O Nordeste saiu de moda
Publiquei hoje em O Globo:
Muitos temas ficaram fora da agenda eleitoral deste ano. A discussão sobre o semiárido nordestino certamente foi um deles. Temos o semiárido mais populoso do mundo. A maior parte dos seus habitantes vive próximo da miséria. Seus municípios sobrevivem de duas fontes: a aposentadoria rural e o Bolsa Família, que injetam recursos que são fundamentais para movimentar o comércio.
Não há economia local. A produção de alimentos mal dá para a subsistência.
Os rendimentos de agricultura e pecuária são desprezíveis. Nos oito anos da Presidência Lula nada foi feito na região. E não faltaram instrumentos como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Nordeste, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas ou a Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste.
O Nordeste saiu de moda. E faz tempo. No pré-64 era tema constante em qualquer roda política. Ligas Camponesas, reforma agrária, Sudene eram temas recorrentes. No cinema, música, teatro e literatura, lá estava o Nordeste seco e suas mazelas.
Durante o regime militar a região continuou em pauta. Várias medidas foram adotadas, como os incentivos fiscais. Com a redemocratização, a região foi caindo no esquecimento. E nos últimos tempos desapareceu do debate político nacional. Nem os velhos setores da esquerda falam do sertão. Até o MST centrou suas ações longe de lá.
A Amazônia acabou ocupando o espaço que foi durante décadas do Nordeste. Saiu do noticiário o latifúndio improdutivo e entrou o meio ambiente.
Basta acompanhar as discussões do Congresso Nacional. Vários temas polêmicos envolvem a Amazônia; já o Nordeste ficou esquecido, como se tivessem sido resolvidos, ou, ao menos, encaminhadas as soluções, os seus problemas seculares.
E seus representantes? As velhas oligarquias continuam firmes e fortes.
E ainda ficaram mais poderosas nos últimos 8 anos. Os órgãos e as agências estatais que atuam na região foram entregues aos oligarcas.
São excelentes cabides de empregos e de bons negócios. Fortaleceram ainda mais seus interesses de classe.
Por outro lado, os sertanejos estão abandonados e cada vez mais dependentes dos oligarcas e de seus instrumentos de dominação, especialmente o Bolsa Família. A maioria das cidades do semiárido tem mais de 60% dos seus habitantes recebendo o benefício.
Mal conseguem se alimentar e não têm nenhuma perspectiva de futuro.
Canudos, no Nordeste da Bahia, é um bom exemplo. É conhecida devido à guerra de 1896-1897 e ao maior clássico brasileiro, “Os sertões”, de Euclides da Cunha. Hoje, o município tem pouco mais de 15 mil habitantes, dos quais 2.461 famílias são beneficiárias do programa. Ainda cerca de 500 estão cadastradas e aguardam a sua vez: são um excelente instrumento eleitoral com promessas de que irão fazer parte da lista de pagamentos do programa. As famílias já beneficiadas ficam à mercê do dirigente local: permanecem recebendo o benefício se apoiarem o oligarca local. E como cada família sertaneja, em média, não tem menos que cinco pessoas, hoje representam cerca de 12 mil pessoas, cerca de 80% da população.
No município não há nenhum trator, porém tem 473 motos. A dependência dos recursos da União ou do governo estadual é absoluta. Basta ver que o imposto territorial rural recolhe aos cofres municipais pouco menos de 5 mil reais; já do Fundo de Participação dos Municípios recebem 8 milhões. Dos 15 mil habitantes, pouco mais de 600 são assalariados, e o PIB per capita é de 2.700 reais.
Em 2006, no segundo turno da eleição presidencial, Lula obteve 5.768 votos, e Alckmin, 1.621, isto de um total de 7.389 votos válidos. Quatro anos depois, em um universo um pouco maior, de 7.481 votos válidos, Dilma saltou para 6.454, e Serra recebeu apenas 1.027, isto sendo um político muito mais conhecido na cidade, pela atuação no Ministério da Saúde, do que Alckmin. Se nas esferas municipal e estadual mantiveramse os políticos tradicionais, na eleição presidencial o fortalecimento do domínio petista é inconteste.
E o quadro de Canudos repete-se em centenas de municípios do semiárido.
