Oposição sem rumo
Publiquei hoje no Estadão:
Oposição sem rumo
MARCO ANTONIO VILLA - O Estado de S.Paulo
Nesta semana fomos surpreendidos por uma entrevista de Fernando Henrique Cardoso. Não pela entrevista, claro, mas pela análise absolutamente equivocada da conjuntura brasileira. Esse tipo de reflexão nunca foi seu forte. Basta recordar alguns fatos.
Em 1985 iniciou a campanha para a Prefeitura paulistana tendo como aliados o governador Franco Montoro e o governo central, que era controlado pelo PMDB, além da própria Prefeitura, sob o comando de Mário Covas. Enfrentava Jânio Quadros, um candidato sem estrutura partidária, sem programa e que entrou na campanha como livre atirador. Fernando Henrique achou que ganharia fácil. Perdeu.
No ano seguinte, três meses após a eleição municipal, propôs, em entrevista, que o PMDB abandonasse o governo, dias antes da implementação do Plano Cruzado, que permitiu aos candidatos da Aliança Democrática vencer as eleições em todos os Estados. Ele, aliás, só foi eleito senador graças ao Cruzado.
Passados seis anos, lutou para que o PSDB fizesse parte do governo Fernando Collor. Ele seria o ministro das Relações Exteriores (e o PSDB receberia mais duas pastas). Graças à intransigência de Covas, o partido não aderiu. Meses depois, foi aprovado o impeachment de Collor.
Em 1993, contra a sua vontade, foi nomeado ministro da Fazenda por Itamar Franco. Não queria, de forma alguma, aceitar o cargo. Só concordou quando soube que a nomeação havia sido publicada no Diário Oficial (estava no exterior quando da designação). E chegou à Presidência justamente por esse fato - e por causa do Plano Real, claro.
Em 2005, no auge da crise do mensalão, capitaneou o movimento que impediu a abertura de processo de impeachment contra o então presidente Lula. Espalhou aos quatro ventos que Lula já era página virada na nossa História e que o PSDB deveria levá-lo, sangrando, às cordas, para vencê-lo facilmente no ano seguinte. Deu no que deu, como sabemos.
Agora resolveu defender a tese de que a oposição tenha um candidato presidencial, com uma antecedência de dois anos e meio do início efetivo do processo eleitoral. É caso único na nossa História. Nem sequer na República Velha alguém chegou a propor tal antecipação. É uma espécie de dedazo, como ocorria no México sob o domínio do PRI. Apontou o dedo e determinou que o candidato tem de ser Aécio Neves. Não apresentou nenhuma ideia, uma proposta de governo, nada. Disse, singelamente, que Aécio estaria mais de acordo com a tradição política brasileira. Convenhamos que é um argumento pobre. Ao menos deveria ter apresentado alguma proposta defendida por Aécio para poder justificar a escolha.
A ação intempestiva e equivocada de Fernando Henrique demonstra que o principal partido da oposição, o PSDB, está perdido, sem direção, não sabendo para onde ir. O partido está órfão de um ideário, de ao menos um conjunto de propostas sobre questões fundamentais do País. Projeto para o País? Bem, aí seria exigir demais. Em suma, o partido não é um partido, na acepção do termo.
Fernando Henrique falou da necessidade de alianças políticas. Está correto. Nenhum partido sobrevive sem elas. O PSDB é um bom exemplo. Está nacionalmente isolado. Por ser o maior partido oposicionista e não ter definido um rumo para a oposição, acabou estimulando um movimento de adesão ao governo. Para qualquer político fica sempre a pergunta: ser oposição para quê? Oposição precisa ter programa e perspectiva real de poder. Caso contrário, não passa de um ajuntamento de vozes proclamando críticas, como um agrupamento milenarista.
Sem apresentar nenhuma proposta ideológica, a "estratégia" apresentada por Fernando Henrique é de buscar alianças. Presume-se que seja ao estilo petista, tendo a máquina estatal como prêmio. Pois se não são apresentadas ideias, ainda que vagas, sobre o País, a aliança vai se dar com base em qual programa? E com quais partidos? Diz que pretende dividir a base parlamentar oficialista. Como? Quem pretende sair do governo? Não será mais uma das suas análises de conjuntura fadadas ao fracasso?
O medo de assumir uma postura oposicionista tem levado o partido à paralisia. É uma oposição medrosa, envergonhada. Como se a presidente Dilma Rousseff tivesse sido eleita com uma votação consagradora. E no primeiro turno. Ou porque a administração petista estivesse realizando um governo eficiente e moralizador. Nem uma coisa nem outra. As realizações administrativas são pífias e não passa uma semana sem uma acusação de corrupção nos altos escalões.
