Já está na hora de o STF tomar jeito

Publiquei hoje em "O Globo":

"Já passou da hora de o STF tomar jeito" 

(24.04.12)

Por Marco Antonio Villa,

O encerramento do mandato de Cezar Peluso à frente do Supremo Tribunal Federal pode significar uma mudança positiva no rumo daquela Corte?

É difícil supor que subitamente o STF passe a agir de forma republicana, cumprindo suas funções constitucionais. O clima interno é de beligerância. A cerimônia de posse do presidente Ayres Britto sinalizou que o provincianismo continua em voga. Foi, no mínimo, constrangedora a presença de Daniela Mercury cantando (mal) o Hino Nacional.

Mas pior, muito pior, foi o momento em que a cantora recitou um poema do presidente recém empossado, já chamado de ministro pirilampo: “Não sou como camaleão que busca lençóis em plena luz do dia. Sou como pirilampo que, na mais densa noite, se anuncia”. 

Mas como tudo o que é ruim pode piorar, o discurso de posse foi recheado de metáforas. Numa delas disse algo difícil de supor que seria pronunciado naquele recinto (e mais ainda por um presidente): “A silhueta da verdade só assenta em vestidos transparentes.”

O clima circense (os mais otimistas dirão: descontraído) da posse é uma mostra de como as instituições republicanas estão desmoralizadas. Teremos uma curta presidência de Ayres Britto. Logo o ministro vai se aposentar. Pouco antes, Cezar Peluso também vai seguir o mesmo caminho. A presidente Dilma Rousseff dificilmente vai nomear dois ministros para preencher as vagas. Assim, teremos um STF com nove membros, paralisado, com milhares de processos para julgar. E, para dar mais emoção, tendo na presidência Joaquim Barbosa. Ah, teremos um segundo semestre inesquecível naquela Corte.

Peluso saiu da presidência atirando. Foi sincero. Demonstrou o que é: autoritário, provinciano, conservador, corporativista e com uma questionável formação jurídica. Fez Direito na Faculdade Católica de Santos. Depois teve na USP como orientador Alfredo Buzaid, ministro da Justiça do presidente Médici. Não viu nada de anormal. Devia comungar das ideias de Buzaid. Afinal, a tese foi feita quando ele era ministro do governo mais repressivo da ditadura. Com a redemocratização, Peluso buscou outras companhias. Acabou se aproximando dos chamados setores progressistas. O poder tinha se deslocado e ele, também.

Na entrevista ao saite Consultor Jurídico, disse que organizava reuniões domésticas com os teólogos Leonardo Boff e Gustavo Gutierrez. Relatou que ficou impressionado quando Gutierrez alertou sobre a importância do ato de comer na Bíblia.

Sim, leitor, o que chamou a atenção de Peluso, na Bíblia, foi a comida. Sem nenhum pudor, disse que uma carta do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns foi determinante para sua escolha para o STF pelo ex-presidente Lula. Como se um assunto de Estado fosse da esfera da religião, esquecendo que a Constituição (e desde a primeira Carta republicana, a de 1891) separou a Igreja do Estado.

Atacou frontalmente a ministra Eliana Calmon, corregedora do CNJ. Afirmou que sua atuação estava pautada pela mídia e pelo desejo de fazer carreira política. E, mais, que não obteve nenhum resultado prático da sua ação. Fugiu à verdade. Se não fosse a corajosa atuação da corregedora, por exemplo, não ficaríamos sabendo dos fabulosos “ganhos eventuais” dos desembargadores paulistas (Peluso incluso - teria recebido 700 mil reais).

Peluso foi descortês com os colegas do STF. Na votação sobre as atribuições do CNJ, fez de tudo para ganhar a votação. Interrompeu votos, falou diversas vezes defendendo seu ponto de vista e mesmo assim perdeu. Imputou a derrota à ministra Rosa Weber, que teria dado o voto decisivo. Deixou no ar que ela votou sem ter conhecimento pleno do processo.

Nos ataques aos colegas, não poupou o ministro Joaquim Barbosa. Insinuou que ele não gostava de trabalhar. Era inseguro. Que frequentava bares. E que não tinha nenhuma doença nas costas. O estereótipo sobre Barbosa é tão vil como aqueles produzidos logo após 13 de maio de 1888.