Foi forjada uma sólida aliança entre o petismo federal e as oligarquias, transformando a população da região em celeiro de votos para os candidatos governamentais. Se nos últimos anos os indicadores sociais tiveram leve melhora, a sociedade local continua petrificada. Os mandões locais continuam tão poderosos como antes. O potencial de revolta foi domado pelos programas assistencialistas.
É como se a roda da história não se movesse. E, para piorar o quadro, o Brasil virou as costas para o Nordeste.
Não há economia local. A produção de alimentos mal dá para a subsistência.
Os rendimentos de agricultura e pecuária são desprezíveis. Nos oito anos da Presidência Lula nada foi feito na região. E não faltaram instrumentos como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Nordeste, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas ou a Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste.
O Nordeste saiu de moda. E faz tempo. No pré-64 era tema constante em qualquer roda política. Ligas Camponesas, reforma agrária, Sudene eram temas recorrentes. No cinema, música, teatro e literatura, lá estava o Nordeste seco e suas mazelas.
Durante o regime militar a região continuou em pauta. Várias medidas foram adotadas, como os incentivos fiscais. Com a redemocratização, a região foi caindo no esquecimento. E nos últimos tempos desapareceu do debate político nacional. Nem os velhos setores da esquerda falam do sertão. Até o MST centrou suas ações longe de lá.
A Amazônia acabou ocupando o espaço que foi durante décadas do Nordeste. Saiu do noticiário o latifúndio improdutivo e entrou o meio ambiente.
Basta acompanhar as discussões do Congresso Nacional. Vários temas polêmicos envolvem a Amazônia; já o Nordeste ficou esquecido, como se tivessem sido resolvidos, ou, ao menos, encaminhadas as soluções, os seus problemas seculares.
E seus representantes? As velhas oligarquias continuam firmes e fortes.
E ainda ficaram mais poderosas nos últimos 8 anos. Os órgãos e as agências estatais que atuam na região foram entregues aos oligarcas.
São excelentes cabides de empregos e de bons negócios. Fortaleceram ainda mais seus interesses de classe.
Por outro lado, os sertanejos estão abandonados e cada vez mais dependentes dos oligarcas e de seus instrumentos de dominação, especialmente o Bolsa Família. A maioria das cidades do semiárido tem mais de 60% dos seus habitantes recebendo o benefício.
Mal conseguem se alimentar e não têm nenhuma perspectiva de futuro.
Canudos, no Nordeste da Bahia, é um bom exemplo. É conhecida devido à guerra de 1896-1897 e ao maior clássico brasileiro, “Os sertões”, de Euclides da Cunha. Hoje, o município tem pouco mais de 15 mil habitantes, dos quais 2.461 famílias são beneficiárias do programa. Ainda cerca de 500 estão cadastradas e aguardam a sua vez: são um excelente instrumento eleitoral com promessas de que irão fazer parte da lista de pagamentos do programa. As famílias já beneficiadas ficam à mercê do dirigente local: permanecem recebendo o benefício se apoiarem o oligarca local. E como cada família sertaneja, em média, não tem menos que cinco pessoas, hoje representam cerca de 12 mil pessoas, cerca de 80% da população.
No município não há nenhum trator, porém tem 473 motos. A dependência dos recursos da União ou do governo estadual é absoluta. Basta ver que o imposto territorial rural recolhe aos cofres municipais pouco menos de 5 mil reais; já do Fundo de Participação dos Municípios recebem 8 milhões. Dos 15 mil habitantes, pouco mais de 600 são assalariados, e o PIB per capita é de 2.700 reais.
Em 2006, no segundo turno da eleição presidencial, Lula obteve 5.768 votos, e Alckmin, 1.621, isto de um total de 7.389 votos válidos. Quatro anos depois, em um universo um pouco maior, de 7.481 votos válidos, Dilma saltou para 6.454, e Serra recebeu apenas 1.027, isto sendo um político muito mais conhecido na cidade, pela atuação no Ministério da Saúde, do que Alckmin. Se nas esferas municipal e estadual mantiveramse os políticos tradicionais, na eleição presidencial o fortalecimento do domínio petista é inconteste.
E o quadro de Canudos repete-se em centenas de municípios do semiárido.
