Meu Brasil brasileiro.

Publiquei hoje n'o Estadão:


Meu Brasil brasileiro

30 de abril de 2012 | 3h 05

Marco Antonio VILLA - HISTORIADOR; É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFSCAR) - O Estado de S.Paulo

O Brasil é um país, no mínimo, estranho. Em 1992, depois de grande mobilização nacional e de uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) acompanhada diariamente pela população, o então presidente Fernando Collor de Mello teve o seu mandato cassado. Foi o primeiro presidente da República que teve aprovado um processo de impeachment no País. De acordo com os congressistas, o presidente foi deposto por ter cometidos crimes de responsabilidade. Collor foi acusado de ter articulado com o seu antigo tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, um grande esquema de corrupção que teria arrecado mais de US$ 1 bilhão. Acabou absolvido pelo Supremo Tribunal Federal por falta de provas. Passados 20 anos, o mesmo Fernando Collor, agora como senador por Alagoas, foi indicado por seu partido, o PTB, para compor a CPMI que se propõe a investigar as ações de Carlinhos Cachoeira. Deixou a posição de caça e passou a ser um dos caçadores.
Quem mudou: Collor ou o Brasil? Provavelmente nenhum dos dois. Algo está profundamente errado quando um país não consegue, depois de duas décadas, enfrentar a corrupção. Hoje, diferentemente de 1992, as denúncias de corrupção são muito mais graves. Estão nas entranhas do Estado, em todos os níveis, e em todos os Poderes. Não se trata - o que já era grave - simplesmente de um esquema de corrupção organizado por um grupo marginal do poder, recém-chegado ao primeiro plano da política nacional.
Ao longo dos anos a corrupção foi sendo aperfeiçoada. Até adquiriu status de algo natural, quase que indispensável para governar. Como cabe tudo na definição de presidencialismo de coalizão, não deve causar admiração considerar que a corrupção é indispensável para a governabilidade, garante estabilidade, permite até que o País possa crescer - poderia dizer algum analista de ocasião, da turma das Polianas que infestam o Brasil.
Parodiando Karl Marx, corruptos de todo o Brasil, uni-vos! Essa poderia ser a consigna de algum partido já existente ou a ser fundado. Afinal, a nossa democracia está em crise, mas não é por falta de partidos. É uma constatação óbvia de que o Brasil não tem memória. O jornalista Ivan Lessa escreveu que a cada 15 anos o Brasil esquecia o que tinha acontecido nos últimos 15. Lessa é um otimista incorrigível. O esquecimento é muito - mas muito - mais rápido. É a cada 15 dias. Caso contrário não seria possível imaginar que Fernando Collor estivesse no Senado, presidisse comissões e até indicasse diretores de empresas estatais, como no caso da BR Distribuidora. E mais: que fosse indicado como membro permanente de uma CPMI que visa a apurar atos de corrupção. Indo por esse caminho, não vai causar nenhuma estranheza se o Congresso Nacional revogar o impeachment de 1992 e até fizer uma sessão de desagravo ao ex-presidente. Como estamos no Brasil, é bom não duvidar dessa possibilidade.
Em 1992 muitos imaginavam que o Brasil poderia ser passado a limpo. Ocorreram inúmeros atos públicos, passeatas; manifestos foram redigidos exigindo ética na política. Até surgiu uma "geração de caras-pintadas". Parecia - só parecia - que, após a promulgação da Constituição de 1988 e a primeira eleição direta presidencial - depois de 29 anos -, a tríade estava completa com a queda do presidente acusado de sérios desvios antirrepublicanos. O novo Brasil estaria nascendo e a corrupção, vista como intrínseca à política brasileira, seria considerada algo do passado.
Não é necessário fazer nenhum balanço exaustivo para constatar o óbvio. A derrota - de goleada - dos valores éticos e morais republicanos foi acachapante. Nos últimos 20 anos tivemos inúmeras CPIs. Ficamos indignados ouvindo depoimentos em Brasília com confissões públicas de corrupção. Um publicitário, Duda Mendonça, chegou mesmo a confessar - sem que lhe tivesse sido perguntado - na CPMI do Mensalão que havia recebido numa conta no exterior o pagamento pelos serviços prestados à campanha do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. A bombástica revelação foi recebida por alguns até com naturalidade. O que configurava um crime de responsabilidade, de acordo com a Constituição, além de outros delitos, não gerou, por consequência, nenhum efeito. E, vale recordar, com a concordância bovina - para lembrar Nelson Rodrigues - da oposição.
A aceitação de que política é assim mesmo foi levando à desmoralização da democracia e de seus fundamentos. Hoje vivemos um simulacro de democracia. Ninguém quer falar que o rei está nu. Democracia virou simplesmente sinônimo de realização de eleições, despolitizadas, desinteressadas e com um considerável índice de abstenção (mesmo com o voto obrigatório). Aqui, até as eleições acabaram possibilitando expandir a corrupção.
Na política tradicional, a bandeira da ética é empunhada de forma oportunista, de um grupo contra o outro. Na próxima CPI os papéis podem estar invertidos, sem nenhum problema. É um querendo "pegar" o outro. E muitas vezes o feitiço pode virar contra o feiticeiro.
E as condenações? Quem está cumprindo pena? Quem teve os bens, obtidos ilegalmente, confiscados? Nada. O que vale é o espetáculo, e não o resultado.
O Brasil conseguiu um verdadeiro milagre: descolou a política da economia. O País continua caminhando, com velocidade reduzida, por causa da má gestão política. Mas vai avançando. E por iniciativa dos simples cidadãos que desenvolvem seus negócios e constroem dignamente sua vida. Depois, muito depois, vão chegar o Estado e sua burocracia. Aparentemente para ajudar, mas, como de hábito, para tirar "alguma casquinha", para dizer o mínimo. E a vida segue.
Não vai causar admiração se, em 2032, Demóstenes Torres for indicado pelo seu partido para fazer parte de uma CPI para apurar denúncias de corrupção. É o meu Brasil brasileiro, terra de samba e pandeiro.

