República destroçada
Saiu hoje no Estadão:
República destroçada
30 de outubro de 2011 | 3h 06
Marco Antonio Villa - O Estado de S.Paulo
Em 1899 um velho militante, desiludido com os rumos do regime, escreveu que a República não tinha sido proclamada naquele mesmo ano, mas somente anunciada. Dez anos depois continuava aguardando a materialização do seu sonho. Era um otimista. Mais de cem anos depois, o que temos é uma República em frangalhos, destroçada.
Constituições, códigos, leis, decretos, um emaranhado legal caótico. Mas nada consegue regular o bom funcionamento da democracia brasileira. Ética, moralidade, competência, eficiência, compromisso público simplesmente desapareceram. Temos um amontoado de políticos vorazes, saqueadores do erário. A impunidade acabou transformando alguns deles em referências morais, por mais estranho que pareça. Um conhecido político, símbolo da corrupção, do roubo de dinheiro público, do desvio de milhões e milhões de reais, chegou a comemorar recentemente, com muita pompa, o seu aniversário cercado pelas mais altas autoridades da República.
Vivemos uma época do vale-tudo. Desapareceram os homens públicos. Foram substituídos pelos políticos profissionais. Todos querem enriquecer a qualquer preço. E rapidamente. Não importam os meios. Garantidos pela impunidade, sabem que se forem apanhados têm sempre uma banca de advogados, regiamente pagos, para livrá-los de alguma condenação.
São anos marcados pela hipocrisia. Não há mais ideologia. Longe disso. A disputa política é pelo poder, que tudo pode e no qual nada é proibido. Pois os poderosos exercem o controle do Estado - controle no sentido mais amplo e autocrático possível. Feio não é violar a lei, mas perder uma eleição, estar distante do governo.
O Brasil de hoje é uma sociedade invertebrada. Amorfa, passiva, sem capacidade de reação, por mínima que seja. Não há mais distinção. O panorama político foi ficando cinzento, dificultando identificar as diferenças. Partidos, ações administrativas, programas partidários são meras fantasias, sem significados e facilmente substituíveis. O prazo de validade de uma aliança política, de um projeto de governo, é sempre muito curto. O aliado de hoje é facilmente transformado no adversário de amanhã, tudo porque o que os unia era meramente o espólio do poder.
Neste universo sombrio, somente os áulicos - e são tantos - é que podem estar satisfeitos. São os modernos bobos da corte. Devem sempre alegrar e divertir os poderosos, ser servis, educados e gentis. E não é de bom tom dizer que o rei está nu. Sobrevivem sempre elogiando e encontrando qualidades onde só há o vazio.
Mas a realidade acaba se impondo. Nenhum dos três Poderes consegue funcionar com um mínimo de eficiência. E republicanismo. Todos estão marcados pelo filhotismo, pela corrupção e incompetência. E nas três esferas: municipal, estadual e federal. O País conseguiu desmoralizar até novidades como as formas alternativas de trabalho social, as organizações não governamentais (ONGs). E mais: os Tribunais de Contas, que deveriam vigiar a aplicação do dinheiro público, são instrumentos de corrupção. E não faltam exemplos nos Estados, até mesmo nos mais importantes. A lista dos desmazelos é enorme e faltariam linhas e mais linhas para descrevê-los.
A política nacional tem a seriedade das chanchadas da Atlântida. Com a diferença de que ninguém tem o talento de um Oscarito ou de um Grande Otelo. Os nossos políticos, em sua maioria, são canastrões, representam mal, muito mal, o papel de estadistas. Seriam, no máximo, meros figurantes em Nem Sansão nem Dalila. Grande parte deles não tem ideias próprias. Porém se acham em alta conta.
Um deles anunciou, com muita antecedência, que faria um importante pronunciamento no Senado. Seria o seu primeiro discurso. Pelo apresentado, é bom que seja o último. Deu a entender que era uma espécie de Winston Churchill das montanhas. Não era, nunca foi. Estava mais para ator de comédia pastelão. Agora prometeu ficar em silêncio. Fez bem, é mais prudente. Como diziam os antigos, quem não tem nada a dizer deve ficar calado.
