Ainda sobre o Judicário

Este artigo foi publicado na Folha de S. Paulo em 13 de junho de 2007. Os questionamentos não são novos, infelizmente.

TENDÊNCIAS/DEBATES

A crise política e o Judiciário
MARCO ANTONIO VILLA

O nó górdio da impunidade, e que atinge o coração da democracia, não está no Executivo nem no Legislativo, mas no Judiciário

A AÇÃO da Polícia Federal, especialmente a Operação Navalha, tem criado enorme polêmica.
Muitos perguntam a quem interessam essas ações, como se uma polícia de Estado tivesse de servir ao governo em vez de defender o interesse público. A cada operação, é elaborada uma teoria conspiratória e começa a busca dos favorecidos e dos prejudicados.
Os críticos alegam que tudo não passa de mero espetáculo, sem nenhum resultado prático, como se fosse tarefa da PF julgar e condenar os acusados de desvios dos recursos públicos. Ela faz -e bem- a sua parte. O nó górdio da impunidade -e que atinge o coração da democracia- não está no Executivo nem no Legislativo, mas no Poder Judiciário. Os dois primeiros Poderes, apesar dos defeitos que possuem, sofrem vigilância muito mais severa da imprensa, são mais transparentes e democráticos. Do Judiciário, pouco ou nada sabemos.
Vivemos uma grave crise política -que se eterniza. E parte dela se deve à corrupção. E o papel ativo do Judiciário nesse combate é essencial.
A Justiça brasileira é severa com o "andar de baixo", mas leniente com o "andar de cima". Contra os pobres, age rapidamente e pune severamente. Já políticos acusados de corrupção -e considerados por seus pares como corruptos- continuam circulando livremente. Alguns estão no Congresso e são recebidos pelo presidente da República com todas as honras. Um deles, inclusive, pode entrar tranqüilamente no Palácio do Planalto, mas será preso se pisar nos Estados Unidos.
O Judiciário deve agir combatendo os crimes, independentemente da origem social do acusado. Parece óbvio, mas não é o que ocorre no Brasil.
É um Poder que acabou conivente com a desmoralização da própria Justiça. E exemplos não faltam.
Não é mero acaso que nenhum dos políticos importantes acusados de corrupção tenha sido condenado e preso. Eles contratam advogados criminalistas especializados em inocentar corruptos -e que cobram honorários caríssimos. Sabem que recebem dinheiro sujo. Mesmo assim, muitos deles, sem pestanejar, assinam manifesto em defesa da ética na política...
A crise moral atinge até os tribunais superiores. A Operação Hurricane apresentou documentos e gravações envolvendo juízes, advogados e um ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça). A Navalha chegou ao TCU (Tribunal de Contas da União).
Aí temos outro problema: a forma como são sabatinados pelo Senado os candidatos a ministro dos tribunais superiores -como STF (Supremo Tribunal Federal) e STJ- indicados pelo presidente da República.
Diversamente do que ocorre nos Estados Unidos, na terra descoberta por Cabral, tudo não passa de mera formalidade. Na sessão, o futuro ministro é elogiado, louvado como eminente jurista, mesmo que os senadores não tenham lido nada dele. Não se faz nenhuma pergunta sobre tema relevante: evitam constrangimentos a todo custo. O candidato já está aprovado antes da audiência. E se for uma mulher, ah, aí a sessão se transforma: a candidata é elogiada pela beleza, elegância e charme, numa manifestação explícita de machismo.
O problema das nomeações é antigo: Collor retirou do STF Francisco Rezek para designá-lo ministro das Relações Exteriores. Depois o demitiu. Para não deixá-lo na rua, colocou-o de novo no STF. E se fôssemos mais longe, chegaríamos a Floriano Peixoto, que designou um médico e um general para a Suprema Corte. A legislação atual é mais que suficiente para combater a corrupção. Logo, a questão não passa pela inexistência de base jurídica. Falar que falta vontade política ao Judiciário deixaria Montesquieu corado. Também não cabe tomar nenhuma atitude que viole o equilíbrio entre os Poderes.
O caminho deve ser uma cobrança ativa da sociedade, exigindo que o Judiciário finalmente, para usar linguagem futebolística, entre em campo.
Dentro desse quadro, com o Judiciário que temos, é impossível começar uma Operação Mãos Limpas, como na Itália. Diversamente do que escreveu nesta página o juiz Cláudio José Montesso (dia 10/6), apontar os graves problemas do Judiciário não fragiliza sua atuação ou a democracia.
Muito pelo contrário: fortalece a necessidade da mudança desse padrão.
O que o país espera é uma Justiça célere, eficiente e não-classista. Espera que voltemos a ter capacidade de nos horrorizarmos. Espera que o corrupto seja preso, julgado e condenado (devolvendo aos cofres públicos o dinheiro desviado). Espera que a República anunciada em 15 de novembro de 1889 seja finalmente proclamada.

