Saudades do barão
Publiquei este artigo na "Folha de S. Paulo" em 4 de outubro de 2009:
"Viver de província"
Publiquei este artigo na "Folha de S. Paulo" em 7 de janeiro de 2009:
Uma história marcada pela subserviência
Publiquei este artigo no Estadão em 26 de agosto de 2007:
A crise política e o Judiciário
Publiquei este artigo na "Folha de S. Paulo" de 13 de junho de 2007:
Ataques nunca dantes desfechados
Publiquei este artigo no Estadão em 15 de fevereiro de 2009:
Blog do Planalto
No último domingo, os 3 maiores jornais do país produziram cadernos especiais. O mais crítico em relação ao governo Lula foi "O Globo". O caderno está disponível em www.oglobo.com.br
O blog do Planalto, blog "oficial" do governo, respondeu ontem (blog.planalto.gov.br).
Quando a administração pública vira espetáculo
Geddel e o sagrado direito à preguiça
Paul Lafargue, genro de Karl Marx, publicou em 1880 o célebre O Direito à Preguiça. O livro trata da luta dos trabalhadores por oito horas de trabalho, oito horas de descanso e oito horas de lazer, bandeira histórica do movimento operário no século 19. Porém, no governo do presidente Lula, alguns ministros dão a impressão de ter somente lido o título do livro de Lafargue. Um deles é o deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA).
Tomou posse no dia 16 de março de 2007 no Ministério da Integração Nacional, pasta responsável pelo acompanhamento dos graves problemas do semi-árido nordestino que, no momento, tenta viabilizar a discutível transposição de parte das águas do Rio São Francisco. No discurso de posse disse que “a mim jamais faltou coragem e força de trabalho para encontrar soluções (para os problemas) e superá-los”. Enfático, o ministro fez questão de citar Miguel de Cervantes e Raul Seixas, Fernando Pessoa e Gilberto Gil. Estranhas citações.
Mas a vontade de trabalhar acabou só ficando no discurso. Pena. Se a posse foi numa sexta-feira, o primeiro dia de trabalho ocorreu somente na terça-feira. E para não ficar cansado, a agenda ministerial só identifica uma atividade, às 9 horas da manhã. No dia seguinte, certamente mais animado, teve três audiências pela manhã, depois um intervalo de cinco horas e, às 18 horas, outra audiência. Na quinta-feira (dia 22) teve três atividades. Sumiu por uma semana, até o dia 29. Trabalhou uma hora e meia pela manhã, parou três horas para o almoço e reservou uma hora para duas audiências. E foi tudo. Ou seja, em 15 dias do mês de março - do dia 16 ao dia 31 - apareceu quatro vezes no ministério, em um total aproximado de nove horas de trabalho.
O otimismo nacional faz com que todos nós imaginemos que o ministro Geddel estava pouco habituado ao trabalho ministerial e, no mês seguinte, iria finalmente assumir o ministério. Ledo engano. Só apareceu duas vezes no ministério. Duas. No dia 11 despachou das 9 às 12 horas. Almoçou e às 14 horas deu mais uma audiência e depois foi embora. No dia seguinte chegou às 15 horas, deu duas audiências e antes das 18 horas já estava na rua. Portanto, em 30 dias, apareceu somente 2, dos quais trabalhou, no máximo, 7 horas. Em maio, a agenda identifica a primeira atividade no dia 22! Isso mesmo: nas primeiras três semanas o ministro esteve ausente. No dia 22 permaneceu duas horas e meia despachando. Interrompeu o trabalho às 12 horas, voltou as 15h30 e trabalhou mais uma hora e meia. No dia 23 o ritmo foi idêntico. Aí Geddel desapareceu de novo: ressurgiu no ministério uma semana depois, no dia 30 - e só teve um despacho, às 14 horas.
