A indústria da seca

Saiu hoje na Folha de S.Paulo. Discuti extensamente esta questão no meu livro "Vida e morte no sertão. História das secas no Nordeste nos séculos XIX e XX".


ANÁLISE

Sob controle da oligarquia nordestina, Dnocs pouco ajudou nas grandes secas

MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Dnocs tem uma longa história. Foi criado em 1909, inspirado no sucesso obtido pelo "Reclamation Service", criado pelo presidente Theodore Roosevelt para áreas desérticas dos Estados Unidos.

Neste século de vida, tem muito pouco para mostrar. As obras realizadas pouco efeito tiveram nas grande secas, como as de 1915, 1919, 1932, 1942, 1951-1953, 1958, 1970 e 1979-1983.

A autarquia foi mantida sob controle absoluto da oligarquia nordestina, dos "industriais da seca", expressão popularizada por Joaquim Nabuco nos anos 1880.

O Dnocs ficou notabilizado pela construção de grandes açudes, que envolveram vultosos recursos federais. A maior parte deles está abandonada, sem canais para irrigar terras, salinizados e sem qualquer uso efetivamente econômico. E pior: sem conservação, correndo o risco de as barragens se romperem.

A criação do Dnocs fez parte de um momento da história brasileira em que o Nordeste -à época chamado de Norte- passou a ser considerado uma região problema.

Sem condições de gerar suas próprias fontes de renda, passou a depender do governo central. Esse processo começou após a trágica seca dos três setes, de 1877-1879, e seus 600 mil mortos, 4% da população brasileira de então.

Imaginava-se que o problema central da agricultura e da pecuária da região era a falta de água, daí a construção de açudes. A solução hidráulica, capitaneada pelo Dnocs, foi um fracasso.

Porém, serviu como uma luva para os interesses políticos coronelistas, principalmente quando seca e eleição coincidiam, como em 1958, 1970 ou 1982.

MARCO ANTONIO VILLA é historiador e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).


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    # por Anônimo - 27 de janeiro de 2012 às 08:10

    Caro professor, como historiador, voce sabe que temos uma tradição de corrupção e favoritismo, desde as capitanias hereditárias, senadores bionicos, governadores nomeados, a industria da seca, etc.
    Nunca neste País o interesse coletivo esteve acima dos interesses politicos. O exemplo mais gritante é o próprio nordeste. Maranhao, onde o povo morre de fome e a familia Sarney enriquece a cada dia, Alagoas onde as enchentes acabaram com a vida de milhares de pessoas e pouco ou nada se fez, Pernanbuco com verbas privilegiadas. Mas no sul e centro-oeste temos o Lulinha que continua enriquecendo a cada dia, do nada se transformou em milhonario das telecomunicações e de frigorificos.
    Pobre povo brasileiro, mantido na ignorância para se manter calado.

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    # por Anônimo - 27 de janeiro de 2012 às 09:23

    Obrigado por nos encharcar com seu conhecimento neste blog em seus livros e no Jornal da Cultura e lembre-se "Polêmica e Protesto".
    Ass. Dr.broca

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    # por Francelino Boueres - 27 de janeiro de 2012 às 12:30

    Caríssimo Villa,
    Sou maranhense, e o que esta me preocupando, nesses tempos de eleição, é o Programa do Governo Federal: “Água Para Todos”. Programa esse, a cargo do Ministério da Integração Nacional e sobre a supervisão e organização da CODEVASF – companhia esta que está chegando agora no Maranhão, pois as Bacias dos rios Ipapecurú e Mearim foram encampadas pela companhia. Depois desse histórico sobre ao Dnocs, acho oportuno sua análise a respeito do “Água Para Todos”, que está sendo apregoado como mais um dos programa “milagrosos” para o Nordeste.

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    # por Anônimo - 27 de janeiro de 2012 às 23:56

    Êsses animais costumam arranjar culpados para tudo na vida aqui neste País: antes era a sêca e era só no Nordeste, agora é o aquecimento global, as chuvas que ocorrem como todo o fenomeno natural obedecendo ciclos, mas as merdas que são feitas e as coisas boas que não o são, essas ninguém fala!

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    # por Anônimo - 29 de janeiro de 2012 às 21:16

    O texto do Villa está excelente, como sempre. Faltou apenas a referência à transposição do Rio São Francisco, que é o completo e acabado endosso a tudo que foi dito aqui. Bandeira do Lulismo e do seu mentor, um nordestino que foi pobre, hoje devidamente "aculturado" nas mazelas de Brasília e encastelado no poder. A transposição do São Francisco vai repetir o que acontece com a seca do Nordeste desde quando Joaquim Nabuco criou a expressão "Industria da Seca", em 1880. Até hoje é assim.

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    # por Anônimo - 30 de janeiro de 2012 às 11:28

    Infelizmente nesse país, qualquer tipo de tragêdia , vira pano de fundo para corrupção e fisiologismo, até quando Brasil?
    Luciano

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    # por Anônimo - 30 de janeiro de 2012 às 15:01

    Salve Professor,

    Manifesto aplausos pela forma corajosa e independente com que V. Senhoria tem enfrentado e denunciado tantos desvios éticos e morais.
    Principalmente no Judiciário que deveria estar acima de qualquer suspeita.