.

Quando em 1935, após a rebelião comunista, foram suspensas as garantias constitucionais, o STF secundou as determinações do Executivo. Durante todo o Estado Novo (1937-1945), aquela corte fechou os olhos às violações dos direitos humanos. Nem sequer um ministro fez um protesto, ainda que mínimo. Nada. Os ministros continuaram a rotina administrativa, mantiveram o formalismo e ignoraram o Brasil real.

Nos anos de chumbo, depois do AI-5, o STF foi um fiel seguidor da ditadura, obediente aos ditames dos generais-presidentes. Quando a ditadura aposentou compulsoriamente três ministros (Víctor Nunes Leal - este foi, posteriormente, “homenageado” dando nome à biblioteca do Supremo -, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva), logo em seguida dois presidentes da Casa demitiram-se (Antônio Gonçalves de Oliveira e Antônio Carlos Lafayete de Andrada). Contudo, os outros ministros (naquele momento o Supremo tinha 16 componentes) mantiveram-se calados. Estranhamente, no site do STF, onde o ministro Celso de Mello escreveu Algumas Notas Informativas (e Curiosas) sobre o Supremo Tribunal, este fato histórico é omitido.

A redemocratização não chegou ao Supremo, infelizmente. Tudo continuou como dantes. Quem não se lembra que o STF não questionou os absurdos jurídicos do Plano Collor? Quem não se lembra que o ex-presidente Fernando Collor foi inocentado por “falta de provas”? Quem não se lembra dos escândalos de corrupção dos últimos 20 anos e da ausência de punição por parte do Supremo? Quem não se lembra dos habeas-corpus concedidos aos salteadores dos cofres públicos, que, logo depois, fugiram do País?

A indicação dos ministros tem de passar pela aprovação do Senado. Porém, excetuando alguns nomes que foram rejeitados no governo Floriano Peixoto, todos os outros foram aprovados. As sabatinas obrigatórias tratam de assuntos secundários e o indicado já é considerado aprovado, isto antes mesmo de ser ouvido.

O STF é a síntese da Justiça brasileira: lento, corporativo, classista, formalista e injusto. É fundamental para o futuro da democracia brasileira que o Supremo mude e passe a fazer justiça e não política, no pior sentido dessa palavra. E deixe de ser, como escreveu há tantos anos João Mangabeira, o poder que mais falhou na República.

Nada de novo

A oposição, parece, está começando a buscar alguma articulação. O governo Dilma começou enrolado. O tal de "cem dias" ninguém fala mais (o jornalismo político brasileiro inventa temas e depois esquece. Quem não se lembra do PMDB "democrático" como anteparo ao PT "autoritário" criado em novembro/dezembro?). Fez um corte monumental do orçamento, tem dificuldade para aprovar o salário mínimo, não sabe o que fazer frente aos problemas de infra-estrutura, está enrolada com a compra dos caças, etc, etc. Deste jeito (e até antes do carnaval, o que para os nossos padrões é algo incrível), o governo vai ter problemas sérios no Congresso.


Lula, vulgo "Pelé" para Gilberto Carvalho et caterva, vai ter de sair do banco e entrar em campo.

Tarefas da oposição

Este artigo foi publicado em "O Globo" de hoje. Muito do que Serra escreveu foi debatido por mim e pelos comentaristas neste espaço.


Oposição para quê?

José Serra


O principal risco que correm as oposições - e, portanto, também o PSDB - é perder tempo em embates menores, combates internos fantasmas ou antecipações irrealistas, como trazer 2014 para hoje, inventando bandas de adversários... internos! Atacar, constranger, prejudicar ou atrapalhar companheiros do próprio partido só faz ajudar os adversários reais, que incentivam esses confrontos.

Para o maior partido da oposição, perder-se em disputas internas seria apequenar-se. Saímos das urnas com quase 44 milhões de votos, vencendo a eleição presidencial em 11 estados. O PSDB fez oito governadores; o DEM, dois, e tivemos ainda o apoio do governador de Mato Grosso do Sul. Aqueles que votaram em nós queriam que ganhássemos, mas sabiam que podíamos perder. A oposição, portanto, é tão legítima quanto o governo; ela também expressa a vontade do eleitor e tem um mandato.

Não podemos deixar o eleitorado que nos apoiou sem representação. É ele, inicialmente, que precisa receber uma resposta e convencer-se de que não jogou seu voto fora. Até porque as ditaduras também têm governos, mas só as democracias contam com quem possa vigiá-los, fiscalizá-los, em nome do eleitor. Por isso a oposição tem de ter posições claras, ser ativa, sem se omitir nem se amedrontar. Uma eleição presidencial não é uma corrida de curta duração, de 45 dias, mas uma maratona de quatro anos. E ninguém corre parado.

Até quem votou no PT conta conosco para que ofereçamos alternativas, para que possamos aprimorar propostas do governo e denunciar, quando é (e como está sendo) o caso, a falta de rumo. Não se trata de fazer oposição sistemática ou não sistemática, bondosa ou exigente. Isso é bobagem! Essa questão não se coloca em nenhuma grande democracia do mundo. A oposição tem o direito e o dever de expressar seus pontos de vista e de batalhar por eles. É seu papel cobrar coerência, eficiência e honestidade.

