Congresso e ativismo judicial
Saiu quase agora na Veja on Line:
Congresso exagera no remédio contra ativismo judicial
Propostas de Emenda à Constituição em discussão na Câmara dos Deputados tentam esvaziar atuação do Supremo Tribunal Federal. Reação de parlamentares é até legítima, mas um erro não justifica o outro
Valmar Hupsel Filho
Torres do Congresso Nacional vistas através da chama simbólica da Pira da Pátria na Praça dos Três Poderes, em Brasília (Ueslei Marcelino/Reuters)
"Parece que os poderes não sabem suas atribuições constitucionais. Isso é descabido"
Marco Antonio Villa, historiador e professor da UFSCar
Se pusesse os olhos no sistema político brasileiro, o filósofo e pensador iluminista francês Charles de Montesquieu talvez desistisse da sua mais famosa teoria, refletida na estrutura da maior parte das democracias modernas. Presente na obra O Espírito das Leis, de 1749, a teoria da separação de poderes defende a formação do estado com três esferas independentes e harmônicas. Cabe ao Legislativo a elaboração das leis, o julgamento ao Judiciário e a execução ao Executivo. Na teoria, a democracia brasileira segue estes preceitos. Na prática, o que se vê são poderes pisando nos calcanhares um do outro.
A mais recente iniciativa partiu da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Por unanimidade, os integrantes da comissão surpreenderam o meio jurídico ao confirmar, na última quarta-feira, a admissibilidade de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que, se aprovada em plenário, dará ao Legislativo o poder de sustar atos normativos dos outros poderes (leia-se Judiciário). Em outras palavras, se estivesse valendo, a PEC permitiria ao Congresso suspender decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), como a liberação de abortos para fetos anencéfalos ou a liberação de união civil de casais homossexuais.
"No caso do aborto ou da união homoafetiva, não existe lei. É preciso questionar democraticamente quando isso acontece. O Congresso tem que anular a decisão do Judiciário para o bem da democracia", argumenta o deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), autor da PEC. Empolgado com a aprovação unânime de sua proposta na CCJ, o parlamentar já prepara uma nova investida com o mesmo objetivo: restringir as atribuições do Judiciário. Tramita na mesma comissão outra PEC, também de sua autoria, que propõe aumentar a quantidade mínima de votos de magistrados para declarar uma lei inconstitucional, condicionar o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo STF à aprovação pelo Poder Legislativo e submeter ao Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição.
A reação dos parlamentares se explica. O Judiciário tem, de fato, promulgado sentenças nas quais, de certa forma, se põe no lugar do Legislativo. Os episódios citados acima são dois exemplos. Tanto no caso da permissão de abortos de fetos anencéfalos quanto na liberação da união civil para homossexuais, os ministros do Supremo, mais do que apenas interpretar a Constituição ou cobrir uma lacuna que punha em risco a integridade do ordenamento jurídico, criaram novas figuras legais: uma terceira hipótese para permitir o aborto, não prevista no Código Penal, e a união estável entre casais do mesmo sexo. Mas, se os parlamentares estão corretos em seu diagnóstico, exageram no remédio - e põem em risco todo o jogo das instituições.
Vingança - Na opinião do historiador e professor de Ciências Sociais da Universidade de São Carlos (UFSCar) Marco Antonio Villa, a democracia se constrói por meio de uma relação harmônica entre os poderes e não com uma espécie de vingança de um poder contra o outro. Ele considera "extremamente problemática" a aprovação da PEC na comissão. "Não acredito que isso passe", diz. A PEC ainda precisa passar por uma comissão especial antes de ser apreciada em plenário. "Este é um problema do país", afirma o historiador, autor de um livro sobre as Constituições brasileiras. "Parece que os poderes não sabem suas atribuições constitucionais. Isso é descabido. Sabemos muito bem onde poderemos chegar com isso".
Professor-assistente do departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), Rafael Neves considera que o Poder Legislativo não precisa lançar mão desse artifício. "Se eles não estão de acordo com uma decisão, podem discutir e elaborar novas leis. A criação de um poder de veto poderia ter efeitos colaterais muito ruins, como causar uma politização das decisões judiciais", diz Neves, classificando como uma "interferência indevida" a tentativa de se criar, no âmbito do Legislativo, o poder de se vetarem decisões do Judiciário.
"É claro que estes poderes estão entrelaçados e podem atuar, em certa medida, no âmbito um dos outros", observa o advogado Paulo Muanis do Amaral Rocha, sócio do escritório Amaral Rocha Advogados. "Embora a essência do Judiciário não seja formular leis, é permitido a ele criar súmulas que acabam por regular o estado democrático de direito. Assim como o Executivo legisla por medidas provisórias. O que não pode ocorrer, entretanto, é uma enorme disparidade de funções como aconteceu no caso da união estável entre pessoas do mesmo sexo ou como propõe essa PEC". Para Amaral Rocha, em casos como esses, a sociedade é a maior prejudicada: "Um dos alicerces da democracia é justamente a tripartição do poder", argumenta. "Caso este alicerce seja rompido, a democracia também poderá sofrer rupturas".
O vice-presidente de Assuntos Legislativos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Diógenes Ribeiro, argumenta que a proposta de Fonteles viola preceitos constitucionais. Com a PEC, diz ele, o princípio da separação dos poderes seria atingido, uma vez que poderia haver a invasão das competências administrativas e financeiras do Poder Judiciário por ato do Legislativo, "um poder essencialmente político". E ele reage: "A regulamentação administrativa e financeira dos tribunais não pode ficar submetida à vontade do Poder Legislativo. Na remota hipótese de essa medida ser aprovada pelo Congresso Nacional, certamente nós da AMB proporemos uma Ação Declaratória de Inconstitucionalidade."
