Novo Senado, velho Senado.

Este artigo foi publicado na FSP em 2 de janeiro de 2003. Estava começando o governo Lula. Escrevi que nada mudaria se o Executivo buscasse uma aliança com as oligarquias. Confesso que errei. A presidência Lula mais do que uma eventual aliança, entregou parte do governo aos oligarcas. E pior: deu novo alento às oligarquias que estavam perdendo espaço político nos seus estados.


O Senado e as oligarquias

MARCO ANTONIO VILLA

Nos programas de auditório já virou rotina apresentar testes de DNA para descobrir quem é o pai de uma criança. O público participa, ri, xinga; os casais brigam e o apresentador conduz o programa até o clímax, quando abre o envelope e diz se o cidadão é ou não o pai. No Congresso Nacional, não é preciso toda essa mise-en-scène, pois são visíveis as relações de parentesco entre senadores e deputados federais; e destes com governadores, prefeitos, deputados estaduais e vereadores. Se realizarmos um apurado levantamento, da esfera municipal à federal, encontraremos um grupo seleto de famílias que controlam o mundo político brasileiro.
O caso mais evidente é do senador José Sarney. Eleito pelo Amapá em um exercício de ficção digno da sua obra literária e fazendo parte do PMDB, viu sua filha, Roseana Sarney, eleita senadora representando o Maranhão, pela legenda do PFL. Assim, pela primeira vez na história republicana, temos pai e filha no Senado Federal e, além disso, representando Estados distintos e por partidos diferentes. Sem esquecer que Sarney Filho foi reeleito deputado federal e o candidato da família herdou o Maranhão. Tão Brasil, diria Manuel Bandeira.
No Império também tivemos no Senado um pai e um filho: Francisco de Lima e Silva e o então conde de Caxias. Este tomou posse em 1846 e conviveu oito anos com o pai na mais alta Casa legislativa. Porém o número de eleitores era muito restrito e, no final, cabia ao imperador escolher, de uma lista tríplice, o senador. Além de tudo, o mandato era vitalício. Contudo, em um regime republicano e democrático, é muito raro que isso aconteça. Evidente que há casos de pais e filhos eleitos representantes do povo em épocas distintas, como os Bushs, nos EUA, mas é exceção.
No Brasil foi a República que petrificou as oligarquias. A adoção do federalismo logo no primeiro ato do Governo Provisório, em 15 de novembro de 1889, transfigurou monarquistas reacionários em republicanos sinceros: queriam ter poder local, o que era dificultado pela rígida estrutura centralizada do Império. Desde então tivemos famílias que se perpetuaram no poder em seus Estados.
A República Velha foi caracterizada pelo poder oligárquico -contra ele se levantaram os tenentes. Contudo conseguiu se preservar no primeiro governo Vargas, especialmente durante o Estado Novo. A redemocratização de 1945 resguardou o poder dos oligarcas, então mais influentes graças à expansão do aparelho de Estado. A ditadura militar acabou se apoiando politicamente nas oligarquias regionais, que aderiram à Arena logo após a sua criação, em 1965, e serviram fielmente ao regime, fingindo participar dos grandes temas nacionais, que eram efetivamente decididos no Palácio do Planalto.


Se fizermos um apurado levantamento, veremos um grupo seleto de famílias que controlam o mundo político brasileiro


Imaginava-se que o fim da ditadura permitiria a formação de uma nova elite política. Ledo engano. Filhos, sobrinhos, netos e esposas de políticos tradicionais foram eleitos em 1986. Dizia-se que tinham vocação para a política, uma espécie de "virtu" genética. E foi no Nordeste que o domínio oligárquico se manifestou de forma mais límpida, com os Alves, Maias, Francos e Magalhães, entre outros. Era como se William Faulkner estivesse pensando o Nordeste quando escreveu que "o passado nunca morre; ele nem sequer passa".
A permanência da oligarquia deve ser creditada às décadas de controle político nos Estados, o que possibilitou a consolidação de uma máquina eleitoral municipal; ao controle dos meios de comunicação de massa; às relações com o poder econômico regional; e, principalmente, ao papel de intermediário para obtenção de verbas e apoio político do governo federal.
As eleições se sucederam e, em vez de diminuir o poder oligárquico, ele se fortaleceu. E é no Senado que fica mais transparente a sua presença, agravada pela excessiva representação de três senadores por cada Estado. É rotineiro que, no final de mandato, um governador reserve a "sua" vaga no Senado: os oito longos anos de mandato servem como um refrigério para novas aventuras políticas. Caso fracasse, permanece no Senado. Assim, nossa mais alta Casa legislativa é uma espécie de sala de espera para uns e de aposentadoria dourada para outros. A longa duração do mandato cria um descompasso com os novos cenários políticos gerados a cada quatro anos. Para piorar, há a figura do suplente, desconhecido do eleitor, mas escolhido a dedo pelo candidato.
Um Senado que se preze não pode conviver com esse avassalador domínio das famílias. Por outro lado, não é possível, como sempre, imputar à tradição ibérica a causa dessa anomalia política; inclusive porque em Portugal não há Senado, o Parlamento é unicameral e hoje não é possível falar em oligarquia.
Romper o domínio dos senhores do baraço e cutelo é o caminho para a efetiva consolidação da democracia. Esta tarefa começa no centro, em Brasília, com um governo que não se concilie com os mandões locais, fechando os condutos federais que alimentam e preservam o coronelismo.


E o oligarca continua mandando.

Este artigo saiu na FSP de 27 de julho de 2009. As denúncias contra José Sarney tinham deixado o velho oligarca politicamente enfraquecido como nunca nos últimos 25 anos. Era o momento do país ficar livre do símbolo maior do atraso político. Porém, isto acabou não ocorrendo. Quem o salvou? Lula.


Sarney continuará mais 2 anos na presidência do Senado. E permanecerá usando do cargo para manter intacto os interesses da famiglia.


O outono do patriarca

MARCO ANTONIO VILLA


O presidente Lula tem razão: Sarney não é igual à maioria dos brasileiros. Ainda bem. Quem é Sarney? Ele é o símbolo maior do atraso


