Uma república de fancaria.
Republico este artigo que saiu no Estadão em de outubro de 2011. Os fatos dos últimos meses só reforçam o que escrevi. Não é uma CPI, uma eleição, um decreto, uma PEC, ou qualquer medida paliativa que vai resolver nossos problemas. A questão é muito mais ampla: é estrutural.
República destroçada
Marco Antonio Villa, O Estado de S. Paulo, 30/10/11
Em 1899 um velho militante, desiludido com os rumos do regime, escreveu que a República não tinha sido proclamada naquele mesmo ano, mas somente anunciada. Dez anos depois continuava aguardando a materialização do seu sonho. Era um otimista. Mais de cem anos depois, o que temos é uma República em frangalhos, destroçada.
Constituições, códigos, leis, decretos, um emaranhado legal caótico. Mas nada consegue regular o bom funcionamento da democracia brasileira. Ética, moralidade, competência, eficiência, compromisso público simplesmente desapareceram. Temos um amontoado de políticos vorazes, saqueadores do erário. A impunidade acabou transformando alguns deles em referências morais, por mais estranho que pareça. Um conhecido político, símbolo da corrupção, do roubo de dinheiro público, do desvio de milhões e milhões de reais, chegou a comemorar recentemente, com muita pompa, o seu aniversário cercado pelas mais altas autoridades da República.
Vivemos uma época do vale-tudo. Desapareceram os homens públicos. Foram substituídos pelos políticos profissionais. Todos querem enriquecer a qualquer preço. E rapidamente. Não importam os meios. Garantidos pela impunidade, sabem que se forem apanhados têm sempre uma banca de advogados, regiamente pagos, para livrá-los de alguma condenação.
São anos marcados pela hipocrisia. Não há mais ideologia. Longe disso. A disputa política é pelo poder, que tudo pode e no qual nada é proibido. Pois os poderosos exercem o controle do Estado - controle no sentido mais amplo e autocrático possível. Feio não é violar a lei, mas perder uma eleição, estar distante do governo.
O Brasil de hoje é uma sociedade invertebrada. Amorfa, passiva, sem capacidade de reação, por mínima que seja. Não há mais distinção. O panorama político foi ficando cinzento, dificultando identificar as diferenças. Partidos, ações administrativas, programas partidários são meras fantasias, sem significados e facilmente substituíveis. O prazo de validade de uma aliança política, de um projeto de governo, é sempre muito curto. O aliado de hoje é facilmente transformado no adversário de amanhã, tudo porque o que os unia era meramente o espólio do poder.
Neste universo sombrio, somente os áulicos - e são tantos - é que podem estar satisfeitos. São os modernos bobos da corte. Devem sempre alegrar e divertir os poderosos, ser servis, educados e gentis. E não é de bom tom dizer que o rei está nu. Sobrevivem sempre elogiando e encontrando qualidades onde só há o vazio.
Mas a realidade acaba se impondo. Nenhum dos três Poderes consegue funcionar com um mínimo de eficiência. E republicanismo. Todos estão marcados pelo filhotismo, pela corrupção e incompetência. E nas três esferas: municipal, estadual e federal. O País conseguiu desmoralizar até novidades como as formas alternativas de trabalho social, as organizações não governamentais (ONGs). E mais: os Tribunais de Contas, que deveriam vigiar a aplicação do dinheiro público, são instrumentos de corrupção. E não faltam exemplos nos Estados, até mesmo nos mais importantes. A lista dos desmazelos é enorme e faltariam linhas e mais linhas para descrevê-los.
A política nacional tem a seriedade das chanchadas da Atlântida. Com a diferença de que ninguém tem o talento de um Oscarito ou de um Grande Otelo. Os nossos políticos, em sua maioria, são canastrões, representam mal, muito mal, o papel de estadistas. Seriam, no máximo, meros figurantes em Nem Sansão nem Dalila. Grande parte deles não tem ideias próprias. Porém se acham em alta conta.
Um deles anunciou, com muita antecedência, que faria um importante pronunciamento no Senado. Seria o seu primeiro discurso. Pelo apresentado, é bom que seja o último. Deu a entender que era uma espécie de Winston Churchill das montanhas. Não era, nunca foi. Estava mais para ator de comédia pastelão. Agora prometeu ficar em silêncio. Fez bem, é mais prudente. Como diziam os antigos, quem não tem nada a dizer deve ficar calado.
