A entrevista de Roberto Gurgel.

Selecionei seis trechos (e nomeei em tópicos) que considerei mais relevante da importante entrevista concedida à Folha de S. Paulo pelo Procurador-Geral da República Roberto Gurgel.

1. Sobre a efetividade do julgamento do mensalão:


E agora, a efetividade do julgamento corre risco?
Meu temor é assistir cenas como as recentes fotos do [empresário Carlinhos Cachoeira, condenado em primeira instância mas em liberdade] no resort. Isso demonstra a falta de efetividade da Justiça. Essa é a preocupação que o Ministério Público tem. Nosso sistema processual é muito generoso e muito propício a certas manobras da defesa. Temos ainda que aguardar a publicação do acórdão. Não tenho dúvida de que tentarão ainda a tese do cabimento dos embargos infringentes e começam então os embargos declaratórios. Em princípio, todos os réus que desejassem propor esses embargos, deveriam fazer numa mesma oportunidade, após a publicação do acórdão. Mas ao meu ver, dificilmente deixaremos de ter embargos sucessivos. Ou seja, num primeiro momento, alguns réus opõem os embargos, ai vem uma primeira decisão. Então, novos embargos são opostos por outros réus e adiante por outros e outros. Num número elevado de réus condenados, é muito fácil que o manejo dos embargos declaratórios pela defesa possa levar a um adiamento a meu ver bem prolongado da execução do julgado do Supremo.
De quanto?
É difícil fixar um prazo. Alguns falavam em maio. Mas eu acho que é muito fácil um ano aí pela frente. Agora, é muito difícil prever e eu adorarei estar enganado. Mas vai exigir um esforço ainda maior do Supremo de conseguir julgar num prazo curto. Não tenho dúvida que o Supremo também está muito preocupado em dar efetividade à decisão.

2. Sobre o "réu oculto":

Se ele (Marcos Valério) tivesse dito isso lá no inicio daria para colocar o presidente Lula na denúncia?
Teria que aprofundar a investigação em relação a isso. Ele aponta apenas isso: que alguns dos empréstimos feitos teriam, além daquelas finalidades indicadas na denúncia, a finalidade de pagamento do que ele chama de, salvo engano, despesas pessoais do presidente da República.
Mas agora da para dizer que o presidente Lula é investigado?
Ele ainda não é investigado. Eu despachei no mesmo dia que, considerando o estágio em que se encontrava a Ação Penal 470, com o julgamento já iniciado, não é possível utilizar qualquer elemento porque estava encerrada a instrução criminal. E para evitar qualquer tipo de embaraço ao julgamento eu determinei que ficassem aqui sobrestados [suspensos] esse procedimento, que contém o depoimento, e que isso seria examinado tão logo concluído o julgamento. Agora vamos passar para essa fase do exame. Uma coisa que já posso adiantar que hoje o presidente Lula não detém prerrogativa de foro então eventual exame de sua participação já não caberá ao procurador-geral da República, mas a um procurador da República de primeira instância.

3. O esquema do mensalão é muito maior (observação minha: no meu livro destaco o brilhante trabalho da CPMI dos Correios e manifesto estranheza pela ausência de uma série de possíveis réus na Ação Penal 470. Gurgel, creio, deu a razão desta exclusão):

A percepção indiscutível é que, quando a coisa é ampla demais, se você não impuser limites a essa investigação, você não vai chegar a lugar nenhum porque, na verdade, irá passar de um lugar a outro, e a outro, e a investigação não tem fim. E qual é o efeito disso? Ao final ninguém vai ser responsabilizado porque o Ministério Público fica impossibilitado até de oferecer uma denúncia. O Antonio Fernando, sem dúvida, percebeu que era algo muito grande, mas que era preciso limitar uma investigação para que se pudesse dar consequência a essa investigação. O que isso significou? Não tenho dúvida, e o relatório da CPI [dos Correios, que investigou o mensalão] dá bem uma ideia disso, de que os fatos que foram objetos da denúncia representam apenas uma parte desse esquema. Haveria muito mais, esse esquema seria ainda muito mais amplo, do que aquilo que constou na denúncia. Mas o que constou da denúncia foi o que foi possível provar, com elementos razoáveis, que poderiam dar base a uma denúncia. De nada adianta você ter fatos e fatos, dezenas deles, em relação aos quais você não consegue estabelecer uma prova minimamente consistente. A opção feita foi a seguinte: aquilo que em um determinado momento, que coincidia com o final dos trabalhos na CPI, tinha sido possível provar, ou pelo menos reunir indícios consistentes de prova, foi selecionado para dar base à denúncia.