Congresso e ativismo judicial

Saiu quase agora na Veja on Line:



Congresso exagera no remédio contra ativismo judicial

Propostas de Emenda à Constituição em discussão na Câmara dos Deputados tentam esvaziar atuação do Supremo Tribunal Federal. Reação de parlamentares é até legítima, mas um erro não justifica o outro

Valmar Hupsel Filho
Torres do Congresso Nacional vistas através da chama simbólica da Pira da Pátria na Praça dos Três Poderes, em Brasília
Torres do Congresso Nacional vistas através da chama simbólica da Pira da Pátria na Praça dos Três Poderes, em Brasília (Ueslei Marcelino/Reuters)
"Parece que os poderes não sabem suas atribuições constitucionais. Isso é descabido"
Marco Antonio Villa, historiador e professor da UFSCar
Se pusesse os olhos no sistema político brasileiro, o filósofo e pensador iluminista francês Charles de Montesquieu talvez desistisse da sua mais famosa teoria, refletida na estrutura da maior parte das democracias modernas. Presente na obra O Espírito das Leis, de 1749, a teoria da separação de poderes defende a formação do estado com três esferas independentes e harmônicas. Cabe ao Legislativo a elaboração das leis, o julgamento ao Judiciário e a execução ao Executivo. Na teoria, a democracia brasileira segue estes preceitos. Na prática, o que se vê são poderes pisando nos calcanhares um do outro.
A mais recente iniciativa partiu da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Por unanimidade, os integrantes da comissão surpreenderam o meio jurídico ao confirmar, na última quarta-feira, a admissibilidade de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que, se aprovada em plenário, dará ao Legislativo o poder de sustar atos normativos dos outros poderes (leia-se Judiciário). Em outras palavras, se estivesse valendo, a PEC permitiria ao Congresso suspender decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), como a liberação de abortos para fetos anencéfalos ou a liberação de união civil de casais homossexuais. 
"No caso do aborto ou da união homoafetiva, não existe lei. É preciso questionar democraticamente quando isso acontece. O Congresso tem que anular a decisão do Judiciário para o bem da democracia", argumenta o deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), autor da PEC. Empolgado com a aprovação unânime de sua proposta na CCJ, o parlamentar já prepara uma nova investida com o mesmo objetivo: restringir as atribuições do Judiciário. Tramita na mesma comissão outra PEC, também de sua autoria, que propõe aumentar a quantidade mínima de votos de magistrados para declarar uma lei inconstitucional, condicionar o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo STF à aprovação pelo Poder Legislativo e submeter ao Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição.
A reação dos parlamentares se explica. O Judiciário tem, de fato, promulgado sentenças nas quais, de certa forma, se põe no lugar do Legislativo. Os episódios citados acima são dois exemplos. Tanto no caso da permissão de abortos de fetos anencéfalos quanto na liberação da união civil para homossexuais, os ministros do Supremo, mais do que apenas interpretar a Constituição ou cobrir uma lacuna que punha em risco a integridade do ordenamento jurídico, criaram novas figuras legais: uma terceira hipótese para permitir o aborto, não prevista no Código Penal, e a união estável entre casais do mesmo sexo. Mas, se os parlamentares estão corretos em seu diagnóstico, exageram no remédio - e põem em risco todo o jogo das instituições.

Vingança - Na opinião do historiador e professor de Ciências Sociais da Universidade de São Carlos (UFSCar) Marco Antonio Villa, a democracia se constrói por meio de uma relação harmônica entre os poderes e não com uma espécie de vingança de um poder contra o outro. Ele considera "extremamente problemática" a aprovação da PEC na comissão. "Não acredito que isso passe", diz. A PEC ainda precisa passar por uma comissão especial antes de ser apreciada em plenário.  "Este é um problema do país", afirma o historiador, autor de um livro sobre as Constituições brasileiras. "Parece que os poderes não sabem suas atribuições constitucionais. Isso é descabido. Sabemos muito bem onde poderemos chegar com isso".  
Professor-assistente do departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), Rafael Neves considera que o Poder Legislativo não precisa lançar mão desse artifício. "Se eles não estão de acordo com uma decisão, podem discutir e elaborar novas leis. A criação de um poder de veto poderia ter efeitos colaterais muito ruins, como causar uma politização das decisões judiciais", diz Neves, classificando como uma "interferência indevida" a tentativa de se criar, no âmbito do Legislativo, o poder de se vetarem decisões do Judiciário. 
"É claro que estes poderes estão entrelaçados e podem atuar, em certa medida, no âmbito um dos outros", observa o advogado Paulo Muanis do Amaral Rocha, sócio do escritório Amaral Rocha Advogados. "Embora a essência do Judiciário não seja formular leis, é permitido a ele criar súmulas que acabam por regular o estado democrático de direito. Assim como o Executivo legisla por medidas provisórias. O que não pode ocorrer, entretanto, é uma enorme disparidade de funções como aconteceu no caso da união estável entre pessoas do mesmo sexo ou como propõe essa PEC". Para Amaral Rocha, em casos como esses, a sociedade é a maior prejudicada: "Um dos alicerces da democracia é justamente a tripartição do poder", argumenta. "Caso este alicerce seja rompido, a democracia também poderá sofrer rupturas".
O vice-presidente de Assuntos Legislativos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Diógenes Ribeiro, argumenta que a proposta de Fonteles viola preceitos constitucionais. Com a PEC, diz ele, o princípio da separação dos poderes seria atingido, uma vez que poderia haver a invasão das competências administrativas e financeiras do Poder Judiciário por ato do Legislativo, "um poder essencialmente político". E ele reage: "A regulamentação administrativa e financeira dos tribunais não pode ficar submetida à vontade do Poder Legislativo. Na remota hipótese de essa medida ser aprovada pelo Congresso Nacional, certamente nós da AMB proporemos uma Ação Declaratória de Inconstitucionalidade."
A palavra final, nesse caso, caberá ao Supremo.  

