Discutindo a manifestação

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Protestos

Para alcançar resultados práticos, manifestantes terão de entrar no jogo político

Nesta terça-feira, será a prova de fogo das manifestações que reuniram milhares de pessoas em dezenas de cidades para protestarem contra a corrupção

Branca Nunes

Para que as demandas sejam atendidas, o movimento terá de encontrar, dentro dos partidos que hoje repudia, quem esteja disposto a carregar essa bandeira

A partir das 17h desta terça-feira, a Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, volta a assumir um papel na história da política brasileira. Foi lá que, em 26 de junho de 1968, cerca de 100 mil pessoas se reuniram para protestar contra a ditadura militar, compondo o que é, ainda hoje, o maior protesto contra o regime autoritário que se instalou no país pré-AI-5. E é lá que, neste 20 de setembro, se dará a prova de fogo das manifestações que, no último dia 7, reuniram milhares de pessoas em dezenas de cidades para protestar contra a corrupção no Brasil. O evento desta noite é determinante para saber que rumos tomará esse movimento – se ele vai continuar crescendo, ou definhar.

Se o movimento progredir, logo terá de enfrentar um dilema. No feriado da Independência, os manifestantes rejeitaram qualquer ligação com partidos políticos, sindicatos e ongs, reunindo-se de maneira espontânea pelas redes sociais e deixando escancarada a perda de legitimidade daquelas organizações. Mas, para ser mais que um grito de indignação e alcançar resultados práticos, eles terão de aderir, em alguma medida, às regras do jogo político. Terão de encontrar, dentro dos partidos que hoje repudiam, quem esteja disposto a carregar sua bandeira. Ou eleger seus próprios líderes e representantes. Ou ainda, num caso extremo, dar origem a um novo partido. Esse é um dilema clássico das manifestações que nascem nas ruas.

Dizer essas coisas num momento em que as pessoas parecem ter reencontrado a voz é fazer o papel de um tio cético e rabugento. Mas, a menos que se viva em uma ditadura e o objetivo da multidão seja criar do zero uma nova ordem política, como se vê atualmente nos países árabes, esse roteiro é inescapável. Pode até ser enervante, mas essa é uma das belezas da democracia (o pior sistema de governo, à exceção de todos os outros): é por meio das instituições, como partidos, Congresso e judiciário, que as mudanças para melhor têm de ser alcançadas, mesmo que lenta e pacientemente.

Leia também: Manifestações contra corrupção definem reinvindicações

“Os protestos de 7 de setembro revelam, acima de tudo, que existe uma grande desilusão com a política tradicional”, afirma o historiador Marco Antonio Villa. “Mas como mudar a realidade política, sem se fazer política? Uma coisa é criticar a estrutura existente, outra é satanizar. A questão não é dizer que ‘todos precisam sair, porque não prestam’, mas que ‘os que não prestam precisam sair’”.

No Brasil - Os mais importantes movimentos de massa da história do Brasil tiveram o amparo de partidos e políticos da oposição. O Movimento das Diretas Já, por exemplo, criado para servir de apoio ao projeto de lei do deputado Dante de Oliveira – que propunha o restabelecimento das eleições diretas para a Presidência da República –, foi abraçado por Tancredo Neves, Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Luiz Inácio Lula da Silva, além de dezenas de outros protagonistas da política nacional. Mesmo com a derrota da emenda no Congresso, as Diretas foram consideradas vitoriosas por fazerem com que a população recuperasse a voz.

“Diferente do que acontece hoje, era um movimento que tinha uma proposta bem definida”, observa o cientista político Otaciano Nogueira, ao comparar as Diretas às manifestações de 7 de setembro. “Havia uma diretriz e o apoio de políticos. A automobilização é possível, mas não é duradoura. Pode até existir uma combustão espontânea, mas é necessário que algum partido levante a bandeira e a leve adiante”.

Em 1992, o amparo da União Nacional dos Estudantes (UNE), de partidos e políticos foi fundamental para o sucesso dos caras-pintadas, que levaram ao impeachment de Fernando Collor de Mello. Mesmo repudiando a partidarização do movimento, ela era inegável. As principais entidades civis do país (OAB, CNBB, UNE, UBES e centrais sindicais) deram início ao "Movimento pela Ética na Política" e o Congresso se sentiu pressionado pela opinião pública. Lindberg Farias, então presidente da UNE, foi um dos líderes do movimento – e iniciou ali uma carreira política que fez dele deputado federal pelo PT.

Também foi graças à pressão da opinião pública que os deputados brasileiros decidiram levar adiante no Congresso a votação da Lei da Ficha Limpa. Tanto políticos de partidos de oposição, como Índio da Costa (ex-DEM), quanto governistas como José Eduardo Cardoso (PT) abraçaram a ideia – o que foi fundamental para sua aprovação.

No mundo - O Tea Party, a ala ultraconservadora da direita americana, é a prova de que, mesmo nas democracias mais consolidadas do mundo, partidos e instituições enfrentam a desconfiança e a rejeição da população. Apesar do nome, o movimento não tem um partido próprio. O que seus milhares de ativistas procuram é impor uma nova agenda ao “velho e bom” Partido Republicano. Em localidades onde as lideranças republicanas tradicionais não se mostram inclinadas a adotar essa agenda, os simpatizantes do Tea Party se articulam para substitui-los por seus próprios quadros. Em outras palavras, eles não se sentem representados pelas instituições políticas, mas tentam recriar uma delas à sua imagem e semelhança.