Em junho só trabalhou entre os dias 11 a 16, isso mesmo, 6 dias, e o mês tem 30! Fez uma viagem pelo Rio São Francisco, claro que começando em Belo Horizonte e terminando em Salvador, onde mora. Em julho resolveu diminuir a carga de trabalho. Apareceu no ministério três dias (9, 10 e 31) em um total de seis horas. Preocupado, escrevi para o ministério e fui informado que o ministro estava em férias. Não entendi. Ou melhor, entendi. É uma espécie de padrão de governo: o ministro Mangabeira Unger assumiu a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, em junho, e imediatamente tirou duas semanas de férias, fato absolutamente insólito. A SPLP é tão de longo prazo que o site da secretaria até hoje não existe, mas cem cargos de assessores especiais foram criados e imediatamente ocupados.
Sem alongar estes dados, o preocupante é que Ministério da Integração Nacional esteja sem ocupante efetivo. E isso em um momento que a seca se espalha pelo Nordeste. Segundo dados da Secretaria de Defesa Civil, em estado de emergência e de calamidade pública estão 542 municípios. A trágica liderança está com a Paraíba, com 145 municípios, seguida de perto pelo Ceará, com 130, e o Rio Grande do Norte, com 94. A burocracia para que o governo reconheça o estado de emergência é complexa e a vigência é de apenas 90 dias. Muitos prefeitos têm enorme dificuldade para renovar o pedido.
Em vários municípios a agricultura está destruída e a pecuária resiste com dificuldade. Não há efetivamente atividade produtiva em grande parte do semi-árido. A população sobrevive da aposentadoria rural e do Bolsa-Família. Não há sequer água para o consumo doméstico. O governo não se interessou em apoiar o projeto de 1 milhão de cisternas, organizado pelas ONGs que atuam na região. Lula divulgou em 2005, como se fosse uma grande vitória, que o governo tinha feito uma parceria com a Febraban para construir 25 mil cisternas. As cisternas reservam água da chuva para consumo doméstico de uma família. Hoje, a população tem de comprar água - algumas gastam R$ 25 só para ter o mínimo para consumo humano.
Não há nenhuma atuação organizada do governo federal que articule os diversos órgãos públicos que atuam na região. O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) está sem atividade desde o final do século passado (foi criado em 1909). Contudo, pelo edital 16/2007, contratou um motorista, por um ano, para servir o escritório de Brasília por R$ 50 mil. Para que um escritório no Distrito Federal? Já a Sudene, por incrível que pareça, foi recriada pelo presidente Lula, como se ainda vivêssemos em plena década de 50. Continua sem nenhuma função executiva, porém pagando centenas de funcionários (o link tratando da questão não é sequer atualizado desde 2003). O Banco do Nordeste (que foi fundado em 1952) desenvolve diversas atividades que nada têm a ver com os objetivos para o qual foi criado. Hoje patrocina a edição de livros, shows, revistas e prêmios para concursos de jornalistas, como se o sertão vivesse em um mar de rosas. Em 2005, todos se lembram, o banco esteve envolvido no tristemente célebre episódio dos dólares na cueca (que até hoje não foi devidamente esclarecido).
Além dos órgãos citados tem de ser lembrado o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, Embrapa, Chesf, Codevasf, etc. Vê-se que não falta presença do Estado ou recursos. Faltam projetos. Falta vontade de transformar a região, libertando o Nordeste da oligarquia (independente da coloração política) que apresa, que controla em proveito próprio a presença do Estado na região.
Geddel é omisso, ausente e pouco afeito ao trabalho: a agenda do ministro (disponível na internet) é prova irrefutável. Mas, além da agenda, o mais importante é que o governo não tem um projeto para a região. A presença efetiva da União é condição indispensável para a mudança. E, infelizmente, a oposição não fica atrás: não tem a mínima idéia do que fazer. E ao sertanejo só resta pedir socorro. Nem migrar resolve mais sua situação. Os tempos da expansão econômica no sul - ou da Amazônia - são parte da história.
