O quadro partidário.

congestionado e não há alternativa à esquerda nem à direita”
Andréia Bahia
O novo partido do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, já nasce com o defeito da ambiguidade, próprio da maioria dos partidos brasileiros. O ex-governador Claudio Lembo, que deixou o DEM para ingressar no Partido Social Democrático (PSD), diz que a sigla surge como uma terceira via, entre PT e PSDB, um partido “levemente de esquerda”, na definição imprecisa de Kassab.
Mas os 12 princípios que estruturam a nova legenda e que foram apresentados no dia do lançamento da sigla pelo vice-governador de São Paulo, Afif Domingos, um liberal de carteirinha, se aproximam mais dos dogmas de centro-direita que de centro-esquerda. Entre eles, estão a defesa da livre iniciativa, da liberdade individual, o respeito aos contribuintes e do direito de propriedade e o respeito a contratos. Da plataforma da esquerda, apenas o apoio a programas voltados às famílias carentes.
Para justificar a escolha da sigla, o prefeito de São Paulo disse se tratar de uma homenagem ao desenvolvimentismo do presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976), que governou o País entre 1956 e 1961 e era filiado a um partido que tinha a mesma sigla.
Terceira via, levemente de esquerda, desenvolvimentista são conceitos que não dizem nada ideologicamente. O PSD nasce sem um matiz ideológico, sem identidade. Segundo o historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Marco Antônio Villa, o nascedouro do PSD é sui generis. “Normalmente, na história dos partidos políticos, reúne-se um grupo de pessoas, cria-se um programa político e, dali, forma-se um partido. No caso de Kassab é o contrário, ele vai formar o partido e depois o programa e isso mostra que o PSD é um partido de aluguel como tantos outras legendas brasileiras, sem ideologia e sem um projeto para o País.”
Assim como o PSB, legenda com a qual o PSD pretende se aliar ou fundir no futuro. A sigla significa Partido Socialista Brasileiro, mas a legenda não é de esquerda, afirma Villa. “Com exceção do PSol, não há partidos de esquerda no sentido clássico no Brasil.” O PCdoB, observa o historiador, há muito abandonou os preceitos comunistas. “Basta ver a atuação da sigla no Ministério do Esporte, marcada pela corrupção, e pela ligação com grandes empresários. Antigamente era o partido do trabalho, agora é do lazer, vive do Ministério do Esporte.”
O PSB, do governador de Pernambuco, Eduardo Campo, também é de centro. “Nem de centro-esquerda é”, afirma Villa. Ele lembra que o candidato a governador de São Paulo pelo PSB foi Paulo Skaf, presidente da Fiesp. “Imagina chamar o Skaf de esquerda.” Segundo o professor, PSB não tem proposta de esquerda e a maioria dos governadores da sigla eleita nos Estados do Nordeste é conservadora. “Em São Paulo, o deputado Gabriel Chalita nem sabe o que é esquerda.”
E nesse campo difuso do centro que se encontra a maior parte dos partidos brasileiros, inclusive o PT, afirma o professor. “O centro está congestionado e não há alternativa mais clara à esquerda, inclusive uma esquerda democrática, e, do outro lado, não existe direita no Brasil. Ninguém diz que o partido é de direita, como se direita fosse um palavrão.” Esse é um fenômeno brasileiro que não se repete nas democracias ocidentais, que têm partidos conservadores e nenhum político encontra problema em se assumir como conservador.
Segundo Villa, essa vergonha que acompanha a direita brasileira é resultado da vitória do discurso da esquerda, “que ganhou a luta ideológica sobre o passado e impôs que, para fazer política, era indispensável ser de esquerda”. No entanto, o historiador observa um paradoxo na prática política brasileira, que diz ser fundamental ser de esquerda para exercer a função política, mas utiliza para governar a agenda política da direita. “Grande parte da agenda política que está aí não é de esquerda, é conservadora, basta ver a política econômica adotada, de câmbio e de juros, que beneficia os grandes empresários.”
Na opinião de Villa, o Brasil dos últimos anos teve governos voltados para o grande capital, que nunca obteve tantos lucros. “Nunca na historia deste País, como diria uma certa pessoa.” O curioso, diz o historiador, é que a agenda é de direita, mas ninguém pode ser de direita. “Tem que dizer que é de centro ou, como disse Kassab, levemente de esquerda.”
