Os partidos e as prévias
Saiu hoje no Estadão:
Prévias? Não no meu partido
Quem quer se candidatar ao Legislativo e Executivo tem de se sujeitar ao mandão partidário, pois não há candidatura avulsa
Marco Antonio Villa - O Estado de S.Paulo
A história do Brasil republicano é marcada pela pobreza ideológica e por uma estrutura invertebrada dos partidos. Na Primeira República (1889-1930) as agremiações eram estaduais. Durante o populismo (1945-1964), por razão legal, os partidos se organizaram, pela primeira vez, nacionalmente. Quando estavam adquirindo um perfil ideológico, veio o golpe civil-militar de 1964. No ano seguinte, todos os partidos foram extintos e o regime impôs o bipartidarismo. Durante quase uma década, a Aliança Renovadora Nacional e o Movimento Democrático Brasileiro pouco se distinguiram. A eleição de 1974 acabou sendo o divisor de águas entre o partido do governo (Arena) e o da oposição (MDB). Cinco anos depois veio a reforma partidária. Surgiram cinco partidos. Um deles, o Partido dos Trabalhadores, ameaçou ter uma organização democrática, mas, anos depois, abandonou esse projeto. Deve ser recordado que, em 1988, o PT fez, em São Paulo, para a eleição à Prefeitura, prévias. E Luiza Erundina venceu Plínio de Arruda Sampaio (curiosamente, os dois não mais fazem parte do partido).
Foi passando o tempo, surgiram novos partidos (como o PSDB), outros foram mudando seu perfil histórico (como o PMDB). Contudo uma característica esteve presente em todos eles: a ausência de democracia interna. Falam em democracia, mas só para consumo extrapartidário. Consultar as bases? Realizar, tal qual nos Estados Unidos, um sistema de prévias para indicar seus candidatos? Nada disso.
Os partidos não têm programa. É muito difícil saber o que separa um do outro. São muito mais um ajuntamento de políticos do que a reunião de cidadãos defensores de um determinado projeto. Servem para alcançar cargos e funções no Legislativo e Executivo. Dessa forma, não deve causar admiração a mudança partidária, prática rotineira no Brasil. São conhecidos casos de parlamentares que, em uma legislatura, pertenceram a três ou quatro partidos. As mudanças nunca foram devido a alguma questão ideológica. Longe disso. Rigorosamente falando, não estiveram em nenhum partido, pois sempre agiram individualmente, visando à obtenção de favores e privilégios.
A tradição brasileira é marcada pelo partido sem rosto ideológico. A identificação é pessoal. Evidentemente que há uma ou outra exceção. Mas os partidos que eleitoralmente obtiveram êxito sempre estiveram identificados com alguma liderança expressiva, tanto no plano nacional como no regional. Na esfera municipal, o problema é maior ainda: a relação político/partido é mínima, quase desprezível. É sempre o candidato que se sobrepõe ao partido.
A discussão ideológica - marca essencial dos partidos políticos nas democracias consolidadas - é considerada no Brasil, por incrível que pareça, como um instrumento de divisão política, de desunião. A competição entre lideranças e programas é intrínseca e saudável à vida partidária. Desde que estejamos pensando numa democracia, claro. É no autoritarismo que o partido é uno, indivisível, em que a direção ou o líder máximo impõe sua decisão para a base sem nenhuma mediação.
Apesar de vivermos há 23 anos em um regime com amplas liberdades democráticas, com alternância nos governos e plena regularidade eleitoral, o partido - sempre considerado essencial para a democracia - funciona como um cartório, controlado com mão de ferro por lideranças que, algumas vezes, se eternizam na direção. E o cidadão interessado em ser candidato a algum cargo no Legislativo e Executivo tem de se sujeitar ao mandão partidário, pois a legislação impede candidaturas avulsas.
A realização de prévias pode mudar esse quadro. Caso algum partido efetue um debate interno com os pré-candidatos e tenha êxito nesse processo, é provável que o exemplo seja seguido por outros. As primeiras experiências não serão fáceis. Não temos tradição de um debate de caráter democrático de ideias. Muito menos de lideranças que se sujeitem às críticas. Os líderes gostam é de ser louvados. E adorados. É como se, no campo partidário, a República ainda não tivesse sido proclamada.
