Ao longo do último meio século várias "teses" ficaram consagradas no debate político brasileiro. Uma delas foi a da reforma agrária. A idéia - que vêm desde os anos 20, basta recordar o "Agrarismo e industrialismo" de Octávio Brandão - era de que a indústria só poderia se desenvolver caso ocorresse a reforma agrária. As razões eram as seguintes: 1. com o fim do latifúndio seriam criadas centenas de milhares de pequenas propriedades; 2. as pequenas propriedades diversificariam a produção e abasteceriam as cidades com gêneros a baixo preço; 3. desta forma diminuiria o custo de reprodução da força de trabalho e a inflação; 4. os pequenos proprietários, agora com o aumento da rentabilidade, comprariam produtos industriais aumentando ainda mais a produção (com o crescimento da produtividade) e criariam mercado para o setor industrial; 5. além das mudanças econômicas, com a expropriação do latifúndio, o poder político, por tabela, iria se democratizar, pois seria rompida a aliança conservadora, retrógrada, do latifúndio com a burguesia aliada do imperialismo.
Isto polarizou o debate político durante décadas. Em certos momentos incendiou o país. Mas a história acabou percorrendo outros caminhos. Vamos aos fatos:
1. o país industrializou-se sem necessidade de uma reforma agrária;
2. o Brasil transformou-se em uma potência agro-pecuária;
3. acabou o problema urbano da carestia, da falta de produtos, enfim, da escassez;
4. a "revolução burguesa" completou seu processo sem qualquer revolução agrária;
5. a grande produção agro-pecuária é produto especialmente do agro-negócio;
6. o processo de urbanização foi completado sem reforma agrária;
7. o mercado industrial foi obtido principalmente no meio urbano e com as exportações.
E como ficou o debate? Não ficou. Os autores da "tese" e seus penduricalhos sumiram. Evitam enfrentar a realidade. Alguns - aqueles saudosos do muro de Berlim e dos campos de concentração stalinistas - só repetem mecanicamente a fórmula como um mantra, algo religioso, absolutamente desconectado do que ocorreu e ainda está ocorrendo no nosso país. Sem esquecer ainda os que vivem da exploração da "tese", usufruindo das generosas verbas do governo federal.
# por Anônimo - 24 de janeiro de 2011 às 23:23
Villa, estou longe de ser um especialista para discutir isso, mas acho que os fatos como você coloca trazem algumas simplificações, bem como os autores da "tese" quem menciona sem dúvida estão datados em várias de sua previsões. Sem querer apresentar outros fatos, mas colocaria os seguintes pontos que talvez mereçam algumas análises:
1. se de um lado a inexistência da reforma agrária não impediu a industrialização, por outro saltos importantes rumo a industrialização talvez ocorreram quando houve crises no setor agrário exportador das grandes propriedades, que levou a mudanças de poder e incentivos para a industrialização visando a substituição das importações;
2. sem dúvida é uma potência agro-pecuária, mas boa parte disso vem de pequenos proprietários venderam suas pequenas propriedades no sul e sudeste e rumaram para o Centro Oeste, viabilizado tecnologicamente também pelo esforço da Embrapa. Ou seja, acho que viramos potência agro-pecuária muito devido ao empreendedorismo de pequenos proprietários que buscaram novos desafios e grandes negócios, e bem menos pelos grandes proprietários de áreas tradicionais e antigas, sempre pendurados nas benesses dos governos, que pouco ousaram e quebraram ou vivem de resquicíos do passado;
3. é verdade que o abastecimento urbano melhorou muito, mas isso é devido tanto ao grande agronegócio, como em boa parte as pequenas propriedades que são fundamentais para hortifrutigranjeiros chegarem as nossas mesas;
4. desculpe minha ignorância, mas o que significa a "revolução burguesa" completou seu processo? Acho que isso é muito diferente se compararmos cidades grandes e pequenas do nosso Brasil, se compararmos diferentes regiões. Se completar o processo significa ter uma classe média forte, representativa, e constituindo a maioria da população, acho que ainda estamos longe de completar o processo, pelo menos na maior parte do Brasil;
5. não tenho dados, e nem tempo para procurar, mas acho que sua afirmação se aplica essencialmente a produção agro-pecuária exportadora, ou ao mercado interno de alcool e commodities. Muitos alimentos tem seu suprimento proveniente não do grande agronegócio mas sim de inúmeras pequenas propriedades, semi-profissionais, com muito ainda a melhorar e ser mais produtivas;
6. acho que o processo de urbanização pode ser dito completo em termos de ter hoje proporção de população urbana equivalente ao de países desenvolvidos industrializados, ou seja o lado quantitativo 0k. Porém no lado qualitativo, que o diga a favelização, precariedade de ocupação, etc, das cidades médias e grandes mostra que ainda há muito a avançar no processo de urbanização;
7. As exportações de manufaturados foram fundamentais para nossa indústria, mas hoje se não me engano é o mercado interno o mais importante, até pelo problema de dificuldade de exportação devido ao câmbio. Há muita insegurança quanto a uma possível desindustrialização, especialmente em alguns setores, devido há várias dificuldades conjunturais externas e internas. Aliás esse é um grande desafio do governo atual.
Por fim, se é "algo religioso" o que pregam os autores da "tese" mencionados, não fica menos religioso certas pregações sobre o "livre mercado", "liberalismo", etc, que nem a pátria do tio Sam, que tanto defende isso nos discursos e nos símbolos, segue na prática. A milionária ajuda do estado americano as industrias e bancos quebrados na última crise, em boa parte necessária, bem como o histórico protecionismo agrícola do governo deles, que inclusive muito prejudica nosso agro-negócio, mostra essa distância entre o discurso e a prática.
Espero que essa mal traçadas palavras não sejam taxada nem de "petralhas" nem de "neotucanas". São humildes e incompletas opiniões para fomentar o debate neste blog.
# por Anônimo - 25 de janeiro de 2011 às 00:00
Por falar em agro-negócio, ainda há muitas dificuldades a superar, por exemplo:
http://www.cartacapital.com.br/carta-verde/codigo-florestal-conflito-de-interesses-e-expectativas
http://www.cartacapital.com.br/carta-verde/o-quixote-das-hidrovias-comeca-a-ganhar-batalhas