A realidade está aí. O grave problema fiscal brasileiro veio à luz, herança do governo Lula-Dilma para o governo Dilma. A maquiagem nas contas não consegue escondê-lo. A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) se transformou no retrato perverso do aparelhamento do Estado, que não se vexa nem diante da realidade dramática da saúde - ou falta dela - dos pobres. O mesmo acontece em Furnas, palco de escândalos há muitos anos, expressão do loteamento do setor elétrico, onde os blecautes têm sido a regra, não a exceção. Se a oposição não se fizer presente agora, então quando?

Fazer oposição por quê? Porque o país experimenta um óbvio desequilíbrio macroeconômico, que reúne inflação alta e em alta, juros estratosféricos, câmbio desajustado, vertiginoso déficit do balanço de pagamentos e infraestrutura em colapso. As trapalhadas do Enem mostram que o PT tripudia sobre a esperança e o futuro dos jovens. A imperícia do governo na prevenção de catástrofes e socorro às vítimas não requer comprovação. Por que fazer oposição? Porque os brasileiros merecem um governo melhor e pagam caro por isso - uma das maiores cargas tributárias do mundo, sem serviços públicos à altura. Temos o direito de nos apequenar com picuinhas? Foi para isso que recebemos um mandato das urnas?

O governo vem fazendo acenos à classe média e às oposições. Conta com o conhecido bom-mocismo dos adversários, tucanos à frente. Sua intenção é lhes tirar nitidez e personalidade, dividi-los e subtrair-lhes energia e disposição. Até a próxima disputa eleitoral, quando, então, voltaremos a enfrentar os métodos de sempre: vale-tudo, enganações, bravatas e calúnias. Cair nesse truque corresponde a trair a confiança dos que votaram em nós e os interesses do nosso povo e do país.

O PSDB não sabe fazer oposição! Tanto em 2006 como em 2010, pesquisas internas apontaram ser essa uma das críticas que o eleitorado nos faz. Ainda que fosse injusta, seria forçoso reconhecer que nos tem faltado nitidez. É razoável que o eleitor considere que não sabe governar quem não sabe se opor.

E nós temos os bons fundamentos! A quem pertence a bandeira da social-democracia no Brasil?

O PT, fundado como um partido classista, sob a inspiração de partidos leninistas, varreu estatuto e ideário para baixo do tapete ao chegar ao poder e adotou como suas a plataforma e as ideias do adversário. Mas, longe de estar resolvida, após seis eleições presidenciais, sendo três vitoriosas, e dois governos depois, a contradição entre os "pragmáticos do mercado" e os "puros-sangues de Lenin" ainda é um dos flancos do PT não devidamente explorados pela oposição, para prejuízo do país.

O PT adotou as bandeiras, mas perverteu sua prática. Privatizou as ações do Estado em benefício do partido e aliados. Banalizou o que a vida pública brasileira tinha de pior. Rebaixou a Saúde e a Educação. Transformou em instrumento eleitoral a rede de proteção social herdada do governo FHC.

Virou as costas para a Segurança e descuidou-se da Previdência. A falsa "social-democracia" petista preside um processo de desindustrialização do Brasil e mantém como principal despesa do orçamento o pagamento de R$180 bilhões anuais em serviço da dívida pública interna. Sem mencionar erros infantis, como o de reconhecer a China como economia de mercado, enfraquecendo nossos mecanismos de defesa comercial. Que social-democracia é essa, que pôs a perder o ativismo governamental nas coisas essenciais, que caracteriza o Estado do Bem-Estar Social e seus alicerces?

Essa retomada dos valores da social-democracia, com seu respeito ao jogo democrático e sua prioridade à garantia de condições dignas de vida à população, há de tirar do PSDB o falso carimbo de partido da elite e marcar diferença com o PT, com suas práticas sectárias e/ou ineptas.

Para tanto, é fundamental ao PSDB fortalecer a unidade interna, dando uma resposta àqueles que nos delegaram um mandato por meio das urnas.

Estou, como sempre, a serviço da população. Ajudei a definir as bandeiras históricas do meu partido e sua renovação. Por elas e pela unidade, batalhei sempre. Ninguém andará em má companhia seguindo os Dez Mandamentos. Para quem está na política, sugiro um 11º, este de inspiração humana, não divina: "Não ajudarás o adversário atacando teu colega de partido."

STF

A "sabatina" do novo ministro do STF durou 3 horas. Ele falou sobre o nada (e também, a bem da verdade, dificilmente falaria algo importante porque ninguém perguntou). Até chorou ao falar da família. Coisa de república bananeira.


O espelho é sempre a Suprema Corte. É impossível um futuro ministro, lá nos EUA, ser sabatinado em 3 horas. Nunca soube. O futuro ministro é perguntado sobre tudo, vira assunto nacional.

Aqui, Fux que nasceu em 52, deve permanecer até os 70 no STF, portanto durante 12 anos. fazendo a média, cada hora da "sabatina" corresponde a 4 anos. Pior foi o Toffoli. Pode ficar 29 anos no STF e a "sabatina" também foi meteórica.

País enfadonho

A política brasileira é enfadonha. Os movimentos são repetitivos e previstos. Sarney anunciou quando da crise dos atos secretos que faria uma reformulação no Senado. Nada fez, como seria de se esperar (lembrando que foi salvo pela ajuda providencial de Lula). Mas tentou desviar a atenção do foco da crise. Agora fala em reforma política. Bobagem. É para inglês ver. Desvia a atenção do continuísmo e da defesa permanente dos interesses privados da famiglia Sarney.