A palavra final, nesse caso, caberá ao Supremo.
# por Henrique Lima - 28 de abril de 2012 às 10:54
O Legislativo, o Judiciário e o Executivo estão no Octógono e só a Democracia é que apanha.
# por Anônimo - 28 de abril de 2012 às 15:34
http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,demostenes-trabalhou-com-gilmar-mendes-para-levar-ao-stf-acao-da-celg-diz-pf,866526,0.htm
# por Alexandre - 28 de abril de 2012 às 21:58
Caro professor, desculpe por usar este espaço para um link que nada tem a ver com o texto: http://www.ufrj.br/mostranoticia.php?noticia=12877_UFRJ-concede-titulo-Honoris-Causa-a-Lula.html
Como um dos raríssimo intelectuais (de verdade) ativos e corajosos deste país (acho que só existem três), o senhor teria algo para dizer?
# por Anônimo - 28 de abril de 2012 às 22:00
Montesquieu escreveu O Espírito das Leis, defendendo a divisão e autonomia dos três poderes. Entretanto, ele também defendia que um poder deveria controlar o outro, justamente para evitar a centralização do poder, como ocorria no Absolutismo. Assim, o Presidente quando edita uma Medida Provisória ele está exercendo uma função legislativa, o que está previsto e de acordo com o pensamento de Montesquieu.
# por Fernanda - 29 de abril de 2012 às 17:52
Anônimo - 28 de abril de 2012 22:00
Caro Anônimo, não é bem isso que está na obra de Montesquieu. Quando o presidente edita medidas provisórias sem limites, está indo exatamente CONTRA a teoria de separação de poderes. Porque, como disse o Prof. Villa, cabe ao Legislativo a elaboração das leis, o julgamento ao Judiciário e a execução ao Executivo - independentes e dotados de poderes EQUIVALENTES, com equilíbrio e harmonia.
Montesquieu não previa o controle desses poderes entre si, mas sim uma instância fora destes três, com base na sociedade (no povo), e que aí seria um OUTRO poder capaz de moderar, principalmente, o poder do monarca (na monarquia). Na nossa “república”, a sociedade deveria então ter o poder de moderar esse abuso que temos de emissão de MPs, DENTRE OUTROS ABUSOS. Na cabeça de Montesquieu não passou que a República, que para ele tinha como princípio de governo a virtude, fosse tão desvirtuada como tem sido por aqui.
Agora, para completar, o legislativo quer pisar no Judiciário, que já vem pisando no legislativo sem piedade. Sem dó nem piedade de nós, é claro.
Fernanda
# por Anônimo - 30 de abril de 2012 às 18:25
Anônimo-28 de abril de 2012 22:00,
Caramba!!!
Estão desvirtuando tudo mesmo, Anônimo.
Não creia nessas formas enganadoras de ver as coisas.
Dawran
# por Douglas - 1 de maio de 2012 às 00:36
Segundo o deputado Nazareno Fonteles - PT/PI - por estar "representando o povo atraves do voto" o legislativo tem mais representatividade . Conviver com o contraditorio , ter suas pretensões não atendidas incomodam os muitos parlamentares principalmente petista que acreditam possuir o poder da verdade sobre o que o povo quer.
# por Anônimo - 1 de maio de 2012 às 12:51
Me parece que a constituição virou peso de papel, para segurar porta ou qualquer outro objetivo, menos a Carta Magna que deve nortear as ações dos poderes. Ninguem mas a respeita, menos ainda o legislativo, executivo e o que mais me indigna é o judiciário..
A sociedade civil precisa organizar-se, devemos deixar de ser um povo pacífico (politicamente), "vaquinhas de presépio"..
# por VICENTE - 2 de maio de 2012 às 08:11
Villa isto é apenas um ensaio geral para o GOLPE final. Imagine por exemplo que o supremo julgue e considere constitucional o direito à propriedade ( o que é o óbvio ululante poderia alguem dizer. M as tambem não é igualmente óbvio o artigo 5 da constituição que acaba de ser revogado pelo stj?). Muito bem, baseado na emenda em questão os deputados companheiros e a base alugada revogam a decisao do supremo e pronto, passa a valer o que eles querem. Simples não?
# por Anônimo - 2 de maio de 2012 às 15:21
A judicialização da política se deve à omissão do parlamento em ouvir os anseios da sociedade.
# por Anônimo - 2 de maio de 2012 às 15:27
Instigante analise sobre o tema foi realizada pelo prof. Renato Lessa na tv cultura - invenção do contemporâneo - "Re-invenções do brasil repulbicano - instituições políticas no brasil" (http://www.cpflcultura.com.br/2012/04/19/re-invencoes-do-brasil-republicano-instituicoes-politicas-no-brasil-renato-lessa/)
# por 01 Bloger - 14 de agosto de 2012 às 10:36
Olá Dr. Carlos Villa , bom dia ! A sua presença ontem no jornal da Cultura foi de suma importância , diante dos escândalos do "Mensalão". Suas observações e interpretações dos fatos são de extrema relevância , e sempre aprimoram os telespectadores, dos mais incautos aos que querem fingir que o ex presidente Luis Inácio não tem nada a ver com este escândalo. Eu acredito numa conspiração ... ou num conluio dos meios midiáticos e da maquina burocrática do Estado em blindar Lula .... Parabéns pelas palavras diante da defesa de lula do advogado e ex deputado Soares ontem no Jornal da cultura(13-8-2012), este paspalho não tem vergonha de se omitir frente a realidade dos fatos sendo que o deputado Walter Seraglio afirmou no final da CPMI do mensalão.... , Houve mensalão e o presidente Lula não será isento de investigações. Um abraço Prof. Fernando O. Souza.