Duas justiças bem diferentes

Só para efeito de comparação.

Em São Paulo:


Tribunal de Justiça de São Paulo deu R$ 7 mi de verba extra a 41 magistrados

Dos motivos alegados por juízes constam 'saúde familiar' e 'implante malsucedido'

26 de abril de 2012 | 22h 53


Fausto Macedo - O Estado de S.Paulo
Quarenta e um juízes e desembargadores receberam quantias superiores a R$ 100 mil a título de pagamentos antecipados do Tribunal de Justiça de São Paulo, entre 2006 e 2010. Foram depositados R$ 7,13 milhões na conta dos magistrados por férias e licenças-prêmio não tiradas a seu tempo, com incidência de Fator de Atualização Monetária. A forma como os desembolsos ocorreram está sob inspeção da presidência e do Órgão Especial da corte.
Alguns receberam muito além do patamar de R$ 100 mil, como indica a Diretoria da Folha de Pagamento da Magistratura (DFM). O documento reúne cópias das planilhas com todos os "pagamentos excepcionais" concedidos ao grupo dos 41. Sob variadas alegações - saúde familiar, problemas financeiros, necessidade premente, implante malsucedido, entre outras versões e justificativas -, os magistrados pleitearam satisfação antecipada de créditos a que tinham direito.
Os pagamentos foram autorizados em sua maior parte na gestão dos presidentes Vallim Bellocchi (2008/2009) e Vianna Santos (2010), que morreu no exercício do mandato, em janeiro de 2011. Os dois são os que receberam maior quantia, em suas próprias administrações. Bellocchi levou R$ 1,44 milhão e Vianna Santos, R$ 1,26 milhão.
Motivos. A presidência do TJ conduz apuração específica sobre os recursos liberados a este grupo. Não há suspeita de ilegalidade nos pagamentos. A investigação busca identificar os motivos e as circunstâncias que levaram a liberação dos créditos - muitas outras solicitações apresentadas por juízes não foram acatadas, sob argumento de "limitações orçamentárias".
O desembargador Ivan Sartori, presidente do TJ, destaca que são devidas as verbas liberadas a seus colegas, porque têm natureza trabalhista e alimentar. O número um da lista é Alexandre Augusto Pinto Moreira Marcondes que, segundo a DFM, recebeu R$ 436.413,15, a maior parte em 2009 (R$ 123.517,65) e 2010 (R$ 140 mil). A justificativa foi "saúde do filho e do mesmo".
Também alegaram problemas de saúde Alfredo Fanucchi Neto (R$ 289.402,20), Antonio Carlos Mathias Couto (R$159.240,79) e Arthur Alegretti Joly (R$ 257.760,00).
O desembargador Celso Luiz Limongi, que presidiu o TJ entre 2006 e 2007, recebeu R$ 220 mil, em 2010, em uma parcela de R$ 100 mil, uma de R$ 50 mil e duas de R$ 35 mil. Sua alegação: "Problema no apartamento com rachaduras por causa das chuvas". 
Já nos Estados Unidos: 
Maluf continua na lista da Interpol

Se condenado, político pode pegar 25 anos de prisão nos EUA

26 de abril de 2012 | 22h 42

O Estado de S. Paulo


O Estado de S.Paulo
A Procuradoria-Geral de Nova York ganhou ação proposta pelo deputado Paulo Maluf (PP-SP) e seu filho, Flávio, que pediam a retirada do nome de ambos do alerta vermelho da Interpol (Polícia Internacional) - índex dos mais procurados em todo o mundo.
Procurado. Se Maluf deixar País pode ser preso e extraditado - Reprodução
Reprodução
Procurado. Se Maluf deixar País pode ser preso e extraditado
Em decisão assinada na terça-feira, a juíza Marcy Friedman, da Suprema Corte de Justiça do Estado de NY, rechaçou a argumentação dos advogados de Maluf e indeferiu o pedido do ex-prefeito de São Paulo (1993-1996).
A defesa queria, além do arquivamento de ação contra os Maluf por suposto envio de US$ 11,6 milhões para conta bancária nos EUA, o afastamento do promotor americano que os incluiu na lista da Interpol.
A juíza recusou arquivamento sob argumento de que os acusados não provaram suas alegações. A procuradoria de NY sustenta que recursos controlados pelos Maluf migraram para a Ilha de Jersey. A investigação mostra que parcela do dinheiro foi usada com despesas pessoais do ex-prefeito. A procuradoria o acusa por lavagem de dinheiro. Se condenado, Maluf pode pegar 25 anos de prisão nos EUA. Por sua assessoria, Maluf declarou. "Não tenho e nunca tive conta no exterior." Segundo o promotor de Justiça de São Paulo, Silvio Marques, "caso o ex-prefeito e o filho saiam do Brasil poderão ser presos e extraditados para os Estados Unidos". 

Já está na hora de o STF tomar jeito

Publiquei hoje em "O Globo":

"Já passou da hora de o STF tomar jeito" 

(24.04.12)

Por Marco Antonio Villa,

O encerramento do mandato de Cezar Peluso à frente do Supremo Tribunal Federal pode significar uma mudança positiva no rumo daquela Corte?

É difícil supor que subitamente o STF passe a agir de forma republicana, cumprindo suas funções constitucionais. O clima interno é de beligerância. A cerimônia de posse do presidente Ayres Britto sinalizou que o provincianismo continua em voga. Foi, no mínimo, constrangedora a presença de Daniela Mercury cantando (mal) o Hino Nacional.

Mas pior, muito pior, foi o momento em que a cantora recitou um poema do presidente recém empossado, já chamado de ministro pirilampo: “Não sou como camaleão que busca lençóis em plena luz do dia. Sou como pirilampo que, na mais densa noite, se anuncia”. 