Resta rir. Quem acompanha pela televisão as sessões do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e as entrevistas dos membros do Poder Executivo sabe o que estou dizendo. O quadro é desolador. Alguns mal sabem falar. É difícil - muito difícil mesmo, sem exagero - entender do que estão tratando. Em certos momentos parecem fazer parte de alguma sociedade secreta, pois nós - pobres cidadãos - temos dificuldade de compreender algumas decisões. Mas não se esquecem do ritualismo. Se não há seriedade no trato dos assuntos públicos, eles tentam manter as aparências, mesmo que nada republicanas. O STF tem funcionários somente para colocar as capas nos ministros (são chamados de "capinhas") e outros para puxar a cadeira, nas sessões públicas, quando alguma excelência tem de se sentar para trabalhar.
Vivemos numa República bufa. A constatação não é feita com satisfação, muito pelo contrário. Basta ler o Estadão todo santo dia. As notícias são desesperadoras. A falta de compostura virou grife. Com o perdão da expressão, mas parece que quanto mais canalha, melhor. Os corruptos já não ficam envergonhados. Buscam até justificativa histórica para privilégios. O leitor deve se lembrar do símbolo maior da oligarquia nacional - e que exerce o domínio absoluto do seu Estado, uma verdadeira capitania familiar - proclamando aos quatro ventos seu "direito" de se deslocar em veículos aéreos mesmo em atividade privada.
Certa vez, Gregório de Matos Guerra iniciou um poema com o conhecido "Triste Bahia". Bem, como ninguém lê mais o Boca do Inferno, posso escrever (como se fosse meu): triste Brasil. Pouco depois, o grande poeta baiano continuou: "Pobre te vejo a ti". É a melhor síntese do nosso país.
HISTORIADOR, É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS(UFSCAR)
# por O Mascate - 30 de outubro de 2011 às 09:29
Villa, o cenário em que vivemos é exatamente o reflexo de um povo que vive sob a lei máxima de "Gerson" onde se tem que levar vantagem sempre e em tudo para mostrar ao mundo o quanto se é esperto.
Os políticos vieram dessa massa de ladrões que acreditam na esperteza como forma de "subir" na vida. Um ou outro que saiba realmente manobrar a cabeça dos idiotas, e com a ajuda de leis eleitorais mal feitas, acabam ascendendo ao poder e se perpetuando nele roubando o quanto podem, mas sempre mostrando ser um poço de honestidade. E o povo que pensa ser esperto, na verdade, gostaria é de estar lá roubando também.
O exemplo disso são os 78 pedidos de criação de novos partidos que estão parados no TSE e a quantidade de candidatos a vereador que estão se apresentando para a eleição de 2012.
Ou se mudam algumas leis com rapidez e tornem a eleiçao e a política coisa séria, ou corremos o risco de ver em eleição próxima, mais candidatos do que eleitores. E na cabeça de um espertalhão a política é a forma mais eficaz e menos trabalhosa de se dar bem. Que o diga o Romário que até preso por falta de pagamento de pensão alimentícia foi, e viu que para sair do sufoco teria que virar deputado. E o brasileiro burro e torcedor ajudou a tirar o "baixinho" da falência.
# por Joaquim - 30 de outubro de 2011 às 10:30
E a gente faz o quê? Agoniza por -no mínimo- mais 3 anos de PT? De patifarias sem escrúpulos? De mãos atadas, bocas caladas, de rostos envergonhados e de corações calejados?
O quê se faz quando o batalhão pensa o oposto, quando eles marcham em direção ao buraco e você não? Quando, lá fora, milhões de pobres-diabos não respeitam tradições (nem ao próximo) e exercem seu poder, denominando políticos que refletem sua imagem e semelhança?
Pago por isso e muito mais eu, um mero filhote sistemático do que já foi um Brasil. Tenho pouca idade, mas já sonhei com decência. Já sonhei.
Ambos os presidenciáveis que nos dão certeza da ópera bufa contínua estão doentes, acometidos pelo mesmo mal. O grande negócio é que nesse terra há a perfeita evidência de que, há décadas, aqui a fome de poder não tem escrúpulos. E nada pior do que se comer numa mesa suja todo santo dia e não poder sacudir a toalha NUNCA.
# por Careca - 30 de outubro de 2011 às 13:05
Caro Professor, síntese brilhante, grande abraço.
# por Lucas - 30 de outubro de 2011 às 14:27
Prezado professor Villa,duas coisas: primeiro um agradecimento, e depois uma pergunta.
1º- Tenho um filho de 23 anos que está fazendo pós-graduação. Venho desde a faculdade conversando e sugerindo a ele que vá para o exterior complementar os estudos. Ele sempre se mostrou indeciso quanto a deixar o país, apesar de saber que lá fora é muito melhor. Pois bem, agora na hora do almoço ele me comunicou que terminada a pós, irá para os EUA continuar os estudos, pois já tem contatos com duas universidades de lá.
