O PT e uma outra história

Este artigo já foi republicado no blog. Mas vale a pena recolocá-lo no alto da página. Pretendo em um trabalho mais extenso desenvolver algumas ideias que estão no artigo. Foi publicado originalmente na "Folha de S. Paulo", em 22 de março de 2005, portanto, durante a primeira presidência Lula.

TENDÊNCIAS/DEBATES

O PT e uma outra história
MARCO VILLA

O Partido dos Trabalhadores está completando 25 anos. É um fato digno de registro, se compararmos com outros partidos políticos brasileiros. Afinal, só há pouco mais de meio século podemos falar em partidos nacionais -excetuando os casos do Partido Comunista Brasileiro e da Ação Integralista Brasileira.

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A classe operária não foi para o paraíso, mas os líderes petistas foram. Agora transitam entre a plutocracia tupiniquim
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Para se afirmar como alternativa histórica da classe trabalhadora, o PT foi construindo uma leitura muito particular da história do Brasil e das lutas operárias. Fez o que outros já tinham feito: reinventou o passado, para que a fundação do partido fosse considerada o marco zero da luta de classes no Brasil. Apagaram da história, sem dó, sete décadas de lutas políticas e econômicas. Os intelectuais petistas foram os principais responsáveis por colocar de ponta-cabeça a história do Brasil. E com a concordância entusiástica da liderança sindical do partido, satisfeita por ser alçada pelos intelectuais como precursora de algo que nunca tinha ocorrido no país: a construção de um partido operário e de um sindicalismo combativo.
Mas haja borracha para apagar tantas lutas. Como exemplo serve a própria história do ABC, berço do partido. Em 1945, o candidato comunista à Presidência da República, Iedo Fiuza, teve 10% dos votos nacionais, porém em Santo André obteve quase o triplo dessa proporção, 28%, deixando em terceiro lugar o candidato da UDN, o brigadeiro Eduardo Gomes. Nas eleições municipais de novembro de 1947, na mesma cidade, os comunistas -já na ilegalidade- elegeram um antigo militante do PCB prefeito. Mas não só: os vereadores comunistas eram maioria nas Câmaras de Santo André, Santos, Sorocaba e São Paulo. Em 1950, apesar do boicote comunista, Getúlio Vargas, candidato à Presidência, teve 84% dos votos em Santo André, quando a média nacional foi de 48,5%.
A tarefa de refazer a história atingiu também o passado das lutas sindicais. O mito fundador alcançou a Consolidação das Leis Trabalhistas. Se é inegável que a CLT foi um instrumento para atrelar os trabalhadores ao Estado, também serviu (e serve) como instrumento de luta dos operários na Justiça do Trabalho. Em vez de contextualizar historicamente a CLT dentro da luta de classes, Luiz Inácio Lula da Silva, em um dos seus arroubos tão costumeiros, preferiu chamá-la de "AI-5 da classe trabalhadora".
A independência e a combatividade da classe operária teriam começado em 1978, no ABC, sob a liderança de Lula. Todo o resto era fruto de sindicalistas pelegos, de oportunistas e populistas. Porém, mais uma vez, esqueceram-se da história. O ABC registrou sua primeira greve em 1906, em Santo André, 72 anos antes da greve dos metalúrgicos de São Bernardo. A região acompanhou e participou pari passu da luta dos trabalhadores de São Paulo nos anos 1910-1930, especialmente o glorioso 1917. Em 1934, os marceneiros de São Bernardo ficaram parados um mês. Dezenas de sindicalistas do ABC foram presos e torturados durante o Estado Novo -e, apesar da redemocratização, não receberam indenização do governo.
Aproveitando o ambiente democrático dos anos 1946/47, greves ocorreram no ABC e, mesmo com a onda repressiva durante o governo Dutra, os sindicatos continuaram lutando. Não devem ser esquecidas as grandes greves da década seguinte -1953 e 1956- e as mobilizações no início dos anos 1960.
Mas a história tem as suas ironias. O PT desprezou a herança revolucionária construída ao longo de sete décadas -era o meio de se afirmar como algo novo, absolutamente original. Hoje, tem dificuldade para justificar aos seus militantes as ações do governo Lula. Ao que parece, encontrou uma saída: desqualificar a sua própria história -assim como tinha feito em relação aos anarquistas, trabalhistas e comunistas. Seus líderes observam com um sorriso de escárnio as fotografias das assembléias que formaram o partido, desprezam seus documentos internos, suas deliberações históricas e ironizam até o vestuário dos participantes dos antigos encontros: hoje o uniforme petista são os ternos, preferencialmente de grife.
Vinte e cinco anos depois, o PT transformou-se em um partido da ordem, controlado com mãos de ferro pelos senhores de meia-idade que estão a caminho de formar uma gerontocracia. Nada mais triste do que a fotografia publicada por esta Folha, em fevereiro, de meia dúzia de petistas -todos na faixa dos 50 a 55 anos- em torno de um bolo de aniversário, numa pequena sala fechada. Conservadores, não seduzem mais os jovens; isolados, não conseguem mais mobilizar a massa petista; aburguesados, não precisam mais da participação popular.
A classe operária não foi para o paraíso, mas os líderes petistas foram. E como. Agora transitam com intimidade entre a plutocracia tupiniquim.
A história do PT incomoda o PT. Enquanto os velhos militantes abandonam o partido, os oportunistas preenchem com avidez as fichas de filiação. Não precisam mais da história ou de qualquer justificativa ideológica. A adesão é pragmática: querem cargos, poder e, se possível, alguma sinecura.

