A hora da saideira.
Agradeço a mensagem do leitor destacando este artigo do nosso maior escritor vivo. A referência feita é ao meu artigo "Adeus, Lula".


A hora da saideira
30 de setembro de 2012 | 3h 09
JOÃO UBALDO RIBEIRO - O Estado de S.Paulo
Na semana passada, li um artigo do professor Marco Antonio Villa, que não conheço pessoalmente, mostrando, em última análise, como a era Lula está passando, ou até já passou quase inteiramente, o que talvez venha a ser sublinhado pelos resultados das eleições. Achei-o muito oportuno e necessário, porque mostra algo que muita gente, inclusive os políticos não comprometidos diretamente com o ex-presidente, já está observando há algum tempo, mas ainda não juntou todos os indícios, nem traçou o panorama completo.
O PT que nós conhecíamos, de princípios bem definidos e inabaláveis e de uma postura ética quase santimonial, constituindo uma identidade clara, acabou de desaparecer depois da primeira posse do ex-presidente. Hoje sua identidade é a mesma de qualquer dos outros partidos brasileiros, todos peças da mesma máquina pervertida, sem perfil ideológico ou programático, declamando objetivos vagos e fáceis, tais como "vamos cuidar da população carente", "investiremos em saneamento básico e saúde", "levaremos educação a todos os brasileiros" e outras banalidades genéricas, com as quais todo mundo concorda sem nem pensar. No terreno prático, a luta não é pelo bem público, nem para efetivamente mudar coisa alguma, mas para chegar ao poder pelo poder, não importando se com isso se incorre em traição a ideais antes apregoados com fervor e se celebram acordos interesseiros e indecentes.
A famosa governabilidade levou o PT, capitaneado por seu líder, a alianças, acordos e práticas veementemente condenadas e denunciadas por ele, antes de chegar ao poder. O "todo mundo faz" passou a ser explicação e justificativa para atos ilegítimos, ilegais ou indecorosos. O presidente, à testa de uma votação consagradora, não trouxe consigo a vontade de verdadeiramente realizar as reformas de que todos sabemos que o Brasil precisa - e o PT ostentava saber mais do que ninguém. No entanto, cadê reforma tributária, reforma política, reforma administrativa, cadê as antigas reformas de base, enfim? O ex-presidente não foi levado ao poder por uma revolução, mas num contexto democrático e teria de vencer sérios obstáculos para a consecução dessas reformas. Mas tais obstáculos sempre existem para quem pretende mudanças e, afinal, foi para isso que muitos de seus eleitores votaram nele.
O resultado logo se fez ver. Extinguiu-se a chama inovadora do PT, sobrou o lulismo. Mas que é o lulismo? A que corpo de ideias aderem aqueles que abraçam o lulismo? Que valores prezam, que pretendem para o País, que programa ou filosofia de governo abraçam, que bandeiras desfraldam além do bolsa família (de cujo crescimento em número de beneficiados os governantes petistas se gabam, quando o lógico seria que se envergonhassem, pois esse número devia diminuir e não aumentar, se bolsa família realmente resolvesse alguma coisa) e de outras ações pontuais e quase de improviso? É forçoso concluir que o lulismo não tem conteúdo, não é nada além do permanente empenho em manter o ex-presidente numa posição de poder e influência. O lulismo é Lula, o que ele fizer, o que quiser, o que preferir.
Isso não se sustenta, a não ser num regime totalitário ou de culto à personalidade semirreligioso. No momento em que o ex-presidente não for mais percebido como detentor de uma boa chave para posições de prestígio, seu abandono será crescente, pois nem mesmo implica renegar princípios ou ideais. Ele agora é político de um partido como qualquer outro e, se deixou alguma marca na vida política brasileira, esta terá sido, essencialmente, a tal "visão pragmática", que na verdade consiste em fazer praticamente qualquer negócio para se sustentar no poder e que ele levou a extremos, principalmente considerando as longínquas raízes éticas do PT. Para não falar nas consequências do mensalão, cujo desenrolar ainda pode revelar muitas surpresas.
O lulismo, não o hoje desfigurado petismo, tem reagido, é natural. Os muitos que ainda se beneficiam dele obviamente não querem abdicar do que conquistaram. Mas encontram dificuldades em admitir que sua motivação é essa, fica meio chato. E não vêm obtendo muito êxito em seus esforços, porque apoiar o lulismo significa não apoiar nada, a não ser o próprio Lula e seu projeto pessoal de continuar mandando e, juntamente com seu círculo de acólitos, fazendo o que estiver de acordo com esse projeto. Chegam mesmo à esquisita alegação de que há um golpe em andamento, como se alguém estivesse sugerindo a deposição da presidente Dilma. Que golpe? Um processo legítimo, conduzido dentro dos limites institucionais? Então foi golpe o impeachment de Collor e haverá golpe sempre que um governante for legitimamente cassado? Os alarmes de golpe, parecendo tirados de um jornal de 30 ou 40 anos atrás, são um pseudoargumento patético e até suspeito, mesmo porque o ex-presidente não está ocupando nenhum cargo público.