4. O papel do sentenciado José Dirceu:

Mas como ele era ministro de Estado e esses fatos ocorreram na sua pasta ele necessariamente tem que ser responsabilizado. Isso é responsabilidade penal objetiva. É algo que o nosso direito não aceita, aliás nenhum direito aceita. A teoria do domínio do fato, por outro lado, ela é oposto disso: ela não prescinde da prova. Em relação ao José Dirceu o Ministério Público demonstrou a participação dele em reuniões, ou episódios como aquele que estavam lá [o ex-tesoureiro do PT] Delúbio Soares, [o ex-secretário geral do PT] Sílvio Pereira e fazia-se um determinado acerto com algum partido e dizia-se: 'Mas quem tem que bater o martelo é o José Dirceu'. Aí, ou ele dava uma entrada rápida na sala ou dava um telefonema para ele e ele então dizia: 'Está OK, pode fechar o acordo'. Então veja que, na verdade, nós reunimos toda uma série de elementos de prova que apontavam para a participação efetiva dele. Agora, claro, não é aquela prova direta. Em nenhum momento nós apresentamos, nem poderíamos fazer, ele passando recibo sobre uma determinada quantia ou ter uma ordem escrita dele para que tal pagamento fosse feito ao partido 'X' com a finalidade de angariar apoio do governo. Nós apresentamos uma prova que evidenciava que ele estava, sim, no topo dessa organização criminosa. Aí vem a teoria do domínio do fato para dizer que, como essas provas indicam que ele se encontrava numa posição de liderança nesse sistema criminoso então é possível, sim, responsabilizá-lo a despeito da inexistência da prova direta. Prova havia bastante desse envolvimento dele. Mas não é aquela prova direta que só existe em relação aos executores do crime e não aquela que lidera a organização criminosa.

5. E Lula?

Responsabilizar pessoas que naquele momento, e até hoje, são extremamente poderosas é sempre muito difícil. Por isso o que se quis desde o início foi oferecer uma denúncia fundamentada em provas. O Ministério público não quis empreender uma aventura porque sabia que, mesmo solidamente amparada em provas, seria uma denuncia de viabilidade difícil. Era uma das primeiras vezes que se responsabilizava [não só] uma pessoa, mas todo um grupo que era o grupo que dominava o partido do governo. Mas naquele momento não houve elementos suficientes para isso. Para oferecer uma denúncia contra aquelas pessoas já se teve que reunir [provas] com muita dificuldade, pelas características do crime, consistentemente. Em relação ao presidente precisaria ter a prova mais que robusta porque seria uma irresponsabilidade denunciar um presidente da República.

6. Melar o julgamento:

Então vieram aqui o advogado [Marcelo Leonardo] e o próprio Marcos Valério nesta sala. Chegaram aqui e duas coisas eram evidentes na minha visão: o que se pretendia naquele momento que, segundo ele, influiria decisivamente nos rumos da Ação Penal 470. E em razão desse depoimento, ele esperava receber benefícios por essa colaboração, como a redução de penas. O que eu percebi claramente era que se nós fossemos admitir qualquer tipo de elemento de prova adicional em relação à Ação Penal 470 teriamos que anular aquele início de julgamento e reabrir a instrução criminal. Esquecer aquele pedaço que já havia acontecido para que nós pudéssemos oferecer essas novas provas resultantes desse depoimento dele e, claro, com a defesa se manifestando sobre isso. Aquilo significava, em português claríssimo, melar o julgamento. Eles queriam melar o julgamento. Naquele momento eu vi essa tentativa não como dele, mas como uma tentativa que favoreceria todo mundo, todos os denunciados seriam favorecidos por um adiamento do julgamento, sei lá para quando. Então, a primeira coisa que disse ele foi que nada, absolutamente nada, nesse depoimento que ele se dispunha a prestar, seria utilizado na Ação Penal 470. E, em consequência, disse também a ele que nenhum beneficio ele teria em razão do depoimento. Essa [foi] a posição da Procuradoria, que não excluiria eventualmente o relator ou o tribunal achar que ele vinha demonstrando boa vontade. Entendia que ele tinha vindo prestar esse depoimento pensando nisso, nesse benefício. Na verdade, acho que ele pensava mais em embolar o julgamento. Então disse que ele ficasse inteiramente à vontade para desistir da ideia de prestar o depoimento. O advogado disse que eles estavam muito frustrados, já que imaginavam que pudesse ser usado na [Ação Penal] 470 e ter benefícios em razão disso.
Eu inclusive deixei os dois sozinhos e me retirei para que eles conversassem e depois de um tempo o doutor Marcelo [Leonardo, advogado de Valério] me chamou e eu voltei. Ele disse: 'Gostaria que o Marcos Valério, na sua frente, dissesse, nessas condições que o senhor expôs, se ele persiste com o depoimento'. Ele então disse: 'Persisto'. Nessas condições eu determinei que ele fosse ouvido por uma subprocuradora-geral e por uma procuradora regional da República desde o início nessa ação. O depoimento dele é hoje, em grande parte, de conhecimento público porque não é a primeira vez que ele vem aqui, pede o sigilo absoluto, que foi garantido pelo Ministério Público, absolutamente ninguém teve acesso a esse depoimento, mas eu acho que grande parte dele já foi divulgado. Ele dizia que se esse depoimento fosse divulgado ele não teria mais 24 horas de vida, tal a importância do que seria dito. Ele prestou um depoimento de duas horas e a primeira impressão das colegas que o ouviram é de que o depoimento trazia elementos novos, mas não tinha nada de bombástico. É um depoimento que não é longo, feito em duas horas, com aquela coisa que para e retoma. Ele, em primeiro lugar, robustece algumas teses do Ministério Público e em relação a todo esquema criminoso. Reforça a participação daquelas pessoas do núcleo politico nessas reuniões e há uma referência àqueles valores decorrentes de empréstimos que eram contraídos junto ao Banco Rural que eles teriam também a finalidade de pagar despesas do [ex-]presidente Lula. Em relação a isso ele menciona que haveria pagamentos feitos ao Freud Godoy [ex-assessor de Lula], que trabalhava na Presidência da República e tinha uma empresa de segurança.