Apontei em três artigos no Globo alguns problemas do STF (“Um poder de costas para o país”, “Triste Judiciário” e “Resta, leitor, rir”). O mau funcionamento daquela Corte não deve ser atribuído somente aos bate-bocas de botequim ou a alguma questão conjuntural. O STF padece de problemas estruturais. Deveria ser um tribunal constitucional, mas não é. Virou um tribunal de última instância. É lento, pesado. Tem de melhorar o desempenho administrativo. E o problema, certamente, não é a escassez de funcionários. São 3 mil. Os ministros tiram muitas licenças. Tudo é motivo para a suspensão dos trabalhos. E não é de hoje. A demora para a indicação de vagas abertas no tribunal também é um complicador.

Tudo indica que a questão central para o bom funcionamento do STF é a forma de como são designados os ministros. De acordo com a Constituição, a iniciativa é do Executivo. O nome é encaminhado, também segundo o rito constitucional, para o Senado. E lá deveria - deveria -  ser sabatinado pelos senadores.

São dois problemas. Um é a escolha presidencial. Não tem se mostrado o melhor método. Os nomes são questionáveis, as vinculações pessoais e partidárias são evidentes. E o selecionado geralmente está muito abaixo do que seria aceitável para uma Corte superior. Já a sabatina realizada pelos senadores não passa de uma farsa.

A última, da ministra Rosa Weber, foi, no mínimo, constrangedora. A ministra mal conseguia articular uma frase com ponto final. Disse que estava muito nervosa. Foi dado um intervalo para café. No retorno, infelizmente para nós brasileiros, o desempenho da senhora Weber continuou o mesmo. Já passou da hora de o STF tomar jeito.
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    # por Anônimo - 24 de abril de 2012 às 11:22

    Prezado Villa,
    Parabéns pelo artigo. Atualmente é difícil ver alguém com coragem pra apontar estas verdades. O Sr. tem toda razão: o judiciário é um poder de costas pro país, o menos democrático e o mais obscuro.

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    # por Anônimo - 24 de abril de 2012 às 11:41

    Não ponho nenhuma fé no joaquim. Muito que o peluso falou é verdade.
    Mas, caro Villa, voltamos, como sempre na causa dos problemas. Sistema político e administrativo de terceiro mundo. Muitos direitos adquiridos para os amigos do rei (estado) e pouquíssima responsabilidade em todos os três poderes.

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    # por ubirajara araujo - 24 de abril de 2012 às 12:37

    Ilustrado Mestre, voce esgota o assunto e nao nos deixa possibilidaes de considerações. O assunto foi esgotado; todavia, seria ótimo que a visita dos membros deste Tribunal Superior fossem feitas ao Tribunal Constitucional, em Madrid, Espanha, à Suprema Corte, em Wasgington, muito revenciada no STF e não julgariam por oportunismo ou conveniência política.
    A Constituição Federal e norma básica de estruturação de um Estado, contudo, no Brasil, em nada respeitada.
    O STF se substitui ao Legislativo, sempre inerte na questao social, referenda o Executivo nas sua impropriedades.
    O famoso Baltazar Garçon, juiz espanhol ¨caçador de autoriatarios ¨ foi recentemente inhabilitado para o exercicio das funções por ilegalidades e abusos cometidos. Quando o STF decidiu algo semelhante ?
    Se faz necessário una nova cultura jurídica nesta País, se o que se busca é a prosperidade. NAO EXISTE PROGRESSO SEM ORDEM.

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    # por Airton Leitão - 24 de abril de 2012 às 14:36

    Não é à toa que leio seu blog diariamente e até já transcrevi artigo seu no meu blog.
    Parabéns, mais uma vez.

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    # por Fernanda - 24 de abril de 2012 às 23:19

    Ja tinha lido no Globo de hoje. Gostei de outra coisa, além do fato do seu artigo dar nomes aos bois (é duro ver artigos e notícias com tudo escamoteado para "dourar a pílula" da verdade, que está enferrujada). Gostei de ver o Merval Pereira tratar do mesmo assunto (STF) na mesma edição do jornal; é bom isso, é preciso muitas manifestações de quem tem voz, como vocês.

    Professo Villa, sua coragem é admirável. Tenha cuidado.

