Um poder de costas para o país
Segue artigo que saiu n'O Globo de setembro de 2011:
‘Um poder de costas para o país’, um artigo de Marco Antonio Villa
PUBLICADO NO GLOBO DESTA TERÇA-FEIRA
A Justiça no Brasil vai mal, muito mal. Porém, de acordo com o relatório de atividades do Supremo Tribunal Federal de 2010, tudo vai muito bem. Nas 80 páginas – parte delas em branco – recheadas de fotografias (como uma revista de consultório médico), gráficos coloridos e frases vazias, o leitor fica com a impressão que o STF é um exemplo de eficiência, presteza e defesa da cidadania. Neste terreno de enganos, ficamos sabendo que um dos gabinetes (que tem milhares de processos parados, aguardando encaminhamento) recebeu “pela excelência dos serviços prestados” o certificado ISO 9001. E há até informações futebolísticas: o relatório informa que o ministro Marco Aurélio é flamenguista.
A leitura do documento é chocante. Descreve até uma diplomacia judiciária para justificar os passeios dos ministros à Europa e aos Estados Unidos. Ou, como prefere o relatório, as viagens possibilitaram “uma proveitosa troca de opiniões sobre o trabalho cotidiano”. Custosas, muito custosas, estas trocas de opiniões. Pena que a diplomacia judiciária não é exercida internamente. Pena. Basta citar o assassinato da juíza Patrícia Acioli, de São Gonçalo. Nenhum ministro do STF, muito menos o seu presidente, foi ao velório ou ao enterro. Sequer foi feita uma declaração formal em nome da instituição. Nada. Silêncio absoluto. Por que? E a triste ironia: a juíza foi assassinada em 11 de agosto, data comemorativa do nascimento dos cursos jurídicos no Brasil.
Mas, se o STF se omitiu sobre o cruel assassinato da juíza, o mesmo não o fez quando o assunto foi o aumento salarial do Judiciário. Seu presidente, Cézar Peluso, ocupou seu tempo nas últimas semanas defendendo – como um líder sindical de toga – o abusivo aumento salarial para o Judiciário Federal. Considera ético e moral coagir o Executivo a aumentar as despesas em R$8,3 bilhões.
A proposta do aumento salarial é um escárnio. É um prêmio à paralisia do STF, onde processos chegam a permanecer décadas sem qualquer decisão. A lentidão decisória do Supremo não pode ser imputada à falta de funcionários. De acordo com os dados disponibilizados, o tribunal tem 1.096 cargos efetivos e mais 578 cargos comissionados. Portanto, são 1.674 funcionários, isto somente para um tribunal com 11 juízes. Mas, também de acordo com dados fornecidos pelo próprio STF, 1.148 postos de trabalho são terceirizados, perfazendo um total de 2.822 funcionários. Assim, o tribunal tem a incrível média de 256 funcionários por ministro. Ficam no ar várias perguntas: como abrigar os quase 3 mil funcionários no prédio-sede e nos anexos? Cabe todo mundo? Ou será preciso aumentar os salários com algum adicional de insalubridade?
Causa estupor o número de seguranças entre os funcionários terceirizados. São 435! O leitor não se enganou: são 435. Nem na Casa Branca tem tanto segurança. Será que o STF está sendo ameaçado e não sabemos? Parte destes vigilantes é de seguranças pessoais de ministros. Só Cézar Peluso tem 9 homens para protegê-lo em São Paulo (fora os de Brasília). Não é uma exceção: Ricardo Lewandovski tem 8 exercendo a mesma função em São Paulo.
Mas os números continuam impressionando. Somente entre as funcionárias terceirizadas, estão registradas 239 recepcionistas. Com toda a certeza, é o tribunal que melhor recebe as pessoas em todo mundo. Será que são necessárias mais de duas centenas de recepcionistas para o STF cumprir suas tarefas rotineiras? Não é mais um abuso? Ah, abuso é que não falta naquela Corte. Só de assistência médica e odontológica o tribunal gastou em 2010, R$ 16 milhões. O orçamento total do STF foi de R$ 518 milhões, dos quais R$ 315 milhões somente para o pagamento de salários.
