Itamar Franco
Saiu hoje em O Globo:
Marco Antonio Villa: Comparado a FH e a Collor, Itamar Franco era quase franciscano
Publicada em 14/07/2011 às 17h26m
Marco Antonio Villa*Na lista dos presidentes brasileiros, Itamar Franco tem um lugar especial. Já tivemos de tudo um pouco. Os militares geralmente foram mal humorados. Os civis tentaram ser gentis e educados. Muitos só tentaram, mas quase todos foram ególatras. Entre as exceções está Itamar Franco. Tinha algumas vaidades, mas comparando com o presidente que o precedeu e com o que o sucedeu, era quase um franciscano.
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Mudou alguma vezes de partido, mas não mudou de rumo. Caso também curioso. Saía do partido quando não conseguia ter o controle da sua própria vida política. Nunca foi arrastado para o mar de lama, tão rotineiro, infelizmente, da política brasileira. Neste ambiente macunaímico, Itamar não esteve nem entre os espertos e nem entre os sem caráter, o que também é algo a ser destacado.
Outros presidentes assumiram para concluir o mandato do titular. Floriano Peixoto e Café Filho foram dois deles. Mas deixaram o país conflagrado, principalmente o Marechal de Ferro. Itamar, não. Encontrou o Brasil em recessão (com crescimento negativo em três anos consecutivos), com inflação descontrolada, descrédito administrativo e profunda crise ética. A Presidência da República tinha sido desacreditada nos dois mandatos precedentes (José Sarney e Fernando Collor). Assumir o governo nestas circunstâncias não foi tarefa fácil. Moralizou o governo, restabeleceu a ética como princípio presidencial, evitou o autoritarismo (e havia um apelo para alguma solução do gênero, tendo em vista o clima de desesperança existente no país com os políticos) e buscou governar democraticamente.
Deu à Presidência um caráter simples, republicano, sem os protocolos e salamaleques tão ao gosto de uma elite grotesca como a brasileira. Transformou a ação de governar em algo comezinho, mas quando parecia que poderia cair na armadilha de simplesmente exercer a chefia do Estado para garantir as eleições de 1994, surpreendeu mais uma vez. Em um lance de profunda ousadia, criou as condições para a adoção do Plano Real. E mais: deu o sustentáculo político para que fosse viabilizado. Vale recordar que tinham fracassados cinco planos de estabilização. Havia um sentimento de que o combate anti-inflacionário estava fadado à derrota.
Itamar governou de forma republicana com um Congresso que não era muito diferente do atual em termos de comportamento moral e ético. Mas não se submeteu ao é dando que se recebe
O Plano Real foi o principal marco econômico da história do Brasil na segunda metade do século XX. Por incrível que pareça, ainda não foi suficientemente compreendido. A inflação parecia invencível. Itamar teve a coragem de apostar em um plano radicalmente distinto dos anteriores. E deu certo, mesmo encontrando o descrédito dos economistas vinculados ao PT.
Ele governou de forma republicana com um Congresso que não era muito diferente do atual em termos de comportamento moral e ético. Mas não se submeteu ao "é dando que se recebe". E também não insinuou que desejava fechá-lo. Nada disso. Buscou construir um arco de alianças com base em princípios. Fez um governo de união nacional. Quem estava na oposição? O PT (que ameaçou de expulsão Luiza Erundina, convidada para ser ministra da Administração) e Antonio Carlos Magalhães (que tentou coagir o presidente com acusações de corrupção no governo e foi desmoralizado em uma audiência com a presença de jornalistas).
Itamar demonstrou que é uma falácia a explicação, tão usual nos tempos atuais, de que não há outro caminho para a governabilidade do que ter de partilhar cargos e ministérios com políticos corruptos. Não, absolutamente não. Sob seu comando o país venceu a inflação e entregou para o sucessor um país melhor, pacificado e pronto para lançar as bases de um crescimento econômico de novo tipo. E mais uma ironia da História: os dois presidentes que o sucederam não reconheceram, de pronto, os seus méritos. FH creditou a si a estabilização e Lula, maior beneficiário do Plano Real a longo prazo, foi, no momento da sua adoção, o seu maior adversário.
*Marco Antonio Villa é historiador e professor da UFSCar
# por Dawran Numida - 18 de julho de 2011 às 17:50
Professor Villa, FHC, ao que consta, nunca "creditou a si" a estabilização sem deixar de frisar o forte apoio político de Itamar Franco às medidas estabilizadoras que adotou no Ministério da Fazenda. Se Itamar concordou, também teve de ser convencido de muita coisa sobre o Plano Real. Não dá para conceber que Itamar Franco, tenha sido deixado de lado num momento como aquele que foi o ponto alto de seu governo. Em muitas coisas, ele não deu aval rápido, seja por qual motivo tenha sido tal atitude. E ele, Itamar, com certeza, não foi o "mentor" das medidas estabilizadoras. Não dever ter sequer escrito algo ou nada sobre estabilização. Isto não é nenhum demérito. Mas, manifestou seu desejo de controlar a inflação elevada. Isto foi uma grande qualidade. Em seu governo, foram ministros da Fazenda, em curto espaço de tempo: Paulo Haddad, Gustavo Krause, Eliseu Resende, FHC, Rubens Ricupero e Ciro Gomes. Uma grande instabilidade. Mas, deu apoio político a FHC e a equipe que este escolheu e coordenou. Se Itamar queria os méritos apenas para si, é uma outra história. Ele, então, deveria ter estabilizado a economia com seus ministros anteriores. Não o fez, porque não pode ou não havia ministros com tais convencimentos, como o era FHC. Se há, quem goste de escrever sobre as "mágoas" de Itamar Franco, ao invés de enaltecer mais suas qualidades, deveriam ter manifestado isso em vida. E não aproveitando todo e qualquer momento para descredenciar FHC e as medidas, depois que Itamar Franco morreu. Se o Plano Real fosse um fracasso, como o foram, o Cruzado I e II, Bresser, Verão, Collor I e II, com certeza não teria tantos "pais e mentores". Com certeza, seria creditado, com o fracasso, ao ministro da Fazenda da época. Não foi, evidentemente, o caso. Se a "mágoa" de Itamar Franco, o levou a apoiar Lula em 2002, isso não deixa de ser um erro político. Apoiou quem nunca deu a ele o devido apoio e foi feroz crítico do Plano Real, apostando, sempre, no seu fracasso. E foi quem mais apropriou-se do "legado de Itamar Franco" na economia.
# por Anônimo - 4 de agosto de 2011 às 09:02
Prezado Dawran,
Sem dúvida Itamar teve que ser convencido de muitas medidas. E de outras não se convenceu e as vetou, como da proposta de dolarizar a economia brasileira e abolir a moeda nacional. Compreendia que a moeda era mais do um item da economia mas um símbolo de confiança de um país, o que enfatiza enfaticamente no discurso de lançamento do plano possilvemente como forma de justificar seu veto.