Senado de suplentes

Republico este artigo que saiu originalmente no Estadão. O tema são os suplentes. O suplente foi uma criação da Constituição de 1946. Desde então veio se repetindo e até piorando (originalmente era um suplente, depois saltou para dois).


Senado de suplências

Seus condôminos agem como vereadores de luxo, desvirtuando a representação parlamentar

Marco Antonio Villa*

Aelton Freitas, Geovani Borges, Marcos Guerra e João Ribeiro. Dificilmente um eleitor associaria um destes nomes com o Senado da República. Mas os quatro são senadores representando Minas Gerais, Amapá, Espírito Santo e Mato Grosso, respectivamente. São suplentes que assumiram as cadeiras após a renúncia ou licença dos titulares. No Senado é assim: o senador eleito se licencia durante meses, anos ou renuncia ao mandato. Na atual legislatura quinze são candidatos a governador, mais doze à reeleição, dois a Presidente da República e mais dois à Vice-presidência. Não é de admirar que a Casa constantemente não tenha quorum para as sessões deliberativas.

Quem assiste à TV Senado - tanto as sessões ordinárias, como as reuniões das comissões - fica decepcionado com a pobreza dos debates entre os senadores. Quando um discursa, raramente é ouvido pelos colegas. Fala para deixar o registro nos anais da Casa e para ser citado na Voz do Brasil - algumas vezes sequer fala, mas pede para incluir nos anais o discurso não pronunciado. As sessões são modorrentas e marcadas pelo desinteresse geral.

A presença dos suplentes acaba desvirtuando a representação parlamentar. Não foram eles os escolhidos pelos eleitores. Minas Gerais tem, no momento, dois deles no exercício do mandato, pois Hélio Costa e José Alencar, eleitos em 1998 e 2002, estão licenciados. É rotineiro o suplente assumir por alguns meses: é um regalo oferecido pelo titular, permitindo que durante semanas um desconhecido da política estadual possa ter tratamento vip, broche de senador, cartão de visitas produzidos na tristemente famosa gráfica do Senado (e suas centenas de funcionários). Já assumiram suplentes de todas as ordens: irmãos, filhos, mulheres, pais, secretários e motoristas particulares. Algumas vezes assumiram os dois suplentes, pois cada titular tem este direito, como é o caso de Gilberto Mestrinho (PMDB/AM). O primeiro suplente é o seu filho e o segundo é Gilberto Miranda, rico empresário da Zona Franca de Manaus. Hoje, muitos suplentes são financiadores das campanhas dos titulares. Como pagamento têm o 'direito' de exercer o mandato durante alguns meses, e, em caso de renúncia ou morte do titular, poderão herdar anos de mandato.

Os suplentes não conhecem sequer as funções constitucionais atribuídas ao Senado: agem como vereadores de luxo. Só para dar um exemplo: Aelton Fretias é um dos representantes do estado de Minas Gerais. É filiado ao Partido Liberal e foi suplente de José Alencar. Assumiu a cadeira em 2003, quando Alencar tomou posse na Vice-presidência da República. Tinha sido prefeito da pequena cidade de Iturama (pouco mais de 30 mil habitantes), no interior mineiro. De lá saltou diretamente para o Senado. Nestes quatro anos destacou-se pela apresentação de curiosos projetos. Propôs alterar o nome do aeroporto de Uberaba, solicitou que a BR-50, entre Uberaba e Uberlândia levasse o nome de Chico Xavier, sem esquecer os votos de congratulações à Associação Brasileira de Criadores de Zebu ou a uma jovem que se destacou numa olimpíada de Astrofísica na Ucrânia. Evidentemente que não perdeu a possibilidade de uma viagem internacional. A jóia da Coroa é ser 'observador parlamentar' da Assembléia Geral da ONU, em Nova York. Como faz parte do baixo clero, acabou indo para Taiwan.

Politicamente falando, oito anos de mandato é uma eternidade. A maioria dos senadores aproveita o longo período para postular cargos executivos, sem nenhum risco. Pode, nestes anos, ser candidato a duas eleições para a prefeitura da sua cidade e uma para governador. Três derrotas nada significam. Continua no cargo e aproveita para manter seu nome no mercado eleitoral (raramente se licenciam para as campanhas). Isto sem contar os casos em que o senador assume um ministério ou uma secretaria estadual logo após a eleição, deixando a ver navios seus eleitores.

O nível dos debates parlamentares é rasteiro. As metáforas só podem ficar no campo futebolístico. Qualquer menção à Antiguidade Clássica ou à Revolução Francesa, entre tantos outros exemplos, cairá no vazio. Quando um senador se aventura pela história, o resultado é desastroso. Recentemente, Sibá Machado, suplente da ministra Marina Silva, fez um pronunciamento que deixariam envergonhados Visconde do Rio Branco, Nabuco de Araújo, Rui Barbosa ou Afonso Arinos, senadores do Império ou da República. Disse o representante acreano que 'a Revolução Industrial foi isso. Com a descoberta da navegação, os europeus se espalharam: pelo mundo, dominaram povos, arrebentaram culturas, aprisionaram, escravizaram.' Depois de ouvi-lo temos de dar razão ao senador Jefferson Peres: é a pior legislatura da história do Senado.