Mas como tudo o que é ruim pode piorar, o discurso de posse foi recheado de metáforas. Numa delas disse algo difícil de supor que seria pronunciado naquele recinto (e mais ainda por um presidente): “A silhueta da verdade só assenta em vestidos transparentes.”

O clima circense (os mais otimistas dirão: descontraído) da posse é uma mostra de como as instituições republicanas estão desmoralizadas. Teremos uma curta presidência de Ayres Britto. Logo o ministro vai se aposentar. Pouco antes, Cezar Peluso também vai seguir o mesmo caminho. A presidente Dilma Rousseff dificilmente vai nomear dois ministros para preencher as vagas. Assim, teremos um STF com nove membros, paralisado, com milhares de processos para julgar. E, para dar mais emoção, tendo na presidência Joaquim Barbosa. Ah, teremos um segundo semestre inesquecível naquela Corte.

Peluso saiu da presidência atirando. Foi sincero. Demonstrou o que é: autoritário, provinciano, conservador, corporativista e com uma questionável formação jurídica. Fez Direito na Faculdade Católica de Santos. Depois teve na USP como orientador Alfredo Buzaid, ministro da Justiça do presidente Médici. Não viu nada de anormal. Devia comungar das ideias de Buzaid. Afinal, a tese foi feita quando ele era ministro do governo mais repressivo da ditadura. Com a redemocratização, Peluso buscou outras companhias. Acabou se aproximando dos chamados setores progressistas. O poder tinha se deslocado e ele, também.

Na entrevista ao saite Consultor Jurídico, disse que organizava reuniões domésticas com os teólogos Leonardo Boff e Gustavo Gutierrez. Relatou que ficou impressionado quando Gutierrez alertou sobre a importância do ato de comer na Bíblia.

Sim, leitor, o que chamou a atenção de Peluso, na Bíblia, foi a comida. Sem nenhum pudor, disse que uma carta do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns foi determinante para sua escolha para o STF pelo ex-presidente Lula. Como se um assunto de Estado fosse da esfera da religião, esquecendo que a Constituição (e desde a primeira Carta republicana, a de 1891) separou a Igreja do Estado.

Atacou frontalmente a ministra Eliana Calmon, corregedora do CNJ. Afirmou que sua atuação estava pautada pela mídia e pelo desejo de fazer carreira política. E, mais, que não obteve nenhum resultado prático da sua ação. Fugiu à verdade. Se não fosse a corajosa atuação da corregedora, por exemplo, não ficaríamos sabendo dos fabulosos “ganhos eventuais” dos desembargadores paulistas (Peluso incluso - teria recebido 700 mil reais).

Peluso foi descortês com os colegas do STF. Na votação sobre as atribuições do CNJ, fez de tudo para ganhar a votação. Interrompeu votos, falou diversas vezes defendendo seu ponto de vista e mesmo assim perdeu. Imputou a derrota à ministra Rosa Weber, que teria dado o voto decisivo. Deixou no ar que ela votou sem ter conhecimento pleno do processo.

Nos ataques aos colegas, não poupou o ministro Joaquim Barbosa. Insinuou que ele não gostava de trabalhar. Era inseguro. Que frequentava bares. E que não tinha nenhuma doença nas costas. O estereótipo sobre Barbosa é tão vil como aqueles produzidos logo após 13 de maio de 1888.

Apontei em três artigos no Globo alguns problemas do STF (“Um poder de costas para o país”, “Triste Judiciário” e “Resta, leitor, rir”). O mau funcionamento daquela Corte não deve ser atribuído somente aos bate-bocas de botequim ou a alguma questão conjuntural. O STF padece de problemas estruturais. Deveria ser um tribunal constitucional, mas não é. Virou um tribunal de última instância. É lento, pesado. Tem de melhorar o desempenho administrativo. E o problema, certamente, não é a escassez de funcionários. São 3 mil. Os ministros tiram muitas licenças. Tudo é motivo para a suspensão dos trabalhos. E não é de hoje. A demora para a indicação de vagas abertas no tribunal também é um complicador.

Tudo indica que a questão central para o bom funcionamento do STF é a forma de como são designados os ministros. De acordo com a Constituição, a iniciativa é do Executivo. O nome é encaminhado, também segundo o rito constitucional, para o Senado. E lá deveria - deveria -  ser sabatinado pelos senadores.

São dois problemas. Um é a escolha presidencial. Não tem se mostrado o melhor método. Os nomes são questionáveis, as vinculações pessoais e partidárias são evidentes. E o selecionado geralmente está muito abaixo do que seria aceitável para uma Corte superior. Já a sabatina realizada pelos senadores não passa de uma farsa.

A última, da ministra Rosa Weber, foi, no mínimo, constrangedora. A ministra mal conseguia articular uma frase com ponto final. Disse que estava muito nervosa. Foi dado um intervalo para café. No retorno, infelizmente para nós brasileiros, o desempenho da senhora Weber continuou o mesmo. Já passou da hora de o STF tomar jeito.
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Seca: dois pesos, duas medidas

Vale a pena comparar esta duas notícias da Folha de hoje. Tratam da seca no Nordeste. Uma fala do desvio de quase 200 milhões do DNOCS. Pergunta: que providência foi tomada para ressarcir os cofres públicos? A segunda fala da "bolsa seca" de 80 reais mensais e que será recebida durante 5 meses, perfazendo um total de 400 reais por família. Este é um bom resumo do governo Dilma. E viva a faxina ética!

