Entrevista para o Ig Poder Online

Entrou no ar hoje:

QUARTA-FEIRA, 12 DE OUTUBRO DE 2011
Brasil | 10:25
Marco Antonio Villa: “Revisar a Constituição é abrir caminho para tirar direitos dos cidadãos”



Um dia depois de obter a oficialização de seu registro pelo Tribunal Superior Eleitoral, o PSD propôs a formação de uma Assembleia Constituinte, a ser eleita em 2014, para trabalhar durante dois anos numa revisão constitucional.

A proposta do partido do prefeito Gilberto Kassab é, considerando que a Constituição de 1988 tem 73 emendas, formar uma assembleia para que sejam feitas todas as revisões necessárias de uma só vez.

Mas, para o historiador Marco Antônio Villa, que lança esta semana o livro A história das constituições brasileiras – 200 anos de luta contra o arbítrio (LeYa Brasil), a proposta de revisão constitucional do PSD “é absolutamente descabida”.

Em conversa com o Poder Online, Villa afirma que “pensar em se fazer uma revisão constitucional é, na verdade, abrir caminho para piorar a Constituição, para suprimir direitos”.

- As nossas constituições foram, em grande parte, uma verdadeira farsa. Os direitos individuais e as liberdades foram sempre deixados de lado.

Poder Online - Por que o arbítrio do título?

Marco Antonio Villa – O que chama atenção em todas as constituições é o descolamento entre o texto legal e a realidade brasileira. E esse não é um fenômeno recente. Vem ao longo desses 200 anos, desde a primeira constituição, a de 1824. Vejo como todas elas, com exceção da última, de 1988, têm um grave problema em relação à existência efetiva das liberdades democráticas e das garantias individuais, que são essência de uma sociedade democrática. A constituição de 1937, por exemplo, era de uma violência absurda. Não só não falava de garantias dos direitos individuais, mas quando faz uma mera menção formal a esses direitos, vem o último artigo e suspende todos os direitos constitucionais. A constituição termina impondo o estado de emergência. Existe um descolamento permanente entre a constituição e a realidade concreta do Brasil. Mas esses absurdos vão caindo no esquecimento da população.

Poder Online – Por que o Brasil teve tantas constituições?

Marco Antonio Villa – Tivemos tantas constituições porque temos uma mania de refundar o Brasil. Cada regime sempre é novo, como se fôssemos um país novíssimo. Cada regime quer fazer sua constituição, diferentemente de outros países da América Latina. No caso do México, por exemplo, a constituição que está em vigor é a de 1917, que teve algumas emendas, claro. A constituição argentina é do século 19. Nós, entretanto, temos necessidade de uma nova constituição. Em alguns casos, é claro, era necessário. Não era possível a redemocratização de 1985 com a Constituição de 1967.

Poder Online – Como o senhor avalia a proposta de revisão constitucional, adotada pelo PSD, partido do prefeito Gilberto Kassab?

Marco Antonio Villa – A proposta de revisão constitucional, do partido do prefeito Gilberto Kassab, é absolutamente descabida porque só a Constituição de 1988, que ainda é muito jovem, já teve 73 emendas aprovadas. Haja emenda! A Constituição dos EUA, de 1787, teve, em 224 anos de vigência, 27 emendas. Sendo que as dez primeiras são de 1791. E aqui continuam tramitando inúmeras PECs (Proposta de Emenda à Constituição). Apesar das coisas absurdas, o importante da Constituição são os direitos individuais, a garantia de liberdade de organização, manifestação e opinião. Isso é central. E pensar em se fazer uma revisão constitucional é, na verdade, abrir caminho para piorar a Constituição, para suprimir direitos. É recomendável deixar como está. E, caso necessário, faça alguma emenda.

Poder Online – Os problemas estão relacionados com a Constituição de 88?

Marco Antonio Villa - Não me parece que os problemas do Brasil de hoje tenham relação com a Constituição de 88. Os problemas são de outra ordem. A Constituição, por exemplo, não cria qualquer obstáculo para combater a corrupção. Ao contrário. Ela criou mecanismos eficazes para isso. A Constituição não cria nenhum obstáculo para liberdade de opinião, manifestação, não tem nenhum problema de um poder invadir o outro. Está muito claro qual é a função dos três poderes. O problema é que cada poder não sabe efetivamente exercer suas atribuições constitucionais. Os nossos problemas são muito mais de gestão e de eficiência dos três poderes, principalmente do Judiciário, que é o pior dos três poderes da República. É o menos transparente, o mais corporativo, o mais injusto.