É triste sair do poder, como se infere da resistência renhida, obstinada e muitas vezes melancólica que seus ocupantes opõem a deixar de exercê-lo. O poder político não é conferido por resultados de pesquisas de popularidade; deve-se, em nosso caso presente, aos resultados de eleições. O lulismo talvez acredite possuir alguma substância, mas os acontecimentos terminarão por evidenciar o oposto dessa presunção voluntarista. Trata-se apenas de um homem - e de um homem cujas prioridades parecem encerrar-se nele mesmo. Mas sua saída de cena não deverá ser levada a cabo com resignação. Ele insistirá e talvez ainda o vejamos perder outra eleição em São Paulo. Não a do Haddad, que aparentemente já perdeu. Mas a dele mesmo, depois que o mundo der mais algumas voltas e ele quiser iniciar uma jornada de volta ao topo, com esse fito candidatando-se à Prefeitura de São Paulo.
# por Anônimo - 30 de setembro de 2012 às 18:26
Sem palavras...
BELÍSSIMO texto de João Ubaldo Ribeiro
# por ubirajara araujo - 30 de setembro de 2012 às 18:41
O PT tem uma obsessão por golpes, que inconsciente e insanamente, pelo seu comportamento e conduta resultou num auto-golpe. Tudo aquilo que viram e criticaram nos outros fizeram com maior refinamento. O homem ve no seu semelhante a sua propria imagem, imagina que seu semelhante e capaz de concretizar tudo aquilo que tem criado em sua mente.
# por Anônimo - 30 de setembro de 2012 às 19:30
Essa " Saideira " foi muito legal . O Ubaldo é um figuraço e um grande escritor . Sou seu admirador há anos .
# por nora - 30 de setembro de 2012 às 21:10
Brilhante, como sempre Sr. Joao Ubaldo - um dos raros intelectuais legitimos que, no entanto, nao se auto premia com tal distincao - apenas o é.
# por Ana Lúcia K. - 30 de setembro de 2012 às 21:14
Prezado Villa,
O texto do João Ubaldo Ribeiro é o reconhecimento de sua luta, praticamente solitária, ao longo de todos estes anos contra todas as mazelas perpetradas pelo partideco a mando do salafrário, imoral lula.
Mais uma vez, vou insistir e repetir o desfecho deste capítulo tão vergonhoso de nossa História - pt/lula/lulismo - que vc acertadamente previu já faz um tempo: "Só o pt pode acabar com o pt". O lula não só está acabando com o pt como tb está acabando com o lulismo. A mentira tb tem prazo de validade e a dele ACABOU!
# por Fernanda - 30 de setembro de 2012 às 22:10
Professor, fiquei super feliz quando vi seu artigo citado pelo João Ubaldo hoje n'O Globo. TODOS os domingos é uma das primeiras coisas que faço (ler João Ubaldo, de quem tenho o maior orgulho, até valeria a pena ser brasileira só por causa dele, sou fã de carteirinha mesmo).
Como sempre, ele está certo (é um gênio): seu artigo "Adeus, Lula" foi "muito oportuno e necessário". Parabéns, professor. Continue firme aí, e nos debates pós-julgamento do mensalão, na Veja.
Parece que há uma luz no fim do túnel?
# por Zinha - 30 de setembro de 2012 às 22:40
Viu que chic? Ser citado pelo grande João Ubaldo,não é para qualquer um! rsrsrs Adorei!
João Ubaldo é um dos mais lúcidos,mais inteligentes e mais observador do nosso país! Leio-o todos os domingos.Ele é realmente um grande Mestre!
Parabéns a ele,pelo ótimo texto,e a vc,por ter sido citado por um dos ícones do nosso país!
Gde abç
@Lelezinha (Zinha)
# por Anônimo - 30 de setembro de 2012 às 23:33
Seu texto, e o de Ubaldo, são extremamente sensatos e oportunos. E não custa lembrar - aos Lulistas, em particular - que discussão política não é discussão de torcidas organizadas; há que ter isenção.
Os debates de Veja... acredito que deveria ser pensado sua continuidade após o Mensalão. Algo como um encontro semanal de 1 hora para reflexão de temas relevantes ao país em política e economia.
Sucesso.
# por Zinha - 1 de outubro de 2012 às 00:31
Mas não é que tive que voltar? rsrs
Só para te avisar que inúmeros blogs colocaram seu texto (Adeus Lula) onde citam autoria,é claro! Bacana!
Tomara que mtos e mtos leiam seus artigos! Vc é mto bom!
Mais abçs!
@Lelezinha (Zinha)
# por MaluBlanco - 1 de outubro de 2012 às 11:35
A lucidez é uma dádiva para a esperança.
# por Anônimo - 1 de outubro de 2012 às 14:45
O triste, como sempre, é que sobra para o público as contas da irresponsabilidade.
http://blogs.estadao.com.br/jamil-chade/2012/10/01/iata-reforma-de-aeroportos-no-brasil-pode-custar-horrivelmente-caro-por-conta-dos-atrasos/
# por Paulo Mendonça - 1 de outubro de 2012 às 20:07
O que era prenúncio, fruto de sementes que
foram jogadas nos últimos dez anos, começam
a tomar contornos de realidade; tanto na po-
lítica quanto na economia. O falso messianis-
mo começa a ser catapultado. Antes, pensava em
me deleitar ante a queda de algo que parecia ser
grande e duradouro. Hoje, quase que só consigo
ter pena. Eles são pequenos.
# por Josias - 1 de outubro de 2012 às 23:52
Vc não precisa escrever mais nada! Parabéns!
# por Josias - 1 de outubro de 2012 às 23:55
Vc não precisa escrever mais nada! Parabéns!