É, leitor, cabe rir.

Saiu hoje n'O Globo. É uma boa leitura matinal. Como escrevi, resta rir.

É, leitor, cabe rir - MARCO ANTONIO VILLA

O GLOBO - 28/02/12


Foi-se o tempo em que o Judiciário era o poder menos conhecido da República. Que seu funcionamento e suas mazelas eram assuntos que somente interessavam aos profissionais do Direito. Hoje - e é um fato extremamente positivo - comenta-se sobre a Justiça em qualquer lugar. Porém, pouco se fala sobre a luta travada no interior do Judiciário. Os privilégios denunciados e comprovados estão restritos a uma pequena parcela dos magistrados e funcionários. Nos juizados de primeira instância, os juízes trabalham muito, sem a mínima estrutura operacional e o número de funcionários é insuficiente para o bom andamento dos trabalhos. E estão, até hoje, aguardando receber as "vantagens eventuais", espécie de mais-valia macunaímica. Muitos reclamam que suas sentenças condenatórias são reformadas nas cortes superiores, lançando por terra todo o trabalho realizado, além de jogar água no moinho da impunidade.

Em meio a este saudável debate, o Supremo Tribunal Federal se destaca. Suas sessões são acompanhadas pela televisão como se fosse um reality show. Os ministros adoram o som da própria voz. Os votos são intermináveis. A maior parte da argumentação poderia ser resumida em poucas páginas. Pior só o regimento interno. O parágrafo único do artigo 16 reza que os ministros "receberão o tratamento de Excelência, conservando os títulos e as as honras correspondentes, mesmo após a aposentadoria". É inacreditável. O STF não deve ter recebido a notícia que a República foi proclamada em 1889. Acredita que a denominação de ministro é um título nobiliárquico.

Um bom exemplo de como funciona aquela Corte foi a apreciação da contestação da Associação dos Magistrados Brasileiros acerca das atribuições do Conselho Nacional de Justiça. A derrota da AMB foi saudada como uma grande vitória. Foi ignorado o placar apertadíssimo da decisão: 6 a 5. E que o presidente do STF, Cezar Peluso, foi um dos vencidos (e quem assistiu a sessão deve ter ficado horrorizado com as suas constantes intervenções, atropelando falas de outros ministros, e esquecendo-se que era o presidente, e não parte ativa do debate). É sabido que Peluso também é o presidente do CNJ e adversário figadal da corregedora, ministra Eliana Calmon. Quase um mês depois da "vitória democrática", nada mudou. O STF ainda não resolveu várias pendências envolvendo a decisão, o que, na prática, pode retirar os instrumentos investigatórios do CNJ.

O STF condensa os defeitos do Judiciário. O relatório das atividades de 2011 serve como um bom exemplo. Diferentemente do ano anterior, neste, Peluso deixou de lado o culto da personalidade. Só pôs uma foto, o que, para os seus padrões, é um enorme progresso. Porém, cometeu alguns equívocos. Como um Dr. Pangloss nativo, considerou a ação do Judiciário marcada pela "celeridade, eficiência e modernização". Entusiasmado, escreveu duas introduções, uma delas, curiosamente, intitulada "visão de futuro". Nesta "visão", encerrou o texto com uma conclamação política, confusa, desnecessária e descabida para uma Suprema Corte: "O Poder Judiciário já não precisará lidar com uma sobrecarga insuportável de processos, em todas as latitudes do seu aparato burocrático, e poderá ampliar e intensificar sua valorosa contribuição ao desenvolvimento virtuoso da nação, entendido não apenas como progresso econômico, mas como avanço social, educacional e cultural, necessários à emancipação da sociedade em todos os planos das potencialidades humanas."