Este artigo foi publicado no jornal "O Estado de S. Paulo" em setembro de 2007, quando Geddel Vieira Lima era ministro da Integração Nacional.
Oligarquia e miséria
Dilma Pitta?
O ministério divulgado até hoje (sexta) é péssimo. Falam que alguns políticos tem cota. Sarney, só ele, emplacou 2. Temer também tem cota: emplacou Moreira Franco (que Brizola chamava de gato angorá). O nível é baixo. 2011 vai ser um ano economicamente difícil (Paulo Bernardo "descobriu" que errou a receita somente em 12 bilhões). Este ministério não segura uma onda contrária. Teremos emoções. Como sempre, o problema é a oposição. Sem brio, pegada ou idéias. Sem nada. Como já escrevi, a oposição vai esperar iniciar o ano legislativo para começar a articular. Sequer fez um balanço crítico da campanha.
Mais ministério
Ainda sobre o ministério Dilma:
1. Como esperado, Mantega deu um passo para trás;
2. E o 1/3 de mulheres no ministério? Até agora, somente uma. Como são 37 ministros, no mínimo serão nomeadas 12 mulheres;
3. Somente Sarney emplacou 2 ministros;
4. O nível dos indicados é muito ruim;
5. E Dilma continua em silêncio.
Não quer sair
Lula disse que será difícil desencarnar do cargo. Tem toda razão. Hoje bateu de frente com Dilma e Mantega. Disse que não vai ter cortes nos investimentos. Sabe que é mentira, que o orçamento tem receitas infladas e despesas subavaliadas. Parece algo de pouca importância. Não é. Lula quer deixar bem claro que ele será uma espécie de conselheiro maior de Dilma, que nemhuma decisão importante será tomada sem seu conhecimento. Bobagem. Dilma precisa ter vida própria até para poder errar. E abrir caminho para o seu retorno, em 2014. Se ele desde já vai querer marcar homem-a-homem, vai se dar mal. Vamos aguradar a resposta de Mantega (de Dilma não dá para esperar nenhuma declaração, pois está mais reclusa do que as carmelitas).
Oposição
Até agora - e tudo indica que não vai ocorrer - a oposição não fez um balanço da campanha. Não identificou os erros e acertos. Não fez aquilo que se faz em qualquer país democrático após uma eleição. Evita o balanço como receio de reabrir feridas. Acha melhor não tocar nos problemas, como se isso solucionasse as divergências políticas. E traçar uma estratégia para o ano que vem? É exigir muito.
O ministério
É incrível a interferência de Lula na formação do ministério de Dilma. Impôs os ministros da Casa e aqueles titulares dos principais ministérios (Fazenda, Educação, Relações Exteriores). A barganha com os partidos da base continua mas o importante são as determinações de Lula. Ele está se cercando de todas as garantias para evitar que Dilma faça um governo desastroso. Claro que o grande péssimo exemplo é o de Celso Pitta.
A presidenta sumiu. Não dá declarações. Faz mal, muito mal. Poderia de pouco em pouco ir mostrando seu estilo de governar. Uma transmissão abrupta de mando, a 1 de janeiro, vai acentuar ainda mais as diferenças. Dilma está começando mal.
Ministério da Dilma
A presidente do presidente continua nomeando os mesmos. Até agora (com uma exceção) foi simplesmente uma troca de cadeiras, quando muito. Nem na República Velha um presidente se imiscuiu tanto no governo do outro, como Lula no governo da Dilma. Ela, obedientemente, aceitou tudo. Vamos ver até quando isto vai durar. Quando começar o governo e vier a primeira crise.....
