Falácias sobre a luta armada na ditadura
Este texto foi publicado na Folha de S. Paulo em 19 de maio de 2008.
Acabou criando uma enorme polêmica:A LUTA armada, de tempos em tempos, reaparece no noticiário. Nos últimos anos, foi se consolidando uma versão da história de que os guerrilheiros combateram a ditadura em defesa da liberdade. Os militares teriam voltado para os quartéis graças às suas heróicas ações. Em um país sem memória, é muito fácil reescrever a história. É urgente enfrentarmos essa falácia. A luta armada não passou de ações isoladas de assaltos a bancos, seqüestros, ataques a instalações militares e só. Apoio popular? Nenhum. O regime militar acabou por outras razões.
Argumentam que não havia outro meio de resistir à ditadura, a não ser pela força. Mais um grave equívoco: muitos dos grupos existiam antes de 1964 e outros foram criados logo depois, quando ainda havia espaço democrático (basta ver a ampla atividade cultural de 1964-1968). Ou seja, a opção pela luta armada, o desprezo pela luta política e pela participação no sistema político e a simpatia pelo foquismo guevarista antecedem o AI-5 (dezembro de 1968), quando, de fato, houve o fechamento do regime.
O terrorismo desses pequenos grupos deu munição (sem trocadilho) para o terrorismo de Estado e acabou usado pela extrema-direita como pretexto para justificar o injustificável: a barbárie repressiva.
Todos os grupos de luta armada defendiam a ditadura do proletariado. As eventuais menções à democracia estavam ligadas à "fase burguesa da revolução". Uma espécie de caminho penoso, uma concessão momentânea rumo à ditadura de partido único.
Conceder-lhes o estatuto histórico de principais responsáveis pela derrocada do regime militar é um absurdo. A luta pela democracia foi travada nos bairros pelos movimentos populares, na defesa da anistia, no movimento estudantil e nos sindicatos. Teve na Igreja Católica um importante aliado, assim como entre os intelectuais, que protestaram contra a censura. E o MDB, nada fez? E seus militantes e parlamentares que foram perseguidos? E os cassados?
Quem contribuiu mais para a restauração da democracia: o articulador de um ato terrorista ou o deputado federal emedebista Lisâneas Maciel, defensor dos direitos humanos, que acabou sendo cassado pelo regime militar em 1976? A ação do MDB, especialmente dos parlamentares da "ala autêntica", precisa ser relembrada. Não foi nada fácil ser oposição nas eleições na década de 1970.
Os militantes dos grupos de luta armada construíram um discurso eficaz. Quem questiona é tachado de adepto da ditadura. Assim, ficam protegidos de qualquer crítica e evitam o que tanto temem: o debate, a divergência, a pluralidade, enfim, a democracia. Mais: transformam a discussão política em questão pessoal, como se a discordância fosse uma espécie de desconsideração dos sofrimentos da prisão. Não há relação entre uma coisa e outra: criticar a luta armada não legitima o terrorismo de Estado.
Precisamos romper o círculo de ferro construído, ainda em 1964, pelos inimigos da democracia, tanto à esquerda como à direita. Não podemos ser reféns, historicamente falando, daqueles que transformaram o adversário, em inimigo; o espaço da política, em espaço de guerra.
Um bom caminho para o país seria a abertura dos arquivos do regime militar. Dessa forma, tanto a ação contrária ao regime como a dos "defensores da ordem" poderiam ser estudadas, debatidas e analisadas. Parece, porém, que o governo não quer. Optou por uma espécie de "cala-boca" financeiro. Rentável, é verdade.
Injusto, também é verdade. Tanto pelo pagamento de indenizações milionárias a privilegiados como pelo abandono de centenas de perseguidos que até hoje não receberam nenhuma compensação. É fundamental não só rever as indenizações já aprovadas como estabelecer critérios rigorosos para os próximos processos. Enfim, precisamos romper os tabus construídos nas últimas quatro décadas: criticar a luta armada não é apoiar a tortura, assim como atacar a selvagem repressão do regime militar não é defender o terrorismo.O pagamento das indenizações não pode servir como cortina de fumaça para encobrir a história do Brasil. Por que o governo teme a abertura dos arquivos? Abrir os arquivos não significa revanchismo ou coisa que o valha.
O desinteresse do governo pelo tema é tão grande que nem sequer sabe onde estão os arquivos das Forças Armadas e dos órgãos civis de repressão.
Mantê-los fechados só aumenta os boatos e as versões fantasiosas.
# por barbarah.net - 26 de novembro de 2010 às 20:24
Em 68, eu morava na Rua Maria Antonia (Edifício Canadá), perto da Doutor Vila Nova. O epicentro da agitação. Mackenzie X USP. TFP e CCC. Bombas Molotov e bolinhas de gude para derrubar os cavalos da polícia. Apesar de acredidar na sinceridade dos meus amigos comunistas, aderi ao movimento hippye. Não deixei de gostar de Che Guevara. Levanto a cabeça e vejo seu poster tão bonito... Tudo a ver com o clima de uma casa de praia.