A leitura do relatório, confesso, causa um certo mal-estar. Por que tantas fotografias do prédio do STF? Falta o que dizer? Quando se espera informações precisas, o leitor é surpreendido por esquecimentos. Um deles é sobre o número de funcionários. Segundo o relatório, o tribunal tem como "força de trabalho disponível" 1.119 funcionários. Foram omitidos os terceirizados: "apenas" 1.305 trabalhadores! Também chama a atenção que entre as 102 mil decisões daquela Corte, 89.074 foram, apesar de possíveis e previstas no regimento interno (que deveria ser modificado), monocráticas, de um só ministro (87%), das quais 36.754 couberam exclusivamente ao presidente.

Mais estranhas são afirmações, como as do ministro Marco Aurélio. Disse no programa "Roda Viva", da TV Cultura, que julgou, em 2011, 8.700 processos. Isso mesmo: 8.700 processos. Podemos supor que metade tenha sido julgada no mérito. Sobraram 4.350. Vamos imaginar, com benevolência, que cada processo tenha em média 500 folhas. Portanto, o ministro teve de ler 2.175.000 páginas. Se excluirmos férias forenses (e haja férias!), os finais de semana, os feriados prolongados, as licenças médicas, as viagens internacionais, as sessões plenárias, o ministro deve ter ficado com uns quatro meses para se dedicar a estes processos. Em 120 dias, portanto, teve de ler, em média, 18.125 páginas. Imaginando que tenha trabalhado 14 horas diárias leu, por hora, 1.294 páginas, das quais 21 por minuto, número invejável, digno de um curso de leitura superdinâmica. E de olhos de lince (pensei até em recomendar este "método" ao ministro Ricardo Lewandowski, que declarou ter dificuldade de ler as 600 páginas com depoimentos sobre o processo do mensalão).
É, leitor, cabe rir. Fazer o quê? Mas fique tranquilo e encha o peito de ufanismo. Li no relatório que o STF está levando sua experiência aos encontros internacionais "para emitir pareceres sobre aspectos eleitorais da Albânia, serviço alternativo e regime jurídico do estado de emergência da Armênia", sem esquecer "os partidos políticos do Azerbaijão".

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    # por Anônimo - 28 de fevereiro de 2012 às 09:37

    O Judiciário tem todos os direitos e prerrogativas que ~para qualquer cidadao comum resultaria em prisão: os carros oficiais usam placas falsas, por isso estacionam em qualquer lugar indiferente ao que estão infringido: idoso, defriciente etc.
    Profana a CF quando este preve 1/3 de ferias para todo cidadaão comum o judiciário, alem das duas ferias legias, alterou "interna corporis" a Lei Maior e paga 1/2. ou seja, 2 X 1/2 um salario a mais.
    Quando a maiorias dos ciddaos pena nas filas dos hospitais o estado ao supersalarios acresce o auxilio saude e outros mais.
    Que exemplo pode dar essa instituiçao

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    # por To Fora - 28 de fevereiro de 2012 às 09:43

    A Justiça continua como sempre foi: VENAL. O CNJ só atua sobre atos administrativos.
    A venda de sentenças continua.

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    # por Elton - 28 de fevereiro de 2012 às 09:57

    Só rindo, más aqui pra nos piada sem graça o que fazer om o judiciario (os intocaveis)agora com essa invejavel leitura superdinâmica fico imaginando esses processos, que dedicação.

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    # por Anônimo - 28 de fevereiro de 2012 às 10:40

    Só não concordo que o número de funcionários seja insuficiente. Falta é gestão. Choque de iniciativa privada. Quando vc entra em un cartório da justiça, parece que estamos voltando no tempo. Salas entulhadas e gente e processos como no começo do século 20.

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    # por Anônimo - 28 de fevereiro de 2012 às 12:19

    O que mais me revolta é saber que se algum juiz cometer alguma irregularidade a punição dele será a aposentadoria compulsória. Acho que tá na hora de acabar com essa vitalicidade.