Resta rir. Quem acompanha pela televisão as sessões do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e as entrevistas dos membros do Poder Executivo sabe o que estou dizendo. O quadro é desolador. Alguns mal sabem falar. É difícil - muito difícil mesmo, sem exagero - entender do que estão tratando. Em certos momentos parecem fazer parte de alguma sociedade secreta, pois nós - pobres cidadãos - temos dificuldade de compreender algumas decisões. Mas não se esquecem do ritualismo. Se não há seriedade no trato dos assuntos públicos, eles tentam manter as aparências, mesmo que nada republicanas. O STF tem funcionários somente para colocar as capas nos ministros (são chamados de “capinhas”) e outros para puxar a cadeira, nas sessões públicas, quando alguma excelência tem de se sentar para trabalhar.
Vivemos numa República bufa. A constatação não é feita com satisfação, muito pelo contrário. Basta ler o Estadão todo santo dia. As notícias são desesperadoras. A falta de compostura virou grife. Com o perdão da expressão, mas parece que quanto mais canalha, melhor. Os corruptos já não ficam envergonhados. Buscam até justificativa histórica para privilégios. O leitor deve se lembrar do símbolo maior da oligarquia nacional - e que exerce o domínio absoluto do seu Estado, uma verdadeira capitania familiar - proclamando aos quatro ventos seu “direito” de se deslocar em veículos aéreos mesmo em atividade privada.
Certa vez, Gregório de Matos Guerra iniciou um poema com o conhecido “Triste Bahia”. Bem, como ninguém lê mais o Boca do Inferno, posso escrever (como se fosse meu): triste Brasil. Pouco depois, o grande poeta baiano continuou: “Pobre te vejo a ti”. É a melhor síntese do nosso país.
HISTORIADOR, É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS(UFSCAR)
# por Anônimo - 20 de maio de 2012 às 13:02
Villa, eu geralmente concordo com tudo o que você diz, mas ironicamente, as vezes isso pode incentivar mais ainda a despolitização, pois contribui com o comportamento do "ninguém me ama, ninguém me quer", ou seja, se todos são uma porcaria, se não existe ninguém melhor que ninguém, se é tudo absolutamente igual, e o Brasil aceita isso, então qual a saída? Só pode ser o aeroporto (isso se não tiver caos aéreo).
Não quero fazer defesa de ninguém aqui, mas ao menos a impressão que fica de suas colocações é que todos são absolutamente iguais, e não concordo com isso, pois acho que não contribui para melhorar algo. Não acho que sejam todos iguais. E além do mais, sou adepto da ideia de que, se não há uma figura "ideal" a ser eleita, o voto nulo/branco é pior ainda. Talvez possa não ser a sua intenção, mas é isso a que seus comentários levam.
# por AC - 20 de maio de 2012 às 21:52
"...sabem que se forem apanhados têm sempre uma banca de advogados, regiamente pagos, para livrá-los de alguma condenação." São os advogados de porta de mansão, essa classe hj promissora, que antes batia ponto na porta das cadeias. Os mais afortunados chegam a ministro.
# por Rose - 20 de maio de 2012 às 22:50
Infelizmente o texto reflete a realidade num contexto amplo, sem levar em conta os que fazem a diferença, os que teriam condições de mudar totalmente esse quadro se tivessem espaço na midia, se não fossem injustamente colocados no mesmo balaio de ratazanas, se reagissem ao deboche que virou hábito por parte daqueles que não conseguiram encontrar manchas em suas biografias. E essa prática tem repercutido e contaminado a sociedade.
No cenário político atual, respeito duas lideranças de projeção nacional nessas condições:
- José Serra, que já foi passado e repassado pela peneira do PT e até agora só conseguiram encontrar supostos "crimes" registrados em cartório. Não é piada.
- O senador Álvaro Dias, que deveria ter sido o vice em 2010. Serra deveria ter resistido à chantagem do partido que só atrapalhou a sua campanha.
Por isso, concordo com o anônimo que trata sobre a abordagem que costumamos adotar quando estamos desanimados, mas podemos reverter essa situação se tivermos coragem de apoiar quem merece.
# por Anônimo - 21 de maio de 2012 às 09:25
Acho muito difícil, quase impossível, na verdade, ver o quadro político brasileiro mudado. Com a quantidade de analfabetos e analfabetos políticos que possuímos JAMAIS conseguiremos algo nesse sentido. O povo, no Brasil, pelo que se vê, quer é mesmo pão e circo. Quer carnaval, futebol, praia, pagode, funk e mais nada. Nosso povo, quem tem um mínimo de instrução bem o sabe, sempre foi uma espécie de "gado" manobrado por meia dúzia de espertos e vivaldinos. Não temos mais vozes de peso na oposição. Nem no regime militar a oposição era tão fraca e inoperante como agora. Que Deus nos ajude, pois o Titanic Brasil está afundando dia após dia. Não sou nen nunca foi um pessimista. Sou um REALISTA. Um abraço a todos os brasileiros sofredores como eu...
