Publiquei hoje em O Globo:
Vez ou outra volta à tona o tema “mexicanização” do Brasil.
Agora vinculado a um provável domínio do Partido dos Trabalhadores da cena política como resultado das eleições de outubro.
O PT seria a versão nacional do Partido Revolucionário Institucional (PRI). Nada mais falso. O longo período de domínio do PRI esteve vinculado à revolução de 1910, à Constituição de 1917 e seus direitos sociais, à reforma agrária (só a presidência Cárdenas distribuiu 18 milhões de hectares) e às figuras que marcaram o processo revolucionário, especialmente os líderes camponeses Emiliano Zapata e Pancho Villa.
Depois da grande turbulência de 1910-1920 — e das dezenas de milhares de mortos — teve início a primeira tentativa de estabilização com a eleição de Álvaro Obregón para a presidência e, quatro anos depois, de Plutarco Elias Calles. Contudo, as divergências políticas continuaram a ser resolvidas no terreno militar. Basta recordar a guerra dos cristeros, quando houve o confronto aberto entre Estado e a Igreja católica em uma guerra civil com 80 mil mortos. Em 1928, Obregón foi novamente eleito presidente, mas acabou morrendo, vítima de um atentado (na década anterior dois presidentes já tinham sido assassinados: Francisco Madero e Venustiano Carranza).
A fundação do Partido Nacional Revolucionário (PNR), em 1929, teve como mentor o ex-presidente Calles. O objetivo era dificultar a intervenção dos generais nas deliberações governamentais, transferindo as decisões e as divergências do campo militar para o interior do partido. Formado por chefes militares e civis da revolução, o PNR foi um instrumento do Estado para impor a sua vontade: fora dele nenhuma liderança política, por mais expressiva que fosse, poderia sobreviver.
Em 1938, o PNR transformou-se em Partido da Revolução Mexicana, e oito anos depois em Partido Revolucionário Institucional. O PRI funcionou como um verdadeiro partido de Estado, lançando seus tentáculos sobre a sociedade civil, asfixiando a vida política e transformando as eleições em mero ritual confirmatório da imposição partidária.
O caso brasileiro é muito distinto.
Apesar dos pesares, temos uma democracia em funcionamento. Aqui, a sustentação política do governo tem uma base plural. Se os “movimentos sociais” estão sob a tutela do PT, o movimento sindical, assim como os governos estaduais, estão partilhados entre vários partidos. A máquina do Estado, incluindo as empresas estatais, não é monopolizada pelos petistas, mesmo que estes controlem as áreas mais importantes, onde estão alocados os maiores recursos orçamentários, origem de negócios nada republicanos.
Também, diferentemente do México, a mística que vai ser preservada não é a da revolução, mas de Lula. O culto pessoal chegou a um ponto nunca visto no Brasil. E veremos muito mais entre a eleição de outubro e a saída formal de Lula da presidência, a 1 de janeiro de 2011. O queremismo de 1945 vai parecer brincadeira infantil frente ao espetáculo de verdadeira comoção pública.
Lula vai percorrer o país como um verdadeiro Dom Sebastião. Só que, diferentemente do rei português, vai anunciar o seu “desaparecimento” e deixar no ar o “retorno”.
Tudo no melhor estilo Lula: vai encerrar o governo de onde nunca saiu em oito anos — o palanque.
O PT não é o PRI. Não tem como instrumentalizar uma legenda revolucionária.
Não teve líderes históricos, uma história épica, tal qual a Revolução de 1910. Enquanto no México o PRI insistia em dizer que continuava a luta de Emiliano Zapata, para o PT restou ter como referência José Dirceu.
A função do PT é conceder alguma coerência ideológica à ampla base do governo. Produz o discurso que vai ser repetido pelos outros partidos, indo do PP até o MST. O PT solda a ampla aliança governamental, dando organicidade ao saque do Estado.
Ou, na linguagem de Michel Temer, à partilha do pão.
Numa mesa onde aparentemente cabem todos, o governo foi estabelecendo laços de dependência entre figuras tão díspares como Jader Barbalho e José Rainha. Todos tributários do Estado e da boa vontade do presidente para seus múltiplos negócios, desde um ranário milionário até um assentamento improdutivo.
Na eleição de 2000, o esgotamento do modelo econômico e as pressões da sociedade civil mexicana acabaram levando o domínio do PRI à derrocada.
No Brasil o domínio lulista (mais que petista) pretende permanecer longo tempo no poder. Mas, como se alicerça numa base política frágil, tende a ter vida curta.
# por André Henrique - 14 de setembro de 2010 às 14:18
Professor, a base política é frágil. Tanto que um futuro governo Dilma - caso ela seja eleita - certamente, será uma seara de crises políticas. Sarney, Renan, Collor pressionando de um lado, José Dirceu, de um grupo, Pallocci, de outro, pressionando do outro lado. (E como sempre PR, PP e PTB mamando nas tetas do Estado, além do PC do B e dos militantes petistas). Acredito que Dilma terá sérios problemas de articulação política. Até por isso Lula não poderá ficar tão longe do governo. Outro componente é a possibilidade de uma crise fiscal, que poderia desestabilizar mais ainda essa engenharia política heterogênea.
No entanto, faço uma questão. O que o professor acha destas tentativas do PT, de controlar a imprensa e reformar as forças militares? Não acredito que essa turma que mama no Estado (PMDB, PP, PR) ligariam de viver num regime "bolivariano", desde que nele, tivessem suas vantagens garantidas. Se o PT amordaçar a imprensa e controlar as forças armadas, o professor não acha que poderiam - mesmo com uma base política "infiel" -, controlar de vez a sociedade? Daria para traçar um paralelo com o autoritarismo chavista?