Primeira notícia:

Contra seca, Dilma cria Bolsa Estiagem
Beneficiados receberão R$ 400 em 5 parcelas; previsão é de que só chova no Nordeste e no norte de Minas em outubro
Joel Silva-21.abril.2012/Folhapress
Carcaça de gado morto no agreste de Pernambuco, uma das áreas atingidas pela forte seca que assola o Nordeste do país
Carcaça de gado morto no agreste de Pernambuco, uma das áreas atingidas pela forte seca que assola o Nordeste do país

FÁBIO GUIBU
ENVIADO ESPECIAL A ARACAJU
A presidente Dilma Rousseff anunciou ontem, em Aracaju, a liberação de R$ 2,723 bilhões e a criação da Bolsa Estiagem para combater os efeitos da seca no Nordeste e no norte de Minas Gerais.
Os recursos serão aplicados em ações de urgência e obras de estrutura em até seis meses, quando deve começar novo período chuvoso no semiárido.
A seca vem se agravando desde outubro de 2011 e já afeta 26 milhões de pessoas de oito Estados do Nordeste -48% da população total da região. Em 506 municípios não chove há mais de 75 dias.
Segundo o Ministério da Integração Nacional, há casos, como o do RN, em que 2,93 milhões de pessoas são afetadas -93% da população.
Uma das novidades do pacote, a Bolsa Estiagem atenderá pequenos agricultores que não estão cobertos pelo seguro-safra -mesmo os atendidos pelo Bolsa Família.
No total, serão R$ 200 milhões para o programa. Cada beneficiado receberá R$ 400, em cinco parcelas mensais de R$ 80. Serão identificados pelo cadastro único do governo.
Já os lavradores cobertos pelo seguro terão R$ 500 milhões. Cada um receberá R$ 680, em cinco parcelas.


Segunda notícia:



CGU apontou desvios em órgão que combate seca
Segundo controladoria, rombo de R$ 192 mi ocorreu entre 2008 e 2010
Troca da direção do Denocs foi feita em janeiro; departamento é chefiado a partir de indicações políticas
DE SÃO PAULO
Órgão do governo federal encarregado de combater os efeitos das secas no semiárido brasileiro, o Dnocs (Departamento Nacional de Obras contra as Secas) protagonizou uma crise no início do ano após relatório da Controladoria-Geral da União apontar desvios de R$ 192 milhões.
De acordo com a CGU, o rombo ocorreu entre 2008 e 2010 devido a direcionamentos e superfaturamentos em licitações do Dnocs. O relatório ainda classificou a autarquia como "deficiente" e "com pouca efetividade na adoção de providências".
Neste ano, a seca voltou a flagelar Estados do Nordeste e o norte de Minas Gerais.
Ontem, a presidente Dilma Rousseff anunciou, em Aracaju, a liberação de R$ 2,723 bilhões para combater os efeitos da seca e a criação da Bolsa Estiagem, para auxiliar as famílias atingidas.
Historicamente, o Dnocs -criado em 1909- tem priorizado a execução de grandes obras -como açudes- para mitigar os males causados pelas secas. O órgão é vinculado ao Ministério da Integração Nacional, do ministro Fernando Bezerra Coelho (PSB).
Ex-diretor do Dnocs, Elias Fernandes Neto, que havia assumido em 2007 por indicação do líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), foi demitido em 26 de janeiro deste ano devido à suspeitas de desvios.
Em seu lugar, assumiu no último dia 20 o engenheiro potiguar Emerson Fernandes, também apadrinhado pelo deputado Eduardo Alves.
As mudanças no Dnocs e a indicação do novo diretor causaram animosidade entre o governo petista e os dois partidos de sua base -PMDB e PSB.
De 2008 a 2010, o Dnocs firmou convênios com 47 municípios para programas de apoio e prevenção de desastres. Desses, 37 foram assinados com 31 prefeituras do Rio Grande do Norte.
Conforme a Folha revelou em janeiro, 20 dessas cidades são administradas pelo PMDB.

Mensalão: abaixo-assinado

No site www.peticaopublica.com.br há um abaixo-assinado solicitando que o STF julgue ainda neste semestre o processo do Mensalão (que aquela Corte aceitou em 2007!!). É fundamental assiná-lo.

A história das constituições brasileiras

Segue a resenha feita pelo economista Rodrigo Constantino (com quem participei, no início deste mês, de um debate no IBMEC de Belo Horizonte) do meu livro "A história das constituições brasileiras. 200 anos de luta contra o arbítrio":


Wednesday, April 04, 2012

Dois séculos de arbítrio


Rodrigo Constantino

Enquanto o Brasil já teve diversas Constituições com inúmeras emendas, os Estados Unidos continuam com a mesma Constituição escrita pelos “pais fundadores”, com menos de 30 emendas em dois séculos. Há algo de muito errado com a forma pela qual tratamos este fundamental documento.

No livro A história das Constituições brasileiras, o historiador Marco Antonio Villa disseca os maiores absurdos das várias Constituições que tivemos. Na sua apresentação, a síntese é perfeita: “Não é exagero afirmar que os últimos 200 anos da nossa história têm como ponto central a luta do cidadão contra o Estado arbitrário. E, na maioria das vezes, o Estado ganhou de goleada”.

Somos mesmo um país sui generis, que não pode ser levado muito a sério. Infelizmente, desprezamos com vontade os mais básicos valores republicanos. Ao colocarmos em textos constitucionais verdadeiras aberrações (veremos alguns exemplos adiante), acabamos por estimular uma cultura de desrespeito às regras básicas. Uma enxurrada de leis inconstitucionais é aprovada, apenas para não pegar, ou então para jogar em descrédito a própria Constituição.

A coisa começou muito mal em nosso país. Nossa primeira Constituição foi monárquica, de 1824, e não distinguia recursos familiares daqueles oriundos do Erário nacional. Um dos artigos diz: “Os palácios e terrenos nacionais, possuídos atualmente pelo senhor D. Pedro I, ficarão sempre pertencendo aos seus sucessores; e a nação cuidará nas aquisições e construções que julgar convenientes para a decência e o recreio do imperador e sua família”. Eis que tinha início a prática do patrimonialismo, com o respaldo constitucional.

Outras Constituições vieram em 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988. Mas as idiossincrasias brasileiras deixariam sua marca registrada em todas. O viés autoritário foi maior algumas, mas esteve presente em todas elas.