O silêncio, a incompetência política e a falta de combatividade estão levando à petrificação de um bloco que vai perpetuar-se no poder. É uma cruel associação do grande capital - apoiado pelo governo e dependente dele - com os setores miseráveis sustentados pelos programas assistencialistas. Ou seja, o grande capital se fortalece com o apoio financeiro do Estado, que o brinda com generosos empréstimos, concessões e obras públicas. É a privatização em larga escala dos recursos e bens públicos. Já na base da pirâmide a estratégia é manter milhões de famílias como dependentes de programas que eternizam a disparidade social. Deixam de ser miseráveis. Passam para a categoria da extrema pobreza, para gáudio de alguns pesquisadores. E tudo temperado pelo sufrágio universal sem política.
Em meio a este triste panorama, não temos o contradiscurso, que existe em qualquer democracia. Ao contrário, a omissão e a falta de rumo caracterizam o PSDB. Para romper este impasse é necessário discutir abertamente uma proposta para o País, não temer o debate, o questionamento interno, a polêmica, além de buscar alianças programáticas. É preciso saber o que pensam as principais lideranças. Numa democracia ninguém é líder por imposição superior. Tem de apresentar suas ideias.
MARCO ANTONIO VILLA, HISTORIADOR, É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFSCAR)
# por Anônimo - 28 de janeiro de 2012 às 09:40
Caro Professor, triste é a realidade de um país, onde a unanimidade impera (oposição sem ação e programção é cooperação)
É sabido que toda unanimidae é burra.
Infelizmente, até mesmo onde a presidente Dilma perdeu, já cooptou todos os lideres. Contar com iniciativa popular, como ? Se não existe uma liderança, exceto seus alertas que as pessoas de certo grau de politização sensibiliza, não passando disso.
Triste é o futuro que de meu povo.
Ubirajara Araujo
# por Anônimo - 28 de janeiro de 2012 às 09:58
Espera-se Godot.
Wanda Stefânia
# por Lucas - 28 de janeiro de 2012 às 10:59
Prezado professor Villa,
perfeita sua análise. Mas acho que faltaram mais duas coisinhas, se me permite:
fhc, está paparicando dilma como um deslumbrado, um adolescente apaixonado...A mesma dilma que produziu um dossie contra dona RUTH CARDOSO (essa sim com maiúsculas). Minha mãe dizia que esse comportamento tem nome: falta de vergonha na cara!!!
A outra coisinha é a seguinte, fhc está com 80 anos. Será que estará vivo em 2014? Estou falando de estatísticas e probabilidades.
Acho que está na hora das pessoas sérias desse país, e que nasceram a partir de 1950 começarem a se pronunciar.
# por Pércicles da Silva - 28 de janeiro de 2012 às 11:10
Interessante, o texto. Mas faltou listar o principal erro político de FHC. Fazer corpo mole em 2002 imaginando que o governo Lula seria um fracasso e ele próprio, FHC, voltaria nos braços do povo. Cometeu o mesmo erro de Juscelino, e, como JK, condenará o Brasil a um longo ciclo autoritário, como o senhor mesmo já escreveu, quando disse que nos transformamos numa Coreia do Norte.
# por Carlos Gama - 28 de janeiro de 2012 às 13:31
Meu caro cronista, o que ocorre no Brasil é faltarem políticos e sobrarem aproveitadores.
Algumas conjeituras sobre o tema:
"Muitas vezes os políticos não se entendem, embora falando a mesma língua. É porque, geralmente, a diferença não é idiomática e sim aritmética";
"Parece-nos que os políticos de verdade são lembrança do passado. Restaram-nos os genéricos, de qualidade e efeito duvidosos";
"A maioria dos políticos transita com a mesma desenvoltura, tanto pela esquerda quanto pela direita mas, infelizmente, quase sempre na contra-mão dos interesses do país";
"Não deixa de ser muito preocupante a visão clara que se tem hoje de um Estado dirigido por um Executivo ventríloquo e ambidestro".
# por Míriam Martinho - 28 de janeiro de 2012 às 14:57
Villa, mais um texto preciso. Pior que o contexto internacional, com a crise econômica e possível depressão, é muito propício aos ímpetos autoritários, como ocorrido nas primeiras décadas do século passado.