NA PRESIDÊNCIA do Senado, José Sarney conseguiu o impossível: ser pior do que alguns dos seus antecessores, como Antonio Carlos Magalhães, Jader Barbalho e Renan Calheiros, que acabaram defenestrados. Todos negaram as acusações que pesavam sobre eles. Pareciam inabaláveis, tal qual Sarney.
Porém, o velho coronel do Maranhão está conseguindo se manter no cargo por mais tempo do que seus velhos amigos. Afinal, como disse o presidente Lula, ele não é igual a nós, ele tem uma história. Lula tem razão: Sarney não é igual à maioria dos brasileiros. Ainda bem. Quem é Sarney? José Ribamar Ferreira de Araújo Costa nasceu em 1930, ano da revolução que mudou o Brasil. Paradoxalmente, ele é o símbolo maior do atraso, do passado que nunca passa, da antirrevolução.
Fez a pequena política local até chegar, em 1958, ao Rio de Janeiro, como deputado federal, ainda jovem, eleito pela UDN. Participou pouco dos debates, nunca foi um bom orador. A voz soava mal, as ideias eram ultrapassadas e sem nenhuma novidade, o raciocínio era lento e era pobre sua linguagem gestual. Não tinha nada que o destacasse.
Na grave conjuntura de 1963-1964, raramente apareceu nos debates. Omitiu-se. Preferiu as sombras, aguardando hora mais tranquila. Candidatou-se ao governo do Maranhão em 1965 e venceu com o apoio dos novos donos do poder, os militares. Depois foi para o Senado -e lá ficou por quase 15 anos.
Se consultarmos os anais daquela Casa, raramente veremos Sarney participando de um debate. A sua preocupação central não eram os grandes problemas nacionais, nada disso. Seu pensamento e sua ação política estavam na província. Controlava as nomeações e os recursos orçamentários. Dessa forma, conservou sua força política local graças à influência que mantinha na capital federal.
Mas o coronel era hábil. Não queria ser um novo Vitorino Freire, o mandão que o antecedeu. Buscou dar um verniz intelectual ao poder discricionário que exercia na província. Isso pode explicar a publicação de romances e contos, a entrada para a Academia Brasileira de Letras e o estabelecimento de amplo círculo de relações sociais com intelectuais e jornalistas.
No Sul do país mostrava seu lado cosmopolita, falando de poesia e filosofia. Na província voltava ao natural, não precisava de nenhum figurino: era o senhor do baraço e do cutelo. Que digam os oposicionistas -e foram tantos- que sofreram a violência do mandão local. Lá, durante mais de 40 anos de poder, o interesse público nunca esteve separado do interesse da família Sarney e de sua parentela.
Por um acaso da história, acabou presidente da República. Durante os comícios da Aliança Democrática, em 1984, ficava escondido no palanque. Quando era anunciada a sua presença, era vaiado impiedosamente. Afinal, servira fielmente o regime militar por 20 anos.
A sua Presidência foi um desastre completo. Três planos de estabilização econômica. E todos fracassaram. Terminou o governo com a inflação próxima de uma taxa de 100% ao mês. Omitiu-se quanto aos principais problemas. No ocaso do governo foi instalada no Congresso Nacional uma CPI para apurar casos de corrupção, com graves acusações à gestão presidencial e a sua família, em especial seu genro, Jorge Murad.
O desprestígio era tão acentuado que nenhum candidato às eleições presidenciais de 1989 -e eram mais de uma dúzia- buscou seu apoio. Mas o oligarca sobreviveu. Buscou um mandato de senador no recém-criado Amapá. Precisava como nunca da imunidade parlamentar.
O tempo passou e a memória nacional foi se apagando, como sempre. O oligarca, em uma curiosa metamorfose, transformou-se em estadista. Encontraram até qualidades no seu período presidencial. Não tinha sido um indeciso. Não, nada disso. Fora um conciliador, avalista da transição para a democracia.
No governo Lula, mandou mais do que na sua Presidência. Conseguiu até depor o governador Jackson Lago, que teve a ousadia de vencer nas urnas a sua filha. A sua cunhada, presidente do TRE, anulou a eleição e, pior, obteve a chancela do TSE.
Contudo, não há farsa que perdure na história. O que foi revelado pela mídia nacional não é nenhuma novidade para os maranhenses. Lá, o rei está nu há muito tempo.
No encerramento do semestre legislativo, Sarney discursou para um plenário vazio. Não houve palmas ou apupos. Desceu e caminhou pelo corredor, silenciosamente. Nas galerias não havia um simples espectador. O velho oligarca estava só. Parou e, como se dissesse adeus, dirigiu-se para seu gabinete: a tragicomédia está chegando ao fim.

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A farsa de Collor

Publiquei este artigo na FSP no dia 17 de março de 2007. Tinha assistido pela TV uma sessão do Senado e ficado estarrecido com um discurso de Fernando Collor, era o primeiro dele como senador. O plenário tinha ficado silencioso e depois vários senadores foram pedindo apartes e começaram a louvar os méritos do ex-presidente. Foi uma tremenda vergonha. Nenhum senador, de nenhum partido, questionou o senador. Somente na semana seguinte. o senador Pedro Simon (PMDB-RS) foi à tribuna e discursou contra Collor. Foi aparteado pelo senador alagoano e literalmente xingado. E todos os senadores presentes, sem exceção, assistiram passivamente a mais uma cena vergonhosa do Senado.


A farsa de Collor

MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

NA ÚLTIMA quinta-feira, o Senado Federal protagonizou mais um triste espetáculo. O senador Fernando Collor foi à tribuna e discursou por mais de três horas. Foi aparteado diversas vezes, sempre com rasgados elogios. Chorou, assim como outros senadores choraram.
Se um estrangeiro estivesse assistindo à sessão e desconhecesse a história recente do Brasil, poderia imaginar que o senador alagoano teria sido vítima de um processo cruel, de uma injustiça sem tamanho. Ledo engano.
Collor foi impedido de continuar na Presidência da República não por algum artifício das elites, mas por ter ferido gravemente a ética republicana. Depois de uma CPI -e com um presidente, Benito Gama, que era do PFL, partido que apoiava o governo- foi pedido o impeachment por uma ampla gama de entidades da sociedade civil, lideradas pela OAB e pela ABI, sem esquecer a participação do movimento estudantil, que liderou inúmeras passeatas pelo Brasil. A Câmara dos Deputados aprovou o impeachment por 441 votos a favor e apenas 38 contra. No Senado, foram 76 favoráveis e cinco contra. De acordo com pesquisa do Datafolha, pouco antes do impedimento, 84% da população considerava o governo ruim ou péssimo.
Portanto, o resultado do processo não foi uma armadilha da elite contra o presidente dos "descamisados", mas produto de dois anos e meio de um governo desastroso e que já tinha anunciado seus "métodos de trabalho" quando, às vésperas do segundo turno da eleição presidencial, em dezembro de 1989, levou ao horário eleitoral gratuito uma ex-namorada de Lula que o acusava de ter sugerido um aborto, depoimento que foi decisivo para a vitória de Collor.
Logo ao assumir congelou todos os ativos financeiros, infelicitando a vida de milhões de brasileiros e arruinando a vida de milhares de pequenos poupadores. Fez dois planos de estabilização econômica que fracassaram redondamente. A inflação em 1990 foi de 1.198%, no ano seguinte "caiu" para 481% e em 1992 chegou a 1.157% . O crescimento do PIB foi negativo em 1990 (4,3%), quase nulo no ano seguinte (0,3%) e voltou a ser negativo em 1992 (0,8%).
Se os resultados econômicos foram péssimos, pior ocorreu com a ética republicana. Desde a posse foram surgindo na imprensa diversas denúncias de corrupção. Com o passar dos meses, a figura sinistra de Paulo César Farias, ex-tesoureiro da campanha de Collor, se transformou em eminência parda de negócios nebulosos envolvendo empresas fornecedoras do governo federal. Em 1992, foi o próprio irmão do presidente, Pedro Collor, que denunciou um esquema de corrupção que supostamente envolvia PC Farias e Collor, motivo da abertura da CPI.
Vestir o figurino de republicano impoluto, buscar com os assessores citações de autores clássicos, comparar-se com outros presidentes (e com exemplos equivocados, como a "extradição" de Washington Luís), falar com voz embargada, tudo foi uma farsa. Como ensina o dicionário Houaiss: "uma ação ou representação que induz ao logro; mentira ardilosa, embuste".