Poder Online – O senhor acredita que existe uma relação entre o arcabouço jurídico e a atual crise no Judiciário?

Marco Antônio Villa – O último capítulo do livro, o oitavo, trata do Supremo Tribunal Federal. Mostro o desencontro permanente entre o Supremo e as liberdades. Desde a sua criação, ele tentou ser o guardião da Constituição, mas nunca o foi. Eu fiz questão de mostrar a questão histórica do Supremo. Mostrar, por exemplo, como a ditadura militar, em janeiro de 1969, cassou três ministros brilhantes do Supremo: Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. Naquela época, o Supremo tinha 16 ministros. O regime militar tinha ampliado de 11 para 16. Quando veio a cassação, eles receberam a solidariedade de dois ministros. Um renunciou e outro se aposentou. Os outros 11 se mantiveram em silêncio e o regime militar decidiu, então, deixar os 11 mesmo. O silêncio venceu. O Supremo sempre se omitiu. Eu espero tudo do Supremo, mas Justiça é algo que eu não espero. O problema é que a República no Brasil só foi anunciada em 1889, mas até hoje não foi proclamada. As nossas constituições foram, em grande parte, uma verdadeira farsa. Os direitos individuais e as liberdades foram sempre deixados de lado.

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    # por Ana Lúcia K - 13 de outubro de 2011 às 16:40

    Concordo plenamente com vc sobre a revisão da Constituição, pois NÃO HÁ NECESSIDADE de se fazer uma. Se, de fato, pretendem contribuir, melhorar ou facilitar a vida do cidadão, seja ele trabalhador ou empregador, em todos os níveis, que o façam como sempre fizeram - por emendas constitucionais. Em um país, onde a corrupção grassa como uma praga e seus governantes fingem que de nada sabiam, NÃO DÁ PARA CONFIAR! É melhor não arriscar a ver a República Federativa do Brasil ser transformada em "República Democrática e Popular do Brasil"(ler o PNDH3 aprovado pelo pt). brazuela, NÃO!
    Tenho por princípio a seguinte questão: tudo que é bom para o pt e o lula quer, é péssimo para o Brasil, pois só atende às suas pretenções de permanência no poder.

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    # por Marcos Garcia - PSD - 14 de outubro de 2011 às 16:33

    Prezado dr. Marco Antonio Villa: seu argumento contra a proposta do PSD ignora o fato de que ela pretende apenas modificações pontuais no texto constitucional, excluindo explicitamente alterações em capítulos que tratem dos direitos e garantias individuais. O texto da PEC é claro neste aspecto, como se vê a seguir:
    "A proposta consiste na eleição de uma Câmara Revisional exclusiva para, no período de dois anos, promover a reforma da atual Constituição Federal, exceto os dispositivos considerados cláusulas pétreas, nos termos do § 4º do artigo 60, que não serão objeto de modificação pela Câmara Revisional. Dispõe o mencionado dispositivo:
    Art. 60. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
    I - a forma federativa de Estado;
    II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
    III - a separação dos Poderes;
    IV - os direitos e garantias individuais.
    O presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, tem deixado claro que as mudanças devem focar apenas aqueles pontos que dificultam a realização de reformas há muito reclamadas pela população e nunca saem do papel. É o caso da tão falada reforma política e eleitoral, ou de mudanças no chamado pacto federativo que melhorem a distribuição de recursos e encargos entre a União, os Estados e os municípios. Para o PSD, na tramitação da PEC será preciso blindar a revisão constitucional contra mudanças que pretendam ir além dessas questões específicas.
    Marcos Garcia - Assessoria de Imprensa PSD

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    # por Anônimo - 16 de outubro de 2011 às 13:11

    O problema é:alguns grupos que assumem o poder querem reescrever a história.Ou reparar aquilo que julgam ter sido uma injustiça reformando, criando, emendando, não só a constituição, mas, também, e sobretudo, a legislação infra-constitucional.Não temos a cultura da perenidade das instituições tão pouco das regras que regem a relação entre elas e a sociedade.