Dilma e seus governos

Saiu hoje no Estadão:


Dilma e seus governos

03 de agosto de 2011 | 0h 00

Marco Antônio Villa - O Estado de S.Paulo

Dilma Rousseff é caso único na História do Brasil. Já iniciou, em apenas sete meses, três vezes o seu governo. Em janeiro assumiu a Presidência. Parecia que a sua gestão iria começar. Ledo engano. Veio a crise em maio - caso Palocci - e ela rearranjou o núcleo duro do poder. Seus entusiastas saudaram a mudança e espalharam aos quatro ventos que, naquele momento, iria efetivamente dar início ao seu governo. Mera ilusão. Veio nova crise em junho, esta no Ministério dos Transportes. Seguiram-se demissões de altos funcionários - ontem já chegaram a 27. Em seguida, foi anunciado que agora - agora mesmo - é que iria começar a sua Presidência. Será?

No país das Polianas, sempre encontramos justificativas para o injustificável. Os defensores, meio que envergonhados da presidente, argumentam que ela recebeu uma herança maldita. Mas não foi essa "herança" que a elegeu presidente? Não permaneceu cinco anos na Casa Civil participando e organizando essa "herança"? Herança, como é sabido, é algo recebido de outrem. Não é o caso. A então ministra da Casa Civil foi uma participante ativa na organização da base partidária que sustenta o governo no Congresso Nacional. Tinha e tem absoluta ciência do que representam essas alianças para o erário.

Fingir indignação, falar em limpeza - quando o vocabulário doméstico invade a política, é sinal de pobreza ideológica -, dizer que agora, sempre agora, só vai aceitar indicações que tenham a ficha limpa, isso é um engodo. Quer dizer que no momento em que formou o Ministério a ficha limpa era irrelevante? Ficha limpa é para coagir aliados? E que aliados são esses que são constrangidos pelo currículo?

Os sucessivos reinícios de governo são demonstrações de falta de rumo e de liderança. O PAC não é um plano de governo. É uma junção aleatória de obras realizadas principalmente pelo governo e por empresas estatais. É um todo sem unidade alguma. Não há uma concepção de projeto nacional, nada disso. Além da falta de organicidade, os cronogramas de todas as obras estão atrasados. O governo não consegue realizar, de forma eficaz, nenhum empreendimento. Quando algo chama a atenção, não é por seu efeito para o desenvolvimento do País. Muito ao contrário. É por gasto excessivo, desvio de recursos, inutilidade da obra ou atraso no prazo de entrega. E, algumas vezes, é uma cruel somatória desses quatro fatores.

O País está sem rumo. Mantém indicadores razoáveis no campo econômico, contudo muito abaixo das nossas potencialidades. Basta lembrar que neste ano a taxa de crescimento será a mais baixa entre os países da América do Sul (não estamos falando de China, Índia ou Coreia do Sul, mas de Paraguai, Equador e Peru). A economia ainda é movida pelo que foi estruturado durante os primeiros anos do Plano Real e por medidas adotadas em 2009, ante a crise internacional.

A falta de liderança é evidente. Os últimos quatro meses foram de abalos permanentes. E nos primeiros cem dias a presidente teve uma trégua. Foi elogiada até pelo que não fez. Politicamente, o ano começou em abril e, de lá para cá, o governo toda semana foi tendo algum tipo de problema. Ora no relacionamento com a base, ora no cotidiano administrativo. O problema central é que Dilma não se conseguiu firmar como liderança com vida própria. É vista pelos líderes da base como alguém que deve ser suportada até o retorno de Lula. A questão - para eles - é aguentar a destemperança presidencial. Claro que o preço compensa. Porém a rispidez e os gritos da presidente revelam que ela própria sabe que não é levada a sério. Vez por outra, o passado deve rondar os pensamentos da presidente. Ela, em alguns momentos, exige uma obediência ao estilo do velho "centralismo democrático" leninista. Sonha com Trotsky, Bukharin e Kamenev, mas convive com Collor, Sarney e Renan.

Nas crises que enfrentou, não conseguiu encontrar solução razoável. Ao contrário, desarrumou a articulação existente e foi incapaz de substituí-la por algo mais eficiente. Deixou rastros de insatisfação e desejos de vingança. A trapalhada com o PR e a demora em resolver de vez as denúncias são mais evidências da falta de capacidade política. Criou na Esplanada dos Ministérios a versão petista do "onde está Wally?". Agora o jogo é adivinhar, entre mais de três dúzias de ministros, quem será o próximo a cair em desgraça. Algo meio stalinista (é o passado novamente?). Com tanto estardalhaço, Dilma nem acabou com a corrupção nem conseguiu fazer a máquina governamental funcionar. E quem perde é o País.