Perguntei a ele o que o levou a tomada de decisão. Respondeu-me: "você não leu o artigo do Villa no estadão?" Como tinha ido ao mercado, deixei para ler o jornal após almoçar. Acabei de ler, e estou mandando o comentário. Te devo essa. Muito obrigado por esse poder de análise e síntese que tens professor. Salvaste um jovem brasileiro hoje professor.
2º Não há o que discordar do quadro pintado por você. O que gostaria de perguntar,é que como historiador, nos informe quais nações passaram por situação semelhante, e em qual época.
Com isso irei pesquisar o que aconteceu com elas.
Dependendo do que descobrir, meu filho não irá só.
Forte abraço, e novamente muito obrigado!
# por j.amellow - 30 de outubro de 2011 às 19:07
Pra completar se é que me ousaria a tanto num tão formidavel esclarecimento é só pra dizer que a chaga maior que potencializa todo esse movimento negativo na politica é que, qualquer avanço, qualquer crescimento economico, todo desenvolvimento que, claro, é um bem natural de tudo que está vivo, é logo de imediato atribuido às ações dessa classe politica nefasta e que somente nós, que tivemos a oportunidade do conhecimento sabemos do perigo que essa mentira representa.
Ela é a propria tentativa de nulidade de um povo!
# por Helio Cardoso - 30 de outubro de 2011 às 21:11
Concordo com seu excelente artigo sobre a res(coisa)pública (do povo) porém hoje isto não acontece graças aos políticos da base governista ( ex: PCdoB e suas ONGs fantasmas etc...) e companheiros, principalmente do PT, que se apoderaram dessa "res" $$$$$$ em troca de suas permanencias no PODER com maquiavelismo nas ações (não importa os meios e sim o fim a ser atingido, isto é o POVO é massa de manobra apenas). A solução não é abandonar o barco (sair do País)e sim lutar para que ele não afunde. Como solucionar tal impasse? Batalhar pela coisa que é nossa ( res pública) e dos impostos que pagamos. Vamos brigar pela máxima: País rico é País sem corrupção. Vamos acreditar!!!!
# por Anônimo - 31 de outubro de 2011 às 12:25
Com todo o meu respeito mas quem está em um mundo da fantasia é o senhor.
Parece que para vc o Brasil é um caso perdido. Até me atrevo a imaginar que o senhor tem complexo de vira-lata
# por Joaquim - 31 de outubro de 2011 às 13:33
Anônimo, veja bem: não é que o professor tenha complexo de vira-lata. É uma grande ofensa tratar assim alguém cujo caminho foi, é e será traçado através de muita verdade, seriedade, estudo e competência. O Villa não é nenhum mímico televisivo extremista que chama a oposição de porcos ou quer que o presidente morra de câncer (se bem que acho que isso será inevitável).
Ele analisa os fatos da maneira mais coesa e imparcial possível; leia seus artigos, fique atento (a) a seus comentários e verá. Ele não se baseia em lendas e mitos, como a do metalúrgico desempregado que virou milionário e dominou um país de bananas (literalmente) a seu bel prazer.
Ele, como eu, queremos um país melhor. ''Só''.
# por Lucas - 31 de outubro de 2011 às 14:23
Villa, gostaria (e acredito que todos os seus leitores) de uma análise sua sobre o que a doença do Lula trará de mudanças no cenário político brasileiro.
Aguardo com ansiedade.
um abraço,
# por Anônimo - 31 de outubro de 2011 às 16:02
Eu realmente não deveria ter usado mas estas palavras mas sou da opinião de que a influência do Lula independentemente da doença já extrapolou e muito de seus antecessores não só no cenário nacional como também internacional. Talvez acima dele só a do senhor getúlio Vargas. Sim, o momento mais feliz da minha vida ocorreu a nove anos quando o Lula finalmente foi eleito presidente do Brasil. Não sei se ele vai ou querer voltar em 2014 mas é sem dúvida falta de respeito pedir em tom de piada que ele vá se tratar no SUS.
# por Napolitano - 31 de outubro de 2011 às 16:34
Sr. Anônimo das 16:02,
como o dono do blog é um historiador, peço humildemente licença a ele para falar um pouquinho sobre mitologia grega.