No final do ano todo mundo falava que o PMDB iria segurar o autoritarismo do PT. Que a defesa das liberdades estaria no colo de Temer e companhia. Escreveram e falaram até a exaustão (na falta de assunto mais importante e sério no final do ano, tempo de Papai Noel, etc). O tema caiu no esquecimento com um mês de governo. E o PMDB virou símbolo de corrupção para os mesmos comentaristas que em dezembro diziam que o partido tinha uma história de defesa da democracia (como se o PMDB fosse o velho MDB).

Samba e repressão

Ontem, no Jornal da Cultura (é possível acessá-lo pela internet na página da TV Cultura) falei do Capitão Guimarães, homem forte da Liesa. No livro "A ditadura escancarada" de Elio Gaspari, no capítulo A gangrena(pp.361-375) tem a história deste sombrio torturador.

Lula falou

Lula falou. A repercussão foi mínima. Passou quase em branco. Ele não deve ter gostado. Está começando a perceber que a atenção da mídia era devido principalmente ao posto de onde falava: a presidência da República.


Conheço o personagem. Ele deve estar triste. É terrível a megalomania do poder. Pior ainda é a megalomania de quem já esteve no poder, como ele. Vai falar como nunca na convenção do PT.

Da relação Executivo-Legislativo.

Este artigo foi publicado na FSP em 19 de outubro de 2007. De lá para cá nada mudou, o que no Brasil é considerado algo absolutamente natural.



Sobre o governo, o Congresso e as reformas

MARCO ANTONIO VILLA

As direções da Câmara e do Senado têm agido de forma mais violenta que o regime militar em relação ao Congresso Nacional

INDEPENDENTEMENTE de quem for o presidente da República em 1º de janeiro de 2011, certamente terá de conviver com o toma-lá-dá-cá que caracteriza a relação Executivo-Legislativo. Até hoje nenhum presidente teve a audácia de construir uma relação baseada em questões programáticas, e não na troca de cargos, verbas e favores. É como se fosse impossível estabelecer pontos programáticos no momento do estabelecimento de uma aliança de governo, como ocorre em outras democracias.
Não é possível considerar o atual modelo como um presidencialismo de coalizão, pois este pressupõe a construção de uma proposta de governo, e o que temos aqui é a cooptação do Congresso Nacional com a entrega de parte da máquina governamental para a base de sustentação política, como uma espécie de saque legalizado dos recursos públicos.
É rotineiro um partido exigir o controle dos portos, da construção de estradas de rodagem ou de usinas do sistema elétrico como se tivesse quadros técnicos. Sabemos -seria hipocrisia negar- que a escolha dessas áreas se deve aos recursos movimentados, que permitem que o partido possa organizar uma caixinha que financiará seus candidatos na eleição seguinte -além, é claro, da apropriação privada. Assim, o que temos é um presidencialismo de transação.
Quem acompanha os trabalhos do Congresso observa que vários políticos sempre fazem parte da base governamental, mesmo quando a eleição presidencial foi vencida por um candidato de oposição. Para alguns analistas, isso se deve à habilidade do político, quando isso demonstra o contrário: a inexistência de qualquer princípio, a não ser a defesa intransigente dos seus interesses privados. Exemplos não faltam. Um deles é o senador Romero Jucá (PMDB-RR).
Já foi chamado de "fazendeiro do ar", hoje é líder do governo Lula. A questão não é o senador, o problema é um governo que aceita tê-lo como líder.
A cada eleição espera-se que haja uma mudança na forma de fazer política. A renovação dos mandatos é sempre muito alta, mas nada muda, sinal de que o cerne do problema não é pessoal, mas estrutural. Enquanto não for feita uma reforma política, assistiremos ao mesmo triste espetáculo. A negociação espúria de cargos e favores é um instrumento de desmoralização do Legislativo, mais eficaz que qualquer proposta autoritária para fechá-lo. Quando o baixo clero está açulado, é sinal de que o cheiro de carniça se espalhou pelo majestoso prédio projetado por Oscar Niemeyer.
O Congresso, agindo constantemente assim, estimula políticos bonapartistas que rondam o poder e anseiam uma "relação direta" com os eleitores. Sabemos que na própria base do governo temos protótipos de tiranos. Assim, o maior inimigo do Legislativo são os congressistas. Nos últimos anos, as direções da Câmara e do Senado agiram de forma mais violenta que o próprio regime militar em relação ao Congresso. Basta recordar o episódio recente dos parlamentares agredidos pela guarda do Senado ou quando o então presidente da Câmara, o petista João Paulo, chamou para o interior daquela
Casa a polícia, fato desconhecido na história do Parlamento desde a sua criação, em 1826.
Acompanhando o ano legislativo, vê-se que as grandes questões nacionais são ignoradas. Evidentemente, há parlamentares atuantes, mas a maioria (e não é de hoje -basta lembrar do "Centrão", na Assembléia Constituinte) age pela ótica do fisiologismo e só atua quando é pressionada pela opinião pública e pela mídia.
Pensar em grandes reformas políticas é um meio de inviabilizar mudanças. Contudo, algo pode ser feito. A fidelidade partidária é um bom início e será implantada, apesar do Congresso. A permanência da cláusula de barreira que, justiça seja feita, tinha sido aprovada pelo Congresso, mas foi derrubada pelo STF, tem de ser reapresentada. Estabelecer regras eleitorais permanentes também é tarefa exeqüível, pois não é possível a cada dois anos alterar a legislação.
Do lado do Executivo, poderia ser realizada uma pequena reforma, mas que teria enorme efeito político: a sensível diminuição dos cargos comissionados. Hoje são 22 mil; se permanecessem 10%, seria uma verdadeira revolução. Esses cargos acabaram, com o passar do tempo, sendo usados como moeda de troca com o Parlamento. Por parte do Judiciário, a agilidade no julgamento dos casos de corrupção também teria um enorme efeito pedagógico e inibiria a impunidade. Mas, o que parece simples, no Brasil, é tarefa aparentemente impossível.