Caso Panamericano (2)

O rombo é de 4 bilhões, segundo informou a FSP. Neste caso, o prejuízo da CEF - que comprou uma banco falido - é de mais de 600 milhões de reais. Não é dinheiro que voltará para o Tesouro vai liquidação judicial. É prejuízo mesmo. A CEF comprou um banco com um valor irreal de mercado. Não custa imaginar se fosse um outro governo, o que faria o PT? A oposição continua em silêncio. Não tem sequer um deputado para por lenha na fogueira.

Caso Panamericano.

Os jornais informam que o rombo do banco pode ser bem maior que os 2,5 bilhões de reais. A CEF comprou parte do banco, ainda em 2010, pagou uma fortuna e já teve um prejuízo estimado de 350 milhões de reais. E a oposição? Silêncio absoluto, como de hábito.

Classe média?

Nos últimos meses é recorrente na mídia matérias que tratam da "nova classe média". Falam em 25 milhões. E que isto teria ocorrido nos últimos anos.


Pura bobagem. É impossível em 3 ou 4 anos que 25 milhões de pessoas tenham se deslocado do "andar de baixo" para a classe média. Pura propaganda sem a mínima consistência. Para que isso ocorresse, o Brasil teria de estar crescendo com taxas sensivelmente superiores. Crescendo em média 3,5% a 4% ao ano é impossível supor que 15% da população tenha ascendido da chamada "classe C" para a classe média.

Mas a repetição exaustiva desta "verdade" acabou conquistando a mídia. E a oposição. para variar, não conseguiu (sequer tentou) responder.

Teses equivocadas (2)

A literatura política (e também a econômica) sobre América Latina produzida nos anos 50-80 do século XX bateram sistematicamente na tecla de que seria impossível a industrialização no capitalismo dependente ou periférico (conceito criado naqueles anos). A idéia era de que o capitalismo central (EUA, Japão e Europa Ocidental) não conseguiria conviver com rivais no hemisfério sul. Em outras palavras: no interior do capitalismo seria impossível pensar em desenvolvimento econômico, em romper com o atraso, a miséria. Restava como opção o socialismo. Mais do que uma alternativa, era a única opção.


O Brasil, como um "país subdesenvolvido", tinha tentado um capitalismo nacional independente, desde os anos 30. A crise de 64, segundo esta leitura, teria demonstrado a impossibilidade de um capitalismo na periferia que almejasse construir o caminho para o tão almejado desenvolvimento. Seríamos, para todo sempre, um país de capitalismo dependente. Para romper estas amarras só a revolução socialista.

As últimas duas décadas mostraram que a tese estava completamente errada. Como fica a Coréia? E a China? E o Brasil atual? Mais uma vez os "grandes teóricos" ficaram silenciosos. A história percorreu outros caminhos e derrubou mais uma tese equivocada.

Zero Hora 23 de janeiro de 2011



OAB ocupa espaço da oposição

A recente onipresença da OAB no cenário político, por meio das polêmicas declarações de seu presidente, Ophir Cavalcante, coloca especialistas em rota de colisão.

No diagnóstico do historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos, a omissão da oposição é o anabolizante da Ordem:

– Se a oposição tivesse um parlamentar atuante, ele teria ingressado na Justiça contra os privilégios dos passaportes diplomáticos, como o PT costumava fazer quando estava fora do governo.

Os críticos reclamam que a OAB tem se focado em temas de varejo, em vez de atuar em pautas de atacado, como, por exemplo, a defesa da reforma política. Para o diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Claudio Abramo, ao se ater a discussões como o pagamento de aposentadorias a ex-governadores, os dirigentes da Ordem aparentam promover “ações de marketing”:

– A OAB existe para defender os interesses dos advogados. Qual é o objetivo de uma posição em torno das pensões dos ex-governadores?

Os críticos que consideram a Ordem uma entidade de classe e não uma porta-voz da sociedade alegam que o protagonismo da entidade fazia sentido em meio ao regime militar. Por outro lado, o jurista Ives Gandra Martins, ex-conselheiro da OAB, defende o retorno da entidade à cena política:

– Não acho que a atual postura seja algo circunstancial, e, sim, inerente às próprias funções estatutárias.

Ao longo de sua história, a OAB oscilou entre momentos de maior e de menor exposição. Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Henrique Nelson Calandra, os eventuais destaques estão relacionados à personalidade dos dirigentes:

– Ophir gosta mais da exposição. Como dizia minha avó, galinha que bota ovo e não canta vira canja.

Segundo o cientista político Valeriano Costa, da Unicamp, o perfil mais discreto da presidente Dilma Rousseff também pode explicar por que a OAB tem se aventurado mais na cena política.

Dilma e os rendosos cargos.

Briga por cargos, desastre no Rio e silêncio de Dilma impedem reformas nos cem primeiros dias de governo

Na campanha, ela prometeu aproveitar popularidade para aprovar a reforma tributária

Wanderley Preite Sobrinho, do R7

Roberto Stuckert Filho/Presidência 14.01.2011Roberto Stuckert Filho/Presidência 14.01.2011

Presidente Dilma Rousseff durante a primeira reunião com sua equipe ministerial



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Em qualquer lugar do mundo a popularidade de um presidente recém empossado é aproveitada por ele ao máximo em seus primeiros cem dias de mandato. É quando o vencedor das urnas aproveita seu pico de fama e mobiliza aliados para provocar um debate nacional em torno de assuntos que são cruciais para o país, mas que raramente são discutidos no Congresso. Temas e interesses que só são questionados enquanto o presidente tem o apoio da maior parte da população.

No Brasil, Dilma Rousseff vem fazendo diferente. Discreta e reservada, passou os 20 primeiros dias no Palácio do Planalto distribuindo cargos para acalmar a sanha de partidos aliados e administrando a tragédia provocada pelas chuvas no Rio de Janeiro. Pior para as reformas política e tributária, até agora fora da agenda do governo, mas tratadas pela própria Dilma como “prioridades” durante sua campanha eleitoral.

Quando venceu as eleições, Fernando Collor de Mello (1990-1992) usou os 100 primeiros dias para alardear a necessidade de seu pacote econômico anti-inflação: o Plano Collor foi aprovado em abril, o que significou o confisco das cadernetas de poupança. Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) também não perdeu tempo e emplacou reformas econômicas que fortaleceram o Plano Real, seu principal cabo eleitoral. Já Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) conseguiu o apoio de governadores para sua reforma tributária, que foi redigida e enviada ao Congresso, onde repousa até hoje em uma gaveta esperando por resgate.