Sr. Anônimo, o sr. já ouviu falar das PARCAS? Sabe quem são CLOTO, LÁQUESIS e ÁTROPOS? Procure descobrir. Nem Júpiter (Zeus)tinha poder para interferir no fio traçado por elas.
Não desejo sofrimento a Lula, mas para um futuro melhor para a nação espero sinceramente que Átropos o tenha achado.
# por J.A.MELLOW - 31 de outubro de 2011 às 16:36
ACHO QUE ESTE ANONIMO, POR ISSO EU NÃO SOU ANONIMO, APENAS TENHO PSEUDONIMO, ESTÁ TOTALMENTE EQUIVOCADO, E É POR PESSSOAS COMO ÊLE QUE AVANÇA O POPULISMO E CONSEQUENTEMENTE O TOTALITARISMO. PARECE QUE NINGUÉM PERCEBEU O QUE EU FALEI ANTERIORMENTE SOBRE A NULIDADE DE UM POVO E O CRESCIMENTO DAS FIGURAS POLITICAS, QUE É A RAIZ , ACREDITO EU, DE TODOS OS MALES.
# por maria carvalho - 31 de outubro de 2011 às 22:39
Bendita internet! A gente ve as notícias, medita e não tem como comentar os acontecimentos, aí a gente deescobre um jornal como o da cultura e um "comentarista" como voce para falar por muita gente. Eu o vejo e sempre conmcordo com os seus pronunciamentos. Para achar que esta tudo bem é preciso ser político, funcionário público não ser aposentada como eu. Todas as vezes que surge um problema em seguida aparece o resultado de uma pesquisa e os índices de aceitação do Lula e agora da Dilma vão lá próximo dos 3 dígitos. Agora vou rezar pro Lula ficar bom logo senão vem aí mais uma canonização.
# por Anônimo - 1 de novembro de 2011 às 09:55
Villa,
Você foi fantástico, mais uma vez. Sintetizou muitas coisas em poucas linhas. Infelizmente, esse é o retrato do nosso país. Um lugar que tinha tudo para ser uma das potências mundiais, mas em grande parte por culpa desses "vermes" que estão no poder, continuamos a patinar no subdesenvolvimento. Uma pena!...
# por Josué - 1 de novembro de 2011 às 18:17
Villa,
Sempre que aparece como convidado na Globonews, presto atenção em seus comentários e agora acompanho seu blog. Suas ideias são muito boas e claras. Como disse certa vez Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes. Precisamos de pessoas lúcidas como você.
# por Anônimo - 4 de novembro de 2011 às 16:47
Os comentaristas que discordam do exposto no artigo do sábio professor Villa , por certo não estão capacitados para entender o seu teor! Daí nem compensa perder tempo com respostas,ou explicações a essas pessoas. É tudo isso e muito mais, que ainda não foi revelado e que está lá naquela Caixa Preta, sobre a qual se referiu a ilustre Ministra Calmon que preside, ou presidia o CNJ- conforme artigo do JORNAL JURID.sob o título=os corruptos togados.Por tudo isso é que sempre que tomamos conhecimento de algum projeto que visa a alimentar esse estado calamitoso porque atravessa o nosso país, eu critico mesmo sem contudo deixar de ponderar sobre a minha insurgencia e finalmente registrar uma sugestão para a hipótese em tela. Daí abono por completo o muito bem lançado artigo desse sábio Villa,a quem assisto, com muito apreço,no Jornal Cultura, da jornalista POLI.tambem de grande mérito. PARABENS AOS DOIS. E CONTINUE PROF. wilma
# por Rachel - 8 de novembro de 2011 às 20:30
Villa, admiro muito seu trabalho!
O PT já determinou que petistas e seus mercenários se infiltrem no ciberespaço. Sugiro que a moderação veja isso com cuidado.
# por Anônimo - 9 de novembro de 2011 às 12:23
A sra. Rachel sugere moderação (seja analisado antes de ser publicado), mas não é o PT o partido da censura. Não é procurando o isolamento que haverá convergências de idéias para o crescimento do país.
# por Anônimo - 9 de novembro de 2011 às 12:28
Eu me assusto com matérias e artigos desse tipo, em 1964 foi tão diferente, havia por parte de uma certa classe social esse mesmo sentimento. Creio que o discurso de ataque sem soluções só serve a ideais extremistas. Todos exigimos mudanças, mas descredênciar todas as instituições públicas não levará á progresso algum, é necessário repensa-las, debater e discutir.
# por Anônimo - 11 de novembro de 2011 às 00:26
Villa, bom artigo.