Justiça, corrupção e impunidade MARCO ANTONIO VILLA
Não há quem não fique indignado com as constantes denúncias de corrupção em todas as esferas do Executivo e do Legislativo. A cada mês ficamos horrorizados com o descaso e o desperdício de milhões de reais. Como não é possível ao cidadão acompanhar o desenrolar de um processo (e são tantos!), logo tudo cai no esquecimento e não ficamos sabendo da decisão final (isto quando o processo não é anulado e retorna à estaca zero). O denunciado sempre consegue encontrar alguma brecha legal e acaba sendo inocentado. E isto se repete a cada ano. Não há indignação que resista a tanta impunidade.
E aí é que mora o problema central do Brasil. Não é possível dizer que as instituições democrática estão consolidadas com tantos casos de corrupção e o péssimo funcionamento dos três poderes. Agir como Poliana é jogar água no moinho daqueles que desprezam a democracia. E sabemos que temos uma tradição autoritária.
Apesar dos pesares, o Executivo e o Legislativo são transparentes, recebem uma cobertura jornalística que devassa os escândalos. Os acusados se transformam, em um período limitado, em inimigos públicos. Viram motivo de chacotas. Nada de efetivo acontece, é verdade. Porém, o momento de catarse coletiva ocorre. E o Judiciário? Age para cumprir a sua função precípua? Recebe cobertura paulatina da imprensa? Ou insinua usar o seu poder para que não sejam lançadas luzes — com o perdão da redundância — sobre o seu poder?
É no Judiciário que está o cerne da questão. Caso cumprisse o disposto na Constituição e na legislação ordinária, certamente não assistiríamos a este triste espetáculo da impunidade. Pela sua omissão virou o poder da injustiça. É, dos três poderes, o mais importante. E tem a tarefa mais difícil, a de resolver todo santo dia a aplicação da justiça.
O Supremo Tribunal Federal, por ser a instância máxima da Justiça, deveria dar o exemplo. Mas não é o que ocorre. A estranha relação entre os escritórios de advocacia e os ministros do STF deixa no ar uma certa suspeição. E no caso da Corte Suprema não pode existir qualquer tipo de questionamento ético. Os ministros devem pautar sua vida profissional pelo absoluto distanciamento com outros interesses que não sejam o do exercício do cargo. Não é admissível que um ministro (por que não ser denominado juiz?) tenha empreendimentos educacionais, ou mantenha um escritório de advocacia, ou, ainda, tenha parentes (esposa, filhos, cunhados, genros, noras) que participem diretamente ou indiretamente de ações junto àquela Corte.
O padrão de excelência jurídica foi decaindo ao longo dos anos. É muito difícil encontrar no STF algum Pedro Lessa, Adauto Lúcio Cardoso ou Hermes Lima. Os ministros que lá estão são pálidos, juridicamente falando, com uma ou outra exceção. Cometem erros históricos primários. Seria melhor que as sessões televisivas daquela Corte fossem proibidas para o bem dos próprios ministros.
Mas o problema do Judiciário é muito maior do que o STF. Nos estados, a situação é mais calamitosa. Famílias poderosas exercem influência nefasta. O filhotismo crassa sem nenhum pudor. E o que não se vê é a aplicação da justiça. Não pode ser usada como justificativa a falta de recursos. Desde a Constituição de 1988, o Judiciário tem um orçamento fabuloso. O problema é que o dinheiro é mal gasto.
O Judiciário preocupa-se com o cerimonial, o rito burocrático e todas as formalidades, mas esquece do principal: aplicar a justiça. O poder é lento e caro. E pior: é incompreensível ao cidadão comum. Ninguém entende como um acusado de desvio de milhões de reais continua solto, o processo se arrasta por anos e anos e, quando é condenado, ele não cumpre a pena. Ninguém entende por que existem tantas formas de recorrer de uma sentença condenatória. Ninguém entende o conceito do que é considerado prova pela Justiça brasileira.