Em maio do ano passado, Dilma prometeu aos industriais da CNI (Confederação Nacional da Indústria) se valer de toda popularidade herdada das urnas para emplacar a reforma tributária.

- Vamos aproveitar a mobilização da campanha eleitoral e os primeiros cem dias do governo para fazê-la.

Na ocasião, ela disse que "a situação tributária brasileira é caótica" e que a reforma racionalizaria uma das cargas mais altas do mundo, equivalente a 33% do PIB (Produto Interno Bruto).

Para o professor de história política da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos) Marco Antônio Villa, Dilma esqueceu da promessa ou está aproveitando muito mal seu período de maior visibilidade.

- A impressão dos primeiros dias é que ela não está sabendo aproveitar sua popularidade. Até agora não há uma agenda para apresentar ao Congresso no dia 2 de fevereiro, quando ele for reaberto. Ela não pode ser uma presidente oculta, ainda mais nesse momento de transição.

O professor acha que a reforma tributária “precisa ser feita agora porque o ano que vem será de eleições municipais, quando os parlamentares não estão dispostos a grandes discussões”. Ele lembra que Lula usou sua primeira vitória, em outubro de 2002, para lançar o programa Fome Zero ainda durante o período de transição de governo.

- Dilma teve o mesmo tempo entre a eleição e a posse, mas parece que ela está sem ousadia. Começando o jogo como um time pequeno: quatro atrás e ninguém na frente.

Sobre a reforma política, quem falou foi o próprio Lula um pouco antes de deixar o governo. Fundador do PT, ele já disse que quer atuar no partido para tentar “reorganizar a esquerda brasileira”. Com ela unida, o ex-presidente teria mais força para fazer vingar a reforma, que ele não conseguiu aprovar em seus dois mandatos. Em um encontro com blogueiros em novembro do ano passado, ele foi direto ao ponto.

- É inconcebível esse país passar mais um ano sem reforma [...] preciso convencer os partidos de esquerda e entender por que eles não querem. [...] A primeira batalha é no PT.

Villa diz que Lula teve oito anos para fazer isso, mas que agora qualquer intervenção dele “pode tirar a autoridade de Dilma".

- Se ela deixar o assunto a cargo dele, será como encerrar seu governo no início ou antecipar a candidatura de Lula em 2014.

Discrição

O silêncio de Dilma nesse começo de mandato pode empacar as reformas, mas também tem suas vantagens. Para o professor da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) José Paulo Martins Júnior, uma administração com menos estardalhaço vai ser bom para o governo.

Foi atuando nos bastidores, por exemplo, que Dilma conduziu bem sua primeira crise: a redistribuição de cargos de segundo escalão para os partidos aliados. Sem falar com a imprensa, a presidente chamou os descontentes em seu gabinete e enquadrou seu vice, o presidente licenciado do PMDB, Michel Temer, que suou para conter os colegas de partido – os mais exaltados. Aos ministros que escorregaram em declarações, Dilma já deixou claro que ela manda e eles obedecem.

- Essa postura pode custar pontos de popularidade, mas para o governo vai ser melhor. [...] O Lula é uma pessoa tarimbada em falar e se expor ao público. Ela esta só começando.

Villa pondera, no entanto, que problemas como esse estão ocupando o tempo que poderia ser dedicado às reformas.

- O que ela deve ficar fazendo nesses cem dias não é aprovar as reformas, mas ficar administrando o cotidiano deixado pelo Lula. Ela tem de controlar a inflação (o Natal de 2010 foi mais caro dos últimos 8 anos), distribuir cargos e ainda aprovar o novo salário mínimo.

Procurada pela reportagem, a assessoria da Presidência disse apenas que o governo vem discutindo as reformas política e econômica no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, que não tem valor deliberativo, mas consultivo.



Teses equivocadas.

Ao longo do último meio século várias "teses" ficaram consagradas no debate político brasileiro. Uma delas foi a da reforma agrária. A idéia - que vêm desde os anos 20, basta recordar o "Agrarismo e industrialismo" de Octávio Brandão - era de que a indústria só poderia se desenvolver caso ocorresse a reforma agrária. As razões eram as seguintes: 1. com o fim do latifúndio seriam criadas centenas de milhares de pequenas propriedades; 2. as pequenas propriedades diversificariam a produção e abasteceriam as cidades com gêneros a baixo preço; 3. desta forma diminuiria o custo de reprodução da força de trabalho e a inflação; 4. os pequenos proprietários, agora com o aumento da rentabilidade, comprariam produtos industriais aumentando ainda mais a produção (com o crescimento da produtividade) e criariam mercado para o setor industrial; 5. além das mudanças econômicas, com a expropriação do latifúndio, o poder político, por tabela, iria se democratizar, pois seria rompida a aliança conservadora, retrógrada, do latifúndio com a burguesia aliada do imperialismo.


Isto polarizou o debate político durante décadas. Em certos momentos incendiou o país. Mas a história acabou percorrendo outros caminhos. Vamos aos fatos:
1. o país industrializou-se sem necessidade de uma reforma agrária;
2. o Brasil transformou-se em uma potência agro-pecuária;
3. acabou o problema urbano da carestia, da falta de produtos, enfim, da escassez;
4. a "revolução burguesa" completou seu processo sem qualquer revolução agrária;
5. a grande produção agro-pecuária é produto especialmente do agro-negócio;
6. o processo de urbanização foi completado sem reforma agrária;
7. o mercado industrial foi obtido principalmente no meio urbano e com as exportações.

E como ficou o debate? Não ficou. Os autores da "tese" e seus penduricalhos sumiram. Evitam enfrentar a realidade. Alguns - aqueles saudosos do muro de Berlim e dos campos de concentração stalinistas - só repetem mecanicamente a fórmula como um mantra, algo religioso, absolutamente desconectado do que ocorreu e ainda está ocorrendo no nosso país. Sem esquecer ainda os que vivem da exploração da "tese", usufruindo das generosas verbas do governo federal.

Páginas Amarelas

Esta entrevista foi publicada na revista Veja de abril de 2008. Trata da América Latina e das relações do Governo Lula com os países vizinhos:

O bufão da américa

Historiador diz que Hugo Chávez, presidente da
Venezuela, é perigoso por ser ambicioso e imprevisível


Duda Teixeira


O historiador Marco Antonio Villa já escreveu 21 livros, com temas que variam da Idade Média à Revolução Mexicana. Ao investir contra mitos da história nacional em suas obras e artigos, esse professor da Universidade Federal de São Carlos colecionou polêmicas e fez dezenas de inimigos. Sete anos atrás, tornou-se persona non gratano estado de Minas Gerais ao sustentar que Tiradentes foi um herói construído pelos republicanos. Mais tarde, causou comoção ao escrever que o presidente João Goulart, deposto pelos militares em 1964, preparava o próprio golpe de estado para obter a reeleição. "Os historiadores costumam ter receio de polêmicas, mas é com elas que se transforma a visão de mundo de uma sociedade", diz Villa, que tem 52 anos. Estudioso da diplomacia brasileira, ele vê com preocupação o sumiço da linha de diplomacia cunhada pelo barão do Rio Branco. "O barão profissionalizou o Itamaraty, que passou a atuar em busca dos interesses do país, e não de um governo ou partido." Em sua casa na Zona Norte de São Paulo, o historiador deu a seguinte entrevista a VEJA.