Mudança

Ontem no Estadão a oposição deu sinal de vida. No artigo do FHC, numa entrevista longa do Aloysio e numa matéria da Dora Kramer sobre José Serra. Bom sinal. Agora é preciso alguma ação no plano federal por parte do PSDB. Não dá para aguardar o resultado da Convenção Nacional para só daí agir.


O PPS tem se movimentado, buscando uma aliança com o PV e uma agenda congressual. O PSOL foi ativo e chamou a atenção quando lançou um candidato de oposição a Sarney.

Mas ainda é muito pouco. Nunca é demais lembrar os 4 4 milhões de votos recebidos no segundo turno da eleição presidencial.

O outro coronel


Este artigo foi publicado no Estadão (22 de julho de 2007) poucos dias após a morte de ACM. Dá para analisar a relação do coronel da província com o plano federal, uma questão permanente da política brasileira.

ACM, o velho coronel, morre no ocaso

Dono do último ‘ismo’, ele já não mandava em seu feudo, a Bahia. Não era mais obedecido nem no interior do Estado e os novos líderes de seu partido fugiam dele. Em Brasília, ninguém o ouvia

Marco Antonio Villa*

Com a morte do senador Antonio Carlos Magalhães encerra-se um ciclo político na Bahia. Mas não só: com o desaparecimento do senador a política nacional perde seu último líder pessoal - caudilho da velha tradição latino-americana - e a direita, um dos seus principais quadros. Durante a República, a Bahia teve líderes que polarizaram a luta política no Estado: Luiz Vianna, J.J. Seabra, Octávio Mangabeira e Juraci Magalhães. Todos tiveram expressão nacional, especialmente os três últimos. Contudo, foi Antonio Carlos Magalhães que marcou de forma mais longeva e profunda tanto a política estadual como a nacional.

Dos políticos brasileiros que atuaram no momento final da “república populista”, ACM é o último que se manteve no primeiro plano da cena política. José Sarney, por exemplo, foi um deputado federal de pouca expressão no final dos anos 50 e depois permaneceu boa parte do regime militar como figura de pouca importância política, além do que, seu Estado - o Maranhão - nunca desempenhou papel relevante na política nacional. ACM também não procurou, tal qual Sarney, se apresentar nacionalmente como um acadêmico, um intelectual. Pelo contrário, a truculência - o Toninho Malvadeza, apelido que o marcou em boa parte da carreira - foi durante muito tempo seu cartão de visita. Dessa forma, nunca teve vergonha de mostrar o lado cruel do coronelismo, do mandonismo secular das elites brasileiras, especialmente as do Nordeste.

Como um senhor de engenho dos primeiros quatro séculos do Brasil, sempre fez questão de deixar claro quem mandava. Dos seus inferiores exigia obediência absoluta, tratava a pão e água os opositores. Fazia justiça de sua forma e andava sempre acompanhado de um séquito. Porém, diferentemente do antigo senhor da casa-grande, estabeleceu boas e sólidas relações com os “homens livres” e com os trabalhadores braçais. Se a sua liderança era arcaica, a relação com a sociedade de classes era moderna, hábil e plural. Para fortalecer sua liderança local tinha de modernizar a economia baiana e para isso necessitava ter influência no poder central. E teve. Em alguns governos - como durante o qüinqüênio presidencial de José Sarney - foi o ministro civil mais influente e poderoso. Mandou e desmandou - e como bom coronel fazia questão de mostrar que detinha o mando.

A modernização no Estado passou pelo estabelecimento de uma sólida aliança com um corpo técnico competente que acabou indo para a política conduzido por suas mãos (como Paulo Souto e Antônio Imbassahy), especialmente após a eleição de 1990, quando retomou o controle do Estado, após a desastrosa gestão Waldir Pires/Nilo Coelho, este último celebrizado, segundo o velho senador, por estabelecer o quilômetro de 700 metros, quando pagava as construtoras pelas obras nas estradas do Estado. Os “jovens carlistas” foram bons administradores públicos, mas sempre viveram sob a sombra do caudilho, que impedia que consolidassem a própria liderança. E a constante afirmação de força pessoal acabou solapando a formação de um partido político regional. Nada se decidia sem a consulta ao “chefe”.

O estilo agressivo foi sendo adocicado pelo hábil Luiz Eduardo Magalhães, seu filho, que abria a possibilidade de o poder político estadual ficar sob controle da família Magalhães por mais algumas décadas. Mas a morte precoce do deputado acabou enterrando esse projeto e foi mostrando as primeiras frestas no carlismo - o último “ismo” da política brasileira, marcada agora pela vida partidária e não somente pela liderança pessoal.

Mas não bastou o chicote para manter por tanto tempo o poder local. Já durante a abertura, durante o sexênio da presidência Figueiredo, ACM buscou sustentação entre os intelectuais. Jorge Amado apoiou João Durval para o governo do Estado, em 1982, o “poste”, como o senador gostava de dizer, que elegeu no lugar de Cleriston Andrade, que tinha morrido 60 dias antes das eleições. Desde então, os artistas baianos mais conhecidos foram apadrinhados por ele em shows, filmes, edições de livros, exposições e no carnaval. Até sua forma de andar foi elogiada por Caetano Veloso - cuja mãe, dona Canô, sempre fez questão de demonstrar seu apreço pelo senador.

