A face do poder: um retrato de Sarney.

Publiquei hoje em "O Globo":

O Globo - 29/11/2011


José Ribamar Ferreira de Araújo Costa é a mais perfeita tradução do oligarca brasileiro. Começou jovem na política, conduzido pelo pai. Aos 35 anos resolveu mudar de nome. Tinha acabado de ser eleito governador do seu estado. Foi rebatizado por desejo próprio. Alterou tudo: até o sobrenome. Virou, da noite para o dia, José Sarnei Costa. O Costa logo foi esquecido e o Sarnei, já nos anos 80, ganhou um "y" no lugar do "i". Dava um ar de certa nobreza.

Na história republicana, não há personagem que se aproxime do seu perfil. Muitos tiveram poder. Pinheiro Machado, na I República, durante uma década, foi considerado o fazedor de presidentes. Contudo, tinha restrita influência na política do seu estado, o Rio Grande do Sul. E não teve na administração federal ministros da sua cota pessoal. Durante o populismo, as grandes lideranças lutavam para deter o Poder Executivo. Os mais conhecidos (Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola, entre outros), mesmo quando eleitos para o Congresso Nacional, pouco se interessavam pela rotina legislativa. Assim como não exigiram ministérios, nem a nomeação de parentes e apaniguados.

Mas com José Ribamar Costa, hoje conhecido como José Sarney, tudo foi - e é - muito diferente. Usou o poder central para apresar o "seu" Maranhão. E o fez desde os anos 1960. Apoiou o golpe de 1964, mesmo tendo apoiado até a última hora o presidente deposto. Em 1965, foi eleito governador e, em 1970, escolhido senador. Durante o regime militar priorizou seus interesses paroquiais. Nunca se manifestou contra as graves violações aos direitos humanos, assim como sobre a implacável censura. Foi um senador "do sim". Obediente, servil. Presidiu o PDS e lutou contra as diretas já. No dia seguinte à derrota da Emenda Dante de Oliveira - basta consultar os jornais da época - enviou um telegrama de felicitações ao deputado Paulo Maluf - que articulava sua candidatura à sucessão do general Figueiredo - saudando o fracasso do restabelecimento das eleições diretas para presidente. Meses depois, foi imposto pela Frente Liberal como o candidato a vice-presidente na chapa da Aliança Democrática. Tancredo Neves recebeu com desagrado a indicação. Lembrava que, em 1983, em fevereiro, quando se despediu do Senado para assumir o governo de Minas Gerais, no pronunciamento que fez naquela Casa, o único senador que o criticou foi justamente Ribamar Costa. Mas teve de engolir a imposição, pois sem os votos dos dissidentes não teria condições de vencer no Colégio Eleitoral.

Em abril de 1985, o destino pregou mais uma das suas peças: Tancredo morreu. A Presidência caiu no colo de Ribamar Costa. Foram cinco longos anos. Conduziu pessimamente a transição. Teve medo de enfrentar as mazelas do regime militar - também pudera: era parte daquele passado. Rompeu o acordo de permanecer 4 anos na Presidência. Coagiu - com a entrega de centenas de concessões de emissoras de rádio e televisão - os constituintes para obter mais um ano de mandato. Implantou três planos de estabilização: todos fracassados. Desorganizou a economia do país. Entregou o governo com uma inflação mensal (é mensal mesmo, leitor), em março de 1990, de 84%. Em 1989, a inflação anual foi de 1.782%. Isso mesmo: 1.782%!

A impopularidade do presidente tinha alcançado tal patamar que nenhum dos candidatos na eleição de 1989 - e foram 22 - quis ter o seu apoio. O esporte nacional era atacar Ribamar Costa. Temendo eventuais processos, buscou a imunidade parlamentar. Candidatou-se ao Senado. Mas tinha um problema: pelo Maranhão dificilmente seria eleito. Acabou escolhendo um estado recém-criado: o Amapá. Lá, eram 3 vagas em jogo - no Maranhão, era somente uma. Não tinha qualquer ligação com o novo estado. Era puro oportunismo. Rasgou a lei que determina que o representante estadual no Senado tenha residência no estado. Todo mundo sabe que ele mora em São Luís e não em Macapá. E dá para contar nos dedos de uma das mãos suas visitas ao estado que "representa". O endereço do registro da candidatura é fictício? É um caso de falsidade ideológica? Por que será que o TRE do Amapá não abre uma sindicância (um processo ou algo que o valha) sobre o "domicílio eleitoral" do senador?

Espertamente, desde 2002, estabeleceu estreita aliança com Lula. Nunca teve tanto poder. Passou a mandar mais do que na época que foi presidente. Chegou até a anular a eleição do seu adversário (Jackson Lago) para o governo do Maranhão. Indicou ministros, pressionou funcionários, fez o que quis. Recentemente, elegeu-se duas vezes para a presidência do Senado. Suas gestões foram marcadas por acusações de corrupção, filhotismo e empreguismo desenfreado. Ficaram famosos os atos secretos, repletos de imoralidade administrativa.