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    # por Anônimo - 10 de janeiro de 2013 às 12:27

    será que Lula está acima de Deus tambem??
    o escandalo com Rosemary provou que ele é tao humano quanto outros.

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    # por Anônimo - 10 de janeiro de 2013 às 18:19

    Professor Villa,
    Escrevo para falar de algo não relacionado a este tópico, mas que envolve (envolveria?) o MP e o STF. Veja abaixo:

    http://estadao.br.msn.com/ultimas-noticias/governo-paga-hoje-parcela-de-fundo-dos-estados

    Quer dizer, então, que mesmo depois de 30 (trinta) meses, uma decisão do Supremo quanto a uma inconstitucionalidade ainda merece "negociação" sobre uma primeira parcela? Como assim? Quer dizer que os mensaleiros, após "embargos sucessivos" - conforme dito acima por Gurgel -, ainda terão a perspectiva de "negociar" antes de iniciar o cumprimento das penas? Até lá, por exemplo, Genoíno arrecadará toda a multa devida com o salário de deputado (pago por nós).

    Segundo a matéria no endereço acima "Na segunda-feira, o governo federal negociou com o presidente do STF, Joaquim Barbosa, que se garantisse ao menos o primeiro repasse do ano".

    Que decepção... nossas instituições vão mal, mesmo. Um deboche, conforme Rolf Kuntz (abaixo), magistral ontem no Estadão.

    http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-era-do-deboche--,982103,0.htm

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    # por Anônimo - 10 de janeiro de 2013 às 20:13