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    # por O Mascate - 2 de outubro de 2011 às 08:20

    Villa, lendo seu artigo e acompanhando a política brasileira e a relação do povo com ela, chego a conclusão que o povo brasileiro devido a sua miscigenação deve ter perdido alguns "parafusos" da cabeça durante a "evolução".
    Não é possível que um povo "normal" seja tão frouxo e tão inerte com os desmandos dos que eles mesmos ajudam a eleger.
    No mínimo em Terras Brasilis existe alguma disfunção moral ou de formação de caráter que leva uma nação inteira, salvo raras excessões, a ser tão leniente, burra e festeira.
    Falar em política no Brasil de hoje, é ser execrado nas rodas de bate papo, agora, se o assunto for futebol ou fofoca da vida alheia...
    O povo brasileiro em sua grande maioria é tolo ou otário, quando não, os dois.

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    # por Anônimo - 2 de outubro de 2011 às 09:54

    Parabéns, Prof Villa.Vc foi um dos únicos, se não o únicos a relatar os gargalos e mazelas do poder judiciário.Só agora a imprensa e a sociedade acordaram.

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    # por Anônimo - 3 de outubro de 2011 às 12:07

    Cumprimento o Prof. Villa por mais um artigo brilhante sobre o Judiciário brasileiro. Já era tempo de pessoas competentes e formadoras de opinião exporem com clareza como é a Justiça no Brasil, ou melhor, a falta dela.
    Obrigada por enriquecer minhas reflexões.
    Maria Cecilia Proença (Ribeirão Preto)

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    # por Apelido disponível: Sala Fério - 3 de outubro de 2011 às 14:12

    O Judiciário depende, para exercer seu múnus público, das leis que são de iniciativa do Executivo/Legislativo, aprovadas e sancionadas por ambos. Fala da quantidade de servidores por processo: em uma vara de execução fiscal há mil processos por servidor - explica isso à sociedade, professor. Quanto aos gastos do Judiciário, que podem chegar por lei até o limite de 6% do orçamento público, hoje não alcançam 4%. Diz a verdade, estamos dentro da Lei de Responsabilidade e do limite prudencial, em vez de espalhar abobrinha. Discute essa questão comigo: estou esperando a sua resposta.

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    # por Anônimo - 7 de outubro de 2011 às 09:08

    A crítica social de seu artigo encontra fundamento, mas acho que você incorre em graves erros ao se aventurar por um campo que não é o seu. Acredito que você deveria se restringir a suas áreas de conhecimento (História e Sociologia), ou ao menos pesquisar um pouco mais ao tratar de assuntos eminentemente jurídicos. É evidente que as críticas ao Poder Judiciário são cabíveis, estamos em uma democracia. Mas ao fazê-las "de fora", por alguém não inserido na realidade do Poder Judiciário, devem ser feitas com cautela e muita pesquisa, para que não se incorra em equívocos grosseiros.