O mais fantástico é que em meio século de vida pública não é possível identificar uma realização, uma importante ação, nada, absolutamente nada. O seu grande "feito" foi ter transformado o Maranhão no estado mais pobre do país. Os indicadores sociais são péssimos. Os municípios lideram a lista dos piores IDHs do Brasil. Esta é a verdadeira face do poder de Ribamar Costa. Como em uma ópera-bufa, agora resolveu maquiar a sua imagem. Patrocinou, com dinheiro público, uma pesquisa para saber como anda seu prestígio político. Não, senador. Faça outra pesquisa, muito mais barata. Caminhe sozinho, sem os seus truculentos guarda-costas, por uma rua central do Rio de Janeiro, São Paulo ou Brasília. E verá como anda sua popularidade. Tem coragem?

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    # por bolaBIKE_RJ - 29 de novembro de 2011 às 09:38

    Bom dia Marco Villa
    Acordar, tomar café, e começar a ler jornais.
    Não poderia ter lido melhor matéria do que esta.
    Já ganhei meu dia...fechei o jornal.
    Estou enviando para muitos amigos e tuitando esta VERDADE sobre o mais PODRE político que já se viu neste país.
    Obrigado!!!
    Parabéns
    Marcus Carvalho
    Rio de Janeiro

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    # por Falbano - 29 de novembro de 2011 às 09:47

    Prezado Marco Antonio
    Beleza pura Ele é o político de maior sucesso no Brasil. Apenas sucesso nesse caso, sucesso é uma coisa pejorativa.
    Eu calculei quantas mortes ele tem nas suas costas, nesses 50 anos.
    Ficou bom se você quiser ver envio para você.
    felipe@albano.adm.br
    Parabéns
    Felipe

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    # por Anônimo - 29 de novembro de 2011 às 12:22

    Sarney é um subproduto das vontades populares brasileiras, sempre muito glamoroso tal como Tiririca, Romário, Frank Aguiar e tantos outros que ocupam cargos políticos importantes na República pelo fato da massa da população imaginar que é sempre melhor votar em quem está muito próximo e é acessível, obviamente para posteriormente mendigar alguma vantagem ou serviço público de forma privilegiada. É triste, mas como a esmagadora maioria da população brasileira é extremamente pobre e marginalizada, acreditam que a salvação está em ter "um deles lá", fazendo com que políticos oligárquicos se perpetuem no poder, enquanto pessoas de elevada capacidade intelectual e comprovada atuação em prol da coletividade permanecem bem longe do mundo político.

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    # por Patrícia Salgado - 29 de novembro de 2011 às 12:39

    Parabéns! Poucas vezes li um texto tão lúcido e tão objetivo sobre uma figura abominável como José Sarney!

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    # por Marcio Henrique - 29 de novembro de 2011 às 13:57

    Meus parabens !!! Professor Villa pelo texto lucido, corajoso e Objetivo.As vezes me pergunto porque nós Brasileiros renegamos este passado/presente tão trágica e triste na nossa memória. Quando seremos de fato e direito um país Republicano. Mas são pessoas como Vsa Senhoria que nos da alento para crer uma hora a coisa muda. Observo o Oriente Médio, o povo arábe se "libertando" dizendo um basta de ditadores,Messias, oligarcas do poder..e nós aqui convivendo com esses cancer da politica Brasileira.

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    # por O Luzíada - 29 de novembro de 2011 às 14:57

    Muito bom! Abraço Marcelo

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    # por Airton Leitao - 29 de novembro de 2011 às 17:25

    Prezado Marco Villa,
    Mesmo sem pedir sua permissao, transcrevi seu oportuno artigo em meu blog.
    Parabéns.

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    # por Anônimo - 29 de novembro de 2011 às 18:08

    O senhor esqueceu de frizar que este nefasto da política nacional foi aliado também do presidente Fernando Henrique Cardoso, elegendo-se presidente do Senado com seu apoio em 1995, passam-se governos e nosso sistema político anacrônico conservam déspotas como este no poder

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    # por Willy - 29 de novembro de 2011 às 18:37

    Sou Maranhense, acostumada ao tema e nunca tinha lido nada tão claro, certeiro e bem escrito quanto o seu texto. Parabéns e obrigada, os maranhenses sem dupla naturalidade agradecem.

    Willy

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    # por Anônimo - 29 de novembro de 2011 às 18:40

    em nome da tal governabilidade os governos FHC e posteriormente o Lula ficam a merces de alianças estapafurdias como as com este ser abominável da política nacional. Parabéms, um texto extremamente realista

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    # por Anônimo - 29 de novembro de 2011 às 23:47

    Artigo irretocável. Deu vontade de ler em voz alta. Erudito, convincente e bastante claro. Parabéns, Professor.