É inadmissível juízes e promotores realizarem congressos patrocinados por empresas que demandam o Judiciário. É inadmissível um ministro do STF comparecer a uma festa de casamento no exterior com despesas pagas (no todo ou parte, isto pouco imaquela Corte. E ainda gazeteou sessões importantes (foram descontadas as faltas?). Se o Brasil fosse um país com instituições em pleno funcionamento, certamente haveria algum tipo de sanção. Sem idealizar a Suprema Corte americana, mas caberia perguntar: como seria recebida por lá uma notícia como essa?
Indo para o outro lado do balcão, cabe indagar o papel dos escritórios de advocacia especializados na defesa de corruptos. E são tantos. É evidente o direito sagrado de defesa. Não é isto que está sendo questionado. Mas causa profunda estranheza que um número restrito de advogados sempre esteja do lado errado, do lado dos corruptos. E cobram honorários fabulosos. Realizam seu trabalho somente para a garantia legal do direito de defesa? Será? É possível assinar um manifesto pela ética na política e logo em seguida comparecer ao tribunal para defender um político sabidamente corrupto? Este advogado não tem nenhuma crise de consciência?
Há uma crise estrutural no Judiciário. Reformá-lo urgentemente é indispensável para o futuro da democracia. De nada adianta buscar explicações pífias de algum intérprete do Brasil, uma frase que funcione como um bálsamo. Ninguém aguenta mais as velhas (e ineficazes) explicações de que a culpa é da tradição ibérica, da cordialidade brasileira ou do passado escravista. Não temos nenhuma maldição do passado, algo insuperável. Não. O problema é o presente. .
MARCO ANTONIO VILLA é historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos (SP). | |
# por O Mascate - 26 de julho de 2011 às 09:13
Professor o problema é a falta de ética que está no DNA da imensa maioria do povo brasileiro.
Após a ditadura veio a democracia e o povo que foi amestrado por mais de vinte anos deditadura não estava prepartado para viver na liberdade, e com isso entenderam que liberdade é sinônimo de bandalheira e sem vergonhice.
Coninuamos amestrados por governos paternalistas que entregam o pão para os mais necessitados em troca da impunidade dos poderosos.
As reformas que precisam ser feitas tem que começar no próprio povo. Estamos assistindo há mais de vinte dias a bandalheira do ministérioo dos transportes e o povo ainda de cabeça inchada pela eliminação da seleção na Copa América.
Nosso perfil "festeiro" nada mais é que um perfil de um povo inocente, sem profissionalismo, e idiotizado. Na verdade, se os Portugueses chegarem aqui novamente, trocaremos riquezas por miçangas e espelhos. Já se passaram mais de 500 anos desde o descobrimento e a sociedade brasileira parece que não evoluiu muita coisa em comportamento social desde os índios.
E com isso, os que estão um pouco mais preparados acabam virando Reis na terra dos cegos.
# por barbarah.net - 26 de julho de 2011 às 11:35
"Política e politicalha não se confundem, não se parecem, não se relacionam com a outra antes se negam, se repulsam mutuamente. A política é a higiene dos países moralmente sadios. A politicalha, a malária dos povos de moralidade estragada." Rui Barbosa
# por Anônimo - 26 de julho de 2011 às 13:58
Esses advogados nem sabem o que significa a palavra consciência.
Gostei da parte em que você fala que não adianta buscar explicações pífias de algum intérprete brasileiro. Realmente, no meio jurídico, a palavra interpretação é utilizada para a justificação das maiores atrocidades.
Incrível texto, Villa. Parabéns.
# por Anônimo - 26 de julho de 2011 às 17:20
Prezado Professor Villa,
Parabéns pela sua atuação corajosa e cheia de verdade. Além de ilustrativa, sua fala (não apenas a desse último artigo) tem sido um alento para quem ainda acredita em transformações institucionais. O seu papel desponta como de suma importância.
