STF, supremos problemas.

Publiquei hoje na Folha de S. Paulo:


São Paulo, domingo, 17 de junho de 2012Opinião
Opinião


MARCO ANTONIO VILLA
Supremo Tribunal, supremos problemas
Antes da posse, o ministro vai ao Senado. Só elogios. Une-se aí ao empreguista STF, com 235 recepcionistas, vira celebridade. E "lê" milhares de casos ao ano
Ao longo da história republicana, a atuação do Supremo Tribunal Federal esteve, quase sempre, em desacordo com valores democráticos.
Em um país como o nosso, de uma enraizada cultura autoritária, a omissão do STF foi perversa. Basta recordar o silêncio cúmplice com relação às graves violações dos direitos humanos durante o Estado Novo e durante a ditadura militar.
Em vez de o STF ser uma espécie de tribunal da cidadania, ele foi, neste mais de um século de vida, um instrumento de desprezo da ordem democrática. Fui também um elemento de reforço da impunidade, doença maligna que permeia o cotidiano brasileiro.
A Constituição de 1988 atribuiu ao STF um conjunto de competências. Ele foi transformado, na prática, em um tribunal de última instância, quando a sua função deveria ser estritamente interpretar o texto constitucional.
Assim, só em 2011 a Corte teve 102 mil decisões, das quais 89 mil foram monocráticas, ou seja, tomadas por apenas um ministro. Dentre essas, 36.754 foram exclusivamente do presidente do STF.
Mesmo com a existência da súmula vinculante, causa estranheza que um só ministro tenha proferido tantas decisões.
Imagine o leitor que se um processo tenha, em média, cem folhas -algo que, para os nossos padrões, caracterizado pela prolixidade, é considerado curto- e que o presidente tenha julgado originalmente somente um terço dos processos, cerca de dez mil, para facilitar as contas. Ele teria de ler 1 milhão de folhas. Será que leu?
O STF tem muitos outros problemas. Um deles é a escolha dos ministros, uma prerrogativa constitucional do presidente da República.
Cabe ao Senado aprová-la. As sabatinas exemplificam muito bem o descaso com a nomeação. Todos são aprovados sem que se conheça o que pensam. São elogiados de tal forma pelos senadores que fica a impressão que estão, com antecedência, desejando obter a simpatia dos futuros ministros frente a um eventual processo. Em síntese: as sabatinas são uma farsa e desmoralizam tanto o Senado como o STF.
No Brasil, estranhamente, os ministros acabaram virando celebridades. Dão entrevistas a toda hora e sobre qualquer assunto.
Um deles chegou a "abrir sua casa" para uma reportagem e tirou uma foto deitado na cama ao lado da sua esposa! Tem ministro poeta, outro é empresário de ensino, tem ministro que foi reprovado em concurso para juiz -duas vezes, e mesmo assim foi alçado ao posto maior da carreira, mas sem concurso, claro-, tem ministro que chegou lá devido à sorte de quem era vizinho da sua mãe. Pior ainda são aqueles que ficam alguns anos como ministros e retornam à advocacia, usando como grife a passagem pelo Supremo.
O STF padece também de um velha doença nacional: o empreguismo. São quase 3.000 funcionários, entre efetivos e terceirizados. Não é improvável que, se todos comparecerem no mesmo dia ao trabalho, as instalações da Corte não sejam suficientes para abrigá-los.
Como são 11 ministros, a média é de 272 funcionários para cada um. E o mais estranho são funcionários que não estão diretamente vinculados à função precípua de julgar, como as 235 recepcionistas e os 403 seguranças -deve ser a Corte mais segura do mundo.
Essa estrutura custa para a União uma bagatela da ordem de R$ 500 milhões ao ano.
Um bom momento para o STF reencontrar a cidadania é o julgamento do mensalão. Poderemos assistir como cada um dos 11 ministros vai agir. Pode ser que, finalmente, a Corte rompa com seu triste passado de conluio com o Executivo e seja um instrumento de defesa dos valores democráticos.

MARCO ANTONIO VILLA, 57, é historiador, professor da Universidade Federal de São Carlos, e autor, entre outros, de "A História das Constituições Brasileiras: 200 Anos de Luta Contra o Arbítrio" (LeYa)

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    # por Anônimo - 17 de junho de 2012 às 11:00

    Os ministros do STJ e STF, além dos burocratas a sua volta, são aristocratas financiados com dinheiro público. Segue aí uma breve definição de aristocracia: "Aristocracia pode ser definido como um grupo constituído por integrantes de camadas sociais com grande poder político e econômico. Os aristocratas possuem privilégios em relação às outras classes sociais. São detentores de propriedades e tem grande influência na condução da vida política de seu países. A aristocracia tem um jeito próprio de se vestir e frequenta apenas locais destinados ao seu grupo. Os aristocratas não se misturam com integrantes de outras camadas sociais." E o cidadão comum é julgado por essa turma! Não surpreende as injustiças perpetradas contra o cidadão através de decisões judiciais totalmente ao arrepio do bom senso e de fundamentos econômicos básicos.