A cada fracasso de Dilma, mais cresce o clamor da base (e do PT, principalmente) para o retorno de Lula. Difícil acreditar que o criador não imaginasse como seria o governo da sua criatura. Pode ter sido uma jogada de mestre. Respeitou a Constituição (não patrocinando o terceiro mandato), impôs uma candidatura-poste, venceu com o seu prestígio a eleição e será chamado cada vez mais para apagar incêndios. Ou seja, a possibilidade de ser passado para trás é nula. Dessa forma, transformou-se no personagem fundamental para manter a estabilidade da aliança do grande capital nacional e estrangeiro, fundos de pensão das estatais, políticos corruptos e oportunistas de toda ordem. É também o único que consegue fazer a articulação com o andar de baixo, dando legitimidade ao projeto antinacional. Sem ele, tudo desmorona.

Dilma vai administrando (e mal) o cotidiano. A fantasia de excelente gestora, envergada no governo Lula e na campanha presidencial, revelou-se um figurino de péssima qualidade. Como nos velhos sambas, a quarta-feira já chegou. Um pouco cedo, é verdade. O carnaval mal começou. E dos quatro dias de folia, nem acabou o primeiro.

  1. gravatar

    # por O Mascate - 3 de agosto de 2011 às 08:38

    Villa, com a sua permissão vou postar esse primoroso texto lá no meu "cafofo"
    Como ando tão farto de tudo o que acontece neste país. Minha criatividade anda meio que em baixa.

  2. gravatar

    # por Joaquim - 3 de agosto de 2011 às 10:54

    Esse artigo me embrulhou o estômago. Estou com um misto de ''nojo alheio'' pelos que votam no PT e vergonha por não poder sair por aí protestando porque estaria sozinho no meio de tanta gente tola; ainda corro o risco de ser chamado de subversivo, isso se não morrer por nada, tão comum no país das Polianas.

    O barco só vai virar (pra todos) quando o bolso ficar vazio. Bem, vazio ele já é porque só temos as prestações a pagar; dinheiro vivo mesmo não dura cinco segundos nessa nova terra brasilis lullensis falcatruaris.

  3. gravatar

    # por Lucas - 3 de agosto de 2011 às 19:53

    Prezado Joaquim, é só aguardar. O que aconteceu nos EUA se estenderá à Europa e Ásia.
    Responsabilidade fiscal e diminuição do estado terão de ser implantados custe o que custar. O dinheiro vai ficar curto. É só questão de tempo.
    Viva o Tea Party que sepultou o neoliberalismo!!!!

  4. gravatar

    # por Joaquim - 4 de agosto de 2011 às 12:11

    Talvez seja inevitável mesmo, Lucas.
    Fico pensando no que será dos milhares de estrangeiros que habitam as empresas multinacionais em São Paulo, estrangeiros que ganham R$ 30,000 ao mês e vivem uma vida de rei mesmo numa das cidades mais caras do planeta. A hora que o bicho apertar em quase todos os continentes, bem, eles explorarão quem? Acabará o lucro... e aí? Aí eles voltam pros seus lindos países endinheirados e o povão anestesiado, mas duro?

  5. gravatar

    # por Dawran Numida - 4 de agosto de 2011 às 19:03

    Muito bom o texto. A presidente não consegue ajustar o próprio governo, numa quadra que apresenta-se problemática. Na política, os efeitos dos recentes eventos em sequência, deixam claro que a presidente não tem aptidão para ter uma base de apoio grande e díspar em termos de interesses. Na gestão administrativa, nada apareceu de novo, pelo contrário, parece um organismo à deriva. Isso tudo temperado pelos problemas na economia. Por mais que digam serem "problemas dos, ou criados por, países ricos", que o seja. Contudo, os efeitos é que interessam. E os efeitos não serão bons para a economia brasileira. E nisso o governo parece inerte. O pacotaço que lançou, chamando de Brasil Maior, parenta mais medidas de defesa comercial do que de desenvolvimento de política industrial, conforme já analisado em colunas dos meios de comunicação. Fazer bazófias com crise nos EUA e Europa é bem diferente de organizar os meios necessários para proteger o País.