Em 1930, por exemplo, um decreto não deixava margem à dúvida. O governo exerceria “discricionariamente em toda a sua plenitude as funções e atribuições não só do poder Executivo, como também do poder Legislativo”. Por decreto, seis ministros do Supremo Tribunal Federal foram aposentados. Os governos estaduais foram assumidos por interventores que respondiam ao poder central. Não havia limites constitucionais ao poder do estado.

Conforme aponta o autor, foi na Constituição de 1934 que se inaugurou a “minúcia e o pormenor”, ou seja, a “indistinção entre a legislação ordinária e a constitucional”. A quantidade de artigos mais que dobrou em relação a Constituição anterior. Um dos artigos falava sobre as multas de mora, a defesa contra os efeitos das secas nos estados do Norte mereceu outro artigo, e até o vestibular foi constitucionalizado.

Além disso, fruto dos tempos, o conceito de segurança nacional ganhou enorme destaque, deixando espaço bem menor para os direitos e garantias individuais. O modelo de inspiração passava a ser o europeu, sob regimes totalitários. Até mesmo a “melhoria da raça” foi preocupação dos constituintes, que delegaram ao governo a tarefa de “estimular a educação eugênica”. Os liberais nunca estiveram tão menosprezados como nesta época.

Um trecho do livro merece ser citado na íntegra, pois ele retrata a triste realidade de nosso país: “O palácio é vizinho do campo do Fluminense, nas Laranjeiras. Enquanto o ditador lia monocordicamente o discurso – Vargas nunca foi um bom orador –, ao fundo era possível ouvir os brados dos torcedores saudando os gols do Fluminense. Em meio aos gritos de gols, Vargas dissertava enfadonhamente sobre as benesses da ditadura e da supressão das liberdades democráticas”. Há tempos que o povo brasileiro parece não se importar muito com as perdas das liberdades, desde que tenha um jogo emocionante de futebol para assistir!

O culto ao poder central, outra mancha recorrente em nossa história, mostrou-se forte como nunca. Bandeiras e hinos estaduais foram proibidos, e assim permaneceram por oito anos. Foi nesta Constituição que inúmeras “conquistas” trabalhistas foram impostas também. Somente o sindicato regularmente reconhecido pelo estado teria o direito de representação legal dos que participavam da categoria. O “pai dos pobres” criava a máfia sindical que perdura até os dias de hoje.

Na Constituição de 1946, o lobby dos jornalistas conseguiu incluir em um artigo este fantástico privilégio: “Durante o prazo de quinze anos, a contar da instalação da Assembléia Constituinte, o imóvel adquirido, para sua residência, por jornalistas que outro não possua, será isento do imposto de transmissão e, enquanto servir ao fim previsto neste artigo, do respectivo imposto predial”. Parece piada, mas como dizia o recém-falecido Millôr, o Brasil é o país da piada pronta!

A Constituição seguinte foi criada pelo regime militar, onde o arbítrio foi enorme com a justificativa – em parte verdadeira – de que ele era necessário para combater a ameaça comunista. Aliás, as tentativas recorrentes de grupos comunistas instaurarem no Brasil um modelo nos moldes soviéticos serviu várias vezes como motivo ou pretexto para avanços do estado sobre nossas liberdades. Eis um enorme custo que esta ideologia nefasta deixou para o país, mesmo que os revolucionários não tenham chegado ao poder pela luta armada.

Por fim, chegamos na “Constituição Cidadã”, liderada por Ulysses Guimarães na fase da redemocratização. Trata-se da mais longa das Constituições, com 250 artigos e mais 70 nas disposições transitórias. Ela já recebeu 67 emendas, uma média de 3 por ano de vida. Sua abrangência é espantosa. Como afirma Villa: “É difícil encontrar algo da vida social que a Constituição não tenha tentado normatizar”.

A “Constituição Besteirol”, como a apelidou o saudoso Roberto Campos, representa a melhor ilustração da típica crença nacional de que é possível resolver todos os males que assolam o país com base em leis. Talvez se ela fosse promulgada um ano depois, após a queda do Muro de Berlim, as coisas pudessem ser um pouco diferentes. Mas o fato é que o texto denota claro ranço ideológico em prol do socialismo light ou da social-democracia, além de boas pitadas nacionalistas. A Carta mais parece um programa político-econômico, quando determina, por exemplo, a “busca do pleno emprego” como objetivo, ou quando limita as taxas de juros reais em 12% ao ano.

Fora isso, há trechos esquizofrênicos também, como a garantia da propriedade privada ao lado da afirmação de que a propriedade atenderá a sua função social (sabe-se lá o que é isso e quem define), ou então a igualdade de todos perante as leis, e em seguida os privilégios de classes e etnias. E, para ridicularizar de vez o documento, o Colégio Pedro II mereceu menção especial, com garantia de que seria mantido na órbita federal. De fato, como pensar em ter uma Constituição que não legisla sobre um colégio?!

Um último capítulo do livro é dedicado ao Supremo Tribunal Federal, supostamente o guardião da Constituição do país. O que Marco Antonio Villa argumenta, entretanto, é que esta crucial instituição republicana tem falhado sistematicamente em sua função precípua, adotando postura subserviente ao poder Executivo com incrível freqüência. Não custa lembrar que o escândalo do “mensalão” ainda não foi julgado, enquanto alguns crimes já começam a prescrever. Este é apenas um exemplo entre vários. Outro exemplo foi o confisco do Plano Collor, que não poderia ser considerado constitucional de forma alguma.

Em resumo, o Brasil é mesmo um país complicado, com pouco apreço pelo império das leis. Mais parece uma República das Bananas, cuja Carta Magna trata de infindáveis aspectos insignificantes para uma Constituição, além de preservar incrível dose de arbítrio ao poder Executivo. Nossas Constituições, em outras palavras, acabam refletindo a cultura do povo, esta crença ingênua no estado forte e messiânico, que tudo pode e nada teme.

A Reparação, o filme.