    Não entendo essa complacência toda com esse Lula, sendo que o próprio já assumiu que sua campanha de primeiro mandato foi feita com dinheiro vindo de caixa 2,ou seja, é ilegal, e o presidente deveria ter respondido a isso,até com o impeachment. O ex-chanceler alemão, Helmunt Kohl, que ajudou na reunificação da Alemanha que conhecemos hoje, após a queda do muro de Berlin, em 1989, foi deposto por denúncias de financiamento ilegal de campanha. O cara ajudou - praticamente - a construir a Europa que hoje conhecemos, dada a inegável importância do peso da economia alemão naquele bloco político-econômico, e foi deposto pelo mesmo motivo que foi assumidamente descarado pelo próprio Lula, em elegantes jardins franceses, para nossa humilhação maior, já que é um ex-pobre, saído do pau de arara, para o posto de um dos homens mais importantes do mundo? Ou seja, Lula é mais importante para o Brasil do que o Helmunt Kohl foi pra Alemanha dividida em duas e que agora é a maior economia da Europa? Será que para o povo alemão, caixa 2 merece depor até mesmo seu líder político de maior expressão, líder esse que construiu uma nação tão grande quanto Otto Von Bismarck? Será que o povo alemão coloca a ética "pública" - a princípio, só existe 'uma' Ética, sem ética daquilo ou daquele, pois a Ética é do Homem e não de sua função técnica, e ela merece discussões infindáveis - no lugar que ela merece e aqui, bem...comemos com salsichas e mostardas? Isso mereceria um fim. Mas infelizmente não foi isso que aconteceu no mundo dos fatos e a história, como diz aquela música bem popular, "...é que o de cima,sobe e o de baixo,desce"! Inúmeros escândalos se sucederam sob as barbas desse senhor, com envolvimento de vários ministros de Estados em enriquecimento ilícito e tráfico de influência: por sinal, nenhum foi sequer investigado pelo MPF ou pelo STF. Mas muitos servidores públicos federais envolvidos, foram exonerados: apesar de que alguns só trocaram de lugar. Ou seja: nesse aquário todo, tem é muito peixe pequeno, enquanto os tubarões estão querendo nos engolir. Portanto, diante de tantos escândalos sucessivos, envolvendo subordinados diretos e em assuntos que são de interesse do próprio governo, não acredito que Lula seja um imbecil que não sabia de nada e não aprovava nada, muito menos. Ou então é como naquele caso dos petistas de São Paulo: com os "aloprados". Por sinal, o Lula é pródigo em proferir frases oportunistas: e agora, não tem nada a dizer? São todos ministros de Estado de seu governo, gente indicada e aprovada por sua caneta super poderosa e pela sua consciência absorta. Além disso, não sei se existe em outro lugar do mundo, dois irmãos dirigindo duas agências reguladoras no mesmo país! A República virou Casa dos Vieira? É um absurdo! Nada contra a competência técnica desses homens: mas a situação é vexatória, pois a coisa pública, a res pública, não é de família alguma e essas agências tem enorme poder de intervenção no formato em que ela atua. Como se coloca dois irmãos para controlarem duas agências reguladoras sem o Lula saber, tudo intermediada pela sua secretária em São Paulo, que dizia ter "amizade íntima" com o presidente da República? Então, meus caros, acho que a coisa deveria ter parado em Paris, naquela profética entrevista. Teria sido muito mais "tré chic": não é, monsieur Lulá...? Sergio Dourado.

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    # por Dezio Ricardo Legno - 10 de janeiro de 2013 às 21:01

    Prezado Prof. M A Villa.
    Sendo o Brasil um país latino americano, a pegunta tem todo sentido:
    - Quantos tanques possui o STF?

    Abrs

    Décio

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    # por Anônimo - 11 de janeiro de 2013 às 01:00

    O que se viu ontem, 10 de março, lá em Caracas, foi a nítida, cruel e verdadeira força, poder e organização do Foro de São Paulo.

    Será que não chegou a hora da união dos defensores da Liberal democracia – articulistas,jornalistas,escritores, professores, pensadores, blogueiros, em fim, todos os que defendem o Liberalismo tão bem explicado por Donald Stewart Jr. , num movimento ordenado mostrando aos brasileiros a verdade, recolhendo assinaturas?

    Sinopse - O que é o liberalismo - Donald Stewart Jr
    No Brasil, a ideologia dominante, o intervencionismo, que tem impedido o nosso país de ser uma nação livre e desenvolvida, é sustentada - ainda que por razoes e com intensidades diferentes - pelos socialistas que idolatram o Estado; pelos empresários poderosos que não querem correr o risco do mercado; pelos conservadores que se opoem a mudanças; pelos militares que combatem o comunismo, mas estatizam a economia; pelos sociais-deocratas que são liberais em política e socialistas em economia; pelos políticos populistas que usam o Estado para dar consequencia a sua demagogia; pelos burocratas das estatais, que não querem perder suas vantagens e suas mordomias; pelos religiosos e por todos aqueles, enfim, que, sensíveis as necessidades dos mais carentes, defendem de alguma forma o Estado provedor, sem perceber que esse não é o meio adequado para minorar o infortúnio dos mais pobres. O liberalismo se insurge contra essa ideologia dominante, contra os que a sustentam. Liberalismo é liberdade política e liberdade econômica; é a ausência de privilégios; é igualdade perante a lei; é resonsabilidade individual; é cooperação entre estranhos; é comeptição empreendedora; é mudança permanente; é a revolução pacífica que poderá transformar o Brasil no país rico e próspero que inegavelmente pode vir a ser.

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    # por Anônimo - 11 de janeiro de 2013 às 11:19

    Desculpas, Villa, erro, dia 10 de janeiro (não março), se der para corrigir, agradeço.

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    # por Anônimo - 31 de janeiro de 2013 às 11:04

    E os bagrinhos do mensalão, quando serão investigados? Receberam dinheiro para ajudar no esquema. Vai ficar tudo por isso mesmo?