Autor de uma série de estudos sobre a democracia, o cientista político americano Adam Przeworski revisitou, num livro recente, as opiniões de diversos autores sobre qual o papel do povo entre os períodos eleitorais. “Há quem diga que, numa democracia, as eleições são a única hora em que o povo deve se manifestar”, escreve o autor. Não é preciso ser rabugento a esse ponto. Até aquele tio cheio de ceticismo mencionado no terceiro parágrafo deste texto pode acreditar que, em certas circunstâncias, a “voz das ruas” é necessária para liberar as engrenagens políticas emperradas ou corrompidas.

Num país como o Brasil, em que a oposição encolheu numericamente e perdeu combatividade, essa voz pode ser mesmo indispensável. “A ausência de oposição é a prova de que as instituições democráticas não estão consolidadas no Brasil”, afirma Villa. “Existe uma cultura que vem da época da ditadura militar que dissemina a ideia de que ser oposição, é fazer oposição ao país”.

Usando nariz de palhaço, vestindo roupas negras ou verdes e amarelas, as multidões de descontentes desfraldaram bandeiras do Brasil e cantaram o Hino Nacional no 7 de Setembro. Os milhares de brasileiros que saíram às ruas sabiam apenas que havia chegado a hora do “basta”. As manifestações desta terça-feira mostrarão se está a caminho uma possível primavera brasileira.

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    # por Anônimo - 21 de setembro de 2011 às 19:48

    Espero que essas manifestações não sejam de uma pequena minoria. O Brasil é enorme, precisa da força do povo contra tantos políticos corruptos.
    Mas a grande maioria da população fica indiferente, deixam os políticos com os trilhões do Brasil nas mãos para embolsarem a vontade.

    Até quando os povo vai deixar sempre os mesmos carrapatos "governando" pelo Brasil afora. Roubando descaradamente. Mantendo a população as migalhas em todas as formas de necessidade.

    Quando o povo vai querer dignidade?
    Será que estamos contentes vivendo na opressão? Com a corda no pescoço, enquanto os governantes não estão nem se lixando para o povo.
    Só querem votos para se manter com o bolso cheio, levando vida de burguês, enquanto o povo...

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    # por barbarah.net - 22 de setembro de 2011 às 15:27

    Em dia tenso, Banco Mundial diz que o mundo está em "zona de perigo". (Folha de SP)
    Notícia para perder o sono, não?

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    # por Dawran Numida - 22 de setembro de 2011 às 16:25

    Realmente Professor Villa. Esse aspecto de aversão à política, pode tornar a ideia e as manifestações facilmente capturáveis. Até mesmo os corruptos e corruptores podem pegar sua vassouras e saírem por ai gritando contra a corrupção. A política não é ruim por si só. Nem boa por si só. É necessária. Até ser caracteristicamente sem partidos, tudo bem. Simpatizantes de vários partidos ou não. Poderão participar. A ideia é contra a corrupção e deve englobar todos. Mas, o caráter político é latente.

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    # por Rose - 24 de setembro de 2011 às 21:09

    Assim como o Plano Real e os programas sociais foram usurpados de governos anteriores, o partido no poder há quase uma década, vitorioso em 2010 porque vendeu a imagem de gerentona da então candidata, portanto, responsável por todas as ações que vêm escandalizando o país, ousa agora se apoderar das marchas contra a corrupção de seu governo e a imprensa repercute.
    Desse jeito não há mais nada que possamos fazer, já temos um poder absoluto e as instituições que não se venderam, renderam-se.

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    # por Ricardo Zanoni - 27 de setembro de 2011 às 22:19

    E essa história de movimentos e marchas contra a corrupção é coisa muito antiga e recorrente. Só para falar do meu tempo, lembro que jovem, no início dos anos 50, Lacerda e a UDN diziam que sob o Catete corria um rio de lama. No governo JK a corrupção era endêmica com a construção de Brasília. Veio Jânio com a vassoura para varrer a corrupção do Brasil. Depois, em 64, marchas contra a corrupção e ainda recolhendo ouro pelo bem do Brasil. Uma líderes das marchas em São Paulo era Leonor Mendes de Barros, mulher do governador Ademar de Barros, um dos cabeças do golpe de 64, aquele que escondia um cofre com um milhão de dólares na casa da amante. Chegaram os militares e sua ditadura, que a FSP chama de ditabranda, e ficaram, 20 anos no poder legislando por decretos para combater a corrupção e a subversão. Hoje, 60 anos depois, me deparo com novas marchas de vassouras feitas pelo mesmos grupos medianos e ideológicos dos períodos anteriores, também manipulados pela mídia impressa e a eletrônica de agora. Até restauraram a vassoua do Jânio. Vê-se que a ideologia hipócrita da UDN é atemporal. Agora se sabe que até o Luter King a compartilhava, quem diria, né não ? O que eu gostaria mesmo é de que fosse possível medir o grau ético de todos esses marchadores para se avaliar como se comportam nas suas corrupções cotidianas. Como se as corrupções diárias do cidadão comum fosse diferente da dos seus representantes políticos nos parlamentos. Afinal esses representamtes saíram nosso meio, do mesmo caldo de cultura, As pequenas amostras sanguíneas do corpo biológico não são diferentes do volume muito maior que circula nesse mesmo corpo. Assim é também no tecido do corpo social. Só uma coisa me intriga : Corrupção é estrada de mão dupla. Contudo só se aponta e execra o agente público corrupto. Cadê o agente privado que o corrompe ? Porque será, hein ? Há honestidade nisso ?