# por Anônimo - 21 de maio de 2012 às 10:14
Villa, volto a dizer: O segredo para ser primeiro mundo é fazer o estado funcionar. Todo pais de terceiro mundo é assim, como vc relatou. A polícia não funciona, o mp não funciona, a justiça não funciona. Porque?
Funcionários com direitos adquiridos, estabilidade sem metas e resultados, greves remuneradas, pouco trabalho e muito direito. Esse é o brasil do império, dos cartórios, do funcionalismo, que trocou o dogma sanquinio pelo dogma do concurso público. Funciona assim, o sujeito estuda 10 horas por dia durante 5 anos, faz concurso e passa, ganha estabilidade e não trabalha mais. Fazemos como a grécia. A solução é copiar o sistema de paises como alemanha, japão, etc.
# por Fernanda - 21 de maio de 2012 às 11:06
Fui ao Aurélio:
fancaria. 1. Comércio de fanqueiros. 2. Trabalho grosseiro, mal acabado; pacotilha.
É isso. Na era lulopetista, o Brasil se trasformou num comércio imoral de vigaristas, com uma massa amorfa de ignorantes e malandros, todos sendo sustentados por uma minoria sufocada. Resta, a essa minoria, resistir e espernear, com ajuda da imprensa ainda livre. Mas, como nada é para sempre, é preciso ter esperança na ajuda que a imprensa possa dar. Por enquanto, na CPMI Cachoeira e no julgamento do mensalão, mesmo com esse Congresso mambembe e esse STF fanqueiro.
# por Fernanda - 21 de maio de 2012 às 11:16
Fui ao dicionário:
fancaria. 1. Comércio de fanqueiros. 2. Trabalho grosseiro, mal acabado
É isso. Na era lulopetista, o Brasil vem prosperando na fancaria dos vigaristas, com o povo cada vez mais ignorante e malandrando nas bolsas-miséria diversas, roubadas do trabalho de uma minoria sufocada. Resta a essa minoria resistir e espernear. Vamos ter esperança na imprensa ainda livre, para que o julgamento do mensalão não seja mais uma fancaria, e a CPMI do Cachoeira outra.
É preciso ter fé, Pedro. Disse Jesus andando em cima das águas.
# por Anônimo - 21 de maio de 2012 às 11:29
Se os representantes dos poderes judiciário, executivo e legislativo ganhassem salários menores - sem aumento e reajuste -, perdessem o poder de indicar funcionários - funcionários concursados - e morassem na capital federal durante o período de trabalho - só saindo da mesma nas férias - o Brasil já seria um ótimo país. Não precisamos de um "Lula" e sim de alguém que administre o estado sem essa bobagem de direita - às vezes utilizando-se de moral religiosa pra governar - e esquerda - fazendo do estado um "paizão" como é comum na América Latina.
# por Anônimo - 21 de maio de 2012 às 21:44
Villa, este teu brilhante artigo foi postado no site Observador Político, no dia 06/05/2012, onde fez muito sucesso. E lá, fizemos os comentários que ora reproduzimos aqui.
E não adianta os saudosistas e viúvas da famigerada dituadura militar tentar nos enganar com sofismas, muito menos a classe político-partidária-eleitoral tb continuar teimando em nos engabelar tentando encobrir a nudez cortex da realidade com o manto diáfano das suas fantasias (bravatas, sofismas, palanquismo vazio etc. e tal). Agora, é a boa-fé nacional que exige Solução de verdade. Quem a tem pois que se apresente, e quem não a tem que desocupe a moita, digo, o espaço, porque o tempo urge. Luiz Felipe
# por Anônimo - 21 de maio de 2012 às 21:47
Doravante, a nosso ver, devemos fazer o cerco da boa-fé, como propõe o HoMeM do Mapa da Mina, com o PNBC e a Meritocracia Eleitoral, conscientes de que já experimentamos a ditadura militar por cerca de 21 anos, assim como estamos experimentando as ditaduras pós-militares (partidária, midiática, judiciária, econômica…) por cerca de 26 anos, com alguma melhora financeira é verdade, porém à vista da degradação total do sistema. Portando, doravante, na condição de seres racionais, com base nas experiências passadas, devemos evoluir para um sistema novo, que aproveite tudo de bom que feito no passado, e que descarte no lixo da histórias todas as pragas, parasistas e defeitos sistêmicos gerados no passado. Todos devemos puxar as brasas para a sardinha da evolução, porque o passado já o conhecemos muito bem, e, sobretudo, porque a Mega-Solução está no futuro, à medida em que a solucionática vêm após a problemática. ” República destroçada” é a constatação inapelável da realidade do nosso Brasilzão. O que colocar no lugar ? Eis a questão. Luiz Felipe
# por Anônimo - 22 de maio de 2012 às 20:03
NAÇÃO CORROMPIDA, por Carlos Chagas, pela Tribuna da Internet, 21/05/2012.
