Oligarquia e miséria

Publiquei hoje em "O Globo" este artigo:


Mais uma vez o senador José Sarney mostrou a sua força. Deixou muito para trás vários personagens poderosos da história da República. Francisco Glicério, Pinheiro Machado ou Ulysses Guimarães nem se aproximam do poder demonstrado por Sarney. Se foram melhores republicanos — e isto não se discute —, o oligarca maranhense demonstrou ao longo de meio século conhecer melhor os meandros do poder. Sozinho indicou 2 ministros para a presidente Dilma Rousseff. Não são do partido, de uma região, não. São da sua cota pessoal. O país não ficou horrorizado. Já se acostumou.

O senador nunca teve tanto poder como durante os oito anos da presidência Lula. Algumas fatias do governo foram consideradas suas propriedades. A Eletrobrás e subsidiárias acabaram sendo apresadas. Nada se fez nessas empresas sem a sua concordância. É sabido que José Ribamar Ferreira de Araújo Costa — seu nome de batismo — nada entende de energia. O senador domina esta área pelas razões que todos nos sabemos — e que não são nada republicanas. Mas, no Brasil contemporâneo, isto também não causa estranheza.

Se a presença do maior dos oligarcas na cena nacional é nociva, muito pior é o que ocorre no Maranhão, considerado uma capitania da família Sarney. Lá, eleição é só para cumprir tabela. Eles sempre ganham. E, quando perdem, como em 2006, conseguem anular o pleito com o auxílio do Tribunal Superior Eleitoral, em um verdadeiro golpe de Estado, que o país assistiu passivamente.

A pequena cidade de Presidente Sarney é um bom e triste exemplo do domínio oligárquico. O município foi criado em dezembro de 1994, por lei estadual. Recebeu o nome do ex-presidente, o que é proibido pela Constituição. Mas no Maranhão existem dois tipos de cidadãos: os comuns e aqueles que fazem parte da famiglia Sarney. O gentílico dos nascidos na cidade é sarneyense. O município tem pouco mais de 17 mil habitantes, dos quais 2/3 vivem na área rural. Dos 4.700 domicílios, somente 4 mil estão ocupados, uma tendência nas áreas miseráveis: o trabalhador migra para cidades maiores à procura de emprego e retorna nas eleições e nas festas comunitárias.

Na prática não existe saneamento básico, o recolhimento de lixo é esporádico e o funcionalismo municipal vive com os salários atrasados. Mesmo assim, em 2009, a prefeitura fez um concurso para preencher 395 vagas na administração municipal. A receita da prefeitura é totalmente depende das transferências federal e estadual.

A economia local gira em torno da pequena produção de arroz, milho e feijão e do açaí (este cuja produção anual rende 146 mil reais). Na cidade há 20 automóveis, 2 caminhões e 184 motos, mas não tem nenhum trator. As 42 empresas (para o IBGE um pequeno negócio, por menor que seja, é considerado uma empresa) empregam apenas 471 trabalhadores assalariados. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social, no município 2.853 famílias recebem o Bolsa Família. Como, em média, uma família sertaneja não tem menos que 5 membros (o casal e 3 filhos), é possível estimar que 80% da população recebam o benefício. Segundo a Previdência Social, em 2009 foram concedidos em Presidente Sarney 907 benefícios.

Entre os 20 municípios com os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) no Brasil, a maioria está no Maranhão. O estado disputa este triste troféu com Alagoas e Piauí. Entre os 5.506 municípios listados no IDH, Presidente Sarney é o 5286º. A cidade maranhense melhor classificada é a capital, São Luís, que está em 1112º lugar.

Apesar dos péssimos indicadores sociais, Presidente Sarney é uma cidade lulista. Na eleição de 2006, no segundo turno, Lula obteve 5.985 votos, e Geraldo Alckmin. apenas 302. Deve ter sido uma das melhores votações obtidas no país, 95% dos votos. Em 2010, Dilma Rousseff recebeu 6.315 votos, e José Serra, 677, dando à candidata oficial 90,3% dos votos válidos.

Tudo indica que o poder de Sarney tende a aumentar na presidência Dilma. Fortalecido pelos ministros da sua cota pessoal e com a provável manutenção da presidência do Senado, o velho oligarca vai aproveitar estes próximos quatro anos para consolidar seu poder na máquina federal e deter o controle da representação da União no Maranhão. Afinal, o segredo do poder local é ter expressiva presença no poder central. É ali a fonte originária do seu domínio.

A permanência na cena nacional de figuras como a de José Sarney é absolutamente nociva à democracia brasileira. Romper com o poder oligárquico é um imperativo. Só teremos uma democracia consolidada quando os oligarcas representarem uma página virada na nossa história.

  1. gravatar

    # por barbarah.net - 16 de dezembro de 2010 às 08:47

    Admiro a sua coragem.