Jogou o seu peso político no fortalecimento da “baianidade”. Os artistas adoraram. Associou o destino da Bahia ao seu. A maioria dos intelectuais permaneceu em silêncio. Bahia e ACM viraram sinônimo. Qualquer comentário sobre ele em algum congresso realizado na Bahia era recebido com um sorriso, como se o “estrangeiro” não entendesse como funcionava a política na terra de Castro Alves. Em tempo: o poeta, caso estivesse vivo, certamente estaria na oposição. Não ficaria calado, como tantos na Bahia, quando ACM determinou mudar o nome do aeroporto de Salvador de 2 de julho - data magna da Independência da Bahia - para Luiz Eduardo Magalhães.

Cooptando artistas e intelectuais, ACM foi amortecendo as críticas. Mas não bastou: durante 20 anos fez da TV Bahia - retransmissora da TV Globo - um instrumento de seu grupo político. Ficou célebre o momento em que recebeu a concessão global, justamente quando exerceu com mão de ferro o Ministério das Comunicações e distribui centenas de concessões de rádios e televisões para garantir que a Assembléia Constituinte votasse os cinco anos de mandato para José Sarney- rompendo com a promessa de Tancredo Neves de um mandato de quatro anos.

O poder do velho coronel foi sendo minado no século 21. Acabou sendo obrigado a renunciar ao mandato para evitar ser cassado, quando do escândalo da violação do painel de votação do Senado. Mesmo assim, voltou à Casa, eleito em 2002, tendo uma grande vitória no Estado, com a reeleição de Paulo Souto, e conseguindo na chapa senatorial eleger também César Borges. Nos cartazes eleitorais do trio, sua figura era a principal. Contudo, os atritos com Paulo Souto já eram evidentes e o governador dava sinais visíveis de desconforto: estava se esgarçando a política de correia de transmissão do carlismo, uma espécie de leninismo de direita.

Como impedia o surgimento de novos líderes com vôo próprio, o caminho dos jovens carlistas era o de abandonar seu guarda-chuva político. A eleição de 2004 para a prefeitura de Salvador demonstrou que a capital se afastava novamente de ACM, depois de oito anos de uma gestão considerada eficiente de Antonio Imbassahy. Este, que pretendia ser candidato em 2006 ao Senado ou ao governo do Estado, rompeu com o carlismo, pois tomou conhecimento de que não seria candidato a nenhum dos dois cargos.

Por outro lado, o governo central estava avançando sobre as suas bases municipais com o programa Bolsa Família. Os prefeitos, velhos aliados de ACM, perceberam que para sua sobrevivência política necessitavam ter uma relação mais firme com Brasília, que o velho senador não conseguia estabelecer como no passado. Estava na oposição. E pior: não assustava os novos donos do poder. Muito menos era necessário para compor a base governamental no Congresso Nacional. Outros antigos líderes nordestinos tinham se aliado a Lula desde o início do processo eleitoral de 2002, como o bi-senador do Maranhão e do Amapá, José Sarney.

Quando se aproximaram as eleições de 2006, Antonio Carlos Magalhães, como nos velhos tempos, afirmava ter um poder que na realidade não mais existia. Muitas vezes blefou, até com apoio da imprensa, dando a entender que determinava o rumo dos governos. Um bom exemplo ocorreu durante o segundo governo Fernando Henrique Cardoso (1999-2002). Propalou aos quatro ventos que mandava e desmandava. Afirmava que o governo dependia dele. Contudo, quando rompeu com FHC, nada aconteceu. O governo continuou tendo apoio no Congresso Nacional e o veto carlista acabou virando piada de salão (antes, claro, dessa expressão se consagrar com o professor de matemática Delúbio Soares).

O outono do patriarca se aproximava. Preparou-se para mais uma eleição, certo de que o tempo não tinha passado. Acabou politicamente derrotado na eleição para governador, senador e teve diminuída sensivelmente sua bancada na Assembléia estadual e na Câmara dos Deputados. Era o começo do fim. Seus antigos aliados começaram a questionar sua liderança, mas agora sem sair do partido. O tempo da imposição, da vontade absoluta do chefe, tinha passado. Teria de disputar espaço político na seção regional do seu partido, como na UDN baiana, nos anos 50.

A morte acabou alcançando o senador no ocaso político. Não tinha mais nenhum poder na esfera federal. Na Bahia perdeu o governo do Estado, não tinha influência na prefeitura da capital e nos municípios do interior os líderes locais procuravam outros partidos que tivessem ligações mais eficientes com Brasília. O velho coronel não era mais obedecido. Ninguém mais o ouvia. O momento da renovação do mando se aproximava. Outros coronéis se apresentavam para assumir o comando. Mais novos, com discursos modernos, antenados às últimas novidades. Mas com os mesmos vícios. Pena. A democracia parece que tarda a chegar à Bahia. Lá, onde, como escreveu o poeta, “a praça é do povo/Como o céu é do condor/É antro onde a liberdade/Cria a águia ao seu calor/Senhor, pois quereis a praça?/Desgraçada a populaça/Só tem a rua de seu./Ninguém vos rouba os castelos/Tendes palácios tão belos/deixai a terra ao Anteu.”



