A desmoralização da política.

Publiquei hoje n'O Globo:


A desmoralização da política


Perdeu sentido, virou reduto de dançarinos.Tem para todos os gostos, até para os que adornam a cabeça com guardanapo



A luta pela democracia marcou o século XX brasileiro. Somente em oito dos cem anos é que não ocorreu nenhum tipo de eleição, de voto popular, para escolher seus representantes. Foi durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945). No regime militar as eleições tiveram relativa regularidade, mas sem a possibilidade de o eleitor escolher o presidente da República e, a partir de 1965, dos governadores e dos prefeitos das capitais e das cidades consideradas de segurança nacional. Nas duas décadas do regime militar (1964-1985), a luta em defesa da eleição direta para o Executivo e da liberdade partidária foram importantes instrumentos de mobilização popular.
Com o estabelecimento pleno das liberdades democráticas, após a promulgação da Constituição de 1988, as eleições passaram a ter uma regularidade de dois anos, entre as eleições municipais e as gerais. Deveria ser uma excelente possibilidade para aprofundar o interesse dos cidadãos pela política, melhorar a qualidade do debate e e abrir caminho para uma gestão mais eficaz nas três esferas do Executivo e, no caso do Legislativo, para uma contínua seleção dos representantes populares.
Para um país que sempre teve um Estado forte e uma sociedade civil muito frágil, a periodicidade das eleições poderia ter aberto o caminho para a formação de uma consciência cidadã, que romperia com este verdadeiro carma nacional marcado pelo autoritarismo, algumas vezes visto até como elemento renovador, reformista, frente à ausência de efetiva participação popular.
Desde 1988, está será a décima terceira eleição consecutiva. Portanto, a cada dois anos temos, entre a escolha dos candidatos e a eleição, cerca de seis meses de campanha. Neste período o noticiário é ocupado pelas articulações políticas, designações de candidatos, alianças partidárias, debates e o horário gratuito de propaganda política. Cartazes são espalhados pelas cidades, carros de som divulgam os candidatos (com os indefectíveis jingles) e é construída uma aparência de participação e interesse populares.
Porém, é inegável que a sucessão das eleições tem levado ao desinteresse e apatia dos cidadãos. A escolha bienal de representantes populares tem se transformado em uma obrigação pesada, desagradável e incômoda. Tudo porque o eleitor está com enfado de um processo postiço, de falsa participação. A legislação partidária permite a criação de dezenas de partidos sem que tenham um efetivo enraizamento na sociedade; são agrupamentos para ganhar dinheiro, vendendo apoio a cada eleição. A ausência de um debate ideológico transformou os partidos e os candidatos em uma coisa só. O excesso de postulantes aos cargos não permite uma efetiva comparação. Há uma banalização do discurso. E o sistema de voto proporcional acaba permitindo o aparecimento dos “candidatos cacarecos”, que empobrecem ainda mais as eleições.
A resposta do eleitor é a completa apatia, com certo grau de morbidez. Vota porque tem de votar. Escolhe o prefeito, como agora, pela simpatia pessoal ou por algo mais prosaico; para vereador, vota em qualquer um, afinal, pensa, todos são iguais e a Câmara Municipal não serve para nada. O mesmo raciocínio é extensivo à esfera estadual e nacional. No fundo, para boa parte dos eleitores, as eleições incomodam, mudam a rotina da televisão, poluem visualmente a cidade com os cartazes e ainda tem de ir votar em um domingo.
Para o político tradicional, este é o melhor dos mundos. Descobriu que a política pode ser uma profissão. E muito rendosa. Repete slogans mecanicamente, pouco sabe dos problemas da sua cidade, estado ou do Brasil, a não ser as frases feitas que são repetidas a cada dois anos. O marqueteiro posa de gênio, de especialista de como ganhar (e lucrar) sem fazer muita força. Hoje é o maior defensor das eleições bienais. Afinal, tem muitos funcionários, tem de pagar os fornecedores, etc, etc. Para ele, a democracia acabou virando um tremendo negócio. E é um devoto entusiástico dos gregos, pois se não fosse eles e sua invenção....
Não é acidental, com a desmoralização da política, que estejamos cercados por medíocres, corruptos e farsantes. O espaço da política virou território perigoso. Perigoso para aqueles que desejam utilizá-lo para discutir os problemas e soluções que infernizam a vida do cidadão.
O político de êxito virou um ator (meio canastrão, é verdade). Representa o papel orquestrado pelo marqueteiro (sempre pautado pelas pesquisas qualitativas). Não pensa, não reflete. Repete mecanicamente o que é ditado pelos seus assessores. Está preocupado com a aparência, com o corte de cabelo, com as roupas e o gestual. Nada nele é verdadeiro. Tudo é produto de uma construção. Ele não é mais ele. Ele é outro. É a persona construída para ganhar a eleição. No limite, nem ele sabe mais quem ele é. Passa a acreditar no que diz, mesmo sabendo que tudo aquilo não passa de um discurso vazio, falso. Fica tão encantado com o personagem que esquece quem ele é (ou era, melhor dizendo).
Difícil crer que toda a heroica luta pelo estabelecimento da democracia, do regime das plenas liberdades, fosse redundar neste beco sem saída. Um bom desafio para os pesquisadores seria o de buscar as explicações que levaram a este cenário desolador, em que os derrotados da velha ordem ditatorial se transformaram em vencedores na nova ordem democrática. Enfim, a política perdeu sentido. Virou até reduto de dançarinos. Tem para todos os gostos, até para os que adornam a cabeça com guardanapo.
Marco Antonio Villa é historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos.