Durante o Império, cada província tinha direito a metade do número de deputados: se tivesse 10 deputados, ficaria com 5 senadores. Foi a Constituição de 1891, a primeira da República, que atribuiu a cada estado três senadores. E desde então (excetuando a Constituição de 1937 que extinguiu o Senado e a de 1934 que diminuiu a representação para dois por estado) assim permaneceu. Desta forma, o eleitorado de Roraima, o menor da federação, com 0,19% do total dos votos (233 mil), tem os mesmos direitos que o cidadão paulista, cujo estado representa 22% (28 milhões) dos eleitores do país. A armadilha deste tipo de representação é de que sob a justificativa de um suposto equilíbrio entre os Estados, acaba se encobrindo uma relação perniciosa entre o Poder Executivo Federal e os pequenos estados. Do total de senadores, só a região Norte tem 21 senadores, 25% do total, isto com pouco mais de 8 milhões de eleitores, ou seja com cerca de 30% do eleitorado paulista.

Os gastos para o funcionamento do Senado são exorbitantes. A Casa tem 13.536 funcionários (eram 7.673 em dezembro de 2002 - teve, portanto, um aumento de 77%), o que dá a média de 167 funcionários por senador. A média salarial é superior a R$ 10 mil e o orçamento deste ano é R$ 2,333 bilhões (dos quais R$ 600 milhões só para pagar aposentadorias, R$ 42 milhões para assistência médica e R$ 30 milhões de auxílio-alimentação).

Há países, como Portugal, em que o Parlamento é unicameral, ou seja, não há Senado. Uma boa medida seria propor a discussão sobre a extinção do Senado, passando parte das suas atribuições para a Câmara dos Deputados e o Tribunal de Contas da União. Evidentemente que a adoção desta medida é quase impossível. Todo deputado federal ou governador sonha em ser senador. Afinal, oito anos de mandato e todas aquelas mordomias são um grande atrativo. Também encontraria resistência entre os telespectadores da TV Senado, que assistem o canal para se divertir com os discursos e apartes das excelências daquela Casa.


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    # por Airton Leitão - 19 de janeiro de 2012 às 11:34

    No passado, o Senado Federal era uma espécie de Academia Brasileira de Parlamentares. Quase que só tinha 'fera'. Hoje, comparando com outros países, chega-se à conclusão da desnecessidade de sua existência. Nosso sistema deveria ser unicameral, com os Estados tendo um número mínimo de deputados e mais alguns na proporção da população de cada um.
    No que diz respeito aos suplentes, já sem os senadores, sou favorável ao chamado "Distritão". No caso do RJ, são 46 deputados federais. O 47º mais votado, fosse que que partido fosse, seria o primeiro suplente da bancada fluminense.
    O que não pode continuar é essa chuva de senadores sem voto decidindo problemas do povo, que não os mandou para lá.

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    # por Anônimo - 19 de janeiro de 2012 às 22:56

    Portugal não tem Senado porque é um Estado unitário. Por sua vez Brasil, América(EUA) e Argentina são federações e por isso possuem Senado.
    Abolir o Senado não é a solução. A solução sem dúvida mais viável seria abolir a figura do suplente ou pelo menos do segundo suplente.

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    # por Anônimo - 20 de janeiro de 2012 às 08:23

    A respeito da questão, quem teria a iniciativa para modificar essa situação vergonhosa ? Evidente que politico algum proporia alguma alteração, se o fizer será rejeitada. Nada mais resta que uma movimentação popular.

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    # por Sergio - 20 de janeiro de 2012 às 12:13

    Minha sugestão de pauta para voce, como historiador.
    Que tal fazer um perfil dos presidentes do regime militar, do tipo: como era a vida deles antes e como foi a vida deles depois de ter exercido o cargo, quais eram suas posses antes e depois, como viviam seus filhos antes e depois. Pode revelar coisas bem interessantes.

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    # por Anônimo - 21 de janeiro de 2012 às 09:22

    Há mais de 150 anos, o escritor (para alguns visionario) Victor Hugo afirmava: os governos e instituições são despudorados como as mulheres da vida. Sem dúvida, da Roma de Nero para o Brasil do PT a diferença é unicamente temporal.

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    # por Anônimo - 21 de janeiro de 2012 às 20:33

    Já há algum tempo tenho tido recaídas em minha opinião sobre o AI-5.
    Não digo que chega a ser um "gostar dele", mas existe um "senão" de simpatia no ar.
    Acho que o General Heleno faria um bem ao país, neste momento.
    Será que estou saudosista demais ?

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    # por ARIOVALDO BATISTA - 23 de janeiro de 2012 às 17:07

    Somos uma "tribozinha" de selvícolas, com caciques e pajés, ONDE OS PAJÉS SAEM PELOS RALOS DA INDECÊNCIA, e todos se consideram "caciques divinos de heranças".
    Uma bestialidade barasileira, como todas que já passamos desde nossa era colonialista e monarquista. SOMOS UMA REPUBLIQUETA DAS BANANAS, numa "ditadura socialista do poder ou do pudê", se quisermos ser mais "nacionalistas".
    Ariovaldo.

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    # por Jarbas - 23 de janeiro de 2012 às 23:02

    Caro Prof Vila você é feliz só por abordar assuntos que sempre causam grande indignação para nós mortais. Até quando... seremos explorados por essas instituições que existem para atender os interesses de grupelhos vorazes em nome da democracia?