# por Anônimo - 14 de setembro de 2010 às 18:04
Professor Villa, então se Lula desencarnar isso que está aí, já era?
# por Anônimo - 14 de setembro de 2010 às 18:24
Professor , o que aconteceu ?
Qualquer um que vier a este blog e ver as páginas mais antigas , verá que o senhor falava que caso o PT ganhasse as eleições , eles se trasformariam num PRI .
# por Anônimo - 14 de setembro de 2010 às 18:58
Apesar dos pesares, temos uma democracia em funcionamento. ?????????
# por barbarah.net - 15 de setembro de 2010 às 00:55
... e Guerra de los Pasteles não é pastelão...
Tema para lembrar que o Brasil não é tiririca :
MORELENBAUM-SAKAMOTO:CASA (CD)
# por Anônimo - 15 de setembro de 2010 às 07:33
Minha gente, o negócio agora é luta dos dois principais partidos PT e PSDB que juntos já somam 20 anos de mando. O PSDB que ficou 08 anos e saiu tosquiado, não fez o sucessor, e o PT que sai bem avaliado, sai com um líder,e até com fama internacional.. e elege o sucessor (vai fazer 12 anos.) O PMDB é o maior partido mas é uma deferação.. poder muito fragmentado.. Agora, divido, é que indica um vice. Pois bem, uma coisá é certa, diminuimos o DEM.. Acho que esse é um elemento importante. O professor deve lembrar que no gov FHC... O DEM ficou sempre com a educaçao.. E para criar o FUNDEF foi preciso tirar esse ministério do DEM (PFL)e colocar o Paulo Renato. Agora, ele é contrário o PROUNE, piso Fundeb, bolsa família tudo.. O PSDB tem consciência disso.. Por alguns dias ele eliminou a indicaçao do vice... mas voltou atras e aceitou colocar um jovem desconhecido... da nova safra, etc.. que o que tinha pra se falar dele é da relatoria do ficha limpa.. Mesmo assim o Indio tem problemas no RJ com uma vereadora do PSDB... desvio da merenda, eliminação de pedintes nas ruas do RJ.. Esse é um fardo pesado. No fundo, no fundo, estamos vivendo o melhor período da política brasileira.. A democracia engrenou.. partidos com teses mais qualificadas estão no centro defendendo posições.. Isso é novo na história social, política, brasileira... A questão da governance. Isso não será problema para o próximo governo.. sua melhor virtude é de ser boa gestora.. Quanto a governabilidade, o PT, PMDB, PSB, PCdoB,PR, PTB* são habilidosos...etc.. E o lula será importante nessa costura.. então, acho que estamos hoje num patamar mundial muito melhor que os anos anteriore. De tal forma que não existe mais aquela dicotomia: centro, periferia. Existe o centro e área intermediária.. e o Brasil está nessa área.. rumando para o centro.
# por Anônimo - 15 de setembro de 2010 às 12:25
Concordo com nosso amigo anômimo. PT, PMDB e PR são muito habilidosos. Principalmente quando o assunto é dividir o pão ou o bolo ou a bolada.
# por Anônimo - 15 de setembro de 2010 às 13:07
Bem. Primeiro, veremos o que sairá das urnas em 03 de outubro. O Professor Villa analisou, bem analisado, comparando dois momentos históricos e dois partidos completamente diferentes. A conclusão dele está correta com o estudo realizado. Falando de uma maneira geral, o presidencialismo no Brasil não permite a dualidade de poder. Ou seja, um presidente tendo uma sombra. Constituir-se-ia, num foco de crises institucionais. Os atos presidenciais não podem ser repartidos, exceto com as instâncias de poder institucionalmente constituídas (assessores, ministérios, Congresso, Judiciário). Não há outros tipos de figuras, tais como, regente, tutor ou eminência parda, previsto na Constituição Federal. Aliás, o que está tratado na campanha, é entre o candidato e os eleitores. Não há no contrato nada escrito e registrado de que, caso eventualmente seja eleito, dividirá a presidência com quem quer que seja. Outro aspecto: ninguém gostaria de votar em um candidato que seja mero esquentador de cadeira. Ou alguém que, a cada problema, solicitasse ajuda de outrem, de fora do governo, para resolvê-los.
# por Anônimo - 15 de setembro de 2010 às 14:42
Meu caro, essa ideia de poste, de esquentar cadeira.. Isso é história da carochinha...Isso é idea...ideologia.. Que diabo é isso? É uma idéia de uma pessoa ou determinado grupo...propagado pela opinião pública... etc, e que eu escuto, leio.. acredito naquilo e vou difundir como se fosse minha. Pois bem, essa história de Dilma poste.. já não pode ser mais aplicada... A mulher já corre na estrada a tempo... Tb falaram isso quando o Zé Dirceu foi afastado..A oposição dizia: vamos tirar o maestro de lá que banda pára!... Lêdo engano!! a mulher veio e fez o governo andar... Melhor que com Zé. E Lula colou no MSindical, Social, popular... e trouxe de volta o modelo desenvolvimentista que já estava aposentado.. desde o final dos anos 70. Pois bem, recentemente o Carlos Aug Montenegro (dono do IBOPE) deu uma declaração que era fã da Dilma tal a desenvoltura, primeiro como gestora, depois como animal político. O Serra já disse, semana passada, que a população "tem que votar nele" porque se a Dilma ganhar o Lula não volta em 2014.. O retorno de Lula só se dará com ele. Mas o que isso quer dizer? Isso é o reconhecimento que ela tem personalidade própria, que não é poste. Totalmente o contrário da tese defendida por ele, em 2009. Entendem o jogo? O que é ideologia? É isso!!! vc diz... depois "dizdiz".. E quem não entende fica reproduzinho uma coisa que eles próprios (quem criou a idéia)já não dizem mais.