Pensando a democracia brasileira

Esta resenha foi publicada no caderno Mais da FSP em 27 de abril de 2008. Trata de algumas questões permanentes do Brasil como a democracia, o tipo de Estado e os meandros da política.




ADVERSÁRIO EM CONSTRUÇÃO

Com disposição para o debate, "Reflexões sobre o Direito à Propriedade" ataca o socialismo e critica os rumos do Brasil

MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Denis Lerrer Rosenfield é um filósofo diferente. Poderia escrever para "dentro", para os acadêmicos, ou produzir aqueles relatórios de pesquisa que ninguém vai ler. Não. Procura a discussão pública e, dessa forma, enriquece o debate político nacional. "Reflexões sobre o Direito à Propriedade" é o seu novo livro.
Em seis capítulos, critica os rumos do país e identifica uma questão central: a propriedade privada, no Brasil, está em risco. E em risco está também a liberdade. Suas reflexões se utilizam de autores clássicos e modernos. Entre estes últimos, principalmente Hernando de Soto, Leo Strauss e Friedrich Hayek.
Rosenfield discorda frontalmente do governo Lula. Contudo constrói um adversário que não existe. Transforma o burocrata petista em líder revolucionário. É um grave equívoco. Ruim para o debate político, mas excelente para o burocrata. É bom ser identificado como um perigo à ordem capitalista: massageia seu ego, relembra seu passado de militante esquerdista e até o estimula a ditar (escrever, não) suas memórias.

Aumento de preço
Mas o interesse do burocrata (e aí o aproxima, por estranho que pareça, a Rosenfield) é outro: deseja ampliar sua casa em um condomínio fechado, comprar aparelhos eletrônicos de última geração, roupas de grife e até cosméticos -como declarou o ex-ministro José Dirceu à revista "Piauí". A cada invasão de terra ou de prédio público, o "consultor" aumenta o preço do seu "trabalho".
Ainda no terreno da "construção do adversário", seria mais salutar para o debate se Rosenfield escolhesse entre os livros de Karl Marx outro mais relevante do que o "Manifesto Comunista", sabidamente um texto de propaganda. Por que não "O Capital", as reflexões sobre 1848 ou sobre a Comuna de Paris?
O autor desconhece que nem o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, inúmeras vezes citado no livro) quer fazer a revolução ou que nem o grande capital teme alguma expropriação. É um jogo perverso. Um precisa de verbas públicas para sobreviver como partido agrário, outro só tem olhos para o pagamento dos juros da dívida pública.
A contrapartida do aumento da taxa de juros ou da remuneração abusiva do capital é a ocupação, por exemplo, da sede do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). E o governo Lula atende salomonicamente a todos.
Não é possível concordar com a idéia de que a tradição socialista dá origem "às formas modernas da democracia totalitária". Para Rosenfield, esquerda é bolchevismo. Em momento algum cita a social-democracia alemã ou o trabalhismo inglês (isso explica porque identifica, erroneamente, os caudilhos latino-americanos como defensores de um Estado de Bem-Estar Social).
Dessa forma, apresenta-se como o antagonista do bolchevismo e defende enfaticamente o liberalismo clássico. Critica a Justiça do Trabalho (pela "função distributiva") e a quebra de patentes na área farmacêutica.
Crê que não cabe ao Estado equalizar as desigualdades, pois essas são "fruto da liberdade", da "minoria que empreendeu, assumiu riscos e teve o seu esforço recompensado".
Nesse sentido, é difícil encontrar um lugar para o filósofo no quadro político brasileiro.

Sem paralelos
O anacronismo marca certas análises. É estranha a afirmação de que o Estado brasileiro "aparece como se fosse um Estado do Antigo Regime", pois tanto em um como em outro os "direitos exclusivos eram também assegurados constitucionalmente".
Não há nenhum paralelo entre uma sociedade estamental e uma de classe. O mais grave é quando associa a política de cotas ao programa de liqüidação dos cúlaques [rótulo aplicado, na ex-URSS, ao "camponês rico", visto como resquício da mentalidade burguesa e ameaça à revolução] comandando por Stálin e ao extermínio de judeus na Alemanha nazista.
Que relação é possível estabelecer? Nenhuma. E mais: é a pura banalização do mal, quando se perde o particularismo do fato histórico.

Mudanças sociais
Diversamente do que propõe Rosenfield, falta Estado no Brasil. Estado no sentido mais amplo, nem como comitê central da burguesia, segundo a tradição marxista, nem como ente quase passivo, segundo o ultraliberalismo. Estado não é para ser gestor da miséria e do grande capital, como no governo Lula. Deve alavancar as mudanças sociais e econômicas, garantir plenamente as liberdades e cumprir as leis. Em suma, deve ser o que nunca foi.





Mais uma oportunidade perdida

O programa de ontem do PSDB perdeu mais uma oportunidade de apresentar ao país a oposição. A "aula" de FHC foi muito longa. Ocupou mais da metade do tempo do programa. Para a maioria dos eleitores, foi uma fala pouco compreensível. Se o objetivo era se comunicar com os eleitores de baixa renda, dificilmente foi atingido.


Ainda é um desafio para a oposição a comunicação. Na recente campanha eleitoral para a presidência isto ficou claro (escrevi dezenas de posts tratando disso em pleno calor da hora). As teses oposicionistas tem de ser claras e expostas didaticamente. Não dá para abrir muito o leque. A maior parte dos eleitores não entende críticas sutis ou falas acadêmicas. Escolher alguns itens e expô-los de forma que seja compreensível para a maioria do eleitorado é condição indispensável para começar o trabalho oposicionista em relação ao velho-novo governo.

