Fracassamos

Publiquei hoje na Folha de S. Paulo:


MARCO ANTONIO VILLA
TENDÊNCIAS/DEBATES
O ASSUNTO É
DEMOCRACIA BRASILEIRA
Fracassamos
Há despolitização, corrupção nos três Poderes e oligarcas como Sarney. A Nova República fez aniversário, ninguém lembrou. Havia motivo?
Nem o dr. Pangloss, célebre personagem de Voltaire, deve estar satisfeito com os rumos da nossa democracia. Não há otimismo que resista ao cotidiano da política brasileira e ao péssimo funcionamento das instituições.
Imaginava-se, quando ruiu o regime militar, que seria edificado um novo país. Seria a refundação do Brasil. Ledo engano.
Em 1974, Ernesto Geisel falou em distensão. Mas apenas em 1985 terminou o regime militar. Somente três anos depois foi promulgada uma Constituição democrática. No ano seguinte, tivemos a eleição direta para presidente.
Ou seja, 15 anos se passaram entre o início da distensão e a conclusão do processo. É, com certeza, a transição mais longa conhecida na história ocidental. Tão longa que permitiu eliminar as referências políticas do antigo regime. Todos passaram a ser democráticos, opositores do autoritarismo.
A nova roupagem não representou qualquer mudança nos velhos hábitos. Pelo contrário, os egressos da antiga ordem foram gradualmente ocupando os espaços políticos no regime democrático e impondo a sua peculiar forma de fazer política aos que lutaram contra o autoritarismo.
Assim, a nova ordem já nasceu velha, carcomida e corrompida. Os oligarcas passaram a representar, de forma caricata, o papel de democratas sinceros. O melhor (e mais triste) exemplo é o de José Sarney.
Mesmo com o arcabouço legal da Constituição de 1988, a hegemônica presença da velha ordem transformou a democracia em uma farsa.
Se hoje temos liberdades garantidas constitucionalmente (apesar de tantas ameaças autoritárias na última década), algo que não é pouco, principalmente quando analisamos a história do Brasil republicano, o funcionamento dos três Poderes é pífio.
A participação popular se resume ao ato formal de, a cada dois anos, escolher candidatos em um processo marcado pela despolitização. A cada eleição diminui o interesse popular. Os debates são marcados pela discussão vazia. Para preencher a falta de conteúdo, os candidatos espalham dossiês demonizando seus adversários.
O pior é que todo o processo eleitoral é elogiado pelos analistas, quem lembram, no século 21, o conselheiro Acácio. Louvam tudo, chegam até a buscar racionalidade no voto do eleitor.
Dias depois da "festa democrática", voltam a pipocar denúncias de corrupção e casos escabrosos de má administração dos recursos públicos. Como de hábito, ninguém será punido, permitindo a manutenção da indústria da corrupção com a participação ativa dos três Poderes.
Isso tudo, claro, é temperado com o discurso da defesa da democracia. Afinal, no Brasil de hoje, até os corruptos são democratas.
No último dia 15, a Nova República completou 17 anos. Ninguém lembrou do seu aniversário. Também pudera, lembrar para que?
No discurso que fez no dia 15 de janeiro de 1985, logo após a sua eleição pelo colégio eleitoral, Tancredo Neves disse que vinha "para realizar urgentes e corajosas mudanças políticas, sociais e econômicas, indispensáveis ao bem-estar do povo".
Mais do que uma promessa, era um desejo. Tudo não passou de ilusão.
Certos estavam Monteiro Lobato e Euclides da Cunha. Escreveram em uma outra conjuntura, é verdade. Mas, como no Brasil a história está petrificada, eles servem como brilhantes analistas.
Para Lobato, o Brasil "permanece naquele eterno mutismo de peixe". E Euclides arremata: "Este país é organicamente inviável. Deu o que podia de dar: escravidão, alguns atos de heroísmo amalucado, uma república hilariante e por fim o que aí está: a bandalheira sistematizada".
MARCO ANTONIO VILLA, 55, é historiador e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

NOTA: Ao invés de 17 anos leia-se 27 anos.

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    # por Anônimo - 29 de março de 2012 às 08:38

    Villa, parabéns, pelo seu grau de consciência. A verdade como Ela é. Professor, nota 9,5 para o seu artigo, apenas porque 10 só Deus merece, a nosso ver. São essas as gerações, dos 50 anos em diante, que, felizmente, têm esse grau de consciência mais apurado e essa visão realista sobre essa coisa petrificada que é o sistema e que não deixa o Brasil mudar de verdade no sentido de melhorar a vida do povo brasileiro, sob todos os aspectos. Parabéns, abraços e PNBC saudações. José Roberto Loriaga Leão

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    # por Anônimo - 29 de março de 2012 às 17:23

    A pergunta é: tem solução?

    Para quem botava alguma esperança em figuras como Demóstenes Torres, Veríssimo parece ter sido iluminado hoje no Estadão (A primeira pedra).

    http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-primeira-pedra-,854897,0.htm

    Triste Brasil...

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    # por Antonio Gossi Jr - 29 de março de 2012 às 18:13

    Excelente síntese da tragédia que é perceber-se parte dessa história. Caminhamos pelas ruas como casmurros que não devem deixar claro o quanto os tiriricas felizes nos contrariam. Enfim, "...cavalgar, cavalgar, cavalgar, pelo dia, pela noite, cavalgar..."

