Fantasia e realidade
MARCO ANTONIO VILLA
O Estado de S.Paulo - 15/06/11
O primeiro quadrimestre da Presidência Dilma Rousseff dava a entender que teríamos um governo novo. Parecia que ela queria, discretamente, libertar-se do seu criador. O processo brasileiro tão clássico da rebelião da criatura contra o seu criador iria se repetir. Setores da mídia e da política nacional passaram a apostar nesse rompimento. Para isso era essencial realçar os méritos da presidente, sua competência, sua pertinácia e seu tirocínio. Tudo o que ela parecia fazer era motivo de largos elogios.
Porém, mais uma vez, a realidade sobrepôs-se à fantasia. Primeiro, com a inoperância governamental. Nenhum projeto do governo federal está com o cronograma em dia. Os tão falados "gargalos" não só permanecem, como foram ampliados. A equipe ministerial é de uma incapacidade raramente vista na História republicana brasileira. Ou os ministros são omissos ou, quando são notados, os motivos são as constantes trapalhadas. A presidente acabou ficando perdida em meio à burocracia oficial e demonstrou uma enorme dificuldade gerencial, sem saber destacar o que era relevante e fundamental para o País das questões comezinhas do cotidiano administrativo. Confundiu seriedade com minúcia digna de um dono de armazém. Dessa forma, o governo está paralisado, somente o que funciona é o que foi herdado da gestão anterior. E, claro, com tempo de validade restrito. Afinal, a conjuntura mundial vai mudando e novos desafios são apresentados ao Brasil.
Nestes cinco meses, a presidente ainda não conseguiu apresentar ao País o que pretende fazer. Ela administrou o varejo, ampliou o número de Ministérios (como se a quantidade dos então existentes fosse pequena) e requentou programas já conhecidos. As propostas apresentadas durante a recente campanha eleitoral foram arquivadas. Dessa forma, evidentemente, não foi possível dar a sua cara ao governo. E não pode dizer que encontrou dificuldade com a oposição.
Politicamente, deve ser recordada a crise entre o governo e o PMDB. A razão mais explícita foi a votação do Código Florestal. O então ministro-chefe da Casa Civil, Antônio Palocci, bateu boca com o vice-presidente da República, Michel Temer. Coisa ao estilo de um fim de feira, na hora da xepa, e não de um governo que se apresentava como sólido, com uma base congressual consolidada. A presidente confundiu energia presidencial com indisposição para negociação e isolamento com dedicação administrativa.
A inexperiência política colaborou para aumentar a tensão. Quando foi obrigada a chamar o ex-presidente Lula para apagar o incêndio, resolveu um problema imediato, mas criou outro muito maior. Desvelou para o Congresso Nacional que não consegue resolver uma crise rotineira da base. Divergências são comuns entre Executivo e Legislativo. Querer cobrar um comportamento de absoluta obediência e subserviência dos partidos da base leva necessariamente ao enfrentamento e quem perde - na atual composição de forças - é o Executivo. Tanto que o PMDB acabou saindo como vencedor.
A demora para solucionar a crise gerada pelas denúncias que envolveram o ex-ministro Palocci reforçaram a sensação de que Dilma pode estar caminhando para um processo de sarneyzação da Presidência. E sem a perspectiva de um Plano Cruzado. Convenhamos que é muito cedo. Mal completou cinco meses de mandato. Para piorar ainda mais, só falta o tema da sucessão, em 2014, começar a ocupar o noticiário político. Se isso ocorrer, Dilma estará seguindo os passos de Epitácio Pessoa. Eleito em 1919, meses depois o assunto não era mais o seu governo, mas a sucessão presidencial, que ocorreria somente em 1922. O próprio Estadão criou uma seção fixa do jornal para tratar do tema.
É evidente que, no caso Palocci, Dilma estava com as mãos atadas. O ex-ministro fazia parte da cota pessoal de Lula. Ela tinha, primeiro, de negociar com o padrinho, antes de demitir o afilhado. Mas o padrinho endureceu e tentou manter Palocci a qualquer custo. A estratégia lulista de aguardar o parecer - já sabido - do procurador-geral da República foi um fracasso. O fulcro da questão não era legal, mas principalmente ético. E aí apenas restou aguardar a solicitação de demissão.
A designação de uma figura politicamente anódina para a Casa Civil tende a congelar a crise política. Era a hora de nomear alguém de peso, que permitisse dar novo fôlego ao governo. Mas a presidente ficou temerosa de não ter o domínio absoluto da Casa Civil. E é justamente essa obsessão, a de controlar tudo o que acontece no Palácio do Planalto, que acaba enfraquecendo a sua ação. Dilma não entendeu que um governo democrático tem de delegar funções e autoridade. A concentração do mando na presidente não é demonstração de força, muito ao contrário. Mostra fraqueza e desconfiança no desempenho dos seus ministros.
As últimas quatro semanas confirmaram o que era evidente para qualquer observador com um mínimo de criticidade. O governo é frágil, tem uma base congressual gelatinosa, comunica-se muito mal com a população e vive ainda com base no prestígio adquirido pela gestão presidencial anterior. Ninguém consegue identificar um programa governamental que esteja caminhando bem e represente a nova administração. E as pesquisas de opinião devem demonstrar, daqui para a frente, o crescimento do sentimento de frustração entre seus eleitores.