Um exemplo: a corrupção. Nestes dois meses não faltaram casos para explorar. Bastaria apresentá-los sinteticamente e identificá-los com a prática governamental. Com a escolha de mais uns 4 itens (salário mínimo, gastos públicos, etc) e amarrando no final com um discurso "totalizante". Não seria necessário aparecer algum dirigente ou figura do partido (até para não ferir vaidades).

Em resumo: o principal partido da oposição começou mal.

Política e mistificação histórica

Este artigo foi publicado no Estadão em 1 de julho de 2007. Trata do uso político da História no site da Presidência da República. Deu uma boa polêmica. No final, o site acabou modificando os textos.


Governo Lula para crianças

Site da Presidência é um verdadeiro “samba do crioulo doido” que reescreve a história do País

Marco Antonio Villa*

O site da Presidência da República é muito curioso. Ao abri-lo, o leitor verá um trem em alta velocidade, inclusive com som, simbolizando o PAC, isso quando há mais de meio século as ferrovias foram consideradas símbolos do atraso e as rodovias a essência da modernidade. Deixando isso de lado, vale a pena clicar no retângulo azul, no alto da página: “Versão para crianças”. Nele o leitor encontrará uma lista dos presidentes da República, de personalidades históricas, fará um passeio virtual (pobre, é verdade) pela sede do governo e ainda lerá um vocabulário, chamado abc.

A lista dos presidentes é muito estranha. Primeiro, na versão para crianças, as fotos foram 'rejuvenescidas', ou seja, o retrato de cada presidente ficou em forma de caricatura e com vários anos a menos, não necessitando, como o atual presidente, de periódicas aplicações de botox. Segundo, não é possível entender por que lá estão presentes as Juntas Militares de 1930 e 1969, que somente ocuparam interinamente a Presidência. E mais: lá está Júlio Prestes, o candidato vencedor das eleições de 1930, mas que não assumiu o cargo, pois um mês antes (outubro) começou a Revolução que levou Getúlio Vargas ao poder.

Quando a criança, para usar o linguajar do pecuarista Renan Calheiros, clicar no “leia mais”, encontrará as fotos dos presidentes. A de Lula, estranhamente, é a única colorida. Todas as outras são em preto e branco e algumas delas mostram informalmente os presidentes.

As biografias de vários presidentes foram redigidas de forma crítica, especialmente os do regime militar. Mas a biografia de Lula, a mais longa, é só recheada de elogios. E ainda há um link para quem quiser também conhecer a palpitante história da primeira-dama. De acordo com a hagiografia, em 1975, Lula “deu uma nova direção ao movimento sindical brasileiro”. As célebres greves de 1968, em Osasco e Contagem, não devem ter ocorrido: “Em maio de 1978, aconteceu a primeira greve de operários metalúrgicos desde 1964, em São Bernardo do Campo, sob a liderança de Luiz Inácio da Silva, Lula” (esta passagem está na biografia reservada a Ernesto Geisel). Em 1979, ele “começou a pensar na criação de um partido”. Cita a prisão, mas omite a generosa aposentadoria que recebe há anos. Ele, sempre ele, “liderou uma mobilização nacional contra a corrupção que acabou no impeachment, processo que afastou Fernando Collor da presidência”. (Não se sabe se isto será mantido, pois hoje Fernando Collor faz parte da base governamental no Senado e foi recebido de forma efusiva, recentemente, no Palácio do Planalto.)

A biografia de Lula é tão importante que “invadiu” a de outros presidentes: Ernesto Geisel, João Figueiredo, José Sarney, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Como se ele fosse um personagem onipresente na história do Brasil dos últimos 30 anos. Ficamos sabendo, na biografia de Lula, claro, que a sua posse “reuniu pela primeira vez na história do país, uma multidão de 150 mil pessoas”.

Depois dessa overdose de Lula, a criança passa para o segundo item: o ABC. É um vocabulário para ensinar o dia-a-dia do governo. Das 26 letras, seis não mereceram nenhuma entrada, algumas até justificáveis (w, k, y). Infelizmente o vocabulário está recheado de erros e aqui serão expostos somente alguns deles. A letra j apresenta uma curiosa definição da palavra justiça, até explicável frente à conjuntura que vivemos: “Antigamente, era função da lei definir o justo e o injusto. Assim, o permitido por lei seria justo. E o que a lei proibisse, injusto. Mas, depois da ascensão do fascismo (Itália, 1922), esse conceito deixou de ser aceito. Os fascistas mostraram ao mundo que era possível criar uma sociedade injusta baseada em leis”. Convenhamos que a explicação é esdrúxula, revelando um absoluto desconhecimento histórico (entre outros, até sobre fascismo: somente em 1926 é que é possível dizer que a Itália é fascista) e uma pobreza analítica de fazer inveja a um senador do Conselho de Ética.

Depois de “explicar” fascismo para uma criança, o vocabulário na letra n resolveu apresentar o significado de Nação. Definiu Nação como um grupo que vive em determinado território, limitado por fronteiras, e que respeita as mesmas instituições (leis, governo) e deu como exemplo (?) os ianomâmi. Em seguida, ficamos sabendo que “o Brasil se tornou uma nação em 1822” (confundindo a noção de Estado e Nação), “quando o país ganhou a sua primeira Constituição.” Aí já é demais: a primeira Constituição é de 1824. Em tempo: não sei se é um ato falho, mas o tema das constituições não é o forte do redator. Ele diz, na introdução da galeria dos presidentes, que a Constituição de 1891 adotou o voto secreto, o que também não é correto (o artigo 47 fala em sufrágio direto).