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    # por Anônimo - 17 de junho de 2012 às 14:04

    Uma coisa é absolutamente certa, inequívoca. Enquanto os Senhores Ministros, os intocáveis, os todo-poderosos, os verdadeiros "deuses" da verdade, não forem eleitos democraticamente, tudo continuará como está e sempre esteve. Sinceramente, não dá para enteder! Para ser juiz é necesária a aprovação prévia de um rigoroso [para os que não são parentes de magistados, é claro]concurso público; para ser Ministro do STF ou do STJ, basta uma mera "indicação" política! Que país e esse, minha gente! Li seu excelente livro sobre as Constiuições, Prof. Villa. Tudo o que ali se encontra é a pura verdade. No STF e no STJ o que impera é vaidade pessoal, a aristocracia, a petulância, a arrogância o cinismo. Nem eles mesmos se entendem, já que um quer aparecer mais do que outro. É, como o Senhor asseverou, um Poder de costas para o país... Que Deus nos salve, porque não vejo outra saída para nós...

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    # por Anônimo - 17 de junho de 2012 às 14:35

    Pesquisem no google o que aconteceu com metade dos juízes da suprema Corte da Colômbia em 1985.

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    # por Fernanda - 17 de junho de 2012 às 20:24

    É verdade, professor. A pura verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade.

    Que turma... (tem exceções, como sempre: acredito, por exemplo, na competência e honestidade do ministro Celso de Melo). Um, o Toffolli, não passa em concurso público para juiz e é amigão do chefe da SOC, José Dirceu. Cá pra nós, já deveria ter se declarado impedido no julgamento do mensalão. Outro, é nitidamente cupincha do bando petista, tem mulher amiguinha de D. Marisa, a múmia muda. Tá enrolando, o Enrolandowsky. Não pode!

    Concordo, é um absurdo dos absurdos: decisões importantíssimas, que mudam a vida de pessoas (às vezes de milhões) nas mãos de um só - bem aventurado iluminado, deve ser, só pode ser.

    Há, sim! "Será que leu?!" Claro que só uns pedacinhos, e olhe lá. Não há condições de decidir TUDO no mundo, como agora virou função do STF no Brasil. Como dizem: só Deus tem (esse) poder.

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    # por J.BRASIL - 18 de junho de 2012 às 00:37

    Ainda bem que temos um Marco Antônio Villa.

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    # por Ronaldo N Pereira - 18 de junho de 2012 às 00:45

    Caro Professor Villa

    Apreciei muito este texto hoje na Folha. É um texto para guardar e aguardar com esperança a "volta por cima" do STF.

    Saudações

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    # por Detesto Coisa Errada - 18 de junho de 2012 às 08:44

    Caro Marco,

    Parabéns pela coragem de escrever num grande jornal o que todos os brasileiros sentem na pele. Para que tenhamos um país com um pouco de Justiça precismos urgentemente de uma nova Constituição.

    Jader Oliveira

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    # por Reality thoughts - 18 de junho de 2012 às 17:21

    Creio que 90% dessa matéria encontra-se equivocada, principalmente no que se refere que o STF foi cúmplice ao regime militar (para isso cf. Oscar Vilhena Vieira: Supremo Tribunal Federal - Jurisprudência Política p. 75 e ss.) A respeito das decisões monocráticas sugiro a leitura do CPC no que se refere as decisões possíveis do relator nos recursos e o RI do STF.
    Quanto a maneira que são nomeados os Ministros isso é uma grande discussão doutrinária. Mas a CF adotou o mesmo sistema que o Norte Americano, de onde o STF foi estudado da Suprema Corte dos EUA.
    Quanto aos funcionários ridículo o seu comentário, nem vou adentrar nisso, pois creio que o Sr. carece de conhecimento na área.

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    # por Fernanda - 18 de junho de 2012 às 23:42

    Que me desculpe #8 por Reality thoughts - 18 de junho de 2012 17:21

    Comparar a democracia norte americana com a "suposta" democracia brasileira é que é ridículo. Aí é que falta conhecimento e sobra pretensão.

    Duvido que a terceirização seja regra nos EUA. Eu conheço muitíssimo bem o que representa a terceirização no Brasil: é mais ujma compra de votos e de apoio político. Um atrazo sem precedentes ma História do nosso pobre país.

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    # por Anônimo - 19 de junho de 2012 às 08:30

    E o mensalão mineiro, quando terá seu julgamento reclamado?

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    # por Josias - 20 de junho de 2012 às 17:41

    Parabéns, Villa, principalmente pela coragem em escrever o que tem escrito.

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    # por Jhonatan Almada - 20 de junho de 2012 às 22:14

    Caro Villa, saudações da última capitania hereditária do Brasil. Prof Palhano comentou comigo seu artigo, corajoso, preciso e cortante. De fato o caráter farsesco das sabatinas do Senado fica evidenciado quando se atenta para as trajetórias biográficas dos ministros. Quando teremos ministros do STF com mandatos e sem direito de reeleição? Abraço fraterno, Jhonatan Almada.

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    # por Márcio de Ávila Rodrigues - 13 de setembro de 2012 às 19:52

    Parabéns, caro professor e historiador, pelos seus textos sempre úteis, pedagógicos e informativos. Entendo que é perigoso citar nomes (no caso dos ministros criticados), não por ser ilegal, mas por gerar aborrecimentos que não compensam. Ainda assim fiquei muito curioso quanto ao ministro que abriu a casa, ao empresário de ensino e ao que teve a importante ajuda do vizinho da mamãe. Quem são?