Peço licença pelo envio abaixo de um artigo que escrevi, que tenta apresentar uma razão para as "tantas formas de recorrer de uma sentença condenatória". Em caso de o Sr. considerar o texto pertinente, aproveito para perguntar se seria possível conseguir a sua publicação no Caderno "Opinião" do O GLOBO?
Meu nome é Delio Aloisio de Mattos.
e-mail: deliomattosadvocacia@globo.com
Obrigado.
FUTURO “FICHA LIMPA”
Quando anunciou o seu voto decisivo, o novo ministro Luiz Fux, chamou de “lei do futuro”, a legislação que visava a impedir as candidaturas dos políticos “ficha-suja”, em resultado do STF que derrubou a sua anterior aprovação pelo TSE, em 2010.
Apesar do placar apertado, faltou à maioria dos membros do STF aplicar hermenêutica. Ou seja, exercitar a arte de sopesar, a fim de dar sentido à norma legal, tarefa obrigatória na linguagem do Direito.
No caso, prevaleceu o entendimento de que, em se discutindo alteração de lei eleitoral, sua eficácia não ocorre em eleição até o prazo de um ano de sua vigência. Como se trata de uma lei que veio por motivação popular de indignação contra o inaceitável nível de corrupção na vida pública, o resultado promulgado pelo STF lançou a lei “Ficha Limpa” na incerteza.
Ocorre que, em sua fundamentação, o STF considerou em plano inferior o princípio da moralidade - coluna mestra da Democracia - quando justamente a este pilar constitucional deveria estar submetido o dispositivo que equivocadamente embasou essa decisão.
O futuro, no entanto, começa já. Pois se a sociedade demonstrou ser fundamental aperfeiçoar as leis que nos retém no passado, através do movimento apartidário pela aprovação da lei contra os “ficha-suja”, é preciso ampliar o foco e prosseguir na luta imediatamente.
Impõe-se a aprovação de uma emenda constitucional que modifique o dispositivo que mantém válida a presunção de inocência, até que ocorra o trânsito em julgado de sentença condenatória contra o réu (matéria com súmula vinculante).
Além de antiética, tal presunção não se justifica, a não ser pelo inconfessável interesse contrário ao bem comum. Ora, qualquer pessoa inocente, uma vez processada, quer ver logo sua condição decretada. Já não bastasse ser absurdamente longa a duração de qualquer processo no Brasil, mesmo sem a utilização dos artifícios disponíveis.
Se houver, então, interesse na postergação do seu final, um processo pode demorar muitos anos, até ocorrer o trânsito em julgado. A rigor, na absoluta maioria dos países ocidentais o acusado é declarado culpado ou não - ainda em primeira instância.
Já em nosso país, injustamente beneficiados por essa indevida condição de inocência, os culpados ficam à vontade, até que as acusações contra eles caiam no esquecimento e sejam prescritas.
Vale registrar que essa regra equivocada não constava em nossas constituições anteriores à de 1988, quando o preceito foi criado a despeito do que existe em termos de direito comparado. Em decorrência, só temos visto sua aplicação servir como um manto protetor à criminalidade comum, à indústria do crime do colarinho branco e agora, dramaticamente, aos políticos ficha-suja!
Mesmo que a questão da lei “ficha-limpa” tenha sido atirada no limbo, depois do resultado promulgado pelo STF, o que resultou de toda essa experiência é que a mobilização pela sua validade adquiriu uma força irresistível.
“Só na luta encontrarás o teu direito”, dizia Hiering. Aprovar a emenda constitucional sugerida seria demonstrar que a sociedade sabe muito bem o que deseja estabelecer como organização e justiça.