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    # por barbarah.net - 30 de dezembro de 2011 às 09:41

    Com a licença do Villa:

    YouTube
    O político que representa realmente a opinião da população...:-)

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    # por nivaldo alves da silva - 30 de dezembro de 2011 às 10:50

    Professor Villa: participei da direção do sindicato dos bancários de Brasília, entre 1980-19886. A direção da entidade era ligada ao Partidão.Participei de congressos para formação de central de trabalhadores, que depois virou CUT. O que me impressionou é que aqueles sindicalistas que se julgavam puros, que combatiam os burocratas comunistas, quando chegaram ao poder enfiaram o pé na jaca naquilo que mais criticavam. Enquanto o PT elegia deputados e ganhava prefeituras, seus militantes se aboletavam em assessorias parlamentares. A figura mais curiosa, prá mim, foi a de Jair Menegheli. Quando presidente do sindicato dos metalúrgico, esse bravo militante sempre vociferava nos congresos da CUT exigindo greve. Foi Lula ganhar a eleição, o revolucionário Menegheli assumiu assumiu a presidência de uma confederação arqui-pelega, a CNI. O próprio Lula, se beneficiou, e como, de seu prestígio de sindicalista. O jornalista José Nêumane Pinto, detalha muito bem a metamorfose de Lula no livro "O que sei de Lula". O ex-presidente conheceu e ainda desfruta de um verdadeiro paraíso. São as delícias da nossa esquerda.

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    # por Anônimo - 30 de dezembro de 2011 às 15:22

    Professor, li há alguns anos um artigo seu, publicado na Folha, sob o título, se não me engano, "Vida de província"... gostaria muito de relê-lo. Como faço para ter acesso a ele?

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    # por Fernanda - 30 de dezembro de 2011 às 16:27

    Prof. Villa

    Entendi tudo, essa então é a verdadeira História do PT: não foram marco zero na luta de classes no Brasil coisa nenhuma... Safados é que são. Eles podem usar a borracha para tentar apagar a história que mostra o quanto os ternos Armani e as bolsas Louis Vuiton que usam hoje são imundos, mas vai funcionar como o mata-borrão que se usava antigamente: ficava tudo borrado.

    Esse seu artigo é bem atual, valeu mostrá-lo de novo, pois acho que nada mudou de 2005 pra cá, e nem sequer de 1980 pra cá. Esses canalhas, que usaram o operariado para virarem líderes da plutocracia tupiniquim (denominação perfeita), sabiam desde sempre que a classe operária que manobravam, coitada, não iria a paraíso nenhum. Não acredito que essa gangue tenha mudado ao longo desse tempo, porque o objetivo dessa turma de PilanTras sempre foi chegar ao poder para se locupletar com dinheiro público, e lá permanecer enganando esse mesmo "operariado".

    Nunca foram o que aparentavam ser. E muita gente de bem se enganou com eles, mas eu nunca consegui acreditar - e nem sei como ou porque, tamanha era a desfarçatez desses psicopatas - nesse engodo chamado Luis Inácio Lula da Silva.

