Política sem política

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Política sem política

17 de setembro de 2011 | 0h 00

Marco Antonio Villa - O Estado de S.Paulo

Na História do Brasil republicano, Dilma Rousseff é a presidente que mais exonerou ministros em menos de um ano de governo. Mas, curiosamente, não identificou nada de anormal na sua administração. Como se as demissões por graves acusações de corrupção fossem algo absolutamente rotineiro. E ocorressem em qualquer país democrático. Todas as demissões seguiram um mesmo ritual: começaram por denúncias publicadas na imprensa e, semanas (ou meses) depois, quando não havia mais nenhuma condição de manter o ministro no cargo, este pedia para sair.

Na ópera-bufa da política nacional, isso passou a fazer parte do figurino. O fecho do processo se repete: é necessário também emitir alguma crítica genérica sobre a corrupção, sem identificar o destinatário. Na hora da posse do novo ministro, deve ser elogiado o antecessor (o elogio será mais extenso e efusivo dependendo de quão poderoso for o padrinho político do ministro). Semanas depois as acusações desaparecem em meio a um novo escândalo.

O Brasil foi, ao longo do tempo, esgarçando os princípios morais e éticos. Em 1954 chamou-se "mar de lama" a um conjunto de pequenas mazelas que envolviam a ação de Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente Getúlio Vargas. Hoje Gregório seria considerado um iniciante, até um ingênuo. A corrupção permeia todas as esferas do poder e conta com o silêncio complacente do Judiciário.

Em meio a esta turbulência, a oposição não sabe bem o que fazer. Está paralisada. Na base governamental temos alguns senadores que manifestam - ainda que timidamente - algum tipo de independência, como os peemedebistas Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon. Vivem uma constante crise de identidade. Sentem-se envergonhados como membros de um partido marcadamente fisiológico, mas não assumem claramente uma posição oposicionista. Nesse contorcionismo perdem espaço e são usados pelo governo, como na tentativa de criar uma frente suprapartidária para dar apoio à presidente no combate à corrupção, que serviu para desviar as atenções da proposta de CPI. O mais estranho é que a presidente não só não pediu apoio, como não fez nenhum movimento de simpatia. Deixou, literalmente, os senadores com a vassoura na mão.

Do lado propriamente oposicionista, continua a triste batalha dostoievskiana. O ódio entre os seus principais líderes deixaria enrubescido o patriarca da família Karamazov. A disputa interna fratricida paralisa qualquer ação. Não há projetos partidários. É uma espécie de cada um por si. E todos se acham espertos. Atualmente, a maior das espertezas é buscar apoio do governo para ampliar o seu poder na oposição. Algo no terreno do fantástico e fadado, obviamente, ao fracasso. Contudo, durante algumas semanas, dá ao líder oposicionista uma aura de sagacidade.

Enquanto isso, o País assiste a espetáculos dantescos de malversação dos recursos públicos, à permanência da inépcia governamental e ao agravamento homeopático dos efeitos internos da crise internacional. Em qualquer país democrático seria um terreno fértil para a oposição. Mas não no Brasil. Aqui, o velho discurso reacionário de que fazer oposição é ser contra o País ainda é dominante. A oposição tem medo de ser oposição. Foge do confronto como o diabo da cruz. Deve sentir vergonha por ter recebido a confiança de 44 milhões de eleitores na última eleição presidencial.

Vivemos num ambiente despolitizado. E isso é adequado ao projeto petista de permanecer décadas no poder. Logo vai completar a primeira. E o partido já está fazendo de tudo (e sabemos o que significa esse "de tudo") para tornar esse plano viável. A figura do ex-presidente Lula é central para cimentar as alianças políticas e empresariais. Afinal, todos sabem que sem Lula o projeto cai por terra. Somente ele consegue dar coerência a uma base política tão heterodoxa, que vai de Paulo Maluf ao MST. Mas para isso, muito mais que o discurso, é indispensável manter uma taxa de crescimento que permita concessões aos mais variados setores sociais, conforme o seu poder de barganha. E aí é que mora o grande desafio do governo, e não na tímida oposição.

São evidentes as diferenças e a qualidade da ação entre governo e oposição. Basta observar os movimentos dos dois últimos ex-presidentes. Lula sabe muito bem o que quer. Não para de articular um só minuto. E não perde oportunidade para atacar a oposição. Do lado da oposição, Fernando Henrique Cardoso parece que vive em outro mundo. Confundiu um elogio meramente protocolar da presidente Dilma com uma revisão ideológica do seu governo por parte dos petistas (que em momento algum foi realizada). Extasiado, não parou de elogiar a presidente e os "esforços" para combater a corrupção. Ou seja, um está atuando ativamente no presente para impor a qualquer preço o seu projeto, o outro está preocupado com o futuro, de como ficará o seu retrato na História.