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    # por Ana Lúcia K. - 30 de novembro de 2011 às 01:21

    Nessa história, o que mais me impressiona é como ele e todo o seu clã, que não fizeram absolutamente nada pelo Maranhão, conseguiram e ainda conseguem se manter no poder por todo esse tempo. Que me desculpem os maranhenses mas, por muito menos, várias revoluções aconteceram no Brasil em condições muito mais precárias do que as da "era sarney" e suas populações conseguiram se libertar dos seus opressores. Basta dar uma lida nos livros de História do Brasil! Então, por que não se libertam?
    Considero esta data - "abril/1985" - como o marco inicial de todo esse processo que vivenciamos nesse governo de "transação", profundamente marcado pela corrupção generalizada na Esplanada dos Ministérios.

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    # por Anônimo - 30 de novembro de 2011 às 11:30

    Só achei estranho que não existe nenhum relato das atividades do Sarney durante o governo FHC. Vale lembrar que existia também uma forte aliança entre ele e o FHC, ligação esta que vem desde a infância do ex-presidente. É intenso o esforço de alguns jornalistas de blindar o PSDB e sempre que possível atacar o ex-presidente Lula.

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    # por Licínio Miranda - 30 de novembro de 2011 às 11:50

    Brilhante texto, professor. Gostaria de vê-lo expandido em um livro de 450 páginas.

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    # por Anônimo - 30 de novembro de 2011 às 12:03

    Parabéns pela clareza e objetividade. E garanto que ele não está em extinção. Como ele muitos circulam Planalto. Biatriz Nogueira.

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    # por Anônimo - 30 de novembro de 2011 às 17:13

    Villa mais uma vez da uma aula gratis de ciência política para "doutores" em ciência política..

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    # por Anônimo - 30 de novembro de 2011 às 21:21

    Muito bom o texto, porém só para mencionar, o Sarney ao sair da presidencia não se candidatou pelo Maranhão porque, também, o PMDB do Estado não lhes deu legenda. O Sarney deixou no Maranhão uma triste realidade política. Lá não tem bons politicos, porque o Sarney sempre perseguia os melhores com medo da concorencia, sempre fortalecia a sobrevivência dos políticos subalternos.

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    # por Joaquim - 30 de novembro de 2011 às 23:06

    Anônimo de número 13, deixe que jornalistas blindem o PSDB, afinal o Marco Villa é historiador e professor universitário. Não é nenhum Amorim. Vamos separar o joio do trigo.
    Acho oportuno expressar aqui que já pude acompanhar diversas vezes na grande mídia muitos tentando associar o professor ao PSDB. Mesmo assim não vejo conexão sólida o bastante. Só por que alguém cuja coragem não cabe no país procura apontar falhas e debater com verossimilhança o governo mais corrupto da história do país isso o faz ''conchavado'' com o governo anterior? Não necessariamente. Assim professores que vejo com excelência como o Villa simplificam o que podem e ensinam, procurando ser imparciais. Não, não acho que o Villa ataque tanto o Lula, acho que isso é até pouco feito dada a influência tamanha que o mesmo tem sobre os meios de comunicação, Larry Rohter pode confirmar o que expresso aqui. Se sua consciência está límpida faça das palavras de José Dirceu as suas.

    Espero que eu possa chegar ao final (do processo do Mensalão) com a consciência limpa como estou agora.

    José Dirceu, 2005

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    # por Anônimo - 30 de novembro de 2011 às 23:38

    Villa, pesquise um jovem prefeito - mais ou menos década de 60 - de São Vicente Férrer no Maranhao que, após eleito, perdeu o mandato por terem anulado as urnas onde ele mais teve votos, estabelecendo-se nova eleição. O vencedor na nova eleição, claro, foi o compadre do Ribamar.

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    # por Anônimo - 30 de novembro de 2011 às 23:41

    Esse José "Sarnento" é só uma amostra bem visível do perfil do político brasileiro.
    Mestres da falsidade e da corrupção.

    Esse Ribamar, de tão legitimamente falso, tem até com Certidão pra comprovar.

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    # por Germano - 8 de dezembro de 2011 às 23:55

    Não estaria na hora de começar a corrente? A tão esperada volta por cima? A gente não entende como estes estão, chegam e permanecem na elite politica. É simples, eles não possuem concorrencia! Enquanto os intelectuais, os que de fato deveriam estar dando ordens e premissas, reitores, economistas, grandes empresarios como o ilustre apoiador de dilma e nada mais do que presidente Gerdau.
    Ficamos nos encontrando em sites, fóruns, cafés e bares. Complicado é mudar a opinião de uma pessoa com conhecimento, aonde possui argumentos, idéias e muita pouca prática politica, excelentes discursos, conversamor sobre Marx, Ford e Taylor. Mas a verdade é só uma! Sim , somos VARIOS! Ano que vem a eleição volta a pauta , e SOMOS OBRIGADOS A CRIAR UMA FORÇA DE OPOSIÇÃO ONLINE, PUBLICA e PURA. Sem interferencias e necessidades de gastos com campanhas e etc.!
    Nos vemos em breve!

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    # por Anônimo - 18 de janeiro de 2012 às 21:01

    Tenho minhas deduções da causa da estadia ainda do senador Sarney no senado como Presidente e fico estarrecida ,será que podemos deduzir que a causa principal é ele ter na manga coisas bastantes graves?????????