Dá medo tudo isso, já que, com honrosas exceções, não se vê reação da sociedade aos passos largos que o PT vem dando rumo à instalação de um regime plenamente autoritário no Brasil.
Fico me perguntando o que, nós, simples cidadãos, podemos fazer para ao menos tentar brecar essa caminhada.
# por Ana Paula Paiva - 28 de janeiro de 2012 às 18:56
Na sabatina, FHC mostrou os erros do PSDB no pleito de 2010. E a palavra que ele utilizou para denominar a campanha foi: 'Arrogância'. E é bem verdade, pois José Serra era o favorito. Entretanto, brigas internas, show de vaidades, falta de um líder de força, mal assessoramento de marketing, excesso de covardia destruiu e, tem destruído o PSDB.
Nós (44 milhões de brasileiros) não queremos continuar no papel de oposição. Nós queremos que o PSDB seja reconstruído e assuma o seu lugar: o governo. Se Aécio Neves é o nome do partido, que assim seja. Cabe ao eleitor votar ou não no candidato. Oxalá que José Serra permita as prévias. Coisa que não aconteceu em 2010! Entretanto, o pleito de outubro está é já ali. Ou seja, é muito prematuro cogitar e badalar nomes para o 'ano D'. Tens razão.
Verdade seja dita, Serra e Alckmin [ também mencionado na entrevista, mas pouco badalado ] já perderam a vez. Ambos já tentaram e foram derrotados. Aécio é a única coisa nova no partido. Tudo bem, o senador Alvaro Dias é um grande líder. Mas é da sabedoria comum que os caciques da política levam antes em consideração o que o povo rejeita do que o povo quer.
É impossível não concordar com o senhor, pois Em qualquer sistema democrático a existência de uma oposição legítima e organizada é um pré-requisito para o bom desempenho do partido no poder e, o respeito pelos direitos dos cidadãos. Consenso e dissenso são práticas políticas em uma democracia, pois assegura efetivamente a convivência, o debate, a discussão e, finalmente, o desenvolvimento da nação.
A ação correta do partido no poder é importante, assim como o direito de questionar e criticar da oposição. A democracia exige adversários políticos. É uma questão-chave.
Parabéns e obrigada por mais um rico artigo.
# por Caio Túlio (de Uberlândia) - 28 de janeiro de 2012 às 23:16
Sra. Ana Paula Paiva, desculpe a pergunta, mas a senhora usa chapéu e mora em Belo Horizonte?
Recebi um vídeo de um jogo da seleção em BH, em que a torcida em peso entoou o seguinte canto:
"Ô Maradona, vá se f...,
o Aécio cheira mais do que você!"
A senhora conheçe o caso?
# por Pedro Ivo - 29 de janeiro de 2012 às 09:14
Pegando carona no comentário do Caio Túlio (23:16), gostaria de perguntar a Ana Paula se o Aécio continua a se recusar a fazer teste do bafômetro, quando é parado em blitz da PM...
# por Celene Fonseca - 29 de janeiro de 2012 às 12:48
Excelente análise, eu só não carregaria tanto em Lula e no PT. Faltou dizer que FHC tampouco fez uma boa análise de conjuntura quando decidiu emplacar um projeto de fatura colonial nas comemorações de 500 Anos de História do Brasil. O projeto foi idealizado por um empresário que tinha interesses imobiliários na região de Porto Seguro e logo foi rebatizado de "Museu Aberto dos Loteamentos". Deu no que deu. Até os portugueses estranharam a homenagem do colonizado ao colonizador - vários jornais da época dão conta disso. Por incrível que pareça, tentaram se apropriar de uma data simbólica para a história do Brasil e para isto contaram com a benção do presidente-sociólogo! Não fôssemos nós, indígenas, negros e populares, o Brasil teria sido desmoralizado.
Celene Fonseca
P.S.: eu lhe conheci em Salvador, no CEEC, por intermédio de Manoel Neto.
# por Celene Fonseca - 29 de janeiro de 2012 às 12:48
Excelente análise, eu só não carregaria tanto em Lula e no PT. Faltou dizer que FHC tampouco fez uma boa análise de conjuntura quando decidiu emplacar um projeto de fatura colonial nas comemorações de 500 Anos de História do Brasil. O projeto foi idealizado por um empresário que tinha interesses imobiliários na região de Porto Seguro e logo foi rebatizado de "Museu Aberto dos Loteamentos". Deu no que deu. Até os portugueses estranharam a homenagem do colonizado ao colonizador - vários jornais da época dão conta disso. Por incrível que pareça, tentaram se apropriar de uma data simbólica para a história do Brasil e para isto contaram com a benção do presidente-sociólogo! Não fôssemos nós, indígenas, negros e populares, o Brasil teria sido desmoralizado.