Segue abaixo o filme "Reparação" de Daniel Moreno. É um filme polêmico e corajoso. Trata das indenizações do regime militar e tem como foco o caso do jovem Orlando Lovecchio. que teve amputada uma perna quando passava ao lado da livraria da USIS, que fazia parte do Consulado Americano, na época localizado no Conjunto Nacional, na avenida Paulista, em São Paulo.


A história das constituições brasileiras

Saiu uma nova edição do meu livro - lançado no final de 2011 pela editora LeYa - "A história das constituições brasileiras. 200 anos de luta contra o arbítrio").

A seca da Bahia (2)

Segue link da entrevista do professor Luiz Paulo Almeida Neiva (UNEB) tratando da seca no semi-árido baiano. A situação é gravíssima e os poderes públicos continuam omissos. Enquanto isso, bilhões são jogados fora na transposição do rio São Francisco, obra eleitoreira, irresponsável e ambiental equivocada:
http://www.uneb.br/2012/04/19/seca-luiz-paulo-neiva-proplan-concede-entrevista-a-radio-metropole/

A entrevista de Peluso

No site Consultor Jurídico (ver: http://www.conjur.com.br/2012-abr-18/entrevista-ministro-cezar-peluso-presidente-stf-cnj ) pode ser lida a longa entrevista de Cezar Peluso. O que chama a atenção é como um senhor com uma forma pobre em todos os campos tenha chegado à Suprema Corte e, inclusive, à sua presidência. Pobre justiça.

Joaquim critica Peluso

Vale a pena ler em O Globo de hoje a entrevista do ministro Joaquim Barbosa. Fernando Rodrigues fez um resumo:

Peluso “manipulou” julgamentos, diz Joaquim Barbosa 
 


Vice-presidente do STF acusa presidente anterior de agir de forma “inconstitucional” e “ilegal”
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa atacou duramente o ex-presidente da Corte Cezar Peluso.
Joaquim Barbosa chamou Peluso de “ridículo”, “brega”, “caipira”, “corporativo”, “desleal”, “tirano” e “pequeno” em entrevista à jornalista Carolina Brígido, disponível para assinantes do jornal “O Globo”.
Mas para além dos ataques mais pessoais, o mais relevante foi uma acusação feita por Joaquim Barbosa: “Peluso inúmeras vezes manipulou ou tentou manipular resultados de julgamentos, criando falsas questões processuais simplesmente para tumultuar e não proclamar o resultado que era contrário ao seu pensamento”.
Trata-se de acusação gravíssima. Se o ex-presidente do STF de fato cometeu tal manipulação, é necessário investigar. Abre-se uma crise institucional.
O “Globo” explica que Joaquim dá como exemplo do que seria a manipulação de Peluso julgamentos de políticos por causa da Lei da Ficha Limpa.
Eis o que diz o ministro Joaquim Barbosa: “Lembre-se do impasse nos primeiros julgamentos da Ficha Limpa, que levou o tribunal a horas de discussões inúteis; [Peluso] não hesitou em votar duas vezes num mesmo caso, o que é absolutamente inconstitucional, ilegal, inaceitável”.
Esse caso seria o do julgamento de 14.dez.2011 no qual o STF livrou Jader Barbalho da Lei da Ficha Limpa e assim deu ao político do Pará o direito de voltar ao Senado.
Esse julgamento estava empatado em 5 a 5 (o tribunal tem 11 integrantes). À época, o STF divulgou uma nota a respeito: “Diante do impasse, a defesa de Jader ingressou com o requerimento [para que fosse usado o voto de qualidade], que foi apresentado ao Plenário pelo presidente Cezar Peluso. ‘Consulto o plenário se está de acordo com a proposta?’, questionou o presidente. A decisão pela aplicação do dispositivo foi unânime. O relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, não participou da decisão porque está de licença médica”.
Joaquim considerou a atitude de Peluso errada: “[Peluso] cometeu a barbaridade e a deslealdade de, numa curta viagem que fiz aos Estados Unidos para consulta médica, ‘invadir’ a minha seara (eu era relator do caso), surrupiar-me o processo para poder ceder facilmente a pressões…”.
Joaquim Barbosa dá a entender que se considera vítima de preconceito de cor dentro do STF, ele que é o primeiro ministro negro da Corte. “Alguns brasileiros não negros se acham no direito de tomar certas liberdades com negros”, declarou na entrevista.
E mais: “Ao chegar ao STF, eu tinha uma escolaridade jurídica que pouquíssimos na história do tribunal tiveram o privilégio de ter. As pessoas racistas, em geral, fazem questão de esquecer esse detalhezinho do meu currículo. Insistem a todo momento na cor da minha pele. Peluso não seria uma exceção, não é mesmo?”.
As declarações de Joaquim Barbosa foram dadas, em parte, como resposta a uma entrevista concedida por Cezar Peluso ao site “Consultor Jurídico” em 18.abr.2012. Peluso nessa entrevista chama Barbosa de “inseguro”.
Ao ser indagado o que achava de ter sido chamado de “inseguro”, Barbosa respondeu: “Permita-me relatar um episódio recente, que é bem ilustrativo da pequenez do Peluso: uma universidade francesa me convidou a participar de uma banca de doutorado em que se defenderia uma excelente tese sobre o Supremo Tribunal Federal e o seu papel na democracia brasileira. Peluso vetou que me fossem pagas diárias durante os três dias de afastamento, ao passo que me parecia evidente o interesse da Corte em se projetar internacionalmente, pois, afinal, era a sua obra que estava em discussão. Inseguro, eu?”.

Discutindo as reformas (vídeo da palestra)

Este vídeo é do debate realizado no IBMEC de Belo Horizonte no último dia 3 de abril. O debate foi mediado pelo jornalista Merval Pereira e contou também com a participação dos economistas Rodrigo Constantino e Cláudio Shikida.