A ideologia do PMDB “é saquear o erário, como realizar saque”, afirma Villa. O PT tem o mesmo posicionamento. “Só que o PT tem um discurso mais educado, mais fino, não é o saque de Renan Calheiros, que saqueia com nota falsa”, compara o historiador. O saque ao erário é a marca da base governamental, diz Villa. “Edison Lobão tem ideologia? José Sarney tem ideologia? Jader Barbalho tem? Não tem.” E é para fazer parte dessa base que Kassab vai criar o PSD, diz Villa. “Ele deixou implícito, no discurso, que quer ajudar a presidente (Dilma Rousseff) a fazer um grande governo e com isso está dizendo: nós vamos apoiar.” Com o desembarque do PSD na base, o historiador não vê a hora em que o barco do governo vai afundar. “São tantos os aderentes que não tem espaço para oposição.”
Os 44 milhões eleitores que manifestaram no segundo turno da eleição presidencial que gostariam que de ter outro tipo de presidente perderam a eleição e os representantes políticos, observa Villa. “É um número significativo, mas os partidos políticos brasileiros não atentaram para esse fato tão óbvio para todos”, lamenta o professor.
O DEM, que com a saída de Kassab vai se transformar em um partido nanico, se perdeu no trajeto liberal. Era a legenda que defendia a classe média, lutava contra os tributos e teve seu grande momento quando derrubou a CPMF. Mas, a partir dali, observa Villa, não conseguiu administrar a vitória e se transformar em um partido conservador clássico no sentido inglês. “Isso é ruim para a democracia brasileira, porque é bom ter um partido claramente conservador.”
Villa diz que a maior parte dos deputados é conservadora, mas os conservadores não têm candidato a presidente. Nas últimas eleições presidenciais a direita trocou uma possível derrota eleitoral por uma boa representação no Congresso. Nenhum candidato conservador forte disputou os últimos pleitos para presidente.
O PSDB não enfrenta dificuldades menores que o DEM na oposição. Além de sofrer com a crise interna que envolve grandes lideranças de São Paulo e Minas Gerais, a legenda tem dificuldade de construir um projeto para o País. “Algo que a identifique para o presente e para o futuro e não para o passado”, explica Villa. As lideranças tucanas não sabem dizer, por exemplo, em que o PSDB difere do governo petista e o que propõe para o Brasil porque o partido também vive sua crise de identidade. “Poderia tentar apresentar para o País uma agenda social-democrata, mas é difícil porque o Brasil tem características muito diferentes da Europa.” Segundo o professor, a crise do PSDB é tão grave que as principais lideranças chegaram a falar em refundar o partido.
Na Europa, os partidos políticos também estão em colapso. A velha perspectiva do comunismo e socialismo entrou em crise assim como o modelo social-democrata. “Hoje, há uma enorme dificuldade de construir uma proposta crítica do modo de produção capitalista, alguma coisa que mantenha o capitalismo sob uma perspectiva mais social”, observa Villa. O que, de certa forma, explica a uniformidade do discurso dos partidos. “O que difere são as lideranças, mas o discurso é muito próximo porque há uma enorme dificuldade de se tentar o novo.”
A falta de firmeza ideológica dos partidos políticos é lamentável, de acordo com o historiador, e geleia geral poderia ser moldada com a adoção da cláusula de barreira, pela qual a legenda teria que ter uma quantidade mínima de votos distribuída por um número mínimo de Estados. A medida reduziria o número de legendas para oito aproximadamente e obrigaria os políticos a se filiarem a partidos mais bem delineados ideologicamente. “Seria uma enorme revolução no País e os partidos de aluguel teriam vida curta, porém o Congresso aprovou, por incrível que pareça, mas o Supremo Tribunal Federal derrubou.” Villa acredita que em um futuro próximo o país pode chegar a ter mais de 30 siglas partidárias. “Estamos vivendo um dos piores momentos em termo de debate político da historia recente do Brasil porque quando se tem essa geleia geral o partido perde as características.” O que é ruim para o Brasil e para a democracia brasileira.
# por Anônimo - 13 de maio de 2011 às 20:20
Partidos sem ideologia são todos. Todos os nossos partidos são pluriclassistas, o que não é ruim. Mas ficam impedidos de ter uma ideologia de classe. O PMDB não tem, o PT não tem, nem o PSDB nem o DEM — para dar apenas quatro exemplos.