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    # por Anônimo - 30 de dezembro de 2011 às 17:53

    Pois é, o PT mudou, mas será que foi só o PT! o que foi que se transformou o PMDB, antigo partido que lutava pela redemocratização do país, de onde se destacou ULisses Guimarães entre outros lideres de grande envergadura, hoje se transformou no que há de mais arcaico, casuista, corrupto, corporativista. que usa a força que conseguiu com o maior número de prefeituras uma bancada extremamente expressiva para amedrontar e subornar o governo em troca de benesses, o PSDB também jogou fora ideais que o originou, esqueceu de sua história criada por nomes de caráter irrepreensíveis como o grande Franco Montoro e Mario Covas e se transformou num partido distante do povo, deixando o Brasil durante anos refém do mercado liberal com uma política cambial e econômica suícida, as marcas dessa politica ficaram muito evidentes: recessão e desemprego, ou seja não é só o PT que mudou, neste sistema político atual é impossível governar com integridade. Quando será que teremos uma reforma política ampla, moderna, sem os vícios atuais que maculam, sujam, faz por feder, toda a esféra publica em todos os seu níveis.

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    # por Anônimo - 31 de dezembro de 2011 às 13:14

    Gozado é perceber que o mesmo jornal que publicou esse artigo em outras oportunidades mencionou em várias colunas que o partido se livrando de velhos militantes tidos como radicais carregados de laços ideológicos anacrônicos e de sua herança revolucionária fez com que o partido "amadurecesse" estas contradições mostram claramente que a oposição anda meio perdida não sabendo como se comportar diante de um governo com altos índices de aprovação.

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    # por Anônimo - 31 de dezembro de 2011 às 13:38

    Prof. Villa:
    No Brasil a classe política seja ela de que partido for só serve para furtar, roubar, atrapalhar, ou seja, usam a política para favoreimento próprio. E o PT está aplicando aquele velho adágio romano " panes et circenses ", não tenha dúvida. Vou lhe dizer uma coisa, Prof. Villa: o carnavalesco Joãozinho Trinta disse:" O povo gosta de luxo, quem gosta de pobreza é intelectual " A partir dessa frase, quero analisar o seguinte: enquanto muitos intelectuais perdem seu tempo escrevendo, criticando, etc.,
    o povão não está nem ai com corrupção e mais corrupção política, o povão está realmente preocupado é com o futebol, carnaval, jogo do bicho, churrasco na laje, vida boa, etc. O PT é justamente um partido que aprendeu a conhecer as necessidades do povo e, ao meu ver, vai abrir as pernas o máximo possível para ficar no poder.

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    # por Anônimo - 31 de dezembro de 2011 às 15:50

    O problema do pt é que trata-se de uma organização criminosa disfarçada em partido populista. Quem tiver tempo, basta visitar três cidades pequenas ou médias governadas pelo pt e verá que o modus operanti é o mesmo. Festas, propaganda, artistas de segunda contratados só para promoção do predeito, casas de cultura e museus para empregar petistas, pessoas ligadas ao partido de outras cidades em cargos chave$ da prefeitura, etc. Na propaganda a cidade é a que mais cresce, a que mais desenvolve, a que renasce, etc. Entretanto, se o visitante reparar bem, verá asfalto esburacado, praças abandonadas, postos de saude sem médicos, etc. Ex. Araras, São Carlos e Araraquara, todas em sp.

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    # por Anônimo - 31 de dezembro de 2011 às 15:50

    Vivemos num pais relativamente novo e uma redemocratização recente, estamos apreendendo a passos de tartaruga, sofremos um descaso secular com a educação por parte dos governantes, o maior reflexo é uma enorme parcela da população que não possui consciência política, falta cidadania, acham que as mazelas que emperram a eficácia e a modernidade do estado brasileiro são obra do acaso, por falta de sorte. Ver uma figura nefasta como Jarder Barbalho retornar a vida pública é desolador, mas acredito no avanço, no dia em que a indignação com as artimanhas do mal homen público virá a tona. Essa estória de que intelectual gosta de pobreza e pobre de luxo é uma bobagem dita por esse tal Joãozinho e repetida por papagaios de forma preconceituosa como esse sujeito do comentário 7, o pobre não quer luxo, quer renda digna, emprego, que o estado o assista como cidadão e cumpra seu papel, o churrasco na lage é apenas um momento de entretenimento, de esquecer as dificuldades e dar alguns sorrisos e o verdadeiro intelectual não gosta de pobreza, gosta de respeito e cobra responsabilidades, ele entende que o seu papel na sociedade é contribuir para o avanço coletivo entendendo as circunstâncias históricas que levaram o país a manter até hoje boa parte do seu povo nas trevas da ignorância. O Próprio professor Villa é um exemplo desse verdadeiro intelectual, engajado e contribuindo através da divulgação de estudos extremamente sérios acerca da realidade brasileira pois sabe que só a informação trara a transformação.