Mensaleiros no tribunal.

Publiquei hoje n'O Globo:


Mensaleiros no tribunal


Se o Brasil fosse sério, Lula teria sido processado por pressionar o STF



Depois de longa espera, finalmente o Supremo Tribunal Federal vai julgar o processo do Mensalão. A demora é só mais uma demonstração de quão ineficiente é o Judiciário. A lentidão é a maior característica do poder que devia ser célere, eficiente e, principalmente, justo. E não é por falta de recursos. Não. Basta observar as folhas de pagamento que, com muita dificuldade e depois de muita pressão do Conselho Nacional de Justiça, estão sendo divulgadas.
Os poderes Executivo e Legislativo estão maculados pela corrupção até a medula. Não há dia sem que apareça uma denúncia sobre o desvio de recursos públicos ou ao favorecimento de interesses privados. Os olhos do cidadão acabam, em um movimento natural, se dirigindo para o Judiciário. É um gesto de desespero e de impotência. Porém....
Não há otimismo que consiga reverter este quadro, ao menos à curto prazo. Vivemos um dos momentos mais difíceis da história republicana. Daí a enorme responsabilidade do STF no julgamento do Mensalão. Em 2005 fomos bombardeados por reportagens e entrevistas sobre o caso. O mais triste para os valores republicanos foram as sessões da CPMI dos Correios. Muitos depoimentos foram transmitidos ao vivo. Foi estarrecedor ouvir depoentes que tratavam de desvios de recursos públicos, de pagamento de campanhas eleitorais (como a presidencial de 2002) e da compra de apoio político no Congresso, com enorme tranquilidade, como se toda aquela podridão fizesse parte do jogo político em qualquer democracia. E quem agisse de forma distinta não passaria de um ingênuo. Em resumo, a ideia propagada pelos depoentes era de que política sempre foi assim.
Contudo, no decorrer dos trabalhos da CPMI, o clamor da opinião pública foi crescendo. A crise política se instalou. Alguns parlamentares do PT, envergonhados com a revelação do esquema de corrupção, saíram do partido. O presidente Lula foi à televisão e pediu, em rede nacional, desculpas pela ação dos dirigentes partidários. Disse desconhecer que, nas ante-salas do Palácio do Planalto, tinha sido planejado o que ficou conhecido como Mensalão. Falou até que tinha sido traído. Não disse por quem e nem como.
O relatório final da CPMI pedindo o indiciamento dos responsáveis foi encaminhado à Procuradoria Geral da República. A aprovação foi comemorada. Em sinal de triunfo, o relator foi carregado pelos colegas. Para a oposição, o presidente Lula estava nas cordas, à beira de um nocaute. Caberia, disse, na época, um dos seus líderes, levá-lo sangrando até o ano seguinte para, então, vencê-lo facilmente nas urnas. Abrir um processo para apurar o crime de responsabilidade colocaria em risco o país. Estranha argumentação mas serviu para justificar a inépcia oposicionista, a falta de brio republicano e uma irresponsabilidade que só a história poderá avaliar.
Em 2007 o STF aceitou a denúncia. Foi uma sessão bizarra. Advogados se sucediam na tribuna defendendo seus clientes, enquanto os ministros bocejavam, consultavam seus computadores, conversavam, riam e ironizavam seus colegas. Dois deles – Ricardo Lewandovsky e Carmen Lúcia – chegaram a trocar mensagens especulando sobre os votos dos ministros e tratando outros por apelidos. Eros Grau foi chamado de "Cupido" e Ellen Gracie de "Professora". O ministro Cupido, ou melhor, Eros Grau, chegou ao ponto de mandar um bilhetinho para um advogado, um velho amigo, e que estava defendendo um dos indiciados. Teve advogado que falou por tempo superior ao regimental e, claro, como não podia deixar de ser, fomos quase sufocados pelo latinório vazio, a erudição postiça, tão típica dos nossos bacharéis. Em certos momentos, a sessão lembrou um animado piquenique. Pena, que ao invés de um encontro de amigos, o recinto era da nossa Suprema Corte.
Apesar do clima descontraído, a denúncia foi aceita. E o processo se arrastou por um lustro. Deve ser registrado que, inicialmente, eram quarenta acusados e foram utilizados todos os mecanismos – que são legais – protelatórios. No final do ano passado, o ministro Joaquim Barbosa entregou ao presidente do STF o processo. De acordo com o regimento foi designado um ministro revisor. A escolha recaiu em Ricardo Lewandovski, o mesmo que, na noite da aceitação da denúncia, em 2007, foi visto e ouvido – principalmente ouvido – ao celular, em um restaurante de Brasília, falando nervosamente que a tendência dos ministros era "amaciar para José Dirceu", um dos acusados. Mas que, continuou o advogado de São Bernardo, a pressão da mídia teria impedido o "amaciamento" (curioso é que nessas horas a linguagem é bem popular e o idioma de Virgílio é esquecido). O mesmo Lewandowski ficou seis meses com o processo. Foi uma das mais longas revisões da história. Argumentou que o processo era muito longo. Mas isto não impediu que realizasse diversas viagens pelo Brasil e para o exterior durante este período.
Depois de muita pressão – e foi pressão mesmo - , o ministro revisor entregou seu relatório. Só que, dias antes, o presidente Ayres Brito reuniu os ministros e estabeleceu o calendário do julgamento. Registre-se que Lewandovski não compareceu à reunião, demonstrando claramente sua insatisfação. O ápice das manobras de coação da Corte foram as reuniões de Lula com ministros ou prepostos de ministros. Se o Brasil fosse um país sério, o ex-presidente – que agora nega o que tinha declarado em 2005 sobre o Mensalão - teria sido processado. Mas, diria o otimista, ao menos, teremos o julgamento público do maior escândalo de corrupção da história recente.
MARCO ANTONIO VILLA é professor de História da Universidade Federal de São Carlos (SP).



