A história das constituições brasileiras (XVI)

Ontem, o DCI publicou o artigo (abaixo) do ministro Almir Pazzianotto comentando o meu último livro "A história das constituições brasileiras. 200 anos de luta contra o arbítrio" (editora LeYa):


DCI – 12 de junho de 2012

Sete Constituições




Almir Pazzianotto Pinto


Desde a promulgação, em 5 de outubro de 1988, não houve momento no qual a Constituição cidadã, como a denominou Ulysses Guimarães, deixasse de ser discutida, elogiada, criticada, ou se encontrasse protegida contra retaliações. Passados 24 anos, contabilizam-se 70 emendas, todas de forte impacto no texto original.
Durante os cinco primeiros anos, a Lei que os presidentes da República, do STF, e do Congresso nacional, assumiram o compromisso de manter, defender e cumprir, permaneceu intocada, pois assim determinava o Art. 3º do Ato das Disposições Transitórias. Cumprida a fase de resguardo, a sensação que se teve foi de abertura da porteira à boiada inquieta, que sobre ela arremeteu. A Emenda nº 1 foi aprovada rapidamente em 2 de março de 1994. Desde então, a Nação viu-se constrangida a acompanhar processo ininterrupto de alterações, que hoje atingem o espantoso número de 70.
A rigor, não deveríamos nos impressionar, pois esta de 88 é a sétima, ou oitava, da série iniciada com a Carta Imperial, de 1824. Vieram, depois, a Constituição de 1891, com apenas 91 artigos e 8 disposições transitórias. A Revolução de 1930 derrubou Washington Luiz e abateu a Lei Superior. Desde então, o País viu malograrem as constituições de 34, 37, 46, 67 (Emenda 1/69), até chegarmos à atual, cuja insegurança confirma-se diariamente.
Comentários às constituições, sob viés político, conheço dois: o primeiro, intitulado “Constituições do Brasil”, editado pelo Centro de Ensino à Distância, de Brasília. São seis tomos, com estudos relativos ao período 1824/1967, redigidos por notáveis juristas: Aliomar Baleeiro, Ronaldo Poletti, Walter Costa Porto, Octaciano Nogueira, Barbosa Lima Sobrinho, Themístocles Brandão Cavalcanti, Luiz Navarro de Brito.
Surge, agora, “A história das Constituições Brasileiras - 200 anos de luta contra o arbítrio”, de Marco Antonio Vila. O autor é mestre em sociologia, doutor em história pela USP, e leciona na Universidade de São Carlos. Escreveu, também, “Jango Um Perfil” e “Canudos o Povo da Terra”. O livro traz, à guisa de conclusão, capítulo cujo instigante título é “O STF e as liberdades; um desencontro permanente”.
Não é, como diz o autor, obra de direito constitucional. Nessa linha temo-las em quantidade. O prolífico Pontes de Miranda, por exemplo, produziu várias, todas em meia dúzia de tomos. Longe disso – afirma Marco Antonio Villa – o que se procura demonstrar é que “na maioria das vezes, os textos constitucionais estavam distantes da realidade brasileira.”
A fragilidade das sete constituições basta como demonstração do divórcio entre utopia e realidade. Das sete, as mais resistentes às intempéries foram obras de um homem só; a do Império, outorgada por D. Pedro I, vigorou 65 anos, com uma única emenda e, a de 1891, redigida por Ruy Barbosa, 40, sendo modificada apenas uma vez.
A mais vulnerável é a de 1988, elaborada por Assembleia Nacional Constituinte, composta por centenas de deputados e senadores, em clima de total liberdade. Deu no que deu. Permanece em pé, enfraquecida, porém, e desfigurada. Do ponto de vista das garantias sociais é ambiciosa, entretanto utópica, para não dizer falsa. Leiam-se os capítulos relativos à saúde, educação, família, segurança. Platão não teria feito melhor.
Detenho-me no art. 196, um dos que maior interesse tem para o povo. Afirma-se, ali: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Conversa fiada, como diz o homem simples. Direito à saúde tem quem pode pagar por excelente plano, contratar seguro hospitalar, exerce ou tenha exercido, alto cargo na administração pública, o que lhe abre as portas, de imediato e sem custos, aos melhores hospitais do País. O pobre dependente de assistência médica pública, hospital filantrópico, santa casa de misericórdia, ou instituição de caridade, está perdido. Nos municípios menores, mesmo dos estados ricos, inexistem clínicas, ambulatórios e médicos, e quando encontrados, sobrecarregados de dívidas não dispõem de equipamentos e remédios.
É necessário lermos a obra do prof. Marco Antonio Villa, sobretudo os estudantes de cursos superiores. O texto, direto e simples, ensina a distinguir o concreto da fantasia.
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Almir Pazzianotto Pinto é advogado; foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.