” Sempre foi assim? Com certeza. Nem vale à pena, hoje, descer aos meandros das duas ditaduras mais recentes que nos assolaram, a do Estado Novo, de 1937 a 1945, e a Militar, de 1964 a 1985. Horrores se sucederam nos dois períodos, do massacre das estruturas democráticas aos crimes praticados por agentes do poder público contra quantos se insurgiam diante da distorção dos valores devidos a uma sociedade iludida pelo sonho de tornar-se dona dos seus próprios destinos. Fica para outro dia abordar a abominável violência praticada contra o ser humano e contra as instituições duramente construídas através dos anos, nessas duas fases da vida nacional.
Importa, acima e além dos passados regimes geridos pela exceção, focalizar o nosso comportamento em tempos ditos normais, à maneira do atual, que os detentores do poder exaltam como ímpar em nossa História, 28 anos de democracia, jamais registrados desde a proclamação da República…
Vamos começar de baixo. Qual o pintor de paredes que, contratado para reformar uma casa, deixa de misturar mais água na tinta, para o serviço precisar ser refeito muito antes do que deveria valer o preço cobrado pela pintura? Qual o mecânico que, contratado para consertar um motor, supre a deficiência à vista, mas deixa outra encoberta, ou até a engatilha, para o freguês voltar no mês seguinte? Qual o operário que, podendo valer-se de um atestado médico, mesmo sem corresponder a uma doença real, deixa de apresentá-lo para gozar de um ócio imerecido?
O “seu” Manoel ali do açougue da esquina bota osso enrustido na balança, em vez de carne, para tapear a dona de casa. O dono do supermercado põe 900 gramas de arroz num plástico que anuncia conter um quilo. Ele e o seu fornecedor, é claro.
Subindo sempre, um banco apregoa lucros fantásticos para o correntista se ele investir num de seus mirabolantes planos, mas deixa de alertá-lo para impostos e até comissões ocultas no sorriso de seus vendedores. Uma empreiteira candidata-se a obras públicas oferecendo preços mais baixos, ainda que depois de ganhar a concorrência, imponha reajustes capazes de tornar seu trabalho muito mais caro do que os vigentes no mercado.
Claro que o funcionário ou o partido político que aprovaram o contrato recebem presentes e propinas bem acima de seus vencimentos ou contribuições. Quando se trata dos grandes servidores públicos, que por razões variadas precisaram deixar o cargo, não resistem à tentação de tornarem-se consultores das empresas que privilegiaram. Ou até programaram toda a equação.
No caso dos partidos, se conseguem galgar o poder, esquecem propostas éticas dos tempos de oposição para transformar-se em quadrilhas empenhadas no enriquecimento de seus dirigentes.
O deputado aquinhoado com vultosas doações para sua campanha eleitoral jamais deixará de aprovar projetos favoráveis ao doador, mesmo duvidosos. Quantos juízes arquivam processos ou decidem de acordo com os interesses do escritório de advocacia que, por coincidência, pertence a seus filhos ou sócios antigos e futuros?
Mas tem mais. Qual a organização religiosa que não recolhe fortunas ameaçando os incautos com o fogo do inferno ou prometendo o passaporte para o paraíso? Qual o meio de comunicação, grande ou pequeno, que não subordina a notícia aos interesses de seu proprietário? Ou à inclinação política e ideológica de seus artífices?
Longe de ser exceções, tornaram-se regra os toscos exemplos acima referidos. Verticalizando as situações, não escapa ninguém, tanto faz se nas democracias ou nas ditaduras, nos trópicos ou nas estepes. A corrupção deixou de ser periférica para tornar-se parte obrigatória nas entranhas de todos nós. O pior é que não tem saída. Somos uma nação corrompida.”