Sobre o Rio (3)
1. Logo vão lançar o Beltrame para algum cargo;
2. O incrível é que as "mansões" do tráfico tenham sido construídas e ninguém tenha visto;
3. As possíveis violações dos direitos humanos (de acordo com algumas denúncias) poderiam ser enfrentadas rapidamente caso lá estivessem a OAB, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, a comissão da mesma área do Congresso Nacional e do Legislativo fluminense;
4. E os chefes até agora não foram presos;
5. Vamos ver quanto tempo vai durar a ocupação militar dos morros;
6. E Lula ainda não apareceu no Rio.
Continuísmo
Pela formação do ministério apresentada até o momento, o governo Dilma não será simplesmente de continuidade administrativa em relação à presidência Lula. É continuísmo mesmo, sem disfarce. É o mais do mesmo, como nunca na história deste país.
As "sugestões" de Lula soam como imposições. Algo como: "você só foi eleita por minha causa. Portanto tem de aceitar as minhas ordens." A última, a de Fernando Haddad, imposição pública - que ele fez questão de deixar bem explícita - deve ter deixado até a Dilma meio envergonhada.
Alguns vão logo dizer que é um meio de evitar que a Dilma seja um Pitta do século XXI. Seria mais uma esperteza do Lula. Com ministros da sua confiança (e não necessariamente da presidente eleita) ele estaria garantido frente a um possível desgoverno de Dilma. Ou seja, os ministros iriam segurar o barco, impedindo que afunde. A pergunta é: até quando Dilma vai obedecer?
Sobre o Rio (2)
A oposição continua a mesma: não existe. Isto após receber "somente" 44 milhões de votos.
Poderia, sobre a crise no Rio, lembrar que:
1. defendeu a criação do Ministério da Segurança;
2. a Dilma disse que o "modelo" do Rio era tão bom que deveria ser um exemplo para o Brasil;
3. mostrar que o governo Lula ignorou o problema durante 8 anos.
4. Lula preferiu construir um bondinho ao invés de defender (e criar condições) para expulsar o tráfico dos morros;
5. apoiar as operações e criticar o governo não é oportunismo ou "faturar" com a tragédia. É fazer política.
6. a oposição poderia aproveitar o momento e apresentar as suas propostas para a área da segurança.
Sobre o Rio
Muitas questões estão no ar.
1. Onde está o presidente Lula? Em 8 anos de governo, nunca foi a uma zona de conflito, enchente ou algum outro tipo de tragédia. Só vai "numa boa", onde não pode ser questionado;
2. Onde está Dilma? Não pode sequer fazer uma visitar protocolar ao Rio? As UPPs não eram um modêlo para TODO o Brasil?
3. Já começaram as comparações: a mais ridícula é associar o Complexo do Alemão/favelas da Penha ao episódio de Canudos. nada mais falso;
4. E o governador (que sempre está viajando - preferencialmente para o exterior) Ségio Cabral?
5. E o ministro da Defesa, que sempre gosta de posar vestido com uniforme de oficial do Exército? Para onde foi?
6. Vamos ver quanto tempo vai durar a ocupação. Para obter resultados são necessários muitos meses. Mas tem o custo político.
7. Logo vão botar a culpa no capitalismo e no imperialismo;
8. E as ONGs?
9. E os políticos, tão fortes nestas comunidades?
10. Logo vai ocorrer um crime na Zona Sul que vai dar manchete. O "elemento" que cometeu o crime deve ser alguém vinculado ao tráfico. Aí surgiram os analistas que vão dizer que era melhor deixar o pessoal lá no morro, etc, etc.
Falácias sobre a luta armada na ditadura
Este texto foi publicado na Folha de S. Paulo em 19 de maio de 2008.
Acabou criando uma enorme polêmica:A LUTA armada, de tempos em tempos, reaparece no noticiário. Nos últimos anos, foi se consolidando uma versão da história de que os guerrilheiros combateram a ditadura em defesa da liberdade. Os militares teriam voltado para os quartéis graças às suas heróicas ações. Em um país sem memória, é muito fácil reescrever a história. É urgente enfrentarmos essa falácia. A luta armada não passou de ações isoladas de assaltos a bancos, seqüestros, ataques a instalações militares e só. Apoio popular? Nenhum. O regime militar acabou por outras razões.