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    # por Unknown - 29 de março de 2012 às 21:22

    Calma, somos neném, engatinhamos ainda, temos que aprender a pensar em médio e longo prazo, 27 anos, para um pais de apenas 500, é muito pouco!

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    # por Anônimo - 29 de março de 2012 às 21:49

    O COMUNISMO Produziu quase 100 milhões de vítimas, em vários continentes, raças e culturas, indicando que a violência comunista não foi mera aberração da psique eslava, mas, sim, algo diabolicamente inerente à engenharia social marxista, que, querendo reformar o homem pela força, transforma os dissidentes primeiro em inimigos e, depois, em vítimas.

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    # por Anônimo - 30 de março de 2012 às 00:40

    Ótimo texto. O brasil precisa realizar a reforma política, precisa descentralizar, precisa reorganizar o Estado.

    Só um detalhe: fiquei surpreso ao saber que o Villa tem 55 anos. Pra mim ele tinha uns quarenta e poucos. heheh

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    # por ubirajara araujo - 30 de março de 2012 às 11:30

    Mudar como ? São necesárias ao menos quatro gerações de pessoas bem formadas, com principios de etica e moralidade enraizadas, com valores e princípios bem fundados.
    As instituições estão falidas, as pessoas encarregadas de geri-las e administra-las estão comprometidas com muitos fins particulares, porem desprovidas de qualquer princípio e consciencia social.
    A alternativa que se vislumbra é a oração.

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    # por Anônimo - 30 de março de 2012 às 11:34

    Villa, é como eu digo, sem fazer o estado funcionar nada muda. A democracia institucional começou com a eleição de franco montoro em sp. Entretanto, o estado continuou no modelo do império e acabou sendo piorado na constituição de 88. Muitos direitos e pouca responsabilidade a seus funcionários são caracteristicas de estado de terceiro mundo. Sem mudar a constituição para possibilitar um choque de gestão não há solução.
    Alias, Vc esta devendo um comentário sobre a baixa colocação das nossas universidades no ranquing mundial.

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    # por Anônimo - 30 de março de 2012 às 18:57

    Professor,não sei pq vc se dá ao trabalho de redigir uma coluNa semana sobre esse governo!Tudo se repete!

    Parabéns pelo artigo

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    # por j.a.mellow - 30 de março de 2012 às 21:33

    BRILHANTE PROFESSOR, COMO POSSO EU AQUI NA MINHA POUCA SIGNIFICANCIA IMAGINAR UMA DEMOCRACIA SEM HISTÓRIA QUE ASSIM TENHA LEVADO O PAÍS ATÉ AQUI; SEM O ENTENDIMENTO DISSO, PORTANTO, PELO POVO QUE A COMPÕE, FRUTO DE UMA GENETICA POLITICA EM QUE A EDUCAÇÃO NUNCA FOI ENCARADA DE FRENTE?
    E COMO SE NÃO BASTASSE, SER OBRIGADO A OUVIR SEM QUE HAJA NENHUMA CONTESTAÇÃO A NÃO SER POR UNS GATOS PINGADOS, PARTIDOS DE SIGLAS PC's A SE INTITULAREM DEMOCRATAS!
    blogdojamellow.blogspot.com

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    # por Anônimo - 30 de março de 2012 às 22:08

    Como dizia o grande Lima Barreto: - o Brasil não tem povo; tem público -.

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    # por Anônimo - 31 de março de 2012 às 15:20

    Villa,olha como o Brasil vai bem:

    http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,mesmo-apos-tres-politicas-industriais-brasil-vive-desindustrializacao,108094,0.htm

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    # por Anônimo - 2 de abril de 2012 às 17:56

    Concordo com tudo que foi analisado no texto Villa, mas ainda acho que o Brasil de hoje é melhor do que o de antes,o pais é relativamente joven e caminhamos a passos de tartarugas para uma democracia mais autentica mas houve alguns avanços sobretudo nos últimos doze anos, a ascensão de milhôes de brasileiros para faixa de consumo não deixa de um ser um avanço democratico, a porcentagem de brasileiros que pôde ingressar nas faculdades aumentou consideravelmente (levo em consideração a baixa qualidade do ensino público e privado em todos os níveis que ja é um outro problema) A lei da ficha suja mesmo que tardia tambem é um sinal da lenta mudança, agora se livrar do arcaico sistema vingente só com uma ampla reforma no sistema político e rogo para chegar o dia em que nos livraremos dos herdeiros das oligarquias que paralisam qualquer mudança mais profunda nesta república e istó só com investimento maciço em educação pois apesar do avancos não é só renda que democratiza, mas principalmente informação

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    # por Anônimo - 4 de abril de 2012 às 09:53

    Muito bom Professor Villa.
    Mas fazer o que???
    Nas escolas os professores ainda são "macacas de auditório" do PT e da esquerda.
    É uma piada. É o doce fim de uma civilização...
    Até historiadores renomados como o senhor estão vendo a tragédia que ocorre no Brasil e no mundo.
    Antes, apenas filósofos marginalizados, como Olavo de Carvalho, tinham coragem de dizer essas e outras verdades.
    Paz e Bem!!!