Mas é na letra p que há o maior número de barbaridades. Logo ficamos sabendo que “o presidente da república é o chefe do Executivo e escolhe quem vai chefiar o Judiciário.” (??!!) Evidentemente que está absolutamente errado: a escolha do presidente do STF é prerrogativa dos 11 ministros que compõem aquela Corte. Na frase posterior, a criança é informada que o “presidente da Câmara dos Deputados é o chefe do Legislativo”. Presume-se que o verbete queria informar sobre o presidente do Congresso Nacional, ou seja, o presidente do Senado Federal. O verbete termina dizendo que os “representantes do povo são eleitos por um período determinado, que pode variar de quatro a seis anos.” Mais uma informação incorreta, pois os senadores têm mandato de oito anos.

Ainda tem o link para as cerimônias. O site cita o hasteamento da bandeira e apresenta 10 fotos, das quais Lula está em seis; e também faz referência às cerimônias de posse, expondo nove fotos, todas de Lula. É como se na história da República somente ele tivesse sido o presidente que tomou posse. A criança, continuando neste passeio pela História do Brasil pelo método confuso, como já fez Mendes Fradique, pode acessar o link das personalidades históricas. Aí, recordando Sérgio Porto, é o samba do crioulo doido (e pior: teve a participação de historiadores). Na biografia de Duque de Caxias, a criança será informada de que ele participou do afastamento de D. Pedro II. O redator do verbete mais uma vez exagerou: Caxias morreu nove anos antes, em 1880, portanto não poderia ter participado, ao menos na forma corpórea, do 15 de novembro de 1889.

Como o governo Lula está preocupado com a educação política das crianças, o mais recomendável seria retirar do ar esse conjunto de desinformações. É um misto de aparelhamento do Estado, de culto da personalidade do presidente, de profundo desconhecimento básico da história do Brasil e de suas instituições: mantê-lo no ar é um desserviço. Em tempo: só para efeito de comparação, convido o leitor a visitar o site da Presidência da República francesa.


Sarney contra as diretas


Publicarei neste semestre um livro sobre a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1985. O livro faz um breve apanhado do regime militar e analisa cuidadosamente todo o processo entre a derrota da emenda das diretas já até a eleição do Colégio Eleitoral.

Foi um adversário das forças democráticas durante todo o regime militar. Devido a uma série de questões (analisadas no livro) chegou à vice-presidência. Combateu o movimento das diretas já. No dia seguinte à derrota da emenda em telegrama a Paulo Maluf, na época, pré-candidato do PDS, Sarney cumprimentou o ex-governador paulista “pela sua decisiva atitude de apoio ao nosso partido durante a votação da emenda Dante de Oliveira”. Continuou criticando a oposição que estava divulgando por todo o Brasil o nome dos deputados que votaram contra a emenda das diretas: “É uma forma de revanchismo a campanha insólita que estão promovendo, como matéria paga, contra os deputados que votaram contra a usurpação da vitória que obtivemos nas urnas, em 82.”


Entrevista para a CBN

Este é o link da entrevista de ontem para a CBN:


Entrevista para o UOL

Este é o link para a entrevista que dei para o UOL tratando do "novo" Congresso Nacional.

Caso Panamericano (3)

Ah, se tivesse oposição. Bastava um deputado mais atuante. Um só era o suficiente. O caso da "venda" do banco Panamericano é exemplar:


1. SS disse que só vendeu" o banco, No final de 2010, quando o rombo anunciado era de 2,5 bilhões afirmou que teria de vender tudo o que tinha e mesmo assim não teria como chegar ao valor total da dívida;

2. Ontem, SS disse que "vendeu" o banco mas "somente" o banco. Como?

3. O rombo saltou em um mês de 2,5 bilhões para 4 bilhões, Como? Para onde foi esta fortuna?

4. E as auditorias do Panamericano, da CEF (que comprou um banco falido para entrar no "segmento popular") e do BC? Nenhuma detectou o rombo?

5. Será que a CEF precisava mesmo comprar o Panamericano? E justamente em um ano eleitoral (2010)?

6. O banco Pactual disse que comprou o Panamericano por 450 milhões e que não assumirá nenhuma dívida de SS. Como?

7. Quem vai pagar os 4 bilhões? O tal Fundo Garantidor de Crédito? Piada. Vai, claro, ter dinheiro público. E muito.

8. Disse SS que "não deu prejuízo para ninguém". E o rombo de 4 bilhões? É mera ficção contábil? E as empresas de crédito que foram fraudas?

9. Como SS conseguiu pagar um rombo de 4 bilhões entregando o Panamericano por 450 milhões? Resta fazer uma campanha para apoiar SS para ministro da Fazenda (melhor ainda: para presidente da República, como em 1989).

10. E o prejuízo da CEF? Quando comprou parte do Panamericano (basta pesquisar os jornais da época) tinha sido revelado que o banco ia mal das pernas.

Não custa imaginar o que faria o PT se estivesse na oposição tendo nas mãos um escândalo desta magnitude. Daí que não é exagero afirmar que este governo é melhor representante do grande capital financeiro (mais um dado: o Bradesco divulgou ontem o maior lucro da história. Lula estava certo: nunca na história deste país um banco...............) .