Nesse ritmo, Lula vai coroando de êxito o seu projeto. Espera vencer as eleições municipais, especialmente em São Paulo. Com o triunfo deverá estabelecer um arco de alianças ainda mais amplo que o atual. É o primeiro passo concreto para retornar à Presidência em 2014 e permanecer, pelo menos, mais oito anos no poder. Caberá a Dilma continuar despachando como uma espécie de presidente interina, aguardando o retorno do titular.

E a oposição? Ah, esta lembra o Visconde Reinaldo, personagem de O Primo Basílio. Quando falava de Lisboa, sempre aguardava um terremoto, como o de 1755, que destruiu a cidade. Como não faz política, a oposição, espera também um terremoto: é a crise internacional. Mas, assim como o hábito não faz o monge, a crise, por si só, não fará ressurgir a oposição.

HISTORIADOR, É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS


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    # por barbarah.net - 17 de setembro de 2011 às 11:37

    "A melhor definição que posso dar de um homem é a de um ser que se habitua a tudo."
    Dostoiéviski

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    # por Anônimo - 17 de setembro de 2011 às 13:46

    E, para não perder o fio da meada, o hábito dos políticos é o tal "mal feito".
    Sendo isso permanente e abrangente, vigora desde as campanhas "eleitoreiras", nos posteriores cabides para aqueles que não se elegeram e parentes, etc, nas negociatas durante o exercício do mandato, etc.

    Será que quando o povo vai banir esse "mal costume"?!

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    # por Anônimo - 17 de setembro de 2011 às 14:13

    O aumento do IPI (15/09/2011) provocou algum debate, mas preocupa o sucessivo desprezo dos governos com as normas legais. Independente de partidos, assusta a quantidade de atos desprezando princípios constitucionais básicos (Art. 37 da CF/88), dando a impressão que os governos se consideram acima da Lei.
    O aumento do IPI parece ter sido apenas mais um capítulo dessa história, bastando para isso ler o Art. 150, III, "b" e "c" da Constituição.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm
    Outro episódio absurdo foi o do servidor João Ribeiro, da Secretaria da Fazenda (SP), além dos questionáveis "Termos de Sigilo e Confidencialidade" que alguns órgãos das administrações indiretas "obrigam" seus funcionários a assinar.
    http://blogs.estadao.com.br/radar-politico/2011/06/27/servidor-exonerado-por-denunciar-corrupcao-em-sp-consegue-readmissao-na-justica/
    Esse é o país que vai pra frente? Socorro!

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    # por Anônimo - 17 de setembro de 2011 às 22:14

    Infelizmente a CF/88 garante sim o aumento do IPI no próprio Art. 150. Observe o detalhe do §1º: sempre existem exceções.
    Quanto ao episódio do servidor João Ribeiro, foi bizarro mesmo (embora não saiba se foi legal ou ilegal).

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    # por Licínio Miranda - 17 de setembro de 2011 às 23:18

    Belíssimo texto. Simplesmente impecável. O trecho que menciona FHC é sem dúvida a melhor parte. Estava mais do que na hora de alguém lembrar que tudo não passou de um "elogio meramente protocolar". No dia seguinte o PT voltou a atacar o legado de FHC.

    Deve ter lembrado do soneto escrito por Pedro II ("Sereno aguardarei no meu jazigo/ A justiça de Deus na voz da história!". O problema é que... "Senator, you're no Pedro II".

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    # por Anônimo - 18 de setembro de 2011 às 11:15

    Perfeita a análise do texto: o pragmatismo do PT em seu projeto de poder faz parecer ingênua a atitude de FHC, e nosso sistema democrático parace involuir através dos tempos.

    Não tinha conhecimento do caso levantado acima, do servidor João Ribeiro, e é realmente preocupante num país que se supõe democrático.

    Com relação aos itens mencionados da Constituição (Art. 150, §1º), é no Imposto de Importação (Art. 153, I) que não se aplicam as vedações do Art. 150, III B e C. Sobre os Produtos Industrializados (Art. 153, IV) não se aplica o Art. 150, III, B (aplicando-se o III, C). De qualquer forma, parece ser uma questão destinada aos tribunais.

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    # por Ana Lúcia K. - 20 de setembro de 2011 às 20:07

    Parabéns pelo texto e por se manter firme na defesa do Brasil.

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    # por Ana Lúcia K. - 20 de setembro de 2011 às 20:25

    A postura do FH, do PSDB e das oposições em relação ao governo anterior e a este tem me deixado perplexa. Infelizmente o "ex" terá idade suficiente para cumprir mais oito anos de farra, digo, de pûder.

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    # por Anônimo - 25 de setembro de 2011 às 14:36

    Incríveis reflexões, mestre Villa. Obrigado por mais um excelente texto.