Onde está a direita?

Publiquei hoje em O Globo este artigo: 
O panorama da eleição presidencial chama a atenção.
Não há nenhum candidato identificado com a direita, da mais conservadora até a liberal. E não é de hoje. Desde a eleição de 1994, a direita abandonou o campo de jogo. Uma das explicações pode ter sido o trauma representado pelo governo Collor. Em vez de apostar em um aventureiro, optou, desde então, por apoiar o candidato que tivesse mais chances de vencer. Puro utilitarismo eleitoral. Mas que acaba prejudicando o processo democrático, pois obriga os partidos mais fortes nas eleições presidenciais (PSDB e PT) a darem uma guinada à direita.

E por uma razão óbvia: há um eleitorado conservador, que pode decidir uma eleição.

Uma candidatura no campo da direita teria de buscar apoio político.

Mas onde? O capital financeiro está muito satisfeito com o governo Lula.

A nefasta combinação de altas taxas de juros com um câmbio supervalorizado transformou o capital financeiro em uma espécie de quarto poder da República. Compõe com qualquer governo, desde que mantenha seus privilégios, assim como a burguesia lulista, aquela do capital alheio, que cresce graças aos generosos créditos do BNDES. Apoiando Lula obtiveram a tão almejada paz social.

Nunca na história deste país, desde o restabelecimento da democracia, houve um período presidencial com tão poucas greves. O custo foi baixo. E pago pelo Tesouro Nacional.

Então, para que fazer política ideológica, discutir princípios? Este utilitarismo macunaímico, também é extensivo à política. Paulo Maluf é um bom exemplo. Filhote da ditadura, de acordo com Leonel Brizola, foi candidato na eleição de 1989 ainda com base no prestígio adquirido no início da década e que o levou a disputar a Presidência contra Tancredo Neves no colégio eleitoral, em janeiro de 1985. Desde então ficou restrito à política paulista. Após o fracasso de Celso Pitta, seu afilhado político, abdicou de voos mais altos, inclusive na política regional, e transformou-se em caudatário do PT, apoiando, inicialmente, Marta Suplicy, para a prefeitura, os candidatos petistas quando do segundo turno das eleições para o governo estadual, e Lula para a Presidência. Em cerimônias oficiais chegou a ser citado elogiosamente pelo presidente da República.

O mesmo quadro se repete em diversas regiões. No Nordeste, a velha oligarquia que usufruiu das benesses do regime militar, que aderiu à Nova República e depois de 1990 foi se adaptando aos novos tempos, virou lulista de carteirinha. Eventualmente, manteve suas divergências com o petismo nos seus estados, mas no plano federal que é o que importa para os oligarcas, pois é a fonte dos recursos que permitem manter seus privilégios locais formou uma verdadeira tropa de choque no Congresso Nacional em defesa do governo.

José Sarney foi o precursor. Já em 2002 apoiou Lula. Pressentiu para que direção estava soprando o vento.

Se aboletou no governo, manteve o controle de áreas sensíveis aos seus interesses familiares, como o Ministério das Minas e Energia, e o governo local e, quando perdeu, em 2006, a eleição no Maranhão, recebeu apoio discreto, mas eficaz, de Lula para retomá-lo em um golpe judicial.

O mais novo adepto e não é acidental que também venha de um estado pobre desta corrente é Fernando Collor. Defendeu enfaticamente o governo. Virou lulista.

A direita prefere ser sócia, mesmo que minoritária, do governo, do que disputar a Presidência. Seus interesses se resumem a extrair benefícios nada republicanos. Em uma linguagem mais direta: querem participar do saque organizado do Estado, controlando ministérios e secretarias como uma espécie de extensão da antiga casa-grande. Não há nenhuma ideologia. Quando muito, como fez Renan Calheiros, cita Ruy Barbosa para justificar notas frias emitidas por um açougue o Stop Carnes no interior miserável de Alagoas.

Contudo, no Congresso, a direita está muito bem representada, numericamente falando, claro. Raros são os parlamentares ideológicos, que professam sinceramente sua ideologia, defendem seus princípios. São vistos como ingênuos. A direita propriamente dita sabe que, sem apoio parlamentar, nenhum presidente governa.