Falando em relatório, chama a atenção o número de fotografias onde está presente Cézar Peluso. No momento da leitura recordei o comentário de Nélson Rodrigues sobre Pedro Bloch. O motivo foi uma entrevista para a revista “Manchete”. O maior teatrólogo brasileiro ironizou o colega: “Ninguém ama tanto Pedro Bloch como o próprio Pedro Bloch.” Peluso é o Bloch da vez. Deve gostar muito de si mesmo. São 12 fotos, parte delas de página inteira. Os outros ministros aparecem em uma ou duas fotos. Ele, não. Reservou para si uma dúzia de fotos, a última cercado por crianças. A egolatria chega ao ponto de, ao apresentar a página do STF na intranet, também ter reproduzida uma foto sua acompanhada de uma frase (irônica?) destacando que o “a experiência do Judiciário brasileiro tem importância mundial”.
No relatório já citado, o ministro Peluso escreveu algumas linhas, logo na introdução, explicando a importância das atividades do tribunal. E concluiu, numa linguagem confusa, que “a sociedade confia na Corte Suprema de seu País. Fazer melhor, a cada dia, ainda que em pequenos mas significativos passos, é nossa responsabilidade, nosso dever e nosso empenho permanente”. Se Bussunda estivesse vivo poderia retrucar com aquele bordão inesquecível: “Fala sério, ministro!”
As mazelas do STF têm raízes na crise das instituições da jovem democracia brasileira. Se os três Poderes da República têm sérios problemas de funcionamento, é inegável que o Judiciário é o pior deles. E deveria ser o mais importante. Ninguém entende o seu funcionamento. É lento e caro. Seus membros buscam privilégios, e não a austeridade. Confundem independência entre os poderes com autonomia para fazer o que bem entendem. Estão de costas para o país. No fundo, desprezam as insistentes cobranças por justiça. Consideram uma intromissão.
# por To Fora - 18 de abril de 2012 às 07:52
Marco, bom dia.òtimo seu artigo.
Agora, aproveita e fala da educação.
São 14 funcionários para cada aluno.
# por Anônimo - 18 de abril de 2012 às 08:14
Nossas cadeias e presídios são masmorras medievais, no STF eles vivem como marajás e nós somos uma Índia feia e suja aqui fora.. que barbaridade este país.
# por ubirajara araujo - 18 de abril de 2012 às 09:51
Caro Professor, sem dúdiva suas considerações são muito lucidas, começando com o culto a personalidade como nos tempos de Stalin. Depois pela eficiência com os Kolkhoses, onde se fingia o cumprimento de metas e o exemplo do trabalho solidario. Depois disso vem o PODER, propriamente dito, quando a Constituição eliminou todas as verbas de natureza pessoal, agora foram criadas o auxilio saude, o auxilio alimentação, o auxilio transporte, em algusn estados em carcter retroativo, etc etc.
Quanto ao sálarios, neste País estão os mais altos do planeta, mas não basta, os caprichos e a competitividade são maiores, sem falar nas diarias, ajudas de custo, Segundo comentários em alguns estados da federação o 1/3 de ferias previsto pela constituição, já passou para 1/2.
Na Italia, França Espanha, um magistrado não ganha mais que o triplo do salario de um professor, agora aqui: faça um compartivo
Como pode o orgão maximo de interpretação da Cata Magna, renegá-la em tantos pontos.
Sinceramente Profesor Villa, o visionario escritor frances Victor uma há mais de seculo afirmava os governos e as instituições são despurodados como as mulheres da vida.
Par encerrar, uso outra expressão do velho visionário frances ¨prefiro a ternura da prece do que a hipocrisia do discurso.
# por Nuno Brito - 18 de abril de 2012 às 10:45
A ineficiência generalizada em várias instituições do Estado Brasileiro é perturbadora. Só para dar exemplo, minha mãe entrou com uma causa na justiça contra o estado de Pernambuco há 15 anos, ganhou em todas instâncias, e até agora não vimos a cor do dinheiro. Ressalta-se qu'ela é uma senhora de 72 anos e o valor a receber não computa nem R$ 50.000! (o que devido a especulação imobiliária em Recife no máximo possibilitará comprar uma casa na favela...isso se um dia conseguirmos o receber). Minha mãe já não tem esperanças...Esse é o retrato do poder judiciário brasileiro, olhando pro seu umbigo e dando as costas ao povo.