Veja – Como o senhor avalia a atual diplomacia brasileira?
Villa – Nossa diplomacia se esquiva de defender os interesses nacionais na América Latina. Teima sempre em chegar a um acordo e, como não consegue, acaba cedendo aos vizinhos. Se Lula tivesse sido presidente na República Velha, o Acre seria hoje dos bolivianos e Santa Catarina, dos argentinos. Por aqui se pensa que o Brasil não pode ter interesses nacionais ou econômicos na América do Sul, uma vez que estamos em busca de uma integração regional. É um equívoco. Os interesses do Brasil não são os mesmos da Argentina. Os objetivos do Paraguai não são os do Brasil. A linguagem amena, educada, usada pelos nossos diplomatas apenas tem fortalecido os caudilhos da região, como o venezuelano Hugo Chávez e o boliviano Evo Morales, que se acham com autoridade para falar ainda mais grosso e aumentar as exigências.

Veja – A diplomacia brasileira não era assim no passado?
Villa – Não. No fim do século XIX, a Argentina reivindicou o oeste do Paraná e de Santa Catarina. Não fazia o menor sentido. O presidente Prudente de Moraes, com a ajuda do barão do Rio Branco, resolveu a questão e evitou a doação da área. Não perdemos um hectare de terra. O barão sabia quais eram os interesses nacionais e os defendia. Além disso, profissionalizou o Itamaraty, que passou a coordenar uma política em nome do país, e não de um governo ou partido. Hoje, precisamos urgentemente que o barão do Rio Branco se incorpore no ministro das Relações Exteriores.

Veja – O Brasil cede sempre?
Villa – Só não o fazemos quando é impossível. Em negociações recentes com a argentina Cristina Kirchner e com Evo Morales, a Petrobras recusou-se a fornecer gás para a Argentina, que vive sob ameaça de um apagão. Se cedesse, o Brasil teria um grave desabastecimento. Nos outros casos, somos sempre fregueses. O Brasil já sofreu no passado uma invasão de produtos argentinos e ninguém reclamou. Quando a situação se inverteu e a balança comercial tornou-se superavitária para o Brasil, os argentinos chiaram e conseguiram o que queriam. Com a Bolívia, aceitamos uma indenização simbólica pelas refinarias nacionalizadas, a um valor muito aquém do que foi investido pela Petrobras. Com Hugo Chávez, falamos sempre "não" na primeira hora, depois dizemos "sim". Éramos contra o Banco do Sul. Hoje somos a favor. Fazemos o oposto do que recomendava Vladimir Lenin, para quem era preciso dar um passo atrás e depois dois para a frente. A diplomacia nacional dá um para a frente e dois para trás.

Veja – Deportar turistas espanhóis é uma resposta inteligente à repatriação de brasileiros que tentavam ir para a Espanha?
Villa – Foi um exagero. A política externa não é para ficar a cargo de um funcionário da Polícia Federal. As cenas dos espanhóis sendo deportados no aeroporto de Fortaleza são absurdas. Uma coisa é um turista que vai para Jericoacoara, outra é um brasileiro que, supostamente ou não, deseja trabalhar na Espanha. Quando faz diplomacia com a Europa, os Estados Unidos ou a Ásia, o Brasil tem sido muito agressivo. É como se o esforço para se afirmar como país, uma vez que não se realiza na América Latina, fosse todo desviado para os fóruns em outros continentes. Ser duro com um turista espanhol é fácil. Quero ver ser duro com Hugo Chávez.

Veja – Chávez é o grande líder da América Latina?
Villa – Quando se olha o que ocorre com os mais de vinte países da região, não há dúvida disso. Com a alta do preço do petróleo, Chávez construiu uma sólida rede de alianças. Foi uma sucessão de vitórias. Tem o apoio de Cuba, Nicarágua, Equador, Bolívia, Argentina. Quem está do lado do Brasil? Ninguém. Chávez é um ator que faz um monólogo. Eventualmente alguém da platéia sobe no palco e participa. O show é dele. Ele determina o que vai ser discutido e como. Os outros só correm atrás. Os países que estão se aproximando do Brasil, como Paraguai e Peru, fazem isso apenas porque não tiveram ainda um estabelecimento de relações com a Venezuela. A história talvez comece a mudar agora. Não por obra de Lula, evidentemente, e sim de Álvaro Uribe, o presidente colombiano. Graças a ele, Chávez teve sua primeira derrota em política externa. A reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA), que colocou panos quentes na discussão que se seguiu à morte do terrorista Raúl Reyes, pode sinalizar um futuro diferente.

Veja – Por que o senhor considera que Chávez perdeu?
Villa – Chávez é um caudilho e, como tal, precisa de um palanque para discursar. Quando reagiu com firmeza à morte de Raúl Reyes no Equador, ganhou um palco considerável. Só que durou pouquíssimo tempo. A solução rápida e eficaz do problema pela OEA, que estava sumida do mapa, tirou essa oportunidade dele. Chávez resignou-se porque a maioria dos países apoiou a resolução final, que condenava a invasão territorial no Equador e ao mesmo tempo acusava a presença das Farc naquele país. Uribe, ao pautar as negociações que esfriaram o conflito, mostrou que é possível dar um basta a Chávez. Sua atitude terá um impacto pedagógico até mesmo dentro da Venezuela, onde o povo tem aceitado as precárias condições internas do país ao ver que, externamente, seu presidente só obtém vitórias. Chávez teve sua primeira grande derrota no referendo constitucional. Agora, teve a segunda derrota, dessa vez em política externa.

Veja – Por que o discurso é tão importante para um caudilho?
Villa – Um caudilho não vive sem a oratória. O programa dominical Aló Presidente é o que vitamina Chávez. Fidel Castro adora discursar por horas. O mexicano Antonio López de Santa Anna foi ditador várias vezes, afundou seu país e, ferido e pensando que ia morrer, ditou suas últimas palavras. Foram quinze páginas. No fim, sobreviveu com uma perna amputada, que sepultou com honras militares. A oratória é uma tradição latino-americana, que ocorre paralelamente à dissociação entre discurso e prática. Para esses homens e para as suas platéias, é como se as palavras, sozinhas, tivessem um poder de mudar a realidade. Pura bobagem. Não existe tal mágica. Lula também aposta nesse artifício. Acha que ao divulgar o programa do PAC pode transformar o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em um bairro residencial em seis meses. Para os sucessores, a herança desse tipo de comportamento é terrível.