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    # por ubirajara araujo - 28 de agosto de 2012 às 08:47

    Professor, desculpe, mas devo ter me tornado um chato, intervindo em todas as oportunidades, mas prometo, deixar essa compulsão.
    A desmoralização, ¨com a devida venia¨ não é só da politica, é da sociedade em geral, não digo das instituições porque estas não existem sem que a ela integre o ser humano, celula ¨mater¨ da sociedade.
    Veja o Ministério Público, paladino da moralidade, atente-se ao acontecimento mais recentes: Demostenes Torres; mais remotamente Ibsen Pinheiro na CPI dos anoes. E outros que afrontam a Constituição sem que o CNMP tome qualquer atitude, como já o fiz ver ataves de documentos enviados.
    O CNJ, com aposentadorias compulsórias de juizes. As verbas pagaas ao arrepio da Constituição.
    A falta de professores preparados, medicos desprovidos de ética que com um ¨habeas corpus¨ se afastam do país e escapam da prisão.
    Empresários, divulgados pela imprensa, ¨que precisamos nos garantir aqui em baixo, porque lá em cima não tem problemas¨.
    Como já afirmei em outras oportunidade, os governos (homens públicos) esqueceram-se da civilidade, do patriotismo e outros valores que aseguram a prosperidade de um povo.
    Precisamos começar de novo.

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    # por O Mascate - 28 de agosto de 2012 às 09:54

    Villa, a classe políticanalha construiu um modelo "democratico" onde a democracia é exercida apenas para favorecer os mesmos de sempre.
    Começa com o voto OBRIGATÓRIO.
    A politicalha da pocilga sabe que se liberarem o povo para ter a opção de votar ou não, como manda a democracia, os pleitos serão esvaziados, ainda mais se no dia da eleição tiver sol nas cidades praianas ou clássicos de futebol pelo país à fora.
    A população não está farta da política, uma vez que eles não podem se fartar de algo quye não participam, ou sequer, tomam conhecimemnto.
    A imensa maioria da população vive de futebol, carnaval e novela, muito poucos se atem ao cenário político. Participação então...
    Dia desses estive assistindo na TV uma pesquisa onde o repórter sai à rua e pergunta ao povo em quem eles votaram nas últimas eleições para prefeito e vereador. O resultado foi trágico, pois quase a totalidade dos entrevistados não se lembrava em quem votou.
    E se o eleitor não lembra em quem votou, não terá condições de cobrar transparencia, trabalho e ética do seu candidato.
    E assim vai caminhando o país dos medíocres que sabem tudo de bola e nada de liberdade individual e direitos de cidadão.
    Falta muita educação para tornar este país em uma nação de verdade.

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    # por Henrique Lima - 28 de agosto de 2012 às 12:22

    Um bom escritor tem de ser um bom desenhista. Desenhista da realidade e você soube, mais do que perceber, passar os traços -- dessa coisa odiosa que se tornou a política -- para o "papel".

    A redemocratização foi uma conquista, mas inverteu-se em fracasso quando a politicagem transformou o processo eleitoral numa 25 de Março, onde tudo e todos estão á venda.