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    # por Anônimo - 28 de fevereiro de 2012 às 15:00

    Ola professor. Gostaria que o Sr. desse um parecer sobre o caso do prefeito assassinado Celso Daniel e a forma em que ele definido pelas autoridades, crime comum, ja que hoje sera o julgamento de um de seus principais suspeitos.
    Queria tambem demonstrar a minha indignacao com o programa roda viva de ontem. Nunca vi uma entrevista tao indigna em um caso tao serio como esse.
    Creio que nao foi acaso todos os jornalistas se juntarem para refutar as provas sem sequer ouvir o que o entrevistado tinha a dizer.

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    # por Anônimo - 28 de fevereiro de 2012 às 17:41

    Excelente explanação, Prof. Marco Antonio Villa. Alás, o Sr., como sempre, lúcido no que escreve e sustenta. Tudo o que se encontra escrito e "descrito" em seu notável texto é a mais pura verdade. Nunca tivemos um STJ e um STJ tão ruins e ineficientes em nossa história. Os Ministros destas cortes parecem verdadeiros atores de novela. Sofisma é o que não falta! São, com raríssimas exceções, prepotentes, arrogantes, se julgam acima de tudo e de todos. Acho que uma Revolução Civil está bem próxima, pois ninguém aguenta mais tanta patifaria nos três "poderes constituídos". Um abraço.

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    # por Anônimo - 28 de fevereiro de 2012 às 18:47

    Parabéns, Marco Villa! Ótimo texto!!

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    # por http://daniboyvgp.blogspot.com/ - 28 de fevereiro de 2012 às 19:09

    Não dá para rir, é só pra chorar.

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    # por Angela Villela - 28 de fevereiro de 2012 às 23:00

    Bom ,caro historiador e cronista, vou dar uma tietada e dizer que é um prazer acordar, pegar o jornal e ter a alma lavada por um artigo como o de hoje. Que banho!!!Teria um imenso prazer tb de, humildemente , passar para vc um artigo escrito por mim no blog "Prosa Freudiana" chamado "Da turba à toga". Lá , de alguma forma, minha indignação se encontra com a sua.
    Abração,
    Angela Villela

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    # por Anônimo - 29 de fevereiro de 2012 às 02:03

    Prezado Marco Antonio Villa

    No Globo de 21/4/2010 foi publicada uma carta minha com comentários sobre a forma como eram feitos os julgamentos no STF. Informei que a maior parte dos julgamentos era feita quase de forma oculta. Exemplifiquei dizendo que, ao assistir ao vídeo da sessão plenária de 16/12/2009 (disponível no site da TV Justiça), nos últimos 5 minutos daquela sessão, o então presidente Gilmar Mendes dissera: "Senhores Ministros. Dois minutos antes de encerrar a sessão eu pediria para trazer as listas da presidência. Então, na lista nº 1 eu estou negando provimento ao agravo regimental, é questão de ausência de peças, na lista nº 2 é caso de intempestividade do agravo de instrumento ou do recurso extraordinário, na lista nº 3 ..." E foi assim, lendo listas, até a lista nº 39. Depois, disse: "Está encerrada a sessão." Os cidadãos, partes do que seriam aqueles processos, nem saberiam de nada, pois não foram lidos nem os nomes das partes, nem os números dos processos. Só depois, no Diário de Justiça do STF nº 27/2010, dois meses depois, a partir da página 25, é que se poderia descobrir que foram julgados, ali, naquele momento, 462 processos. E o foram em exatamente 5 minutos e 28 segundos, o que daria uma média de 0,71 segundos por processo (Recorde mundial em julgamentos). E ainda saiu publicado que a decisão de todos os demais ministros naquela sessão plenária foi em concordância com a do presidente, que era relator de todos os processos, ou seja , decisão por “unanimidade”, mesmo que, como se percebe no vídeo, os demais ministros não tenham dado um único “pio” para dizer “sim” ou “não”. Então, como poderia existir uma decisão por unanimidade de todos os ministros presentes se os demais ministros nem votaram para concordar ou discordar do relator? Voto mudo, sem dizer uma palavra? Voto por telepatia?
    Já em julho de 2010, o novo presidente do STF, Cezar Peluso, deu uma entrevista, na pág. 20 da revista Veja de 7 de julho de 2010, em que ele disse (ao ser perguntado se os ministros leem todos os processos que julgam): “É humanamente inconcebível para um ministro trabalhar em todos os processos que recebe. Ninguém dá conta de analisar 10.000 ações em um ano. O que acontece? Você faz um modelo de decisão para determinado tema. Depois, a sua equipe de analistas reúne os casos análogos e aplica o seu entendimento. Acaba-se transferindo parte da responsabilidade do julgamento para os analistas.”
    Então, está explicado. A maior parte dos processos nem realmente é lida pelos ministros. Depois, aparecem esses desempenhos impressionantes de tantos milhares de julgamentos, que não resistem a uma simples conferência aritmética, mostrando que não ocorrem realmente julgamentos por parte dos ministros do STF.
    A estrutura é tão desorganizada que, verificando-se o próprio regimento interno do STF, na parte referente a Mandado de Segurança (artigos 200 a 206), ainda se referem à Lei nº 1.533/51, já revogada. A lei em vigor, que regula os mandados de segurança, é a Lei nº 12.016, publicada em 10/8/2009, e que, no seu art. 27, determinou que os Regimentos Internos dos tribunais teriam que ser adaptados às disposições dela no prazo de 180 dias a partir de sua publicação.
    Logo, o STF não adaptou seu regimento interno no prazo determinado pela lei. Perdeu o prazo! É inacreditável que no STF tenham perdido o prazo que a lei determinou. Como o prazo se encerrou, uma tentativa de fazer uma adaptação agora seria intempestiva e ilegal. Se fosse numa petição de algum advogado, o rigor seria total por parte do STF. Perdeu o prazo, não tem jeito.