Argumentam que não havia outro meio de resistir à ditadura, a não ser pela força. Mais um grave equívoco: muitos dos grupos existiam antes de 1964 e outros foram criados logo depois, quando ainda havia espaço democrático (basta ver a ampla atividade cultural de 1964-1968). Ou seja, a opção pela luta armada, o desprezo pela luta política e pela participação no sistema político e a simpatia pelo foquismo guevarista antecedem o AI-5 (dezembro de 1968), quando, de fato, houve o fechamento do regime.
O terrorismo desses pequenos grupos deu munição (sem trocadilho) para o terrorismo de Estado e acabou usado pela extrema-direita como pretexto para justificar o injustificável: a barbárie repressiva.
Todos os grupos de luta armada defendiam a ditadura do proletariado. As eventuais menções à democracia estavam ligadas à "fase burguesa da revolução". Uma espécie de caminho penoso, uma concessão momentânea rumo à ditadura de partido único.
Conceder-lhes o estatuto histórico de principais responsáveis pela derrocada do regime militar é um absurdo. A luta pela democracia foi travada nos bairros pelos movimentos populares, na defesa da anistia, no movimento estudantil e nos sindicatos. Teve na Igreja Católica um importante aliado, assim como entre os intelectuais, que protestaram contra a censura. E o MDB, nada fez? E seus militantes e parlamentares que foram perseguidos? E os cassados?
Quem contribuiu mais para a restauração da democracia: o articulador de um ato terrorista ou o deputado federal emedebista Lisâneas Maciel, defensor dos direitos humanos, que acabou sendo cassado pelo regime militar em 1976? A ação do MDB, especialmente dos parlamentares da "ala autêntica", precisa ser relembrada. Não foi nada fácil ser oposição nas eleições na década de 1970.
Os militantes dos grupos de luta armada construíram um discurso eficaz. Quem questiona é tachado de adepto da ditadura. Assim, ficam protegidos de qualquer crítica e evitam o que tanto temem: o debate, a divergência, a pluralidade, enfim, a democracia. Mais: transformam a discussão política em questão pessoal, como se a discordância fosse uma espécie de desconsideração dos sofrimentos da prisão. Não há relação entre uma coisa e outra: criticar a luta armada não legitima o terrorismo de Estado.
Precisamos romper o círculo de ferro construído, ainda em 1964, pelos inimigos da democracia, tanto à esquerda como à direita. Não podemos ser reféns, historicamente falando, daqueles que transformaram o adversário, em inimigo; o espaço da política, em espaço de guerra.
Um bom caminho para o país seria a abertura dos arquivos do regime militar. Dessa forma, tanto a ação contrária ao regime como a dos "defensores da ordem" poderiam ser estudadas, debatidas e analisadas. Parece, porém, que o governo não quer. Optou por uma espécie de "cala-boca" financeiro. Rentável, é verdade.
Injusto, também é verdade. Tanto pelo pagamento de indenizações milionárias a privilegiados como pelo abandono de centenas de perseguidos que até hoje não receberam nenhuma compensação. É fundamental não só rever as indenizações já aprovadas como estabelecer critérios rigorosos para os próximos processos. Enfim, precisamos romper os tabus construídos nas últimas quatro décadas: criticar a luta armada não é apoiar a tortura, assim como atacar a selvagem repressão do regime militar não é defender o terrorismo.O pagamento das indenizações não pode servir como cortina de fumaça para encobrir a história do Brasil. Por que o governo teme a abertura dos arquivos? Abrir os arquivos não significa revanchismo ou coisa que o valha.
O desinteresse do governo pelo tema é tão grande que nem sequer sabe onde estão os arquivos das Forças Armadas e dos órgãos civis de repressão.
Mantê-los fechados só aumenta os boatos e as versões fantasiosas.