Um poder de costas para o país


Segue artigo que saiu n'O Globo de setembro de 2011:

‘Um poder de costas para o país’, um artigo de Marco Antonio Villa

PUBLICADO NO GLOBO DESTA TERÇA-FEIRA
Marco Antonio Villa
A Justiça no Brasil vai mal, muito mal. Porém, de acordo com o relatório de atividades do Supremo Tribunal Federal de 2010, tudo vai muito bem. Nas 80 páginas – parte delas em branco – recheadas de fotografias (como uma revista de consultório médico), gráficos coloridos e frases vazias, o leitor fica com a impressão que o STF é um exemplo de eficiência, presteza e defesa da cidadania. Neste terreno de enganos, ficamos sabendo que um dos gabinetes (que tem milhares de processos parados, aguardando encaminhamento) recebeu “pela excelência dos serviços prestados” o certificado ISO 9001. E há até informações futebolísticas: o relatório informa que o ministro Marco Aurélio é flamenguista.
A leitura do documento é chocante. Descreve até uma diplomacia judiciária para justificar os passeios dos ministros à Europa e aos Estados Unidos. Ou, como prefere o relatório, as viagens possibilitaram “uma proveitosa troca de opiniões sobre o trabalho cotidiano”. Custosas, muito custosas, estas trocas de opiniões. Pena que a diplomacia judiciária não é exercida internamente. Pena. Basta citar o assassinato da juíza Patrícia Acioli, de São Gonçalo. Nenhum ministro do STF, muito menos o seu presidente, foi ao velório ou ao enterro. Sequer foi feita uma declaração formal em nome da instituição. Nada. Silêncio absoluto. Por que? E a triste ironia: a juíza foi assassinada em 11 de agosto, data comemorativa do nascimento dos cursos jurídicos no Brasil.
Mas, se o STF se omitiu sobre o cruel assassinato da juíza, o mesmo não o fez quando o assunto foi o aumento salarial do Judiciário. Seu presidente, Cézar Peluso, ocupou seu tempo nas últimas semanas defendendo – como um líder sindical de toga – o abusivo aumento salarial para o Judiciário Federal. Considera ético e moral coagir o Executivo a aumentar as despesas em R$8,3 bilhões.
A proposta do aumento salarial é um escárnio. É um prêmio à paralisia do STF, onde processos chegam a permanecer décadas sem qualquer decisão. A lentidão decisória do Supremo não pode ser imputada à falta de funcionários. De acordo com os dados disponibilizados, o tribunal tem 1.096 cargos efetivos e mais 578 cargos comissionados. Portanto, são 1.674 funcionários, isto somente para um tribunal com 11 juízes. Mas, também de acordo com dados fornecidos pelo próprio STF, 1.148 postos de trabalho são terceirizados, perfazendo um total de 2.822 funcionários. Assim, o tribunal tem a incrível média de 256 funcionários por ministro. Ficam no ar várias perguntas: como abrigar os quase 3 mil funcionários no prédio-sede e nos anexos? Cabe todo mundo? Ou será preciso aumentar os salários com algum adicional de insalubridade?
Causa estupor o número de seguranças entre os funcionários terceirizados. São 435! O leitor não se enganou: são 435. Nem na Casa Branca tem tanto segurança. Será que o STF está sendo ameaçado e não sabemos? Parte destes vigilantes é de seguranças pessoais de ministros. Só Cézar Peluso tem 9 homens para protegê-lo em São Paulo (fora os de Brasília). Não é uma exceção: Ricardo Lewandovski tem 8 exercendo a mesma função em São Paulo.
Mas os números continuam impressionando. Somente entre as funcionárias terceirizadas, estão registradas 239 recepcionistas. Com toda a certeza, é o tribunal que melhor recebe as pessoas em todo mundo. Será que são necessárias mais de duas centenas de recepcionistas para o STF cumprir suas tarefas rotineiras? Não é mais um abuso? Ah, abuso é que não falta naquela Corte. Só de assistência médica e odontológica o tribunal gastou em 2010, R$ 16 milhões. O orçamento total do STF foi de R$ 518 milhões, dos quais R$ 315 milhões somente para o pagamento de salários.
Falando em relatório, chama a atenção o número de fotografias onde está presente Cézar Peluso. No momento da leitura recordei o comentário de Nélson Rodrigues sobre Pedro Bloch. O motivo foi uma entrevista para a revista “Manchete”. O maior teatrólogo brasileiro ironizou o colega: “Ninguém ama tanto Pedro Bloch como o próprio Pedro Bloch.” Peluso é o Bloch da vez. Deve gostar muito de si mesmo. São 12 fotos, parte delas de página inteira. Os outros ministros aparecem em uma ou duas fotos. Ele, não. Reservou para si uma dúzia de fotos, a última cercado por crianças. A egolatria chega ao ponto de, ao apresentar a página do STF na intranet, também ter reproduzida uma foto sua acompanhada de uma frase (irônica?) destacando que o “a experiência do Judiciário brasileiro tem importância mundial”.
No relatório já citado, o ministro Peluso escreveu algumas linhas, logo na introdução, explicando a importância das atividades do tribunal. E concluiu, numa linguagem confusa, que “a sociedade confia na Corte Suprema de seu País. Fazer melhor, a cada dia, ainda que em pequenos mas significativos passos, é nossa responsabilidade, nosso dever e nosso empenho permanente”. Se Bussunda estivesse vivo poderia retrucar com aquele bordão inesquecível: “Fala sério, ministro!”
As mazelas do STF têm raízes na crise das instituições da jovem democracia brasileira. Se os três Poderes da República têm sérios problemas de funcionamento, é inegável que o Judiciário é o pior deles. E deveria ser o mais importante. Ninguém entende o seu funcionamento. É lento e caro. Seus membros buscam privilégios, e não a austeridade. Confundem independência entre os poderes com autonomia para fazer o que bem entendem. Estão de costas para o país. No fundo, desprezam as insistentes cobranças por justiça. Consideram uma intromissão.