Celene Fonseca
P.S.: eu lhe conheci em Salvador, no CEEC, por intermédio de Manoel Neto.
# por Sergio - 29 de janeiro de 2012 às 16:12
Em eleições presidenciais, não tenho mais esperanças. Cabe ,aos que moram no Estado de SP, preservar o bom senso e a democracia por aqui. Temos que continuar varrendo os fascistas,comunistas daqui. SERRA PARA PREFEITO.
# por Anônimo - 29 de janeiro de 2012 às 21:20
O fato é que o PSDEMB-agregados não é oposição, mas, isto sim, ex-situação que deseja, veementemente, voltar a ser situação, mesmo significando retrocesso ao PTMDB-agregados que é a atual situação, que foi oposição. Villa, a nossa convicção é que você também está equivocado nesta questão exigindo combate entre situação e oposição, matos esses donde jamais sairão os novos coelhos que interessam à população do nosso Brasilzão. Acorda, e se liga irmão, pois tem algo novo no ar desta nação, que nada tem a ver com o velhos aviões de carreira da velha tradição. A onda agora é o embate da Mega-Solução, que é o PNBC (Projeto Novo Brasil Confederativo), o novo caminho para o novo Brasil, contra o continuismo da mesmice da situação e da ex-situação que se diz oposição. Vale dizer, o PNBC é o Projeto Novo e Alternativo de Nação, quem vem aí pilotado pelo HoMeM do Mapa da Mina, e a Meritocracia Eleitoral, A Revolução Pacífica do Leão, o contraponto a continuismo da mesmice da situação e oposição.
# por Fátima - 30 de janeiro de 2012 às 10:10
A "oposição" tem seus maiores inimigos dentro de seus quadros.
Mas não está na hora de dizer: FHC, por quê não te calas?
# por Daniel - 30 de janeiro de 2012 às 11:06
Parabens! Analise critica adequada. E sua analise nao serve apenas para os tucanos, serve, tambem, para qualquer partido. Seu artigo, apos leitura, remete nosso pensamento ao modelo Ingles de fazer politica. E ai, como tapuias que somos, uma enorme inveja toma conta do nosso pensar.
# por Daniel - 30 de janeiro de 2012 às 11:11
Acabei esquecendo de perguntar: e o Aecio Cunha (nunca foi Neves...), se eleito, vai aposentar a Lei Seca? Porque como sabemos, um dos esportes favoritos do Aecinho, é tomar todas. Alem, claro, de "otras cositas mas..."
# por Anônimo - 30 de janeiro de 2012 às 11:57
FHC viaja na maionese. A máquina de se fazer fritura da imagem das pessoas nunca esteve tão ativa no Brasil, sendo que ninguém vai conseguir se manter candidato por dois anos e meio sem ser massacrado pelos opositores.
# por VICENTE - 30 de janeiro de 2012 às 12:57
Concordo com praticamente tudo o que está escrito, mas o fato é que não há outro nome. Nas eleições de 2010 o serra ao invés de defender o legado de seu partido ( QUE FOI ENORME, a despeito dos críticos de plantão) o que fez? Apareceu na propaganda polítca ao lado de lula....Deu vontade de vomitar
# por Ana Paula Paiva - 30 de janeiro de 2012 às 14:45
Senhor Caio Túlio (de Uberlândia), eu não uso chapéu, não frequento estádio de futebol, não moro em Belo Horizonte e desconheço por total o caso
Pedro Ivo, eu não sou assessora de imprensa do emplumado-boy Aécio Neves, não sou jornalista, não sou bartender e muito menos agente de trânsito. Logo, não sei dizer se a criatura em questão tem transgredido a Lei Seca.
# por Anônimo - 30 de janeiro de 2012 às 16:18
Aécio é o escolhido! aquele que da uns tirinhos, soca namorada em festa chic, toma uns pileques e sai dirigindo, Isto é que é uma oposição de m... Eu ja vi filme parecido
# por Anônimo - 31 de janeiro de 2012 às 11:49
Todas as análises políticas do Brasil nos últimos anos parecem considerar que no Brasil só existem 03 partidos: O PT, que governa bem pra caramba; o PMBD, que se adere bem a qualquer governo; e o PSDB, único partido de oposição, que até hoje não aprendeu o dever de casa.