Veja – Por que os latino-americanos possuem o vício da oratória?
Villa – Em parte, há na América Latina uma forte tradição do bacharelismo. Muitos dos presidentes passaram por faculdades de direito. No Brasil, Getúlio Vargas e Jânio Quadros são exemplos. Epitácio Pessoa era chamado de "A Patativa do Norte", em referência a uma ave cantora. Fidel Castro foi advogado. O argentino Juan Domingo Perón não era, mas a maioria dos seus auxiliares, sim. Para um advogado, o que importa não é a legitimidade da causa, mas o nível de retórica do advogado para defender seu acusado. Somos muito marcados por isso.

Veja – Qual é o maior perigo de Chávez para o resto da América Latina?
Villa – Ele está armando seu Exército e sua população. Compra fuzis, caças e faz acordos com o Irã. Ninguém parece levar isso a sério. A diplomacia brasileira sabe disso e vai contornando a situação. Uma hora Chávez vai invadir a Guiana. Ele reivindica quase dois terços do território desse país. Para Chávez, a Guiana é uma aventura fácil. E quem vai defendê-la? O que a Guiana conta na América do Sul? Nada.

Veja – Chávez reagiu ao ataque colombiano às Farc no Equador com um discurso em defesa da soberania nacional. Ele invadiria a Guiana?
Villa – Chávez é um bufão. Ele construiu um personagem. É um militar de boina vermelha que se emociona, chora e canta em público. Em um momento é simpático. No minuto seguinte, aparece totalmente irado. O bufão é isso. Nunca se podem prever suas atitudes. Pode abraçar um crítico ou mandá-lo para a prisão. Suas atitudes não se regem pelo mundo racional. O bufão trabalha em outro universo.

Veja – Por que Chávez defende as Farc?
Villa – Seu objetivo é enfraquecer Álvaro Uribe. Chávez vê de forma simplista a conjuntura latino-americana. O mundo para ele se divide de uma maneira muito primária: os que estão com ele e os que estão com os Estados Unidos. Considera que o presidente da Colômbia é um agente imperialista na América do Sul. O combate às Farc tem sido uma das mais fortes bandeiras de Uribe.

Veja – É legítimo usar grupos armados ou políticos de outros países para causar instabilidade?
Villa – Há uma incompatibilidade em defender a soberania e apoiar materialmente um movimento terrorista em um país vizinho. No Brasil, tivemos uma história parecida. No governo de João Goulart, as Ligas Camponesas tinham meia dúzia de campos guerrilheiros e contavam com o apoio financeiro cubano. Quando se descobriram os campos, foi um escândalo. Vivíamos um regime democrático e o governo brasileiro manifestava-se contrário à expulsão de Cuba da OEA, enquanto Cuba violava a soberania brasileira apoiando um movimento guerrilheiro que rompia com a legalidade constitucional. A defesa da soberania só valia para os cubanos. Eu imaginava que essa prática de violação da soberania fosse página virada da história latino-americana. Ledo engano.

Veja – Chávez foi o grande pacificador do conflito entre Colômbia e Equador, como disse Lula?
Villa – Não há nenhum fato que comprove isso. Os documentos que estavam no computador do guerrilheiro Raúl Reyes ainda mostram que Chávez apoiava financeiramente as Farc e também recebia ajuda dos narcoterroristas. Isso não tem nada a ver com paz. Lula não tinha por que falar isso. Diz essas asneiras porque está em um momento especial. A economia vai muito bem, o que levou Lula a entender que ganhou um salvo-conduto para reescrever a história do Brasil. Discursou homenageando Severino Cavalcanti, que renunciou quando se comprovou que ele recebia um mensalinho de 10 000 reais para deixar um restaurante funcionando na Câmara dos Deputados. Dois dias depois, defendeu sua amizade com Renan Calheiros, que teve suas contas pessoais pagas por um lobista. Quando falou de Chávez, Lula disse que ele era um ex-guerrilheiro. Lula sabe que essas coisas não são verdade. Não é ingênuo e é bem assessorado. Mas fala como se fosse um iluminado. É um líder messiânico em plena campanha eleitoral. Os professores de história devem estar arrepiados.

Veja – Qual é a importância do Foro de São Paulo na condução da política externa brasileira?
Villa – O Foro de São Paulo é um clube da terceira idade. Basta ver as fotos. São senhores em idade provecta, como se dizia antigamente. São provectos também no sentido ideológico. Suas idéias pertencem ao passado. Não creio que tenham uma estratégia revolucionária para a América Latina tal como foi a Internacional Comunista. Durante o período da União Soviética, os partidos comunistas espalhados pelo mundo eram braços da política externa soviética. O Foro de São Paulo não tem esse poder. Sua maior influência se dá pela pessoa de Marco Aurélio Garcia, assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, que tem grande participação no Foro.

Veja – Qual é a relevância de Marco Aurélio Garcia nas relações externas?
Villa – Desde o início da República, não há registro de um assessor com tanto poder como ele. Garcia aparece nas fotos quase sempre atrás de Lula. Dá pronunciamentos em pé de igualdade com o ministro das Relações Exteriores ou o secretário-geral do Itamaraty. Marco Aurélio Garcia é considerado um grande acadêmico, um gênio, uma referência para qualquer estudo sobre relações internacionais na América Latina. Curioso é que não se conhece nenhuma nota de rodapé que ele tenha escrito sobre o tema. Fui procurar seu currículo na plataforma Lattes, do CNPq. Não há nada sobre ele. Marco Aurélio Garcia é o Pacheco das relações internacionais.

Veja – Quem é o Pacheco?
Villa – É um personagem de Eça de Queiroz que aparece no livro A Correspondência de Fradique Mendes. Pacheco era um sujeito tido como brilhante. No primeiro ano de Coimbra, as pessoas achavam estranho um estudante andar pela universidade carregando grossos volumes. No segundo ano, ele começou a ficar mais calvo e se sentava na primeira carteira. Começaram a achar que ele era muito inteligente, porque fazia uma cara muito pensativa durante as aulas e, vez por outra, folheava os tais volumes. No quarto ano, Portugal todo já sabia que havia um grande talento em Coimbra. Era o Pacheco. Virou deputado, ministro e primeiro-ministro. Quando morreu, a pátria toda chorou. Os jornalistas foram estudar sua biografia e viram que ele não tinha feito nada. Era uma fraude.

Veja – Que conseqüências a política externa do Brasil pode ter no futuro?
Villa – Pela primeira vez na história do país existe a possibilidade de a política externa tornar-se tema de eleição. Seria algo realmente inédito que, para acontecer, só depende de como Chávez vai agir nos próximos anos. As concessões dadas à Bolívia, os diversos acordos com Chávez e a recusa em classificar as Farc como um grupo terrorista estão provocando muita crítica dentro do Brasil e podem juntar-se em um único e potente tema central na próxima campanha presidencial.