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    # por VICENTE - 14 de junho de 2012 às 10:26

    O o STF que DEVERIA ser o guardião da constituição a desrespeita frequentemente. A saber:"
    reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo contra o que está explicitado, de maneira inequívoca, no Artigo 226 da Constituição, que a define como aquela celebrada entre “homem e mulher” ;
    c) reconheceu o aborto de anencéfalos contra a Constituição, ignorando o que está disposto no Artigo 128 do Código Penal;
    d) considerou legais as cotas raciais contra o Artigo 5º da Constituição" .

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    # por hamerson - 14 de junho de 2012 às 12:55

    Talvez falte a nossos operadores do direito uma formação mais completa, universal e humanista como parece ser do Ministro supracitado. Gasta-se horas lendo códigos e alienam-se da realidade, ou conectam se a ela por meio de interesses excusos. Os juristas gastam suas vidas querendo encontrar um sistema orgânico no conjunto de leis, uma sistemática, enquanto estas, no Brasil, estão mais para um conjunto fragmentado de interesses repugnantes positivados pelos grupos dominantes que vão se sucedendo no poder, um após o outro, sem qualquer harmonia com os princípios constitucionais. Não tem amarração, é solto, chagando a ser caótico. Representantes legislativos e judiciários dos banqueiros, latifundiários, elites locais etc. legislam (isso mesmo, na ausência do congresso o judiciário já está legislando segundo as inúmeras brechas sem regulamentação legal que exigem interpretação inédita)à vontade de seus fiadores. A legislação brasileira não é um conjunto coeso de normas, mas representa os diversos grupos que passaram no poder e defenderam suas causas. A própria CF/88 é exemplo disso. O pior é que eu não vislumbro uma forma de melhorar e não vi ninguém que tenha uma proposta eficaz. Desculpe a palavra, mas estamos fudidos!

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    # por hamerson - 14 de junho de 2012 às 13:05

    Acerca do livro, o comprei e o lerei assim que chegar, em 4 dias. Gosto de acompanhar o direito comentado por disciplinas externas à ele, como a história ou mesmo a biblioteconomia (tem alguns livros que analisam a produção documental jurídica e a pesquisa dos operadores do direito - fiquei horrorizado ao descobrir a quantidade de ADI que o STF julga por ano, mais que o supremo alemão em toda sua história! Mesmo que este exerça apenas o controle concentrado de constitucionalidade, esta estatística demonstra a qualidade dos projetos legislativos brasileiros...). No seio do direito existe uma vaidade que chega a cegar quase todos os juristas de modo que perdem toda criticidade. Elogiam sem parar os sitema brasileiro, são verborrágicos, chegando a ser petulantes. Analisam a matéria de maneira estritamente racionalista, elaborando o melhor dos mundos metafísicos. É uma hermeneutica que atende apenas o interesse editorial.

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    # por Anônimo - 14 de junho de 2012 às 23:50

    Endosso o comentário do ex-Ministro. Li o livro e adorei. Recomendo-o efusivamente.

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    # por Chutando a Lata - 18 de junho de 2012 às 12:03

    A constituição traz a semente da submissão do poder político ao poder econômico. Esse me parece o ponto fundamental. O analista teria que identificar que elementos constitucionais traduzem o avanço do poder econômico sobre o poder político que se instaurou no Brasil com a ditadura militar, pela introdução do arbítrio nas constituições. Na minha análise, cito a possibilidade de mudanças legais de forma arbitrária pelas medidas provisórias. Outro ponto relevante é a introdução do colégio de líderes. Além disso, coloco na conta da bagunça o papel constitucional do Senado Federal. Por fim, vale lembrar frase do ex-ministro do Supremo, Jobim, que confessou que a Constituição foi feita nas coxas. Quem viveu o momento da Constituinte, lembra que o FHC trouxe um boneco pronto da Constituição e que o Centrão dominou , impondo seus interesses, na elaboração da Constituição de 88. Há mais para ser tido; que digam.