Tudo indica que o governo ganhará novo fôlego nas próximas semanas. A ministra da Casa Civil deverá ser momentaneamente transformada numa grande especialista em administração pública. Será elogiada pelos motivos mais banais, típicos de um país onde não há debate político. Logo a máscara vai cair. Novamente o imperativo da realidade política vai se impor. E a crise tende a continuar, ora mais aguda, ora mais amena. O problema é que governo não tem um projeto para o País.
# por O Mascate - 15 de junho de 2011 às 07:18
Villa, como ela não fez nada desde que tomou posse?
Poxa, ela aumentou o salário mínimo para se tornar mínimo de verdade, as taxas de juros subiram quatro vezes em seis meses. Levou ferro no código florestal. Segurou o Palocci por não ter a mínima idéia do que fazer com ele. E se desgastou muito. E o mais incrível é que o caso Battisti não respinga nela. Fica entre o STF e o Lula. Ela que poderia definir essa situação ficou vagando pelo ar com cara de paisagem.
Sem contar que recebeu o Loko Chaves e não quis receber a Nobelada Iraniana.
Fritou um ministro, agraciou outra com uma promoção. Está infestando o governo com mulheres para parecer políticamente correta. E a imprensa amestrada vive dizendo que ela é uma "gerentona" e seu ritmo de governo é alucinante.
Em outras palavras ela continua sentada no colo do Lula e ele vai manipulando-a como a um boneco de ventíloco.
O objetivo foi alcançado, o PT não largou o osso do poder, mesmo que isso venha a quebrar o país.
A sucessão começou no dia em que ela tomou posse, o Lula não vai deixar que a Dilmarionete faça um bom governo para que ele não corra o risco de ter que esperar para tentar novamente após a reeleição da "gerentona". Até lá o metalurgico vai estar muito velho para passar mais oito anos de governo fazendo comícios e inaugurando obras inacabadas.
O que o governo da Dilmarionete está sentindo hoje é o peso das mentiras que contaram durante a campanha, só não vê quem não quer.
Criaram um monstro da mentira e ele está prestes a devorar seus criadores.
# por Anônimo - 15 de junho de 2011 às 11:53
Incrível, Villa. Parabéns pelo texto.
# por Anônimo - 15 de junho de 2011 às 14:09
Professor Villa, realmente o problema é esse. Não há debate político. Então tudo o que se fala de alguém para o bem para o mal, mentira ou verdade, passa a ser verdade. Principalmente se for alguém do partido ou do governo ou próximo do presidente. Seja quem for o presidente. Agora a regra continua: bastava a presidente respirar e era cantado em editoriais e colunas que ela respirara diferente. Agora, a nova ministra e senadora idem: Como pode ser uma grande administradora pública? Como pode ser uma excelente financista? Só por ter trabalhado em Itaipu e na secretaria de um Estado ou Prefeitura do Centro-Oeste? Como pode ser tudo isso que falam se ela só se preocupou em defender o governo de tudo, em discursos que não demonstraram conhecimento maiores do que o Suplicy, a Marta, o Renan, o Sarney? E aproveitou para apoiar a triplicação do preço da energia de Itaipu a ser pago ao Paraguai. Ou seja, quem é a senadora que agora é ministra, que só ajudou a tirar dinheiro dos brasileiros para financiar o déficit paraguaio? E fica a "opinião pública", sendo trabalhada para achar que tem o melhor governo do mundo, talvez do Universo. Desta vez, porém, o santo foi descoberto antes, o andor começou a quebrar antes, a procissão começa a dispersar antes. Não durou nem seis meses. Se passar disso, será por mera boa vontade até de quem tenha esteja enjoado de servir de acólito.
# por Ana Lúcia K. - 16 de junho de 2011 às 02:09
Prezado Villa,
Elles fantasiaram tanto a realidade que ficou difícil cair na real. E o pior é que nós é que vamos pagar essa conta.
Acorda Brasil! Ou nós acabamos com elles ou não vai sobrar mais nada!
# por Alexandre Neuwert - 16 de junho de 2011 às 09:09
Parabéns Villa
Comecei a te acompanhar esse ano, graças ao Jornal da Cultura.
Ótimo texto, a visão real do que acontece com o Brasil.
Ah, continue do jeito que está no Jornal da Cultura, não dê folga na batalha contra a fantasia!
# por Cláudia - 16 de junho de 2011 às 12:50
Professor Villa, excelente texto!
Gostaria de vê-lo debatendo no Facebook (a exemplo de Simon Schwartzman e Bolivar Lamounier), tornando seus comentários acessíveis ao público leigo cujos amigos acessam seus textos, estendendo a rede que poderia receber uma visão mais lúcida e mais crítica sobre o governo atual. Um abraço.
# por barbarah.net - 16 de junho de 2011 às 19:57
O artigo também está no Noblat, Coturno Noturno, Tambosi...