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    # por Maristela Simonin - 25 de abril de 2012 às 07:24

    Parabéns, mais uma vez, Professor Villa. Pela análise e pela coragem.

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    # por Anônimo - 25 de abril de 2012 às 12:18

    Prof. Villa,
    não se deve misturar o minbistro Buzaid com o professor Buzaid. Este foi um dos maiores processualistas brasileiros, tem farta obra jurídica, academicamente inatacável. O Peluso, ao contrário do que o sr. insinua, não comungava do ideário repressivo dos militares, foi interlucutor do Cardeal Arns durante a ditadura, intercedeu a favor dos presos políticos e foi pelo cardeal emérito indicado para a vaga no STF. Pode-se detestar a figura do atual ministro, mas daí a enxovalhá-lo há uma distância muito grande.
    Sds.,
    de Marcelof.

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    # por VICENTE - 25 de abril de 2012 às 12:57

    Villa como é feita a indicação dos ministros em países decentes? poderia nos dizer? Faço coro com a Fernanda, tenha cuidado pois atualmente neste país falar a verdade está se tornando uma inconveniencia, paga muitas vezes com a própria vida.

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    # por Anônimo - 25 de abril de 2012 às 14:10

    Prezado Professor,
    embora concorde com o sr. em relação à pieguice da cerimônia de empossamento e à efusão imotivada de elogios ao "Ministro-poeta" digna de uma República de iletrados - afinal, desde quando mal gosto estilístico é sinal de verve poética? - creio que o Professor tenha cometido algumas injustiças.

    A primeira delas refere-se à crítica sobre a qualidade da educação do Min. Peluso. O Min. Peluso teve, sim, formação jurídica de qualidade, o que dão prova decisões e artigos publicados. No TJ-SP, ele sempre foi muitíssimo admirado, e muitos decepcionaram-se com a atuação aquém das expectativas no Supremo - eu estou entre estes.

    Ademais, a relação que o sr. propôs entre o Min. e o Professor Buzaid, que reformulou o vigente Código de Processo Civil, soa das mais inadequadas. A despeito de tomadas de posição polêmicas, Buzaid era um dos grandes expoentes em Processo Civil ao tempo da pós-graduação de Peluso. Antes deste título, o Min. houvera recebido orientação de Miguel Reale, Silvio Rodrigues e Arruda Alvim.

    Não se pode negar que o ex-Presidente da Corte foi infeliz em suas últimas palavras, atiçando o destempero de seu colega. Entretanto, atribuir-lhe pecha de despreparado, corporativista e tirânico, ao se analisar a sua trajetória, mostram-se impróprias.

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    # por Anônimo - 25 de abril de 2012 às 15:58

    Sempre disse e continuarei dizendo. Enquanto os Ministros do STJ e do STF não forem eleitos por voto direto, nada mudará neste indecoroso e indecente País. Não existe, nestas Cortes, nenhuma isenção, pois nenhum Ministro vai votar contra quem o indicou... Seria muita estupidez! Isso sem levar em conta que parentes de Ministros estão empregados em poderosas Instiuições Financeias e no Poder Executivo. É preciso dizer mais o quê! Acorda Brasil! Em breve, pelo andar da carruagem, estaremos com saudades do Regime Militar. É só uma questão de tempo, meus amigos, e nada mais.

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    # por Anônimo - 25 de abril de 2012 às 20:24

    Voto direto para Ministro do STF? Se voto direto resolvesse muita coisa, nossos Congresso e Executivo estariam uma maravilha.

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    # por Anônimo - 25 de abril de 2012 às 20:54

    Caro Villa, o senhor cometeu uma série de equívocos nesse artigo. Seguem alguns:

    1) Ter como orientador um ministro do governo militar não é motivo bastante para questionar a formação jurídica do ministro. De plano, noto Alfredo Buzaid possuía largo domínio do Direito Processual. Além disso, o senhor sabe que não há relação entre as escolhas privadas do professor e a formação intelectual do aluno.
    2) O "ato de comer" que impressionou o ministro simboliza a importância de alimentar os economicamente desfavorecidos.
    3) Peluso não disse que Barbosa "não tinha nenhuma doença nas costas". Releia a entrevista, o senhor está forçando a mão.
    4) Peluso não disse que Barbosa frequentava bares. Releia a entrevista, não consta nenhuma menção à essa (des)informação.