A crise política e o coronelismo
Este artigo foi publicado na Folha de S. Paulo em 4 de outubro de 2005. Era a época do mensalão. Acabou gerando uma polêmica com a família Sarney. Zequinha fez um pronunciamento na Câmara atacando o autor do artigo. Os jornais, rádios e TVs da família, lá no Maranhão, também foram usados para atacar o autor e defender o "legado" dos Sarneys:
A República vive a crise política mais grave dos últimos 40 anos. Se a crise tem múltiplas facetas, uma delas se deve à permanência no Congresso Nacional do lobby coronelístico. O poder dos oligarcas mantém a República "sub judice". Levou à formação de uma estrutura estatal petrificada, imune às mudanças, imobilizando os governos e fraudando a vontade dos eleitores. Como comandam politicamente boa parte do Congresso Nacional, entra governo, sai governo, e os oligarcas continuam dando as cartas.
Um caso exemplar de oligarquia com destacada presença nacional é o da família Sarney, no Estado do Maranhão. Neste mês, completam-se 40 anos da eleição de José Sarney para o governo estadual. O jovem governador, então com 35 anos de idade, representava a modernidade; contudo acabou criando uma máquina política tão eficaz que permitiu se manter por quatro decênios no poder do seu Estado -no sentido mais lato da expressão. Desde então, nenhum governador foi eleito sem que tivesse o "nihil obstat" de José Ribamar Costa. E se, no exercício do cargo, o governador eleito rompe com o padrinho, na próxima eleição a família Sarney retoma o controle político.
Domínio tão longevo é caso único na história brasileira. Diversamente de outros oligarcas, os Sarneys são politicamente plurais. O pai é peemedebista, a filha é pefelista e o filho é verde. Se os filhos são eleitos pelo Maranhão, o pai é representante do Amapá, apesar de não ter domicílio naquele Estado. Se, na esfera federal, o clã representa o papel de defensor das instituições democráticas, na província exerce o poder total, avassalador, sem ceder o menor espaço à oposição, no estilo dos mandões locais. Na definição de Euclides da Cunha, são "os senhores do baraço e cutelo".
O historiador francês Lucien Febvre escreveu o clássico "O Problema da Descrença no Século 16: a Religião de Rabelais". Analisou cuidadosamente o domínio ideológico da Igreja Católica na Europa Ocidental: "O nascimento, a morte. Entre esses dois limites, tudo o que o homem realiza, vivendo normalmente, fica com a marca da religião". Se Febvre vivesse no Maranhão, substituiria a religião pela família Sarney.
O maranhense, desde o nascimento, toma conhecimento da existência deles. Em São Luís, a capital, há a maternidade Marly Sarney. Para residir, pode escolher os bairros Sarney, Roseana Sarney, Dona Kiola (mãe de Sarney) ou Sarney Filho. Quando for entrar na escola, pode escolher os colégios Roseana Sarney, Marly Sarney, José Sarney, Sarney Neto ou Fernando Sarney. Para realizar um trabalho escolar, irá procurar a biblioteca José Sarney e, se quiser alguma informação sobre as contas públicas, pode se dirigir à sede do Tribunal de Contas Roseana Sarney Murad. Nas férias, caso queira conhecer outra cidade do Estado, pode se encaminhar à rodoviária Kiola Sarney, seguindo, é claro, pela avenida José Sarney. Ao tomar um ônibus para sair da bela ilha de São Luís, tem de atravessar a ponte José Sarney.
Ele pode visitar, no interior do Estado, o município de Presidente Sarney, de pouco mais de 13 mil habitantes, segundo o IBGE. A cidade é um bom e triste exemplo do domínio oligárquico: 5% dos domicílios têm esgoto sanitário e 0,6%, água encanada; 38% dos habitantes acima de 15 anos são analfabetos (no Brasil, são 13%). O rendimento médio da população é de R$ 159. No ranking do IDH dos municípios brasileiros, a cidade está em 5.268º lugar.