    No fundo, o Brasil ainda é uma Colônia explorada pelos seus próprios filhos. Tem donos, os caciques decidem o que é prioridade, pois o voto vem cima, dessa entidade que convoca atores tão canalhas e dissimulados. Os generais, desenhados atrozes e foram, devem estar perplexos! Se soubessem no que daria a ditadura criada por eles... legitimaram tudo o que aí está.

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    # por Anônimo - 28 de agosto de 2012 às 13:22

    Prof. Villa,
    os pesquisadores terão de fato muito trabalho e este precisa ser feito.
    Tomo a liberdade (ou a ousadia) de sugerir algumas possíveis causas:
    1) a baixa escolaridade dos eleitores
    2) a hipertrofia do poder executivo federal, resultante da nossa constituição cidadã de 1988
    3) a impunidade dos crimes cometidos pelas autoridades públicas
    4) a falta de transparência na aplicação dos impostos (cada produto deveria ter, ao lado do preço, a indicação da carga tributária incidente)
    5) o alinhamento ideológico de grande parte da academia com uma corrente de pensamento único - e o embotamento da capcidade crítica decorrente.

    Vai dar trabalho mesmo...
    Sds.,
    de MarceloF.

    Em tempo: O Ibsen Pinheiro acabou sendo inocentado e voltou ao congresso nacional como vítima de excessos daquela CPI.

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    # por Anônimo - 28 de agosto de 2012 às 13:40

    Excelente texto . É isso mesmo, as pessoas perderam o interesse pela política. Muitos que já passaram dos 70 anos dão graças a Deus por não precisar mais votar. Fico muito triste pois pertenço a uma geração que discutia política na escola, na hora das refeições, nos bares.Não sei exatamente o que aconteceu , mas eu mesma tenho vontade de desistir. Pego o jornal e o que leio ? Roubo, desvio de verbas, superfaturamento,etc Um país onde o Ministro do trabalho não aparece e nem faz qualquer pronunciamento sobre as greves , que país é este ? Me sinto uma palhaça pagando o salário + as mordomias para êste e outros ministros !

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    # por Ana Lúcia K. - 28 de agosto de 2012 às 21:37

    Prezado Villa,
    Pela primeira vez, noto um certo desencanto, e até tristeza, neste seu texto. Você que sempre foi um crítico feroz e corajoso desse desgoverno, e que ("para a nossa alegria")começa agora a ser desmascarado, "não" pode concluir que "a política perdeu sentido"! VOCÊ NÃO!
    Durante todos estes anos, desde a primeira eleição do lula, você vem contribuindo com seus textos, livros, entrevistas e o blog para o esclarecimento e a compreensão dos fatos políticos em curso neste país. E agora, que chegou a hora da constatação dos ilícitos penais perpetrados por esses mensaleiros, você vai achar que chegamos a um "beco" sem saída?! Agora tem saída, sim! É só uma questão de tempo...
    Por maiores ou menores que sejam as condenações, elas vão marcar para sempre os acusados. "NUNCAMAISnahisstóriadessepaiz", o pt vai poder se vangloriar de ser um "partido ético". ACABOU a FARSA!
    Há uns trinta anos escuto essa lenga, lenga de pureza, as "vestais da política" nacional...ACABOU! NUNCA MAIS!
    Prof. Villa, sei que o seu trabalho é duro, árduo, mas é dele que nos alimentamos para enxergar um futuro melhor.
    Grande abraço,

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    # por Orlando Tambosi - 28 de agosto de 2012 às 21:59

    Salve, Villa,

    ainda vou lhe enviar os prometidos livros.

    E aguardo, desde já, o seu sobre o mensalão.

    Abração, Tambosi

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    # por Fernanda - 28 de agosto de 2012 às 23:29

    Villa, concordo ple-na-mente. Este ano, as coisas estão ainda piores que em 2010, e eu mesma, nunca me senti com tanta desmotivação para votar como neste ano. E a ideia da gentalha que se apoderou do poder e dos cofres públicos é essa mesma: motivar só os "compráveis" com dinheiro fácil de bolsas tudo, vagas em universidades, manutenção da impunidade, da roubalheira e por aí vai.

    Negócio é o seguinte: também não queremos que isso aqui vire uma Venezuela. Então, vamos tratar de nos motivar por que senão, vira.