Que fazer? (2)

Continuando a "ladainha":


1. Vale a pena ler a entrevista no "Veja.com" do Aldo Rebelo, especialmente quando fala sobre como a oposição sabotou (pelo adesismo à candidatura oficial) a possibilidade de uma chapa contrária a de Marco Maia;

2. A solicitação de Álvaro Dias (aposentadoria como ex-governador) é um desserviço à oposição neste início ano;

3. A oposição não entendeu que o novo governo já nasceu velho, carcomido. Hoje o assunto mais quente são as contas no exterior da famíglia Sarney. Nunca é demais lembrar que o chefe da famiglia é íntimo aliado do ex-presidente Lula, que o PT do Maranhão foi obrigado a apoiar na última eleição Roseana para o governo do estado e que o governo está sustentando mais uma vez a candidatura de Sarney para a presidência do Senado (além dele ter indicado dois ministros: Lobão e o Novais - este é aquele que realiza trabalho parlamentar no motel mais caro de São Luís).

Que fazer?

Até o momento, a oposição está sem nenhuma alternativa. Não conseguiu sequer estabelecer uma agenda mínima. O noticiário é dominado pela base governamental, que, de tão ampla, vai criar (como já está criando) muitos problemas. Falar em CPI, quando for o caso, é perda de tempo. O governo terá ampla maioria e os cargos de presidente e relator. Resta o trabalho de formiguinha, de embate tipo guerrilha, de participação ativa nos trabalhos parlamentares e ocupando espaço na imprensa. Pelo andar da carruagem, nem isso, (que é tão pouco) será realizado pela oposição. Resta aos eleitores cobrarem os parlamentares.


A política é dinâmica e a história é sempre surpreendente. Isto é o óbvio. Porém, este óbvio já se repetiu diversas vezes na história recente do Brasil.

Desinteresse e apatia.

A tragédia na região serrana do Rio é cada dia pior. Muitos distritos estão isolados. Os mortos já passaram de 700. relatos descrevem que muitos corpos foram retirados pelos moradores que escavavam a terra com as mãos. Mortos foram enterrados nos quintas das casas.


O poder público silenciou. A oposição está muda. O país finge que nada está acontecendo. É bem o retrato do Brasil contemporâneo.

Biblioteca Mário de Andrade (2)



A polêmica sobre a BMA continuou. Este artigo foi publicado na Folha a 9 de junho de 2004.


O futuro de uma biblioteca

MARCO ANTONIO VILLA

É típico do stalinismo responder uma interpelação com várias acusações. O diretor da Biblioteca Mário de Andrade (BMA) lembra o promotor Vishinski, dos célebres Processos de Moscou: acusa sem provas e deslegitima qualquer opinião ("Verdades a respeito da Mário de Andrade", pág. A3, 4/6). Não sou seu opositor, mas simplesmente um usuário da Mário de Andrade. A violência das respostas dos senhores da BMA é que causa estranheza. Ainda bem que vivemos numa democracia, caso contrário...
Creio que a desinformação do comissário, digo, do diretor da BMA sobre o cotidiano da biblioteca se deve à tripla função que exerce: na editora da Unesp, como professor no campus de Araraquara e na direção da biblioteca. Isso explica o fato de nunca ter me visto na Mário, assim como eu nunca o vi. Recordo que, nos meus livros, sempre fiz questão de agradecer o apoio dos funcionários da biblioteca.
Mas o que interessa não é esse desencontro. Estou denunciando a destruição de uma biblioteca, a maior da cidade, que desde 1993 está abandonada pelo poder público. Isso não tem nenhuma relação com o calendário eleitoral, como acusou o ex-secretário de Cultura Marco Aurélio Garcia e repetiu de forma obediente o diretor da BMA. Eleitoral é responder uma crítica à biblioteca citando os CEUs. O que têm a ver os CEUs com a Mário de Andrade?


É inexplicável financiar o Colégio de São Paulo. É essa a atividade-fim da Mário de Andrade?


Os números apresentados pelo diretor são fictícios. Triplicou o número de consulentes? Basta qualquer cidadão entrar na biblioteca e ver que ela está mais vazia do que o estádio do Canindé em jogos da Lusa. E os setores fechados? E o quase desaparecimento dos bibliotecários? Centro de referência? Como, se o acervo está totalmente desatualizado? Lembra Pedro Nava, em "O Galo das Trevas", e isso se aplica à BMA, "que -neste país de analfabetos formados e analfabetos mesmo-, em vez de ter um alto-falante na porta (da biblioteca) gritando -entrem para ler!-, possui pessoal impedindo, o mais possível, acesso ao seu acervo".
Se um consulente procurar no terminal os livros que constam do acervo, nada encontrará, pois o catálogo não foi informatizado. Se for usar o xerox, é comum encontrar o setor fechado, pois falta papel, toner ou a máquina pode estar quebrada. Se precisar do setor de microfilmes, encontrará a mesma situação de abandono. Caso necessite de um periódico, é rotineiro encontrar o material semidestruído, sem nenhuma conservação. Isso quando o consulente recebe o material, pois o setor não tem funcionários suficientes para sequer transportar o material até a sala de consulta. Caso resolva buscar um livro publicado em 1995, por exemplo, também não encontrará. É compreensível que o diretor da Mário de Andrade ou o ex-secretário da Cultura não tenham passado por isso: afinal, não são pesquisadores.
O setor de livros raros foi esquecido. Hoje, pesquisadores brasileiros ou estrangeiros não têm mais acesso ao rico acervo. Ele está fechado, ou, como prefere a direção, o acesso foi restringido. Pode ser que, depois destas denúncias, volte a abrir -o que seria uma excelente notícia. Mas passou despercebido que os ladrões que roubaram o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, também assaltaram a Mário de Andrade. Quantos livros roubaram? Quais? A administração foi omissa? Foi aberto algum inquérito? Em caso positivo, qual foi a conclusão? Nada sabemos.
Em meio à enorme carência de recursos, é inexplicável financiar o Colégio de São Paulo. É essa a atividade-fim da BMA? Evidente que não. Mas acaba servindo para ampliar as bases políticas do diretor: sabemos como a intelectualidade nativa adora uma benesse, por menor que seja. Não causará estranheza que um desses beneficiados apóie entusiasticamente o diretor, louvando a sua administração e até o seu tino acadêmico. Mas isso não mudará em nada a situação de penúria da biblioteca.
Em face de tudo isso, cabe a apresentação de propostas. A primeira é a contratação de funcionários. A segunda é a ampliação das instalações. A terceira é a atualização do acervo (por que não propor à Câmara Municipal um projeto de lei prevendo o depósito legal na BMA dos livros editados em São Paulo? Isso certamente não resolve o problema, mas dá início ao processo de atualização bibliográfica). A quarta é a preservação urgente do acervo. A quinta é a divulgação das fontes lá existentes. A sexta é a criação de um setor de doações -quantas famílias não tem um enorme acervo que poderiam doar para a Mário? Bastava selecionar as obras mais significativas, enquanto outras seriam encaminhadas às bibliotecas distritais.
Parte dessas propostas envolve pequeno investimento, mas necessita de iniciativa, de uma política cultural que não temos. Porém a direção insiste nas suas promessas: "No ano que vem...". Como no ano que vem? O término da reforma, que nem sequer começou, não era em 2003? O lamentável de todo esse episódio é que os donos da Mário, em vez de ficarem satisfeitos com a discussão sobre os destinos da biblioteca através da Folha -o que não é pouco-, responderam atacando e injuriando. Perderam uma excelente oportunidade para democratizar o debate sobre uma biblioteca tão importante no passado recente da nossa cidade.