Foi forjada uma sólida aliança entre o petismo federal e as oligarquias, transformando a população da região em celeiro de votos para os candidatos governamentais. Se nos últimos anos os indicadores sociais tiveram leve melhora, a sociedade local continua petrificada. Os mandões locais continuam tão poderosos como antes. O potencial de revolta foi domado pelos programas assistencialistas.
É como se a roda da história não se movesse. E, para piorar o quadro, o Brasil virou as costas para o Nordeste.
# por josé - ufscar - 9 de novembro de 2010 às 22:34
Pera lá, professor. Que o nordeste é excluído do debate sócio-político e econômico do país, todo mundo sabe. Agora, criticar o assistencialismo do governo Lula é besteira, o texto de Maria Rita Kehl (pelo qual ela foi demitida do Estadão - com ares de censura, diga-se) derruba todas essas toscas teorias. E dizer que o potencial de revolta nordestino foi domado por esses mesmos programas...desde quando não temos uma revolta no nordeste? Qual é esse potencial de revolta? Canudos foi a mais de 100 anos!
# por Anônimo - 9 de novembro de 2010 às 23:16
Quem não tem cão caça com gato. Assim como nós paulistas defendemos melhor educação, saúde e outros, o nordeste briga pela sua subsistência.O Bolsa Família é um programa revolucionário, já que movimenta a pequena economia, cria novas oportunidades de emprego e, o mais importante, permite que o povo não morra de fome.Quanto aos vagabundos que não assinam carteira para não perder o benefício e os casos de corrupção do programa, isso já é uma outra história. É lógico também que o Bolsa Família não é a solução dos problemas sociais e econômicos nordestinos. Agora, que virou instrumento de manipulação político-partidária e calou os movimentos sociais é uma verdade incontestável.
# por Anônimo - 10 de novembro de 2010 às 00:26
Excelente artigo professor. A verdade de que o PT se aliou ao que há de mais atrasado nesse país é incontestável. Os problemas não são resolvidos, novos são criados...continuamos festivamente no terceiro mundo.
# por barbarah.net - 10 de novembro de 2010 às 15:53
Algum material da montagem teatral de "Os Sertões"
Google
Associação Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona
Teatro Oficina Uzyna Uzona
# por lugudeno - 10 de novembro de 2010 às 16:08
José #1: O texto da Maria Rita Kehl é que é muito tosco. Ela como analista política, é no máximo uma razoável psicóloga...]
No referido texto, a autora insiste nesses cânones miseráveis dos quais certa intelectualidade de esquerda é escrava há decênios: a visão dualista de mundo e a insistência em caracterizar a classe média paulista como "senzalista". Em pleno século XXI... Tosco...
# por barbarah.net - 11 de novembro de 2010 às 19:41
PEC da Felicidade, Baú da Felicidade
Cadê a felicidade
# por Anônimo - 12 de novembro de 2010 às 13:46
#1 José, nesses tempos pós-eleições, toda a mistificação tosca anterior deve ser defenestrada. Heróis de fancaria perdem o condão de mobilizar e apenas atendem ao fervor de acólitos. Portanto, insistir na saga nordestina, agora, só serve para dividir o País entre bons (os que apoiam o governo) e os maus (as oposições). Só que os problemas de fundo continuam irresolvidos. A cada crítica ainda tenta-se remeter ao governo anterior, esquecendo-se os acólitos, que governo anterior, agora, são os oito anos de Lula. Quaisquer problemas que ainda persistam, têm grande contribuição do governo de 2003/2010.
# por Marcel - 19 de janeiro de 2011 às 16:32
Lamentável esse seu texto, extremamente carregado de preconceitos. Pelo que foi escrito todos os nordestinos são, no mínimo, vagabundos. Publicar um artigo com este teor serve apenas para contribuir com o preconceito que os "sudestinos" tem com o nordeste.
Recebi este seu artigo por e-mail e custei a acreditar que um profissional sério publicaria tal lixo(perdão pelo termo, mas não me veio em mente melhor adjetivo), infelizmente busquei por seu nome e aqui estou, perplexo.
Você precisa urgentemente rever seus conceitos sobre o mundo que lhe cerca, como também rever sua metodologia de análise de dados (seu exemplo utilizando Canudos foi lastimável. Os dados, como foram apresentados, são tendenciosos ao extremo)
Acredito que um pensamento crítico seja saudável, mas bom senso também é.