# por Elton - 18 de abril de 2012 às 11:27
Simplesmente lamentável a situação vivida por nós, agora que moral o judiciário para julgar, nenhuma por isso por isso não o faz, não tem condição, honra e ética para julgar a conduta alhea, o que é pior em tudo isso é que todo mundo sabe, por isso a corrupção no Brasil é tão estimulada.
# por Anônimo - 18 de abril de 2012 às 14:34
Caro Professor
Seu artigo é altamente esclarecedor, embora provoque temor e desesperança.
As pessoas comnus, como eu própria, que imaginavam o judiciário diferente (melhor e mais bem-preparado) do legislativo e executivo, agora percebem que não há saída.
E o que mais me aflige é nada poder fazer.
De qualquer forma, parabéns pela brilhante exposição
# por Anônimo - 18 de abril de 2012 às 14:49
Sim, professor, Peluso continua o mesmo.
O ministro Ayres Britto não se compara a esse senhor, mas o problema é o STF, ou melhor, o STF (supremo tribunal de falcatruas), O STJ, a PQP, tudo. Vamos ver se o julgamento do mensalão vai ou não vai, com tipos como Lewandowsky e Toffoli.
Fernanda
# por Anônimo - 18 de abril de 2012 às 16:51
Não é só no stf. O judiciário inteiro esta assim. Caro , ineficiente, vagabundo e corrupto. Alías, o estado brasileiro todo é assim. Agora, nos foruns estão contratando estagiários para fazer o trabalho dos funcionários.
Sem choque de gestão, com implantação de metas e resultados e fim da estabilidade, o pais não muda. Nosso estado é como o da grécia.
# por Anônimo - 18 de abril de 2012 às 23:11
Congratulações Professor. O sr. levantou uma bandeira que os demais jornalistas só de maneira superficial abordavam, vale dizer, faltava o judiciário entender que vive numa democracia. Interessante palestra sobre esse assunto foi proferida pelo juiz paulista José Henrique Rodrigues Torres na tv cultura. Recomendo efusivamente. (http://www.cpflcultura.com.br/2012/04/12/poder-judiciario-a-busca-de-seu-papel-social-judiciario-no-brasil-jose-henrique-rodrigues-torres-e-joao-batista-damasceno/)
# por Joaquim - 18 de abril de 2012 às 23:44
Excelente, Villa. Meus parabéns novamente.
Não quero desvirtuar, mas que tal algo sobre o dia do índio?
# por Anônimo - 19 de abril de 2012 às 06:00
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/joaquim-barbosa-reage-peluso-se-acha
# por Agilmar Machado Filho - 19 de abril de 2012 às 13:43
Cadê, Lewandowski ????
# por Rodrigo - 19 de abril de 2012 às 17:27
Marco, já tinha lido o texto e como sempre, excelente. Está cada vez ficando mais claro para mim que não tem como evitar a captura das instituições. É uma tendência que parece ser inevitável. A dinâmica entre os agente públicos e os grupos de pressão tende a ser uma relação como a de um hospedeiro e um parasita, você vê cada vez mais essas instituições definhando, mesmo em países como os Estados Unidos a justiça, as agências reguladoras...também sofrem desse mal, e estão cada vez mais caindo em descrédito com a sociedade. Temos que rediscutir a forma de organização, essa forma de democracia não dá. Segue a sua palestra,do Shikida e do Constantino na IBMEC-MG: http://www.ordemlivre.org/2012/04/tres-palestras-do-seminario-brasil-potencia-emergente-em-video/
# por AFM - 22 de abril de 2012 às 21:49
Olá Villa, como sempre seus artigos são precisos, pontuais, e como sempre sem medo de apontar e nominar, me sinto congratulado de ser seu contemporâneo e poder usufruir de seus conhecimentos. Não quero de forma nenhuma tomar vosso tempo, porem gostaria de convidá-lo a ler meu humilde blog com meus devaneios: Filosofias Vãs e Pensamentos Fúteis. Valeu, abraço, sou seu fã!
# por Anônimo - 23 de abril de 2012 às 03:46
Caro Mestre. Qual a sua percepção sobre o ministério público? Considere que várias das vantagens da magistratura foram obtidas por extensão das já usufruídas plos promotores (via resolução do CNM). É assustador o silêncio desse órgão, na medida que são os guardiões da constituição.
# por Unknown - 5 de novembro de 2012 às 22:36
Gostaria de conhece-lo pessoalmente.