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    # por Anônimo - 29 de fevereiro de 2012 às 23:14

    Enquanto isso, uma carta de amor da escrivã do TRT da Paraíba foi publicada no DO (16.02.2002) (http://primeiraedicao.com.br/noticia/2012/02/29/carta-de-amor-e-publicada-no-diario-oficial-do-trt-da-paraiba ) e o prédio do Tribunal de Minas foi interditado por causa do excesso de peso dos processos (29.02.2002) (http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2012/02/servidores-de-7-varas-da-justica-de-mg-decidem-entrar-em-greve.html )

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    # por Anônimo - 2 de março de 2012 às 09:23

    Um juiz estressado vai a um super mercado, envoca com o rapaz que esta lá trabalhando, da um tiro na cabeça do pobre coitado, e tem como pena o descanço da aposentadoria compulsória com salário integral.
    Um policial, caso lindenberg, manda uma refem voltar ao cativeiro. Não perde o emprego e deve ter sido promovido.
    Um acidente no hope hari. A policia "científica" vai lá , ve uma cadeira que a dez anos estaria interditada, e faz perícia na outra cadeira. Não desconfia de nada. Se surpreendem com a foto que a reporter da globo lhe mostra. Ninguem perde o emprego e ainda aparecem na tv.
    Nossa melhor universidade esta em 169 no ranking mundial, mas e campeã em doutorados.
    Villa, vc conhece algum órgão público que realmente funciona nesse pais?

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    # por Anônimo - 3 de março de 2012 às 14:52

    Agora entendo por que os precatórios judiciais demoram anos e mais anos para serem pagos. É que nossos nobres "MALGISTRADOS" (nova denominação) ficam com o dinheiro para as denominadas vantagens pessoais. Quanta cara-de-pau e sordidez juntas! É uma vergonha este nosso paisinho de merda! Ainda bem que temos a Imprensa para nos alertar acerca destes descalabros. Provavelmente estes grandes jornais sofrerão retaliações desses "malgistrados" falastrões e palhaços. Acorda Brasil! Revolução civil, já! Um abraço Prof. Villa.