Nestes 40 anos, o Maranhão, que já era um Estado pobre em 1965, transformou-se na vanguarda do atraso. Dos Estados brasileiros, é o que tem os piores indicadores sociais. Vivem abaixo da linha da pobreza dois terços da população. Todavia, se os recursos são escassos para a educação, saúde ou o saneamento básico, são fartos quando pagam obras não realizadas, como a estrada ligando os municípios de Arame a Paulo Ramos. Os 133 quilômetros nunca saíram do papel, mas o pagamento foi efetuado. As "construtoras" receberam US$ 33 milhões, apesar dos insistentes protestos da oposição local. Com certeza, a estrada mereceria um romance que poderia ser escrito por algum acadêmico local, seguindo o realismo fantástico de Gabriel Garcia Márquez.
Romper o poder coronelístico por dentro, ou seja, na própria província, é tarefa quase impossível. Os coronéis controlam o Estado e seus braços repressivos. As apurações das eleições são, no mínimo, duvidosas. Apelar para o Poder Judiciário? Parentes dominam a Justiça. Optar pelos meios de comunicação? No Maranhão, os Sarneys têm a concessão -direta ou indireta- de mais de duas dúzias de emissoras de rádio e TV, além de vários jornais.
A única saída é destruir a fonte do seu poder: as relações privilegiadas que o clã mantém com a União. É de lá que emanam os recursos e o poder que permitem segregar da cidadania milhões de brasileiros. O fim do coronelismo é uma espécie de etapa necessária da nossa revolução burguesa, pois poderemos ter um Congresso Nacional mais representativo e relações efetivamente republicanas entre o governo da União e os Estados federados.
O caso do PanAmericano
O banco do SS faliu. A CEF perdeu 300 milhões. Ninguém informou o destino do dinheiro desviado. Até o momento não se sabe o valor do rombo. Não foi informado como o BC e as auditoriais não "notaram" o desaparecimento de 2,5 bilhões de reais. mesmo assim, com tudo isso, o assunto só não caiu no esquecimento porque a imprensa continua comentando (e cada vez dando menos espaço). A oposição abdicou do tema sem sequer insistir em algum tipo de providência, investigação ou denúncia. É provável que esteja já pensando nas festas de final de ano.
Tudo indica que a oposição vai repetir no governo Dilma o mesmo desempenho dos últimos 8 anos.
As batalhas do PMDB
O PMDB vai testar Dilma todo santo dia. O episódio do blocão é só o primeiro. Segundo os jornais, Dilma disse que não vai interferir na eleição da Câmara. Isto significa que o PMDB fará o presidente da Casa. Sem o apoio do Planalto, Vacarezza não será eleito nem suplente do terceiro secretário.
No quadro atual, o PMDB fará os presidentes das duas Casas (como na atual legislatura).
PMDB será pedra no sapato da presidente
Publiquei hoje na Folha de S. Paulo:
A divisão do partido também está presente no Congresso. Lá, há o PMDB da Câmara e o do Senado.
PMDB será pedra no sapato da presidente
Publiquei hoje na Folha de S. Paulo:
A divisão do partido também está presente no Congresso. Lá, há o PMDB da Câmara e o do Senado.
Saudades do barão
Este artigo foi publicado na Folha de S. Paulo em 4 de outubro de 2009. Ontem, o governo brasileiro se absteve na ONU. A votação era uma condenação ao Irã pelo apedrejamento de mulheres. Em mais de um ano, nada mudou na antiga casa de Rio Branco:
AS TRAPALHADAS na condução da crise de Honduras sintetizam de forma cristalina a ação do Itamaraty nos últimos sete anos. É um misto de voluntarismo com irresponsabilidade. Algumas vezes, Celso Amorim mais parece um líder estudantil do que ministro das Relações Exteriores.
O Brasil não tem nenhuma vinculação histórica com a América Central.Contudo, o governo brasileiro insistiu em ter participação direta na crise hondurenha. Queria demonstrar liderança regional numa área historicamente de influência norte-americana.