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    # por O Mascate - 24 de julho de 2012 às 09:38

    Villa, sinceramente eu não creio que esse circo montado no STF, que alguns chamam de julgamento, va dar em alguma coisa.
    O Brasil teria que ser um país extremamente sério e o STF um tribunal extremamente justo e com Ministros descomprometidos com os "padrinhos" políticos que os colocaram lá. E a população teria que ser extremanente cidadã para cobrar resultados...mas...
    O que vemos na verdade é um país onde a bandalheira e a impunidade correm soltas, e o aparelhamento do judiciário e principalmente do STF são tão claros como água.
    A opinião pública na sua imensa maioria só tem opinião sobre a vida alheia, novelas e futebol. Portanto, esperar que desse STF saia algum julgamento com punições aos quadrilheiros do mensalão é acreditar em Papai Noel.

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    # por Anônimo - 24 de julho de 2012 às 11:59

    Brilhante como sempre....sinceramente, eu não acredito no país....acho que nosso problema é cultural.....e esta turma que está no poder são os mais despreparados que eu já vi......dá até saudades dos ministros da ditadura.....o Congresso é um lixo, o Judiciário é um antro e o STF nosso dá vontade de chorar.......tristes trópicos.....

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    # por Anônimo - 24 de julho de 2012 às 13:13

    Professor
    Não acho que vá sair algo de relevante - leia-se justo - desse julgamento.
    Como você diz, o julgamento só será realizado pela pressão principalmente da mídia, que ainda funciona mais que a oposição.
    Depois do circo, os mensaleiros sairão com o nome limpo a la Collor, bradando "fui inocentado pelo STJ".
    As investidas de Lula da Silva para limpar a barra do seu governo serão esquecidas e tudo segurirá como antes.
    A esperança está nas urnas, se conseguirmos apear o PT do poder. Os outros partidos têm lá seus "deslizes", mas não tão institucionalizados como sob Lula e asseclas. E, além do mais, o grupo que entra traz à tona as falcatruas do que saiu, tempo de que o País se aproveita e cresce.
    Isso me lembra a teoria de um sábio cínico que dizia que só votava em políticos que dormissem muito, porque é nesse período, com os políticos fora de ação, que o País progride. Si non è vero...
    M. Rosa - S. Paulo-SP

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    # por Anônimo - 24 de julho de 2012 às 14:07

    Concordo com o Mascate. Ademais, essa composição do STF não tem estatura moral para cumprir com o papel que a história lhe reservou.

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    # por Sergio - 24 de julho de 2012 às 14:45

    A esperança que eu tinha era o Bob Jefferson e o Valério,dois réus, que ameaçavam contar tudinho. Mas o primeiro será operado de câncer no sábado, dia 28,e o segundo foi devidamente amaciado pelo parecer da mãe daquele...senhor de olhos claros,não lembro o nome.
    Quanto aos julgadores, espero que o advogado de SBC e o ex-advogado do dirceu, se declarem impedidos.

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    # por Ana Lúcia K. - 24 de julho de 2012 às 16:11

    Vc já disse tudo sobre o STF em 'STF:uma história marcada pela subserviência". Concordo plenamente com "O Mascate", não vai dar NADA!
    Se der, só acredito depois da publicação.

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    # por Fernanda - 24 de julho de 2012 às 19:56

    Professor, esse seu artigo deveria ser impresso e distribuído por aí, está didaticamente escrito, para poder ser bem entendido. Se houvesse oposição no país...fariam isso, mas não tem.