    De resto, concordo com o diagnóstico: o grande problema mora no procedimento de escolha dos ministros.

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    # por Anônimo - 25 de abril de 2012 às 21:35

    Villa,

    ao invés de caluniar o Ministro Peluso, o qual está intelectualmente décadas de distância a sua frente, procure estudar mais. Alfredo Buzaid foi um dos maiores processualistas brasileiros. Todos são unânimes em afirmar isso. O Ministro Peluso foi doutorando dele, ou seja, seu vínculo com o Professor Buzaid foi estritamente acadêmico e não político. O Ministro Peluso, aliás, sempre esteve ligado às ideias de vanguarda no tocante aos direitos humanos. Procure se informar melhor, Villa.
    Quanto ao Joaquim Barbosa, tudo que o Ministro Peluso disse é absolutamente verdadeiro. O Barbosa é agressivo e inseguro. Qualquer um que acompanha as sessões da corte sabe disso.
    A grande verdade Villa é que o senhor guarda um amargo ressentimento em relação ao Ministro Peluso, o qual, repito, é intelectualmente muito superior a você.

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    # por Anônimo - 26 de abril de 2012 às 10:55

    Villa, polêmica faz bem a inteligência. Juridicamente, entre peluso e barbosa, fico com o primeiro. O problema é o sistema. Taí o cancer brasileiro e de todo terceiro mundo. O brasil precisa de reformas políticas e administrativas. Como diria o saudoso mario covas, "falta choque de iniciativa privada no estado". Do garí ao presidente do stf.

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    # por Anônimo - 26 de abril de 2012 às 15:37

    O Judiciário se mete onde não deve, passa por cima dos outros poderes, perdeu a compostura. O Supremo virou palco de programa de auditório. O Congresso também é um circo, mas se a Constituição define as atribuições de cada um, que assim seja.

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    # por Anônimo - 26 de abril de 2012 às 18:04

    É impressionante como estão rasgando a Constituição. Todo brasileiro é obrigado a defender a Carta Magna, principalmente os Srs. togados. O que fazer num país onde a cor da pele, que vai ser decidida por grupos militantes,sim porque nem todos serão negros suficientes, vai vale um ingresso na universidade pública. Será que os Srs.ministros do supremo, tão poderosos, não podem obrigar o governo destinar mais verbas para educação. Todos têm direito a um ensino básico de qualidade, ensino médio de qualidade, todos: os pobres, os de classe média e ricos. Somente a educação vai dar orgulho e dignidade ao indivíduo.Eles não precisam e cotas, precisam ter orgulho dos méritos que venham a ter.

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    # por Anônimo - 26 de abril de 2012 às 22:19

    Caros senhores,

    Primeiro gostaria de parabenizar o prof. Marco Villa por ser um cidadão que tem conragem de falar o que muitos pensam. Sou apenas um cidadão trabalhador que nem ao menos é tem um curso superior. Aqui do chão de fábrica o que vejo são instituições falidas com um corporativismo gritante. Como não se bastasse não têm o mínimo de respeito pelo povo.
    Ao constrário do executivo e o legislativo, que podemos considerar instituições corruptas por excelência, o judiciário deveria fazer cumprir as leis sempre, SEMPRE, em prol do coletivo e não a favor de intereses pessoais e corporativistas escusos.
    Desculpe-me se não consigo expressar com objetividade meus pensamentos, mas é porque a decepção com o judiciário é incomensurável.

    .....

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    # por Anônimo - 27 de abril de 2012 às 07:03

    Na minha opinião, o STF inaugurou um capítulo triste na história Brasileira.Ser branco(e eu sou negro) significa ter menos direitos que negros neste país. O governo como um todo comemora a sua incompetência em oferecer aos menos abastados uma escola de qualidade tal que lhes dê a oportunidade de competir de igual para igual como todo e qualquer cidadão, sem facilidades preconceituosas.

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    # por Anônimo - 27 de abril de 2012 às 20:33

    O governo Lula foi o que mais nomeou ministros na história da república (09), segundo o blog de Ricardo Setti (http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/politica-cia/lula-fara-sua-nona-nomeacao-para-o-supremo-que-tem-11-ministro-isto-significa-riscos-para-o-tribunal-ou-para-a-democracia/).