Como uma espécie de recado do "cara" para Barack Obama, comunicando que o Brasil era a nova potência da região. Potência sem "marines", mas com muita retórica e bazófia.
Claro que tinha tudo para dar errado, como se, em um filme de faroeste, John Wayne fosse substituído por Oscarito.
A aventura alcançou o ápice quando Zelaya chegou à embaixada brasileira. Minutos depois, recebeu a adesão de centenas de seguidores. Logo o local virou um acampamento. A tradição latino-americana se impôs. Muitos discursos, acusações, traições e atos de valentia sem nenhuma consequência prática. E tudo isso na embaixada brasileira, território nacional.
Quando o governo hondurenho cercou o prédio, o ato foi considerado autoritário. Imagine o que faria Fidel Castro se um líder anticastrista entrasse na embaixada brasileira em Havana e de lá insuflasse a população cubana à rebelião...
Celso Amorim declarou diversas vezes que lá em Honduras estava sendo jogada a sorte da democracia na América. Não era possível transigir com princípios democráticos e legais.
Era necessário não retroceder.
Estranhamente, essa determinação não é aplicada na América do Sul.
Mais ainda quando nossos vizinhos agem deliberadamente contra os interesses brasileiros, violando tratados, leis e contratos.
Tivemos o caso das refinarias da Petrobras na Bolívia, que foram tomadas abusivamente pelo governo local. Tivemos a insistência paraguaia impondo a revisão do tratado de Itaipu 15 anos antes do seu término. Tivemos as sucessivas violações do tratado do Mercosul realizadas pela Argentina e as abusivas medidas adotadas pelo governo equatoriano contra empresa brasileira.
A tudo isso o governo Lula assistiu passivamente. Não moveu um dedo.
Pelo contrário, concordou com as arbitrariedades, desmoralizou as gestões anteriores do Itamaraty e, assim, abriu caminho para que amanhã um governo resolva, de moto próprio, descumprir um tratado ou acordo.
A simpatia política com os governos chamados bolivarianos e subserviência a eles chegou ao ponto da absoluta irresponsabilidade.
A Colômbia, que tem tentado estabelecer uma política de cooperação com o governo Lula para melhorar a fiscalização da fronteira, é sistematicamente tratada com hostilidade, inclusive nos fóruns regionais.
Já a Venezuela, que disputa claramente espaço político com o Brasil e que não perde uma oportunidade para debilitar os interesses brasileiros na região (como durante a encampação das refinarias da Petrobras na Bolívia), é tratada como aliada, mesmo tendo uma política externa agressiva, sustentada por fabulosas compras de modernos armamentos. E, como o que está ruim pode piorar, a Venezuela vai entrar no Mercosul.
A diplomacia brasileira tentou por todos os meios ter presença diretiva em vários organismos internacionais e no Conselho de Segurança da ONU.
Como necessitava de votos, considerou natural ignorar graves violações dos direitos humanos em vários países (como o genocídio de Darfur), apoiou ditadores (como Muammar Gaddafi) e até fez campanha para um aspirante a diretor-geral da Unesco notabilizado por declarações de cunho antissemita. Mesmo assim, os candidatos brasileiros foram derrotados, e a estratégia fracassou.
O presidente Lula transformou o Itamaraty em uma espécie de Íbis, clube de futebol pernambucano celebrizado pelo número de derrotas.
O Brasil precisa ter papel relevante nos organismos e nas negociações internacionais. Disso ninguém discorda. Mas a maturidade econômica do país não condiz com uma política externa inconsequente. Não é com base em aventureirismo que o país vai ser respeitado. E muito menos servindo de cavalo de troia de bufões latino-americanos.
Um dos grandes desafios para o século 21 brasileiro é a construção de uma política externa global, que enfrente os desafios da nova ordem internacional. Um bom caminho para dar início a essa discussão é aproveitar a próxima eleição e, pela primeira vez, transformar a política externa em tema eleitoral.