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    # por Anônimo - 29 de agosto de 2012 às 15:07

    BRASIL ACÉFALO

    ESTÁ BASTANTE CLARO. O BRASIL ESTÁ CONTAMINADO. TODO CONTAMINADO. OS MAUS EXEMPLOS VÊM DE CIMA. NOSSOS OCUPANTES DOS MAIS ALTOS CARGOS PÚBLICOS DESFRUTAM DE IMPUNIDADE E PRIVACIDADE BLINDADA DE CAUSAR INVEJA AOS MAIS BEM-SUCEDIDOS EMPRESÁRIOS DA INICIATIVA PRIVADA. O POSTE NÃO TEM LUZ PRÓPRIA. A JUSTIÇA, A NÍVEL INTERNACIONAL, ACOBERTA E LIBERTA CRÁPULA, AO INVÉS DE EXTRADITAR, E INTERNAMENTE, AOS ESPERTOS DA CORTE, DEVIDO ÀS SUAS CAPACIDADES, É ACEITO COMO NORMAL ENRICAR DA NOITE PARA O DIA. O LEGISLATIVO FINGE QUE LEGISLA, É MARIONETE, DEFENDE O INDEFENSÁVEL. A ENGRENAGEM DA MÁQUINA DENOMINADA BRASIL, EM DETRIMENTO DO DESENVOLVIMENTO E DE QUEM PAGA A CONTA, FUNCIONA ACINTOSAMENTE PARA BENEFICIAR SEUS CONDUTORES.

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    # por Anônimo - 29 de agosto de 2012 às 15:07

    O RETRATO DE VERDADE DO BRASIL HOJE: ESCÂNDALOS DE CORRUPÇÃO TODOS OS DIAS, AÇÕES PRA DISFARÇAR A CRISE E OS ESCÂNDALOS (BLINDAGEM DOS CORRUPTOS), FUNCIONALISMO PÚBLICO 90% CORROMPIDO E PREPOTENTE NO ÂMBITO FEDERAL, ESTADUAL E MUNICIPAL (NINGUÊM QUER TRABALHAR, SÓ SENTAR A BUNDA NUMA CADEIRA FAZENDO DE CONTA E RECEBER SEM FAZER NADA), LEIS QUE FAVORECEM SÓ AOS BANDIDOS, DESARMAMENTO DOS CIDADÕES DE BEM, ASSASSINATOS DE PESSOAS INOCENTES, TRÁFICO DE DROGAS NAS PORTAS DAS ESCOLAS, IMPUNIDADE, INVASÕES DE PROPRIEDADES POR MARGINAIS ARMADOS, SEQUESTROS DE PESSOAS, PROFESSORES MAL REMUNERADOS, PESSOAS SENDO AMPUTADAS E MORRENDO POR FALTA DE MEDICAMENTOS E ATENDIMENTO NOS HOSPITAIS PÚBLICOS, E MAIS INUMERÁVEIS ABSURDOS A CADA DIA QUE SE PASSA NESTE PAÍS, QUE ESTÁ INDO PARA O CAOS TOTAL. NUNCA PENSEI QUE IRIA SENTIR SAUDADES DO TEMPO DO GOVERNO MILITAR. NÓS ÉRAMOS FELIZES E NÃO SABÍAMOS.

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    # por Sanzia - 30 de agosto de 2012 às 13:02

    Puxa.. professor.. quão dolorida foram as suas palavras nesse artigo. Enquanto na Siria já morreram mais de 10.000 pessoas lutando para terem direito de escolher seus representantes, nós aqui no Brasil desperdiçamos isso. Vou me incluir na lista dos que precisam rever suas atitudes em relação à escolha de seus representantes.

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    # por Andrea - 30 de agosto de 2012 às 13:32

    Villa,

    De minha parte, posso dizer que fico muito desanimada em votar para vereador e deputados. Procuro sempre fazer uma escolha consciente, analiso os canditatos, estudo mesmo antes de escolher. Só que, em geral, minhas escolhas não "batem" com as preferências da maioria e aí, por conta deste tal de coeficiente eleitoral, quem acaba sendo eleito é outra pessoa que não tem nada a ver com aquilo que escolhi. Desanimador, simplesmente.

    Penso que a reforma eleitoral é urgente. Sem ela, não há como aproximarmos eleitor de eleito. E só estando mais perto de seus candidatos, pra poder acompanhar seu trabalho e cobrar para que cumpram as promessas, é que as pessoas vão se dar conta da importância que tem seu voto.

    A propósito: parabéns pelas suas participações nos debates em Veja.com sobre o mensalão. Muito bom. Dá gosto de ver, :-D