A farsa de Collor
Publiquei este artigo na FSP no dia 17 de março de 2007. Tinha assistido pela TV uma sessão do Senado e ficado estarrecido com um discurso de Fernando Collor, era o primeiro dele como senador. O plenário tinha ficado silencioso e depois vários senadores foram pedindo apartes e começaram a louvar os méritos do ex-presidente. Foi uma tremenda vergonha. Nenhum senador, de nenhum partido, questionou o senador. Somente na semana seguinte. o senador Pedro Simon (PMDB-RS) foi à tribuna e discursou contra Collor. Foi aparteado pelo senador alagoano e literalmente xingado. E todos os senadores presentes, sem exceção, assistiram passivamente a mais uma cena vergonhosa do Senado.
MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA
NA ÚLTIMA quinta-feira, o Senado Federal protagonizou mais um triste espetáculo. O senador Fernando Collor foi à tribuna e discursou por mais de três horas. Foi aparteado diversas vezes, sempre com rasgados elogios. Chorou, assim como outros senadores choraram.
Se um estrangeiro estivesse assistindo à sessão e desconhecesse a história recente do Brasil, poderia imaginar que o senador alagoano teria sido vítima de um processo cruel, de uma injustiça sem tamanho. Ledo engano.
Collor foi impedido de continuar na Presidência da República não por algum artifício das elites, mas por ter ferido gravemente a ética republicana. Depois de uma CPI -e com um presidente, Benito Gama, que era do PFL, partido que apoiava o governo- foi pedido o impeachment por uma ampla gama de entidades da sociedade civil, lideradas pela OAB e pela ABI, sem esquecer a participação do movimento estudantil, que liderou inúmeras passeatas pelo Brasil. A Câmara dos Deputados aprovou o impeachment por 441 votos a favor e apenas 38 contra. No Senado, foram 76 favoráveis e cinco contra. De acordo com pesquisa do Datafolha, pouco antes do impedimento, 84% da população considerava o governo ruim ou péssimo.
Portanto, o resultado do processo não foi uma armadilha da elite contra o presidente dos "descamisados", mas produto de dois anos e meio de um governo desastroso e que já tinha anunciado seus "métodos de trabalho" quando, às vésperas do segundo turno da eleição presidencial, em dezembro de 1989, levou ao horário eleitoral gratuito uma ex-namorada de Lula que o acusava de ter sugerido um aborto, depoimento que foi decisivo para a vitória de Collor.
Logo ao assumir congelou todos os ativos financeiros, infelicitando a vida de milhões de brasileiros e arruinando a vida de milhares de pequenos poupadores. Fez dois planos de estabilização econômica que fracassaram redondamente. A inflação em 1990 foi de 1.198%, no ano seguinte "caiu" para 481% e em 1992 chegou a 1.157% . O crescimento do PIB foi negativo em 1990 (4,3%), quase nulo no ano seguinte (0,3%) e voltou a ser negativo em 1992 (0,8%).
Se os resultados econômicos foram péssimos, pior ocorreu com a ética republicana. Desde a posse foram surgindo na imprensa diversas denúncias de corrupção. Com o passar dos meses, a figura sinistra de Paulo César Farias, ex-tesoureiro da campanha de Collor, se transformou em eminência parda de negócios nebulosos envolvendo empresas fornecedoras do governo federal. Em 1992, foi o próprio irmão do presidente, Pedro Collor, que denunciou um esquema de corrupção que supostamente envolvia PC Farias e Collor, motivo da abertura da CPI.
Vestir o figurino de republicano impoluto, buscar com os assessores citações de autores clássicos, comparar-se com outros presidentes (e com exemplos equivocados, como a "extradição" de Washington Luís), falar com voz embargada, tudo foi uma farsa. Como ensina o dicionário Houaiss: "uma ação ou representação que induz ao logro; mentira ardilosa, embuste".
# por Anônimo - 29 de janeiro de 2011 às 15:03
É lamentável. Lembro de uma frase mais ou menos assim do Mário Covas: a gente entra no governo, conserta tudo que o Maluf fez de errado, e se mesmo assim o povo escolher ele no voto, paciência. Mas daqui a quatro anos voltamos a disputar com ele pois é muito bom ganhar do Maluf. Nos faltam políticos como o Covas, que, lembrando outro de seus méritos, evitou que o na época senador FHC tentasse levar o recém nascido PSDB a ser base de apoio do presidente das Alagoas em começo de mandato.
# por Anônimo - 29 de janeiro de 2011 às 15:20
Não tem nada a ver com o assunto do post, mas sempre é bom divulgar para acabar com essa prática lamentável em nossas universidades:
http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/arch2011-01-01_2011-01-31.html#2011_01-29_06_47_05-10045644-0
# por Anônimo - 29 de janeiro de 2011 às 17:12
Anônimo-29 de janeiro de 2011 15:03. Na realidade, quem reabilitou o Collor foram o ex-presidente e a nova presidente. Além de todo um séquito, incluindo o ex-presidente da UNE, agora senador eleito. O senador por São Paulo, Suplicy, quase foi às lágrimas ao apartear o Collor e pediu até desculpas pelo impeachment.
# por barbarah.net - 29 de janeiro de 2011 às 19:03
Nem Terra Estrangeira (Walter Salles e Daniela Thomas) conseguiu traduzir a desgraça dos pequenos poupadores.
# por Anônimo - 29 de janeiro de 2011 às 21:48
Anônimos #1 e #3, de fato, no que se refere a apoiar ou reabilitar o Collor, quando lhes foi pertinente, seja FHC, seja Lula, agiram da mesma forma. Tudo farinha do mesmo saco, infelizmente.
# por Anônimo - 29 de janeiro de 2011 às 22:07
"... houve a degradação da sociedade em todos os segmentos. A classe média está em meio a corrupção e ameaças. As elites roubam o povo e vão se esconder. E eis a verdadeira tragédia: a intelligentsia abandonou seu projeto de país. A oposição começa a se movimentar, mas ainda é débil. " ... calma ... não é o Brasil: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,teatro-russo-de-luz-e-sombras,672741,0.htm