A opção por escolher o campo parlamentar em vez de lutar pelo Executivo tem se mostrado muito eficiente.

Evita o desgaste da derrota, valoriza o apoio eleitoral e aumenta o cacife no momento da divisão do bolo do poder. E mais: não se identifica como direita. Direita virou palavrão. Eles são de centro.

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    # por Anônimo - 10 de agosto de 2010 às 15:02

    Parabens pela análise acurada.

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    # por Anônimo - 10 de agosto de 2010 às 15:22

    A direita está bem representada nas três principais candidaturas (Serra, Marina e Dilma). Pra quê lançar candidatos anacrônicos e caricatos? Eles são pragmáticos, qualquer um serve, desde que seus privilégios seculares estejam garantidos. E nenhum dos três candidatos se arrisca a contestar o deus-mercado, as privatizações ou o latifúndio. Está todo mundo procurando a direita, mas ela está aí, e provavelmente vencerá esta eleição, independente do fantoche que vestirá a faixa presidencial.

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    # por Anônimo - 10 de agosto de 2010 às 21:55

    Interessante a direita representada pelo vice da Marina, independente do resultado nas eleições, destaca o compromisso de consumo com responsabilidade ambiental (será que isso é possível?) da empresa que ele é um dos sócios fundadores.

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    # por José María Souza Costa - 11 de agosto de 2010 às 09:52

    E o Índio da Costa, representante da familia carioca "Maia", não deve ser situado como de direita? O que é mesmo ser," de direita"? A mídia, não tem o menor interesse em expõr pessoas, com idéias que diverge do cotidiano. Vejam o exemplo do Plínio de Arruda Sampaio, só abriu a boca no Debate da Band, no dia seguinte, estava em todos os Portais, como se o Arruda, não fosse um Octagenário, e tudo o que falasse naquele momento, ele não já estivesse dito, quando estava nas fileiras do PT.Nossa, que novidade, os endinheirados brasileiros, sentirem-se confortavel com o governo Lula, eles tinham tanto medo do Sapo Barbudo, expressão do Leonel Brizola. O que este País, necessita são de pessoas que saibam "ler e escrever",para não virar marionete, com as tintas postas pela mídia. Um abraço professor

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    # por Inoã Urbinati - 11 de agosto de 2010 às 23:54

    Excelente texto. A direita brasileira, de fato, tem muitos motivos para se orgulhar do governo Lula. E não tem motivos mesmo para lançar um candidato próprio, isto é, assumidamente de direita, já que está muito bem representada pela maior parte das candidaturas, especialmente a de Dilma (por ironia da história, logo ela que teve um passado de guerrilheira esquerdista). Parabéns pelo texto!

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    # por André Costa - 13 de agosto de 2010 às 00:44

    A direita não existe politicamente porque os socialistas inteligentemente usaram e usam o termo para designar os oligarcas e políticos tradicionais que nunca tiveram vínculo com nenhuma ideologia, preocupando-se apenas em manter seu status quo. Além disso, e mais importante, a esquerda conseguiu impor à sociedade um modelo de pensamento que obriga qualquer político ou partido a defender causas esquerdistas se quiser sobreviver eleitoralmente (veja o bolsa-família, as cotas raciais, etc.) Atualmente, o simples fato de ser o adversário da hora já o qualifica como de direita, mesmo se o cara tiver 40 anos de militância como o Serra. Interessantemente até você caiu nesta armadilha (pelo menos assim entendi o seu texto). Maluf, Collor, e outros, nunca foram de direita, porque para eles nunca existiu direita ou esquerda, apenas situação e oposição (e eles sempre preferiram ser situação!). Como você bem lembrou o que existe no Brasil é um eleitorado conservador, mas que nem sabe que é ideologicamente de direita, porque está há 40 anos órfão de políticos que expressem e defendam organizadamente seus ideais.

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    # por Anônimo - 31 de agosto de 2010 às 15:53

    Estamos presos ao dilema do que é pior? uma esquerda autoritária, controladora (pt) ou uma direita "democrática" (psdb)?