Délio Aloísio de Mattos
Advogado
# por Adilson - 27 de julho de 2011 às 01:40
Prof. parabéns pela artigo e pela coragem. Concordo com o Sr. em gênero, número e grau. Fui vítima de injustiça em uma sentença prolatada por um juiz inescrupuloso. Fato: Recebi uma fatura de cartão de crédito no valor de R$ 3.153,00. 20 dias após o vencimento, paguei o valor de R$ 3.000,00 no caixa eletrônico. 30 após paguei mais R$ 200,00. Posteriormente, ao tentar fazer compras com o aludido cartão, a operação foi recusada. Ao entrar em contato com SAC da Adm do Cartão, fiquei surpreso ao saber que o meu cartão havia sido cancelado e o meu crédito negativado, por inadimplência. Ajuizada ação em 2008 para indenização por danos morais e materiais, o processo se arrastou até junho de 2011. Na sentença o juiz julgou a ação improcedente. Pasmem os senhores, eu devia 3.153,00, paguei R$ 3.200,00 e agora tenho que pagar custas judiciais no valor de R$ 2.000,00 mais a dívida a ser apresentada pela adm do cartão de crédito. Os "banqueiros" compraram grande parte do judiciário fluminense. Não temos a quem recorrer, pois de onde se espera justiça vem injustiça. E o pior não posso recorrer da sentença porque o juiz não reforma sua própria sentença e o TJRJ confirma todas as sentenças julgadas por este inescrupoloso juiz, dando a entender que há uma estreita ligação entre ambos, para justificar o "presente" dos banqueiros.
# por Anônimo - 29 de julho de 2011 às 22:20
Caro professor, o problema é realmente os juízes, na maioria ladrões. (Pedro Duarte)
# por Anônimo - 30 de julho de 2011 às 17:58
Parabéns professor, o senhor eh uma das raras pessoas que tem coragem de criticar os absurdos cometidos pelo judiciário no nosso pobre pa'is. Poder que eh, disparado, o mais corrupto e, pelas razoes que o senhor elencou, eh também o menos investigado.
# por Dawran Numida - 30 de julho de 2011 às 20:16
Uma coisa é estabelecer padrões que permitam a punição real de culpados por delitos. Outra, muito diferente, é desconsiderar ou contornar preceitos constitucionais para que isso ocorra. A pergunta é: há necessidade de ato de força para que corrupto seja chamado pelo que é, um criminoso, cujos atos encontram-se tipificados? A resposta é não. A Lei Ficha Limpa feria preceito constitucional e não podia valer para as eleições naquela ano. Pois, que seja aplicada nas eleições seguintes. Assim fica mais forte, pois, a Constituição será respeitada. É um erro achar que a Constituição atrapalha. Dirigentes já disseram e dizem que o TCU, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei de Licitações etc. atrapalham. Se houver quem creia em tal disparate, o arcabouço de garantias individuais, em algum momento também alguém vai convencer que atrapalham e tentar revogá-los. Ai, estará instituída a ditadura. Outro erro mé pensar ou acreditar que a corrupção estaria no DNA do povo brasileiro. Corrupto é quem tenta incutir tal besteira. É mentira. De todos que estão comentando aqui, quantos tem parentes, amigos, conhecidos, pessoa próximas, à voltas com problemas de corrupção? Se ninguém conhecer alguém assim próximo, então, não é verdade que a corrupção seria assim generalizada. A generalização é uma forma de defesa que corruptos utilizam para tentar se safar.
# por Wagner - 4 de agosto de 2011 às 16:46
Prof. Villa, muito bacana o seu texto.
Estava assistindo um debate na Globo News em que você participava e parei nesse canal, naquele momento, por conta da sua fala. Gostei muito e encontrei seu blog. Comentei com uma amiga que é estudante de Direito sobre sua fala sobre o STF e os escritórios de advocacia "especializados" em "colarinho branco" e encontrei esse seu texto que é fiel a sua fala na Globo News.
Grande abraço!
Wagner
# por Anônimo - 22 de dezembro de 2011 às 13:44
Prof. Villa.
Minha esposa e eu somos fãs dos seus comentarios da segunda-feira no Jornal da Cultura , os quais faz com extrema competência e cultura sobre o que expõe, parabéns e seria bom se tivessemos um Prof. Villa em cada emissora de TV. Grande abraço e mais sucesso........