    A ministra Carmen Lúcia andou dizendo (num desses ultimos julgamento do tribunal, acho que algo a ver com ficha limpa) que ninguém aguenta mais corrupção no país. Será que nesse do mensalao ela vai jogar o jogo dos poderosos da vez?

    Apesar do triste STF - e judiciário, em geral00, ainda tenho ALGUMA esperança em ALGUNS dos ministros. Quanto ao Lewandowsky, já fez seu trabalho e só vai continuar na mesma linha (da sacanagem).

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    # por Anônimo - 24 de julho de 2012 às 23:02

    Mesmo que os ministros do STF sejam nomeados pelo presidente da República, depois que eles obtêm o cargo, ganham vitaliciedade, que é uma garantia de independência. Há, sim, ministros sérios. Podem não ser todos, mas frutas podres pode haver em qualquer agrupamento humano. A prova de que ainda é possível ter esperança é que, por exemplo, o ministro Ayres Britto, hoje presidente do STF, já julgou diversas vezes contra os interesses do governo que o (e)levou à corte. E o ministro Joaquim, também nomeado por Lula, é o relator do mensalão, que, anos atrás, recebeu a denúncia oferecida contra quadros do PT.

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    # por Joaquim - 25 de julho de 2012 às 09:04

    Como um brasileiro que ama seu país eu, Joaquim, sonho em ver o Molusco e a trupe partidária e familiar atrás das grades, todos cumprindo pena.
    É um delírio, sei, mas não canso de sonhar!

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    # por Anônimo - 25 de julho de 2012 às 10:44

    A campanha eleitoral já começou na minha cidade com os jingles baseados em tchu-tcha-tcha, hilariê, axé e similares. As pessoas são estimuladas a participar dos comícios -- tem churrasco, bebidas, rojões, bandas, etc --, mas o debate limita-se a clichês e bordões como agora-é-pra-renovar, vamacabar-com-esta-ditadura, renovação-já, etc. Além dos insultos e agressões físicas da "torcida" rival. Lá no fundo o brasileiro vê esses "paizões" como um reflexo do que eles mesmos são porquê o pobre que é dependente de tudo isso não é mais digno do que um Jader Barbalho.

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    # por Anônimo - 25 de julho de 2012 às 13:28

    http://www1.folha.uol.com.br/poder/1125429-relator-da-cpi-do-cachoeira-testemunhou-por-delubio-soares.shtml

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    # por Anônimo - 25 de julho de 2012 às 16:35

    Villa - Como se dia no Nordeste os " labojeiros " estão nos 03 poderes há muitos anos e de la não querem sair ...

    Pobre país !

    PS - Labojeiro : Sujo ; enlameado ; esperto ; sem escrúpulo ; nojento ; emrolão ...

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    # por Anônimo - 25 de julho de 2012 às 18:03

    A cada instante vejo crescer em minha alma não a crença de que o Brasil acabou mas, a absoluta descrença de que possa renascer. Tu tens mais condição que qualquer um de nós para avaliar a História brasileira, porém, pelo pouco conhecimento de que disponho, sinto até os ossos que é tudo mentira; nós somos uma Nação mentirosa. Somos uma Nação? Sei não.

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    # por Anônimo - 25 de julho de 2012 às 19:04

    PUBLICADO NO BLOG DO NASSIF HOJE: 4. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - a quem Serra deve sua carreira - foi duramente atacado pelo historiador Marco Antonio Villa (praticamente único intelectual militante que ainda se alinha com Serra) dias depois de ter declarado que o candidato do PSDB à presidência, em 2014, seria Aécio Neves. Clique aqui.

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    # por Fernanda - 26 de julho de 2012 às 13:07

    Anônimo - 25 de julho de 2012 19:04

    É...um Villa incomoda muita gente, imagina se fosse dois.

    O negócio da China do bando petista, que tem como um dos máximos da intelectualidade esse imbecil Nassif, é a prefeitura de São Paulo, é o Serra. Virou fixação da quadrilha mensaleira e apaniguados, vade retro. Não deixa ele enfiarem as patas em São Paulo, professor, faça o que puder, grita por nós, POR FAVOR.

    Puxa, não sabia que o Villa é "praticamente o ÚNICO intelectual militante {nooossa] que AINDA [vai mudar para o Haddad?] se alinha com Serra". Nem sabia que era militante... Pensava que ele era um dos muitos professores doutores extremamente competentes e conhecedores não só da História do nosso país, mas de muita coisa mais que eu nem sei, mas desconfio. E que quer o bem do Brasil.

    Essa gentalha petista é muito vagabunda, além de burra pra caramba.

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    # por Anônimo - 26 de julho de 2012 às 17:47

    Concordo com a Fernanda, no que diz respeito à qualificação do Professor Villa e também com a última frase, incluindo os adjetivos extremamente pertinentes.
    M. Rosa - S.Paulo-SP