Memória emotiva.
# por barbarah.net - 27 de novembro de 2010 às 02:52
Tema polêmico. Vem à tona erros, equívocos, sonhos, pendências. Difícil.
Única certeza: de 64 até a Anistia, tive medo, pavor, pânico, horror dos militares. Herdei uma desconfortável paranóia. Um certo bloqueio.
Nunca me senti ameaçada pelos tidos como terroristas. Eram conhecidos, desconhecidos, conhecidos dos amigos, amigos dos desconhecidos.
O clima, na época era insuportável! Não gosto nem de lembrar. Verdade.
# por Lucas - 27 de novembro de 2010 às 09:00
Concordo com a barbarah.net (02:52). Tambem me sentia assim. Porém, hoje, concordo é com Millor Fernandes. O pessoal estava fazendo um investimento, isso sim.
Hoje tenho muito mais receio da quadrilha que tomou conta do poder, do que dos milicos. Mas o meu receio não me impede de dizer para todo mundo, que faço parte dos 59% do povo brasileiro que NÃO votou na dilma!
# por barbarah.net - 27 de novembro de 2010 às 10:12
O PT do passado não existe. Apodreceu. O MDB não é mais de Ulisses, Fidel é pouco recomendável e a meninada, que pegou nas armas, está no poder.
O clima, na época, era insuportável. Continua insuportável. Hoje, por outros motivos, outro contexto, outros delírios, outras razões.
Mas, a sombra do Che, o muro de Berlin, as palavras de Sartre, o silêncio de Hiroshima e Nagasaki continuam a nos incomodar. Que sabe como licença poética, quem sabe como um ponto de partida, quem sabe...
Em tempo: A Terra é azul!!!!
Lucas, também concordo com você.
# por Anônimo - 27 de novembro de 2010 às 18:01
A abertura e divulgação dos arquivos seria uma boa medida. Podem revelar aspectos históricos importantes que, hoje, têm interpretações e versões tendentes ou a fortalecer mistificações ou a renegá-las a planos secundários. Seria um desafio, mais um, que apresenta-se à frente dos cidadãos.
Dawran Numida
# por barbarah.net - 28 de novembro de 2010 às 09:21
O álbum CLUBE DA ESQUINA (1972) Milton Nascimento e Lô Borges
é um roteiro musical da época. Histórico.
# por Anônimo - 11 de março de 2012 às 08:09
Olá professor Marco A. Villa,
Sou militar e professor de História da Academia da Força Aérea, em Pirassununga - 80 km de São Carlos. Sou regular telespectador de suas participações em telejornais e programas da TV. Admiro a lucidez de seus comentários e análises da política e da história. Também, quando posso, leio seus textos e livros.
Bem, estou trabalhando na construção da apostila para os nossos cadetes no tema “Golpe Militar de 1964 e regime Militar”, conteúdo programático de nossa disciplina no curso de História Militar II.
Por comungar, em larga medida, com sua leitura sobre o período, solicito a possibilidade de indicação de algumas referências para elaboração de nosso texto. O seu memorável artigo Falácias sobre a Luta Armada na Ditadura, de 2008, já e leitura obrigatória e consta em nosso conteúdo.
# por Anônimo - 17 de maio de 2012 às 10:44
Ok, sabichão, explica isso para as milhares centenas de mães, pais, filhos, e esposas que sofrem até hoje com os milhares de desaparecidos em razão da represssão injustificável (como o Sr. Bem colocou). A comissão não é da verdade? a nomeação dos membros me pareceu neutra e distante das estúpidas ideologias de Direita ou esquerda, pois bem, que se descubra a verdade, quem praticou ato de terrorismo que seja nominado e quem práticou a tortura e a bárbarie em nome do Estado que também seja apontado e, principalmnete que as famílias dos desaparecidos recebam as notícias do real paradeiro de seus entes e possam descansar em paz. Engraçado que todo mundo dabe quem são os terroristas, Dirceu, Dilma, F. Martins, Gabeira, Genuíno e tantos outros (anistiados), mas, o Brasil (povo) não sabe quem foram os criminosos estatais torturadores e estupradores (também anistiados), o Brasil (povo) necessita saber a verdade e estar ciente de seu passado para que isso possa ser resolvido de uma vez por todas, tem muito militar torturador e estuprador escondido em clubes militares atrás das suas estrelas e pagando de cidadão exemplar, ISSO NÃO ESTÁ CERTO!!! não há possibilidade jurídica dee punição para nenhum dos lados, mas, o conhecimento da história e de seus personagens é direito da nação.
# por Anônimo - 17 de maio de 2012 às 10:45
sujeito a aprovação? dúvido publciar meu comentário anterior.