Velhos problemas

Dezoito dias de governo e o panorama é o mesmo que o do ano passado. Ou até pior. Dilma faz o tipo de presidente oculta. Quer mostrar que está trabalhando. Não parece. O descaso das autoridades com a tragédia no Rio é uma mostra. Ela imaginou que bastava uma visita meteórica à área afetada (que não é pequena) que tudo iria ser resolvido. Errado. os ministros da Integração Nacional e das Cidades deveriam estar lá acompanhando in loco e já pensando no que é mais urgente fazer para evitar (ou diminuir) os efeitos de novas tragédias.


O PMDB está sendo acusado de corrupção na Funasa. Novidade?

A oposição está sumida. Aécio, claro, só podia ser ele, disse que a oposição tem de ser patriótica! Lembrou o general Geisel que dizia que a oposição deveria ser construtiva, responsável.

Os 44 milhões de oposicionistas são mera ficção para o maior partido da oposição. Não existem. Ou estão contentes com o governo e votaram por engano no Serra.

Biblioteca Mário de Andrade


A BMA vai reabrir dia 25 de janeiro. É a maior biblioteca de São Paulo. Em 2004 iniciei o processo de discussão pública da importância da BMA para a cultura brasileira. Era necessário uma reforma urgente. Escrevi este artigo na Folha (2 de junho de 2004) e que acabou originando uma enorme polêmica. Respondi, dias depois, com outro artigo às críticas do então diretor da BMA e de um abaixo-assinado de pseudos-intelectuais, que não frequentavam a BMA e por puro oportunismo tentaram (mas não conseguiram) desqualificar as críticas. Segue o artigo:

A destruição de uma biblioteca.

No século 7, a célebre biblioteca de Alexandria sucumbiu definitivamente após mais um incêndio. Em São Paulo, a Biblioteca Mário de Andrade não precisou de nenhum conquistador para ser destruída: bastaram os últimos dois prefeitos e a gestão de Marta Suplicy.

Hoje, a Mário de Andrade vive o momento mais grave de sua história. Abandonada pelo poder público municipal, está à mingua, sem funcionários para os serviços essenciais, raros bibliotecários -pois grande parte se aposentou nos últimos anos- e com o prédio em situação precária. A única intervenção do governo municipal foi a realização de uma pequena obra na praça Dom José Gaspar, meramente decorativa -tanto que o monumento em homenagem ao poeta simbolista Cruz e Souza, destruído desde 2002, continua jogado no jardim que cerca a praça.

Porém o prédio que reúne o acervo de mais de 300 mil livros -grande parte doada, apesar de hoje não existir nenhum setor para receber bibliotecas- continuou intocado.

A crise da biblioteca vem desde a gestão Paulo Maluf. Depois de uma grande reforma no final do governo Luiza Erundina, o prédio foi reinaugurado às pressas, no final de 1992, pouco antes da eleição municipal. Para Maluf, nunca uma biblioteca foi prioridade, muito menos a Mário de Andrade. Durante sua administração foram transferidos para lá muitos funcionários da Secretaria da Saúde que não aderiram ao PAS. De uma hora para outra, atendentes, auxiliares de enfermaria, funcionários burocráticos dos hospitais foram transferidos para um ambiente distinto: em vez dos doentes, tinham de cuidar dos livros.

Os serviços da biblioteca continuaram funcionando precariamente e não foi comprado sequer um livro para o acervo. Nos quatro anos seguintes, os problemas foram se agravando: o acervo continuava desatualizado e necessitando de conservação, os equipamentos estavam deteriorados, as vagas dos aposentados não foram preenchidas, o prédio, devido à pressa na entrega da reforma, apresentava graves problemas hidráulicos e elétricos.

Esperava-se que, na administração do PT, tudo fosse mudar. Doce ilusão. Um dos primeiros atos do então secretário da Cultura, Marco Aurélio Garcia, por incrível que pareça, foi a proposta de fechar a biblioteca, o que não ocorreu graças à mobilização dos funcionários, que realizaram um "abraço ao prédio". Acreditava-se que tudo não tivesse passado de um engano do secretário, que desconhecia a riqueza do acervo da biblioteca, por não ser um consulente daquele espaço. Mas, se não havia recursos para manter a biblioteca, havia para fundar o Colégio de São Paulo, à semelhança do Colégio de França, criado por Francisco 1º, tendo como local a própria biblioteca.

Puro marketing para imortalizar a prefeita como uma protetora das artes, uma Catarina 2ª tupiniquim, infelizmente sem um Diderot.

Contudo a atividade-fim da biblioteca, o atendimento dos consulentes, foi, apesar dos esforços dos funcionários, piorando a cada dia, pela absoluta falta de recursos. Em 2004, a situação chegou a um ponto intolerável. O setor de cabines, reservado aos pesquisadores, que funcionava sofregamente, foi simplesmente fechado. Logo em seguida mais uma péssima notícia: o setor de livros raros, que só abria no período da tarde, também foi fechado. Para quem não conhece, o setor de raros tem um importante acervo e, dependendo da área, é indispensável para inúmeros pesquisadores nacionais e estrangeiros.

Mas a lista de problemas continua: as máquinas leitoras de microfilmes vivem quebradas; quando funcionam não podem tirar cópias, pois falta papel ou falta toner. O acervo até hoje não foi informatizado e nem sequer existem banheiros abertos para o público em quantidade suficiente. Devido à ausência generalizada de funcionários, o horário de todos os setores que ainda funcionam deve ser reduzido, indo na contramão das políticas de bibliotecas em todo o mundo, que cada vez mais ampliam os horários de atendimento: algumas ficam abertas 24 horas. E, pior, nos três anos e meio de gestão do PT não foi comprado nem um mísero livro, o que iguala a triste marca cultural da dupla Maluf-Pitta.

Diante desse quadro, é natural que os pesquisadores tenham abandonando a biblioteca. A solução foi buscar outro local, em São Paulo ou em outro Estado -especialmente a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Todavia é inexplicável o silêncio complacente de todos aqueles que utilizaram os serviços da biblioteca e que agora assistem calados à sua destruição. Uma política emergencial de conservação e ampliação do acervo, de recebimento de doações de livros e revistas, de unificação do acervo -pois parte está em Santo Amaro-, de reposição de funcionários e pleno funcionamento de todos os setores da biblioteca antecede qualquer programa de reforma, por mais importante que seja. E mais: a Mário de Andrade tem de voltar a ser uma biblioteca de referência e de visitação pública.