As prévias também podem oxigenar o debate político extrapartidário. Com a cobertura da imprensa e o interesse das lideranças de ganhar espaço, os grandes temas estarão presentes muito antes do início, propriamente dito, da campanha. Os eleitores poderão tomar conhecimento das propostas dos partidos e de seus pré-candidatos. Ou seja, a discussão política poderá ser ampliada, temporalmente falando, e melhorada, qualitativamente falando. E o espaço do marketing político vazio, tão característico dos nossos pleitos, ficará reduzido, o que é extremamente salutar.
Os adversários das prévias são aqueles que almejam ter o controle absoluto dos seus partidos. Não admitem a divergência. Desejam impor as candidaturas e alianças sem discussão. Consideram os filiados mera massa de manobra, sem direito a palavra. Querem vencer, sem convencer, na marra. No extremo, são adversários da democracia.
MARCO ANTONIO VILLA É HISTORIADOR E PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UFSCAR
# por Anônimo - 31 de julho de 2011 às 10:50
Parabéns Professor, suas ideias são sempre coerentes.
Só gostaria de ir mais fundo e direto na ferida, acho que não seria absurdo dizer que esses partidos, assim como estão, são na verdade, ao contrário do que preconiza qualquer princípio, organizações para fins criminosos. Esse lobos querem manter o poder em sí para evitar a "infiltração" de pessoas com ideias sadias, cujos interesses irão incomodar os ladrões profissionais que governam esse país.
Os partidos querem manter no poder somente as pessoas que já estão comprometidas com a "causa" da corrupção. Qualquer outro cidadão que não tenha, junto com eles, interesse em manipular a máquina pública em benefício próprio para o desvio sistemático de dinheiro, jamais será aceito.
O que existe hoje é simplesmente o crime institucionalizado em todas as esferas do governo.
E o povo vive iludido, acreditando eternamente em promessas, troca sua dignidade por migalhas, entregando aos corruptos todos os trunfos. Seria válido destacar entre todos, aquelas pessoas ditas cultas, mas que não se interessam por nada, vivem só na rotininha própria, as quais poderiam mas não contribuem, somente deixam que tudo continue no caos.
O povo pede pra ser miserável (não estou me referindo somente aos da situação sub-humana). Acham bonito eleger um qualquer só porque se apresenta engravatado, com um discurso bonito (leia-se: vazio). Pois assim o povo estará “bem representado".
# por Gabriela Freire - 1 de agosto de 2011 às 13:10
Represento a Associação Porto Melhor Cidade Feliz, e temos muito interesse em compartilhar esse texto em nosso site. Por compártilharmos das mesmas convicções por você expostas nesse texto brilhante.
www.portomelhorcidadefeliz.com.br
Gostaríamos da sua autorização.
Aguardamos retorno,
Atenciosamente, Gabriela Freire
Relações Públicas
# por Alexandre Neuwert - 1 de agosto de 2011 às 20:17
Belo texto, importantíssimo para a renovação do pensamento político que se forja nos jovens.
Uma verdadeira contribuição para o Brasil.
Obrigado Villa.
# por Anônimo - 1 de agosto de 2011 às 22:35
Espero que, um dia, a política brasileira amadureça.
Belo texto, professor.
# por barbarah.net - 2 de agosto de 2011 às 11:22
Pelo andar da carruagem, certos "medalhões pragmáticos", continuarão ditando as regras.
Hoje,idealismo virou sinônimo de ingenuidade.
Quero ver a juventude no poder. Sinceramente.
# por Anônimo - 4 de agosto de 2011 às 18:51
O bom seriam primárias. Mobilizando os filiados de todo o País. Ai sim ter-se-ia democracia interna. Hoje, só impera/m o/os cacique/s.
# por Ed Carlos Ferreira - 7 de agosto de 2011 às 20:08
O PT transformou-se no antigo PRI mexicano..........